Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 26/01/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007353-31.2002.4.03.6102/SP
2002.61.02.007353-5/SP
RELATORA : Juíza Federal Convocada RAQUEL PERRINI
APELANTE : SONIA MARIA GARDE
ADVOGADO : RICARDO ALVES DE MACEDO e outro
APELANTE : Justica Publica
APELADO : SIMONE CASSIA MONACHESI
ADVOGADO : ELISABETE APARECIDA F DE MELO e outro
APELADO : OS MESMOS

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. ESTELIONATO QUALIFICADO. ARTIGO 171, §3º, DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. DOLO DA CORRÉ NÃO CARACTERIZADO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
1. Sentença condenatória que dispôs expressamente acerca da prova apontada como ilícita pela defesa (colhida sob quebra do sigilo desprovido de autorização judicial) e nelas não se alicerçou. Preliminar rejeitada.
2. Comprovados nos autos que a rescisão do contrato de trabalho do corréu se dera em virtude do pedido de demissão, não por demissão sem justa causa capaz de ensejar o saque do FGTS.
3. A materialidade delitiva ficou demonstrada pelo comprovante de pagamento do FGTS, pela relação da "APAS - Autorizações Para Pagamentos", paga indevidamente e pelo termo de rescisão do contrato de trabalho no sentido de que a demissão se dera a pedido da corré.
4. Autoria delitiva que restou comprovada. O Relatório de Apuração Sumária da CEF concluiu pela participação da acusada no saque fraudulento e os elementos de prova a confirmam.
5. A conduta delitiva descrita na denúncia que consistiu, na liberação ilegal de valor relativo ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço-FGTS vinculado à conta fundiária da corré, mediante fraude e burla nas rotinas de serviço e da legislação pertinente àquele fundo (Lei nº 8.036/90).
6. O conjunto probatório atesta que a apelante tinha plena ciência acerca da ilicitude de seu comportamento consistente na obtenção, para si ou para outrem, mediante fraude, de vantagem indevida em detrimento de entidade de direito público, bem como a vasta folha de antecedentes indicam a contumácia delitiva específica, não havendo falar na atipicidade fática por ausência de dolo.
7. A pena-base foi acertadamente fixada acima do mínimo legal ante a personalidade e conduta social voltada para a prática de delitos, consoante se verifica do elevado número de ações penais que a ré possui, culpabilidade intensa da acusada que coordenava o setor de FGTS e abusou da confiança que lhe fora conferida por uma empresa pública federal para perpetrar o crime. A apelante possui em seu desfavor sentença condenatória transitada em julgado, pela mesma prática delitiva narrada na denúncia.
8. Estabelecido o regime inicial aberto para o cumprimento da sanção corporal e substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos consistentes em duas prestações pecuniárias disciplinadas no artigo 43 do Código Penal, já fixada com base na situação econômica da ré.
10. Sentença recorrida que merece reparos no tocante à dosimetria da pena de multa. Majorada ao triplo a pena mínima de 10 (dez) dias-multa, resultando em 30 (trinta) dias-multa que, acrescido de 1/3 (um terço), perfaz 40 (quarenta) dias-multa, mantido o valor unitário estabelecido na sentença recorrida.
11. Apelação do Parquet Federal a que se nega provimento.
12. Apelação da ré a que se dá parcial provimento tão-somente para diminuir a pena de multa de 120 (cento e vinte) para 40 (quarenta) dias-multa, mantido o valor unitário fixado na sentença condenatória, destinando-se, DE OFÍCIO, a prestação pecuniária à União, conforme entendimento desta Turma.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso do ministério público federal, rejeitar a preliminar argüida na apelação da ré e dar-lhe parcial provimento tão-somente para reduzir a pena de multa, destinando, de ofício, a prestação pecuniária à União, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 17 de janeiro de 2012.
RAQUEL PERRINI
Juíza Federal Convocada


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007353-31.2002.4.03.6102/SP
2002.61.02.007353-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : SONIA MARIA GARDE
ADVOGADO : RICARDO ALVES DE MACEDO e outro
APELANTE : Justica Publica
APELADO : SIMONE CASSIA MONACHESI
ADVOGADO : ELISABETE APARECIDA F DE MELO e outro
APELADO : OS MESMOS

RELATÓRIO

O Exmo. Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal pela ré SONIA MARIA GARDE contra a sentença que julgou parcialmente procedente a denúncia para condená-la pela prática do crime descrito no artigo 171, "caput" e §3º do Código Penal.

