Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 02/04/2012
HABEAS CORPUS Nº 0007235-81.2009.4.03.0000/SP
2009.03.00.007235-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
IMPETRANTE : ROBERTO PODVAL
: BEATRIZ DIAS RIZZO
: LUIZA OLIVER
PACIENTE : DENISE MARIA AYRES DE ABREU
ADVOGADO : ROBERTO PODVAL
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA CRIMINAL SAO PAULO SP
No. ORIG. : 2008.61.81.010440-4 1P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA NO ATO DE RECEBIMENTO DA DENUNCIA. NULIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1- O Ministério Público é o dominus litis, a quem cabe a formação da opinio delicti que informa a denúncia.
2- Ao Juiz, quando da admissibilidade da denúncia, cabe apreciar se existe ou não justa causa para a ação, evitando exame aprofundado do fato. Já no momento processual definido no art. 397 do CPC o juiz pode julgar antecipadamente o mérito da acusação apenas para absolver o acusado, sem a necessidade de transcorrer toda a fase instrutória.
3- Dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da queixa ou da denúncia, o juiz poderá fazê-lo na fase do art. 383 do CPP, ou seja, quando da sentença, até porque a errônea qualificação legal do crime poderá ser corrigida, a qualquer tempo, pelo Ministério Público, até a prolação da sentença final.
4- É de rigor a anulação da r. decisão que ratificou o recebimento da denúncia dando capitulação diversa ao crime descrito na exordial e determinou o prosseguimento do feito em desfavor da paciente.
5- Ordem parcialmente concedida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem a habeas corpus decretando a nulidade da decisão de fls. 1668/1715 na parte que deu ao fato delituoso definição jurídica diversa da ofertada na inicial da acusação, devendo o feito prosseguir na forma como denunciado, até o momento apropriado para eventual "emendatio libelli" ou "mutatio libelli", que poderá ser realizada, caso o Juízo entenda cabível, na fase do artigo 383 e 384 do CPP, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 13 de março de 2012.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal Relator


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HABEAS CORPUS Nº 0007235-81.2009.4.03.0000/SP
2009.03.00.007235-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
IMPETRANTE : ROBERTO PODVAL
: BEATRIZ DIAS RIZZO
: LUIZA OLIVER
PACIENTE : DENISE MARIA AYRES DE ABREU
ADVOGADO : ROBERTO PODVAL
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA CRIMINAL SAO PAULO SP
No. ORIG. : 2008.61.81.010440-4 1P Vr SAO PAULO/SP

VOTO-VISTA

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de DENISE MARIA AYRES DE ABREU apontando coação ilegal proveniente do Juízo Federal da 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP, consistente em atribuir ao fato imputado à paciente na denúncia, coloração típica diversa da que lhe fora atribuída pela peça acusatória.

O Ministério Público Federal denunciou a paciente como incursa nos crimes descritos nos artigos 297 e 304, do CP à conta de a ré haver, na condição de diretora da ANAC, feito uso de documento falso perante a Desembargadora Federal Cecília Marcondes em sede de agravo de instrumento distribuído para a relatoria de Sua Excelência no âmbito da 3ª Turma desta Corte, papel que teria sido determinante para formação do juízo da ilustre Desembargadora Federal no tocante a liberação de pista do Aeroporto de Congonhas/SP.

Recebida a denúncia e oferecida a contestação penal de que trata o art. 396/A do CP (nova redação), em momento processual previsto no art. 397 do mesmo codex a MMª Juíza da 1ª Vara Federal Criminal desta Capital afastou a classificação dada pelo Parquet ao fato, afirmando que o mesmo se subsume ao art. 347 do CP e assim ratificou o recebimento da denúncia.

No presente mandamus a defesa de DENISE MARIA AYRES DE ABREU sustenta constrangimento ilegal já que não cabe ao Poder Judiciário substituir a atividade classificatória que cabe ao órgão acusatório; afirmou a necessidade de ser mantida a capitulação original para que posteriormente a defesa possa argüir a atipicidade da conduta como uma de suas "teses".

