D.E. Publicado em 02/04/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem a habeas corpus decretando a nulidade da decisão de fls. 1668/1715 na parte que deu ao fato delituoso definição jurídica diversa da ofertada na inicial da acusação, devendo o feito prosseguir na forma como denunciado, até o momento apropriado para eventual "emendatio libelli" ou "mutatio libelli", que poderá ser realizada, caso o Juízo entenda cabível, na fase do artigo 383 e 384 do CPP, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO-VISTA
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de DENISE MARIA AYRES DE ABREU apontando coação ilegal proveniente do Juízo Federal da 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP, consistente em atribuir ao fato imputado à paciente na denúncia, coloração típica diversa da que lhe fora atribuída pela peça acusatória.
O Ministério Público Federal denunciou a paciente como incursa nos crimes descritos nos artigos 297 e 304, do CP à conta de a ré haver, na condição de diretora da ANAC, feito uso de documento falso perante a Desembargadora Federal Cecília Marcondes em sede de agravo de instrumento distribuído para a relatoria de Sua Excelência no âmbito da 3ª Turma desta Corte, papel que teria sido determinante para formação do juízo da ilustre Desembargadora Federal no tocante a liberação de pista do Aeroporto de Congonhas/SP.
Recebida a denúncia e oferecida a contestação penal de que trata o art. 396/A do CP (nova redação), em momento processual previsto no art. 397 do mesmo codex a MMª Juíza da 1ª Vara Federal Criminal desta Capital afastou a classificação dada pelo Parquet ao fato, afirmando que o mesmo se subsume ao art. 347 do CP e assim ratificou o recebimento da denúncia.
No presente mandamus a defesa de DENISE MARIA AYRES DE ABREU sustenta constrangimento ilegal já que não cabe ao Poder Judiciário substituir a atividade classificatória que cabe ao órgão acusatório; afirmou a necessidade de ser mantida a capitulação original para que posteriormente a defesa possa argüir a atipicidade da conduta como uma de suas "teses".
Pelo r. voto de fls. 1.848/1.851 o eminente Relator concedeu parcialmente a ordem "para decretar a nulidade da decisão da decisão de fls. 1668/1715 na parte que deu ao fato delituoso definição jurídica diversa da ofertada na inicial pela acusação, devendo o feito prosseguir na forma como denunciado, até o momento apropriado para eventual emendatio libelli ou mutatio libelli, que poderá ser realizada, caso juízo entenda cabível, na fase prevista no artigo 383 e 384 do CPP".
Na sessão de julgamento de 20/9/2011 foi acompanhado pelo voto da Juíza Federal Convocada Sílvia Rocha, e na ocasião pedi "vista" para melhor refletir sobre o caso, inclusive no tocante a dimensão das capacidades do Juiz diante da novel redação do art. 397 do CPP, embora antes disso sempre tivesse me filiado ao entendimento de que a emendatio libelli só seria possível ao cabo da instrução criminal.
Trago meu voto.
O tópico da r. decisão proferida no Juízo a quo que é contrastado especificamente neste mandamus encontra-se a partir de fl. 1.708 destes autos.
Verifica-se que a MMª Juíza entendeu ser possível a emendatio libelli no momento do art. 397 do CPP porque se esse dispositivo possibilita "o mais" - a absolvição - certamente permite "o menos" que é a correção classificatória do fato referido na denúncia.
Partindo dessa premissa a d. Magistrada - sem qualquer retoque nos fatos narrados pelo Ministério Público Federal - entendeu que a descrição factual melhor se "enquadrava" no art. 347 do CP (fraude processual).
Antes desse raciocínio, Sua Excelência afastou a tipicidade com relação ao art. 297 c.c. art. 304 do estatuto repressivo, por considerar que DENISE MARIA AYRES DE ABREU não criou nem alterou qualquer documento público já que o "papel " usado pela ré perante a 3ª Turma fora elaborado por terceira pessoa; após essa conclusão, a MMª Juíza passou a buscar onde melhor alojar o fato atribuído a DENISE.
Rechaçou a possibilidade de inserção típica no art. 299 c.c. art. 304, já que não entreviu falso ideológico no documento apresentado pela paciente a 3ª Turma, porquanto o documento fora apresentado a esta Corte como possuidor de "...uma força cogente que não detinha" (fl. 1.709).