Narra a denúncia que em 03 de julho de 1996 SONIA MARIA GARDE e Simone de Cássia Monachesi, em conluio e com unidade de desígnios, mediante fraude, obtiveram vantagem ilícita para si, em prejuízo da Caixa Econômica Federal, já que Simone efetuou saque irregular de sua conta vinculada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) no valor de R$7.774,12 (sete e mil, setecentos e setenta e quatro reais e doze centavos) na Agência Campos Elíseos, localizada na Avenida Saudade, 1397, em Ribeirão Preto, utilizando-se da falsa justificativa de "demissão sem justa causa", inserida no sistema por SONIA, a qual se valeu das facilidades proporcionadas pelo cargo de encarregada do setor de liberação de Autorização de Pagamento do FGTS.

A denúncia foi recebida em 03/02/2004 (fl.256/257).

Após regular instrução, foi proferida sentença (fls.551/583) que julgou parcialmente procedente a denúncia para absolver a ré Simone de Cássia Monachesi com fulcro no artigo 386, VI do Código de Processo Penal, e condenou SONIA MARIA GARDE como incursa no artigo 171, "caput", §3º do Código Penal à pena de 04 (quatro) anos e 120 (cento e vinte) dias-multa, no valor unitário de 01 (um) salário mínimo, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação pecuniária no valor de ½ (meio) salário mínimo, totalizando 48 (quarenta e oito) salários mínimos, a instituição filantrópica a ser determinada pelo Juízo da Execução.

O Ministério Público Federal insurge-se contra a sentença proferida, pugnando pela condenação da corré Simone nos termos da denúncia, por entender demonstrado o elemento subjetivo (fls.597/605).

Inconformada, apela também a ré (610/622), pleiteando:

1) Preliminarmente, a nulidade da sentença por vício formal em razão de não haver pronunciamento acerca da produção de provas por meio ilícito;

2) Quanto ao mérito, pleiteia:

a) A absolvição por ausência da materialidade delitiva;

b) A absolvição ante a inexistência de provas da autoria, não sendo possível embasar a condenação apenas em procedimento administrativo feito pela empresa vítima ou em inquérito policial;

c) A diminuição da pena-base fixada;

d) A adequação da pena de multa ao patamar estipulado para a pena privativa de liberdade;

e) A redução do valor do dia-multa, e

f) Regime de cumprimento e substituição da pena mais benéficos.

Contra-razões do Ministério Público Federal às fls.624/633, pela manutenção da sentença guerreada.

Apresentadas as contrarrazões da corré Simone de Cássia Monachesi pela manutenção da sentença que a absolveu (fls.638/642).

Parecer da Procuradoria Regional da República (fls.677/682), no sentido de ser provido o recurso da acusação, desprovendo-se o apelo da defesa.

É o relatório.

À revisão


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007353-31.2002.4.03.6102/SP
2002.61.02.007353-5/SP
RELATORA : Juíza Federal Convocada RAQUEL PERRINI
APELANTE : SONIA MARIA GARDE
ADVOGADO : RICARDO ALVES DE MACEDO e outro
APELANTE : Justica Publica
APELADO : SIMONE CASSIA MONACHESI
ADVOGADO : ELISABETE APARECIDA F DE MELO e outro
APELADO : OS MESMOS

VOTO

A Exma. Juíza Federal Convocada RAQUEL PERRINI:

1. Da nulidade. Inicialmente, a apelante SONIA MARIA GARDE requer o reconhecimento da nulidade da sentença por vício formal, em razão de não haver pronunciamento acerca da produção de provas por meio ilícito.