Pelo r. voto de fls. 1.848/1.851 o eminente Relator concedeu parcialmente a ordem "para decretar a nulidade da decisão da decisão de fls. 1668/1715 na parte que deu ao fato delituoso definição jurídica diversa da ofertada na inicial pela acusação, devendo o feito prosseguir na forma como denunciado, até o momento apropriado para eventual emendatio libelli ou mutatio libelli, que poderá ser realizada, caso juízo entenda cabível, na fase prevista no artigo 383 e 384 do CPP".

Na sessão de julgamento de 20/9/2011 foi acompanhado pelo voto da Juíza Federal Convocada Sílvia Rocha, e na ocasião pedi "vista" para melhor refletir sobre o caso, inclusive no tocante a dimensão das capacidades do Juiz diante da novel redação do art. 397 do CPP, embora antes disso sempre tivesse me filiado ao entendimento de que a emendatio libelli só seria possível ao cabo da instrução criminal.

Trago meu voto.

O tópico da r. decisão proferida no Juízo a quo que é contrastado especificamente neste mandamus encontra-se a partir de fl. 1.708 destes autos.

Verifica-se que a MMª Juíza entendeu ser possível a emendatio libelli no momento do art. 397 do CPP porque se esse dispositivo possibilita "o mais" - a absolvição - certamente permite "o menos" que é a correção classificatória do fato referido na denúncia.

Partindo dessa premissa a d. Magistrada - sem qualquer retoque nos fatos narrados pelo Ministério Público Federal - entendeu que a descrição factual melhor se "enquadrava" no art. 347 do CP (fraude processual).

Antes desse raciocínio, Sua Excelência afastou a tipicidade com relação ao art. 297 c.c. art. 304 do estatuto repressivo, por considerar que DENISE MARIA AYRES DE ABREU não criou nem alterou qualquer documento público já que o "papel " usado pela ré perante a 3ª Turma fora elaborado por terceira pessoa; após essa conclusão, a MMª Juíza passou a buscar onde melhor alojar o fato atribuído a DENISE.

Rechaçou a possibilidade de inserção típica no art. 299 c.c. art. 304, já que não entreviu falso ideológico no documento apresentado pela paciente a 3ª Turma, porquanto o documento fora apresentado a esta Corte como possuidor de "...uma força cogente que não detinha" (fl. 1.709).

Assim, concluiu que "no caso dos autos, teria havido, segundo a inicial, alteração concernente à eficácia obrigatória de um documento, o qual foi apresentado pela ANAC ao Juízo encarregado da análise de recurso interposto por aquela" (fl. 1.710) e por isso a imputação fática só poderia ser colorida com as tintas do art. 347 (fraude processual).

Em resumo: a srª Juíza compreendeu que o fato trazido pelo Ministério Público Federal era atípico à luz dos figurinos legais dos arts. 297 e 299, em combinação com o art. 304, mas que se adequava ao texto incriminador do art. 347.

Efetuou, pois emendatio libelli.

Não verifiquei na leitura da decisão de fls. 1.698/1.715 qualquer "anulação" ou invalidação da acusação; pelo contrário, consta expressamente do 4º parágrafo de fl. 1.713 que a denúncia era "ratificada" e nos termos do art. 383 do CPP a prolatora da decisão dava-lhe a tipificação do art. 347 do CP.

É sobre essa realização judicial que a Turma deve se deter e avaliar se o momento de fazer a emendatio libelli pode ser outro, que não o do sentenciamento do feito.

Destaco aqui o recente entendimento de Damásio E. de Jesus no mesmo sentido do que entendeu a d. autoridade impetrada; afirma o doutrinador que o atual art. 383 do CPP pode ser aplicado em momento anterior ao daquele em que se opera o julgamento do feito (Cód. de Processo Penal Anotado, 24ª edição, p. 327).