Assim, concluiu que "no caso dos autos, teria havido, segundo a inicial, alteração concernente à eficácia obrigatória de um documento, o qual foi apresentado pela ANAC ao Juízo encarregado da análise de recurso interposto por aquela" (fl. 1.710) e por isso a imputação fática só poderia ser colorida com as tintas do art. 347 (fraude processual).
Em resumo: a srª Juíza compreendeu que o fato trazido pelo Ministério Público Federal era atípico à luz dos figurinos legais dos arts. 297 e 299, em combinação com o art. 304, mas que se adequava ao texto incriminador do art. 347.
Efetuou, pois emendatio libelli.
Não verifiquei na leitura da decisão de fls. 1.698/1.715 qualquer "anulação" ou invalidação da acusação; pelo contrário, consta expressamente do 4º parágrafo de fl. 1.713 que a denúncia era "ratificada" e nos termos do art. 383 do CPP a prolatora da decisão dava-lhe a tipificação do art. 347 do CP.
É sobre essa realização judicial que a Turma deve se deter e avaliar se o momento de fazer a emendatio libelli pode ser outro, que não o do sentenciamento do feito.
Destaco aqui o recente entendimento de Damásio E. de Jesus no mesmo sentido do que entendeu a d. autoridade impetrada; afirma o doutrinador que o atual art. 383 do CPP pode ser aplicado em momento anterior ao daquele em que se opera o julgamento do feito (Cód. de Processo Penal Anotado, 24ª edição, p. 327).
Esse entendimento, contudo, não é aquele abrigado no STJ, como mostram os seguintes julgados que são posteriores a edição da Lei nº 11.719/2008:
Tenho para mim que mesmo após a Lei nº 11.719/2008 a emendatio libelli e a mutatio libelli devem aguardar o fim da instrução. Não se justifica a "pressa" em alterar a capitulação dada pelo Ministério Público, mesmo porque o Parquet tem o direito de provar o quanto alega e esse desforço probatório - diferenciado dos elementos coligidos em inquérito ou outra forma de apuração - pode confirmar a classificação originariamente emprestada ao fato tido como punível.
O certo é que os arts. 383 e 384 do CPP permanecem alojados no Título XII do CPP que trata da "sentença" e as possibilidades que o Juiz possui no momento do art. 397 do CPP são numerus clausus. A permissão legal para que "absolva" sumariamente o acusado também é limitada já que o Juiz só pode fazê-lo se desde logo houver prova de justificativa ou causa excludente de culpabilidade diversa da inimputabilidade, ou se o fato evidentemente não for criminoso (ou seja, não é previsto como crime). Quanto ao inc. IV, trata-se de evidente cochilo do legislador já que a extinção da punibilidade não implica em absolvição.
Destarte, o atual art. 397 do CPP não concede ao Magistrado uma "carta branca" para outras possibilidades além daquelas deduzidas no texto legal.
Dessa sorte, merece ser cancelada a emendatio libelli proferida em momento inoportuno.
Mas não é possível ir além, ao reverso do que supõe a impetração.
Impossível declarar "nula" a decisão que recebeu a denúncia pelo crime de fraude processual.
É que a denúncia já havia sido recebida muito tempo atrás; o que houve foi que a MMª Juíza equivocou-se e ao repelir a contestação apresentada nos termos do art. 396/A do CPP "ratificou" o recebimento da denúncia - o que, in casu, não precisava sequer declarar que o fazia - e foi além, praticando emendatio libelli em momento oportuno.
A Ilustre Juiza em momento algum afastou os fatos imputados a DENISE, ou deu-lhes qualquer retoque.
Pelo contrário: manteve a descrição fática, apenas alterou (inoportunamente) a tipificação.
Basta, pois, que esse plus seja invalidado, como votou a maioria.
Se o resultado do julgamento restaura a capitulação originária - o que de fato ocorre, pois não há como dar solução a este writ de forma diversa - e isso em princípio sujeita DENISE a rigor penal maior do que aquele a que estaria diante do art. 347 do CP, tal decorre do próprio ajuizamento voluntário da impetração.
Pelo exposto, acompanho o voto do eminente Relator.