Observo, todavia, que a decisão guerreada não se absteve de emitir pronunciamento acerca da nulidade suscitada. Embora sucintamente, manifestou-se (fl.571):

"Primeiramente cabe esclarecer no que se refere a alegada quebra do sigilo bancário da acusada, ilicitamente, por parte da comissão sumariante da CEP, que os dados da conta corrente da mesma, frente ao amplo conjunto de provas produzidas consoante acima mencionado, em nada contribuem para a condenação ou absolvição da ré, não merecendo, esses dados, consideração por parte deste Juízo, razão pela qual afasto o pedido de nulidade da prova por este motivo".

Conforme bem salientado, a condenação baseia-se em elementos outros, sobre os quais se discorrerá na seqüência, que se originam da produção de provas independentes da quebra do sigilo bancário.

De fato, a condenação baseia-se em provas idôneas, tendo desconsiderado a quebra do sigilo bancário da apelante, cujos dados são irrelevantes para que se teça um juízo condenatório ou absolutório da ré, frente aos demais elementos probatórios, de origem lícita, amealhados nos autos.

Ademais, eventual vício ocorrido no citado procedimento administrativo não macula as provas produzidas nesta demanda, uma vez que o Juízo "a quo" sequer se utilizou dos citados informes para formar sua convicção. É dizer: as informações indicadas pela defesa não foram consideradas meio de prova para fundamentar a condenação.

Não procede, pois, a ocorrência de nulidade no feito, visto que não se funda a condenação em prova ilícita, sequer em provas dela derivadas, visto que o magistrado a quo acertadamente não as considerou.

Estando a sentença guerreada devidamente fundamentada quanto à questão, inexistindo qualquer vício que a macule, rejeito a preliminar arguida.

2. Da materialidade. A materialidade foi demonstrada através do comprovante de pagamento do FGTS em favor de Simone de Cássia Monachesi (fl.17) e pela cópia do termo de rescisão (fl.20), que demonstra que o término do contrato de trabalho se deu em função de pedido de demissão, que não autoriza o saque das quantias vinculadas a sua conta vinculada ao FGTS, nos termos do artigo 20 da lei 8036/90.

3. Do apelo ministerial. O Ministério Público Federal pleiteia a reforma da sentença de primeiro grau para condenar Simone de Cássia Monachesi.

Todavia, como bem reconhecido na sentença guerreada, não se comprovou nos autos que tenha a apelada atuado com dolo.

Ouvida em Juízo (fls.361/362), a denunciada Simone relatou que, por indicação de colegas de trabalho, manteve contato telefônico com um despachante chamado Alexandre, passando-lhe os dados de sua carteira de trabalho, o qual informou o valor a ser soerguido e explicou que o saque seria possível na agência de Ribeirão Preto, orientando-a a se dirigir ao balcão de atendimento de FGTS levando a CTPS. Procedeu conforme instruída, depositando a Alexandre o valor de R$500,00 pelo serviço. Não examinou, por não entender, o motivo lançado na autorização para saque do FGTS. Soube das irregularidades somente quando foi intimada a prestar depoimento na Polícia Federal.

Não ficou demonstrado que Simone tinha conhecimento das hipóteses em que poderia efetuar o levantamento do fundo de garantia, tampouco da fraude perpetrada, sobretudo porque dirigiu-se à agência da Caixa Econômica Federal, sendo atendida por funcionários da instituição que a informaram que tinha direito ao levantamento, desconhecendo, portanto, que o saque estava sendo feito contrariamente à previsão legal.

Diante do exposto, não restou plenamente configurado que a apelante tenha procedido tendo ciência da ilicitude do fato. Ante o princípio do in dúbio pro reo, imperiosa a manutenção de sua absolvição.

4. Da autoria. Alega a defesa que não é possível embasar a condenação apenas em procedimento administrativo feito pela empresa vítima ou em inquérito policial.