Esse entendimento, contudo, não é aquele abrigado no STJ, como mostram os seguintes julgados que são posteriores a edição da Lei nº 11.719/2008:


HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PACIENTE DENUNCIADO PELA SUPOSTA PRÁTICA DOS CRIMES DE HOMICÍDIO, OMISSÃO DE SOCORRO E DE PERIGO PARA A VIDA. TESE DE ERRO NA CAPITULAÇÃO DO CRIME PELA EXORDIAL ACUSATÓRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE.
1.....
2. A emendatio libelli e a mutatio libelli - previstas, respectivamente, nos arts. 383 e 384 do Código de Processo Penal - são institutos de que o Juiz pode valer-se quando da prolação da sentença. Não há previsão legal para utilização destes em momento anterior da instrução. Precedentes.
3. Explicite-se: não é lícito ao Juiz, no ato de recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória. Poderá fazê-lo adequadamente no momento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a emendatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal assim o indicar (STF, HC 87.324/SP, 1.ª Turma, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJ de 18/05/2007).
4. A existência de eventual erro na tipificação da conduta pelo Órgão Ministerial não torna inepta a denúncia, e menos ainda é causa de trancamento da ação penal, pois o Acusado defende-se do fato ou dos fatos delituosos narrados na denúncia, e não da capitulação legal dela constante.
5. Eventual desclassificação de delito somente poderá ser discutida na instrução criminal, durante o livre exercício do contraditório.
6. Ordem denegada.
(HC 165.278/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 11/10/2011, DJe 19/10/2011)

HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO A 29 ANOS E 9 MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO, PELA PRÁTICA DE ROUBO (POR 10 VEZES) E LATROCÍNIO (ARTS. 157, §2o., I E II, E 157, § 3o., AMBOS DO CPB). ALTERAÇÃO DA TIPIFICAÇÃO PLEITEADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL EM SEDE DE ALEGAÇÕES FINAIS. EMENDATIO LIBELLI (ART. 383 DO CPB). NÃO OCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE ACUSAÇÃO E SENTENÇA. ADEQUAÇÃO DA CONDENAÇÃO AOS FATOS NARRADOS NA DENÚNCIA.
PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.
1. O réu se defende dos fatos narrados na denúncia e não da classificação que faz dele o órgão acusador. Assim, deve o magistrado, no momento da sentença, corrigir e adequar a tipificação, atribuindo-lhe definição jurídica diversa, mesmo que tenha de aplicar pena mais grave. Trata-se, na hipótese, da emendatio libelli, previsto no art. 383 do CPP.
2. Assim, o juiz da causa pode condenar o réu por delito diverso daquele pelo qual foi denunciado, desde que haja equivalência com os fatos narrados na denúncia.
4. Observado o princípio da correlação entre acusação e sentença - um dos sustentáculos do devido processo legal, já que assegura o direito à ampla defesa e ao contraditório -, não há falar em nulidade da sentença condenatória e, consequentemente, em constrangimento ilegal.
5. Parecer do MPF pela denegação da ordem.
6. Ordem denegada.
(HC 120.466/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 01/06/2010, DJe 02/08/2010)

Tenho para mim que mesmo após a Lei nº 11.719/2008 a emendatio libelli e a mutatio libelli devem aguardar o fim da instrução. Não se justifica a "pressa" em alterar a capitulação dada pelo Ministério Público, mesmo porque o Parquet tem o direito de provar o quanto alega e esse desforço probatório - diferenciado dos elementos coligidos em inquérito ou outra forma de apuração - pode confirmar a classificação originariamente emprestada ao fato tido como punível.

O certo é que os arts. 383 e 384 do CPP permanecem alojados no Título XII do CPP que trata da "sentença" e as possibilidades que o Juiz possui no momento do art. 397 do CPP são numerus clausus. A permissão legal para que "absolva" sumariamente o acusado também é limitada já que o Juiz só pode fazê-lo se desde logo houver prova de justificativa ou causa excludente de culpabilidade diversa da inimputabilidade, ou se o fato evidentemente não for criminoso (ou seja, não é previsto como crime). Quanto ao inc. IV, trata-se de evidente cochilo do legislador já que a extinção da punibilidade não implica em absolvição.