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RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI::
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de DENISE MARIA AYRES DE ABREU apontando coação ilegal proveniente do Juízo Federal da 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo -SP que ratificou o recebimento da denúncia oferecida contra a paciente, tida como incursa nos crimes descritos nos artigos 297 e 304, do Código Penal, porém, aplicando a norma descrita no artigo 383, "caput", do Código de Processo Penal, atribuiu ao fato a descrição prevista no artigo 347 do Código Penal, reconhecendo preclusa a possibilidade de transação penal em decorrência da emenda do libelo.
Narram que, verbis:
Alegam os impetrantes que não se admite ao magistrado, em sede de juízo de admissibilidade da acusação, proceder à desclassificação do delito, razão pela qual pleiteiam o sobrestamento in limine da ação penal e, ao final, seja declarada nula a decisão que recebeu a denúncia pelo crime de fraude processual, não descrito na peça acusatória. Fundamenta o pedido na necessidade da manutenção da capitulação anterior para que seja possibilitada a argüição da atipicidade da conduta como tese defensiva, eis que entende que estas podem variar de acordo com a capitulação jurídica contida na inicial.
O pedido de liminar foi deferido, restando suspenso o curso da ação penal até o julgamento do writ (fls.1813/1816).
Informações da autoridade impetrada às fls.1730/1731 com remessa de peças processuais.
Parecer da Procuradoria Regional da República em prol de ser denegada a ordem ( fls.1826/1827).
É o relatório. Em mesa.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI::
Dos elementos coligidos aos autos verifica-se que o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra a paciente pelo cometimento dos crimes descritos nos artigos 297 e 304, ambos do Código Penal. A denúncia foi recebida, em 03 de setembro de 2008 com a determinação de citação da denunciada para apresentação de defesa preliminar, na forma do artigo 396 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.719/2008.
Apresentada a defesa preliminar, o Juízo de 1º grau ratificou o recebimento da denúncia e aplicou a regra prevista no artigo 383, "caput", do Código de Processo Penal, atribuindo ao fato a descrição prevista no artigo 347 do Código Penal.
A tipificação constante da denúncia é provisória e não vincula o juiz, até porque o réu defende-se dos fatos e não do enquadramento legal indicado pelo órgão acusatório.
O Ministério Público é o dominus litis, a quem cabe a formação da opinio delicti que informa a denúncia. O direito penal pátrio adota o sistema acusatório, distinguindo o acusador do órgão julgador, não podendo se imiscuir o magistrado na seara própria do Ministério Público, pena de suprimir a competência do órgão constitucionalmente declarado titular da ação penal (artigo129, inciso I, da Constituição Federal).
Nessa linha de raciocínio, ao Juiz, quando da admissibilidade da denúncia, cabe apreciar se existe ou não justa causa para a ação, evitando exame aprofundado do fato. Já no momento processual definido no art. 397 do CPC o juiz pode julgar antecipadamente o mérito da acusação apenas para absolver o acusado, sem a necessidade de transcorrer toda a fase instrutória.
Dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da queixa ou da denúncia, o juiz poderá fazê-lo na fase do art. 383 do CPP, ou seja, quando da sentença, até porque a errônea qualificação legal do crime poderá ser corrigida, a qualquer tempo, pelo Ministério Público, até a prolação da sentença final.
Para ser viável e comportar recebimento, a denúncia deve estar formalmente em ordem, deve haver correlação entre os fatos apurados e a imputação, contudo não é razoável imaginar que neste momento processual, quando o juiz faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, seja possível, de oficio, conferir definição jurídica diversa aos fatos narrados na pela acusatória. Poderá fazê-lo no momento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver emendatio libelli ou a mutatio libelli, conforme o decorrer da instrução criminal assim o indicar.
Nesse compasso o Superior Tribunal de Justiça entendeu que:
Na espécie, é de rigor a anulação parcial da r. decisão de fls. 1668/1715 que ratificou o recebimento da denúncia dando capitulação diversa ao crime descrito na exordial e determinou o prosseguimento do feito em desfavor da paciente na forma como proposta pelo Ministério Público Federal.
Pelo exposto, concedo parcialmente a ordem para decretar a nulidade da decisão da decisão de fls. 1668/1715 na parte que deu ao fato delituoso definição jurídica diversa da ofertada na inicial pela acusação, devendo o feito prosseguir na forma como denunciado, até o momento apropriado para eventual emendatio libelli ou mutatio libelli, que poderá ser realizada, caso juízo entenda cabível, na fase prevista no artigo 383 e 384 do CPP. É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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