Hodiernamente, no âmbito do processo penal, o julgador deve motivar sua decisão nas provas colhidas durante a instrução judicial, sendo-lhe vedado proferir decisão baseada unicamente em prova indiciária.

Mas no caso em tela, observa-se que a condenação baseou-se em todo o conjunto probatório, consistente não só nos elementos colhidos na fase indiciária, mas também em provas produzidas ou reiteradas em juízo, como prova documental (ofício de fl.426, termo de rescisão original de fl.485), oitiva das rés e prova testemunhal (fls.460 e 461).

Dessa forma, as provas apóiam-se nos elementos apurados no decorrer da instrução.

Pleiteia também a defesa a absolvição ante a inexistência de provas da autoria, mas esta restou inconteste.

A apelante (fls.383/384) negou a prática delitiva, asseverando que se limitara a adotar os procedimentos usuais nas hipóteses de saques do FGTS. A versão apresentada pela ré em Juízo no sentido de que possivelmente a fraude teria sido perpetrada por uma quadrilha que falsificava os termos de rescisão para neles alterar o motivo da demissão, não sendo possível à apelante perceber a falsidade do documento, restou isolada do conjunto probatório, carecendo de credibilidade.

De acordo com o comprovante de pagamento do FGTS (fl.17), a liberação para saque foi autorizada pela servidora ora apelante.

O Relatório da Apuração Sumária da CEF de fls.115/121 concluiu pela participação da acusada no saque fraudulento do FGTS. Colaciono excertos do referido procedimento:

"(...) nota-se claramente que a empregada Sônia Maria Garde fazia como queria, pois bloqueava APAS sem termos de rescisão, sem xerox de carteira profissional e outros documentos necessários para o bloqueio de contas inativas (...) Embora em seu depoimento a empregada Sônia tenha dito que não conhece e não tinha negócios com Eugênio C.Bertolini acusado nos autos do flagrante (...) de Júlio César B.da Silveira, de arrumar documentos para sacar o FGTS, forjando documentos, e que o contato que fica na agência era a Sônia, este (Eugênio) esteve em seus aniversário e conta vários cheques de emissão dele em sua conta (fls. 134,136 e 137) e vários cheques emitidos por Alexandre e Antônio Chionchio ( fls.140 e 142), que era amigo de Eugênio, conforme menciona em seu depoimento o empregado César da Cruz Milani.
(...) depoimentos de Neusa K.Kurossawa confirma que a empregada Sônia autorizava pagamentos sem termos de rescisão, fls.143, nos depoimentos de Kiseo Hirono, ela Sônia autorizou o pagamento de apas sem as condições normativas (...) o estagiário Rogério Aparecido Felix afirmou que ( ...) a referida empregada orientava para colocar a expressão complemento, e que alguns casos não precisaria apresentar os termos, inclusive orientou para colocar complemento em uma APA no valor de R$ 40.000,00, cód.86, não tendo qualquer documentação de entrada, sendo que o fundista está trabalhando pelo regime de CLT, conforme doc 691, e que consta entrega de RAIS ano base 94 e extrato fundo de garantia com data de admissão de 11.12.91 e depósitos regulares, e que não via as pessoas dar entrada à documentação para saque, vendo-os somente quando viam retirar procurando somente a empregada, e iam embora quando esta não estava, voltando posteriormente; o empregado Antônio César da C.Milani, afirma que a empregada era amiga de Eugênio, inclusive este esteve em seu aniversário, juntamente com Alexandre, e que estes traziam amigos para retirar FGTS, falando diretamente com a Sônia (fls.155), cuja falta de verificação e apresentação de documentos exigidos por normativas para saque -cod,01, causou saques indevidos conforme documentação anexada ao processo, uma vez que os fundistas pediram demissão ou foram demitidos, ou ainda sacaram pelo cod.86 e 87N, indevidamente, e ainda saques no FGTS, pelo evento AIDS , fls.39 a 87, pela não verificação de coincidências e pela sua constância, demonstravam irregularidades, cheques depositados de envolvidos nas fraudes em sua conta (...)".