Destarte, o atual art. 397 do CPP não concede ao Magistrado uma "carta branca" para outras possibilidades além daquelas deduzidas no texto legal.

Dessa sorte, merece ser cancelada a emendatio libelli proferida em momento inoportuno.

Mas não é possível ir além, ao reverso do que supõe a impetração.

Impossível declarar "nula" a decisão que recebeu a denúncia pelo crime de fraude processual.

É que a denúncia já havia sido recebida muito tempo atrás; o que houve foi que a MMª Juíza equivocou-se e ao repelir a contestação apresentada nos termos do art. 396/A do CPP "ratificou" o recebimento da denúncia - o que, in casu, não precisava sequer declarar que o fazia - e foi além, praticando emendatio libelli em momento oportuno.

A Ilustre Juiza em momento algum afastou os fatos imputados a DENISE, ou deu-lhes qualquer retoque.

Pelo contrário: manteve a descrição fática, apenas alterou (inoportunamente) a tipificação.

Basta, pois, que esse plus seja invalidado, como votou a maioria.

Se o resultado do julgamento restaura a capitulação originária - o que de fato ocorre, pois não há como dar solução a este writ de forma diversa - e isso em princípio sujeita DENISE a rigor penal maior do que aquele a que estaria diante do art. 347 do CP, tal decorre do próprio ajuizamento voluntário da impetração.

Pelo exposto, acompanho o voto do eminente Relator.









Johonsom di Salvo


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HABEAS CORPUS Nº 0007235-81.2009.4.03.0000/SP
2009.03.00.007235-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
IMPETRANTE : ROBERTO PODVAL
: BEATRIZ DIAS RIZZO
: LUIZA OLIVER
PACIENTE : DENISE MARIA AYRES DE ABREU
ADVOGADO : ROBERTO PODVAL
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA CRIMINAL SAO PAULO SP
No. ORIG. : 2008.61.81.010440-4 1P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI::


Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de DENISE MARIA AYRES DE ABREU apontando coação ilegal proveniente do Juízo Federal da 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo -SP que ratificou o recebimento da denúncia oferecida contra a paciente, tida como incursa nos crimes descritos nos artigos 297 e 304, do Código Penal, porém, aplicando a norma descrita no artigo 383, "caput", do Código de Processo Penal, atribuiu ao fato a descrição prevista no artigo 347 do Código Penal, reconhecendo preclusa a possibilidade de transação penal em decorrência da emenda do libelo.

Narram que, verbis:

"(...) Aduz a denúncia, resumidamente, que a peticionaria teria, na qualidade de diretora da ANAC, feito ' uso de documento público falso-IS RBHA 121-189 ( fls.249)- perante a Desembargadora Federal Dra. Cecília Marcondes, em sede do Agravo de Instrumento nº 2007.03.00.010306-1-3ª Turma do Tribunal Regional Federal', já que teria atribuído à referida Instrução caráter de norma vigente. Tal fato, de acordo com a Acusação, teria sido determinante para a decisão que liberou a pista do Aeroporto de Congonhas.
A magistrada da 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo, considerando a proximidade da vigência da Lei nº 11.179/08, mais benéfica à Paciente, determinou fosse aguardada sua entrada em vigor para análise da denúncia.
A Defesa, então, entendendo ser inconstitucional o procedimento investigatório desenvolvido no âmbito do Ministério Público Federal- único embasamento da acusação-; faltar justa causa à ação penal e ser inepta a denúncia oferecida, pleiteou, com nova redação dada aos arts.395 e 396 do Código de Processo Penal, fosse rejeitada liminarmente a inicial.
A magistrada de 1º grau, entretanto, sob os argumentos de que a inicial preencheria as formalidades legais; de que estariam presentes as condições e pressupostos da ação e de que haveria justa causa para o início da ação penal, entendeu por bem receber a denúncia, determinando a citação da peticionaria para responder à acusação.
Em sede de defesa preliminar, a Paciente, além de reiterar os argumentos já despendidos, pleiteou i) fosse rejeitada a acusação, frente à ausência de prova de materialidade e indícios mínimos de autoria e ii) fosse ela absolvida sumariamente, tendo em vista a atipicidade da conduta imputada, seja em virtude da inexistência de documento falso, seja em face da ausência de potencialidade lesiva na apresentação da IS-RBHA 121-189 à Desembargadora.
O Juízo a quo, concordando que a conduta imputada à Paciente não se amoldaria aos tipos penais apontados na denúncia, frisou:
'Não tendo havido a criação de documento falso ou a contrafação de um autêntico, não está configurado, no caso em apreço, o tipo objetivo do delito previsto no art.297, do Código Penal, razão pela qual o fato, no que atine à subsunção a esse crime, é evidentemente atípico'.
'(...) tenho que a conduta imputada também não se enquadra nos termos do artigo 299, na forma do artigo 304, do Código Penal' (fls.1678).
Não obstante tenha expressamente rechaçado as imputações feitas pelo Ministério Público Federal, a magistrada, em evidente desvio de função, ainda que em sede de Juízo de admissibilidade, 'concertou' a acusação, dando aos fatos tipificação diversa daquela atribuída pelo órgão acusador. Recebeu a denúncia, então, pelo crime de fraude processual, não imputado na inicial, pelo titular exclusivo da ação penal".

Alegam os impetrantes que não se admite ao magistrado, em sede de juízo de admissibilidade da acusação, proceder à desclassificação do delito, razão pela qual pleiteiam o sobrestamento in limine da ação penal e, ao final, seja declarada nula a decisão que recebeu a denúncia pelo crime de fraude processual, não descrito na peça acusatória. Fundamenta o pedido na necessidade da manutenção da capitulação anterior para que seja possibilitada a argüição da atipicidade da conduta como tese defensiva, eis que entende que estas podem variar de acordo com a capitulação jurídica contida na inicial.

O pedido de liminar foi deferido, restando suspenso o curso da ação penal até o julgamento do writ (fls.1813/1816).

Informações da autoridade impetrada às fls.1730/1731 com remessa de peças processuais.

Parecer da Procuradoria Regional da República em prol de ser denegada a ordem ( fls.1826/1827).

É o relatório. Em mesa.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal Relator


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HABEAS CORPUS Nº 0007235-81.2009.4.03.0000/SP
2009.03.00.007235-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
IMPETRANTE : ROBERTO PODVAL
: BEATRIZ DIAS RIZZO
: LUIZA OLIVER
PACIENTE : DENISE MARIA AYRES DE ABREU
ADVOGADO : ROBERTO PODVAL
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA CRIMINAL SAO PAULO SP
No. ORIG. : 2008.61.81.010440-4 1P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI::

Dos elementos coligidos aos autos verifica-se que o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra a paciente pelo cometimento dos crimes descritos nos artigos 297 e 304, ambos do Código Penal. A denúncia foi recebida, em 03 de setembro de 2008 com a determinação de citação da denunciada para apresentação de defesa preliminar, na forma do artigo 396 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.719/2008.

Apresentada a defesa preliminar, o Juízo de 1º grau ratificou o recebimento da denúncia e aplicou a regra prevista no artigo 383, "caput", do Código de Processo Penal, atribuindo ao fato a descrição prevista no artigo 347 do Código Penal.

A tipificação constante da denúncia é provisória e não vincula o juiz, até porque o réu defende-se dos fatos e não do enquadramento legal indicado pelo órgão acusatório.

O Ministério Público é o dominus litis, a quem cabe a formação da opinio delicti que informa a denúncia. O direito penal pátrio adota o sistema acusatório, distinguindo o acusador do órgão julgador, não podendo se imiscuir o magistrado na seara própria do Ministério Público, pena de suprimir a competência do órgão constitucionalmente declarado titular da ação penal (artigo129, inciso I, da Constituição Federal).

Nessa linha de raciocínio, ao Juiz, quando da admissibilidade da denúncia, cabe apreciar se existe ou não justa causa para a ação, evitando exame aprofundado do fato. Já no momento processual definido no art. 397 do CPC o juiz pode julgar antecipadamente o mérito da acusação apenas para absolver o acusado, sem a necessidade de transcorrer toda a fase instrutória.

Dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da queixa ou da denúncia, o juiz poderá fazê-lo na fase do art. 383 do CPP, ou seja, quando da sentença, até porque a errônea qualificação legal do crime poderá ser corrigida, a qualquer tempo, pelo Ministério Público, até a prolação da sentença final.

Para ser viável e comportar recebimento, a denúncia deve estar formalmente em ordem, deve haver correlação entre os fatos apurados e a imputação, contudo não é razoável imaginar que neste momento processual, quando o juiz faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, seja possível, de oficio, conferir definição jurídica diversa aos fatos narrados na pela acusatória. Poderá fazê-lo no momento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver emendatio libelli ou a mutatio libelli, conforme o decorrer da instrução criminal assim o indicar.

Nesse compasso o Superior Tribunal de Justiça entendeu que:


HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMAS. ALEGADO ERRO NA CAPITULAÇÃO DO CRIME CONSTANTE NA DENÚNCIA. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE POSSE ILEGAL DE ARMAS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE.
1. A emendatio libelli e a mutatio libelli - previstas, respectivamente, nos arts. 383 e 384 do Código de Processo Penal - são institutos de que o Juiz pode valer-se quando da prolação da sentença. Não há previsão legal para utilização destes em momento anterior da instrução. Precedentes.
2. Explicite-se: "[n]ão é lícito ao Juiz, no ato de recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória. Poderá fazê-lo adequadamente no momento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a emendatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal assim o indicar (STF, HC 87.324/SP, 1.ª Turma, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJ de 18/05/2007).
3. A existência de eventual erro na tipificação da conduta pelo Órgão Ministerial não torna inepta a denúncia, e menos ainda é causa de trancamento da ação penal, pois o Acusado defende-se do fato ou dos fatos delituosos narrados na denúncia, e não da capitulação legal dela constante.
4. Eventual desclassificação de delito somente poderá ser discutida na instrução criminal, durante o livre exercício do contraditório.
5. Ordem denegada. (STJ, HC 129239/PE; Ministra LAURITA VAZ, DJe 12/05/2011).

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. GESTÃO FRAUDULENTA (ART. 4º DA LEI N.º 7.492/86). DENÚNCIA. DESPACHO PRELIBATÓRIO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A FIGURA DO ART. 27-A, DA LEI N° 6.385. IMPOSSIBILIDADE. 1. A denúncia narra condutas delituosas que se enquadram, em tese, na tipificação insculpida no art. 4º, caput, da Lei n.º 7.492/86. Nesse contexto, descabe ao Magistrado precipitar-se no exame prematuro da correção dessa capitulação, ato que não encontra respaldo na legislação processual penal em vigor. 2. A emendatio ou a mutatio libelli, previstas, respectivamente, nos arts. 383 e 384 do Código de Processo Penal, são institutos de que pode se valer o Juiz quando da prolação da sentença, não havendo previsão legal para sua realização em momento anterior, muito menos no juízo de prelibação (CC 200400501598 CC - CONFLITO DE COMPETENCIA - 42981, Relator(a) LAURITA VAZ, Órgão julgador TERCEIRA SEÇÃO Fonte DJ DATA:03/11/2004 PG:00132).

Na espécie, é de rigor a anulação parcial da r. decisão de fls. 1668/1715 que ratificou o recebimento da denúncia dando capitulação diversa ao crime descrito na exordial e determinou o prosseguimento do feito em desfavor da paciente na forma como proposta pelo Ministério Público Federal.


Pelo exposto, concedo parcialmente a ordem para decretar a nulidade da decisão da decisão de fls. 1668/1715 na parte que deu ao fato delituoso definição jurídica diversa da ofertada na inicial pela acusação, devendo o feito prosseguir na forma como denunciado, até o momento apropriado para eventual emendatio libelli ou mutatio libelli, que poderá ser realizada, caso juízo entenda cabível, na fase prevista no artigo 383 e 384 do CPP. É o voto.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal Relator


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