As declarações extrajudiciais de Rogério Aparecido Felix (fl. 220) , Edson Previato (fls.206/207) e Alexandre Antônio Chionchio (fls.208/209), bem como as de Marcelo Chierci Lopes (fls.406/410) prestadas nos autos da Ação Penal nº 97.0307733-1, acostadas por cópias a estes autos por determinação judicial (fl.402) são uníssonas em apontar a ré como autora do crime descrito na peça acusatória.

Confira-se o depoimento da testemunha Marcelo Chierici Lopes:

"(...) trabalha na CEF na agência da Rua Visconde de Inhaúma em Ribeirão Preto (...) foi designado pelo Superintendente Regional de Ribeirão Preto para apurar alguns fatos, juntamente com Luis Carlos Jurioli, irregularidades na agência da Avenida da Saudade Afirmou que na época um gerente afirmou que houve um saque fraudulento por pessoa portadora do HIV (...) a Regional de Bauru começou a desconfiar do fato de que a agência da Av.Saudade emitia muitas ordens de saque para pessoas portadoras do HIV (...) foi indagada a médica que teria assinado o atestado desse caso, sendo que a mesma afirmou que não tinha passado tal atestado. A partir daí, o depoente, junto com o colega já mencionado, foi designado para abrir a sindicância . Nesta, os sindicantes analisaram os termos de rescisão de contrato de trabalho apresentados a partir daquele mês (...) verificaram que as fraudes não se limitavam aos casos de HIV, também relacionando-se às contas inativas, cujo código de saque era 86 (...) constatou-se, em muitos casos, que o trabalhador sacador havia pedido demissão do emprego, fato que não ensejaria o direito do mesmo ao saque (...) foi apurado que houve envolvimento apenas da funcionária Sonia Maria Garde (...) para a pessoa sacar o FGTS era preciso apresentar a rescisão do contrato de trabalho, mas ao analisar os registros dos saques de muitos casos, verificou que não constavam o documento mencionado, existindo apenas o APA, que é autorização para pagamento (...) na averiguação dos termos de rescisão, foi apurado em todos eles era a funcionária Sonia quem os recebeu, o que ficou demonstrado pela APAS vistadas pela mesma (...) foi apurado que houve depósitos na conta de Sônia de pessoas que haviam sacado o FGTS, sendo que os valores chegavam a R$ 3.000,00, valores considerados altos (...) a funcionária Sônia tinha facilidade, posto que tinha muito conhecimento na área de fundo de garantia (...) a funcionária Sônia foi demitida por justa causa (...) a funcionária Sônia encaminhava a guia APA ao Caixa, para que o caixa fizesse o pagamento (...) a funcionária Sônia tinha (...) acesso às informações, como por exemplo o saldo da conta referente ao FGTS, podendo verificar o saldo de quem ela quisesse (...) todos os procedimentos dos funcionários ficam gravados no sistema, podendo ser rastreados posteriormente. Não foi apurado se a funcionária Sônia apresentava sinais de riqueza, porém foi averiguado que a mesma apresentava muitos depósitos em sua conta, o que chamou a atenção do sindicante por se tratar de uma assalariada, cuja renda era de aproximadamente R$1.200,00 (...) não tem certeza sobre o valor total que foi sacado, mas acredita que foi em torno de R$ 1.000.000,00" (fls.676/680)."

A alegação da ré no sentido de que não teria concorrido para a empreitada criminosa não prospera. O conjunto probatório é firme no sentido de que a denunciada era a responsável pelo setor de FGTS, competente paraa conferência de documentos apresentados e ulterior autorização para o levantamento do saldo existente.

A argüição de que foi vítima de outros funcionários que se utilizavam de sua senha sem que a mesma soubesse, não prospera, não tendo sido demonstrada nos autos. E não se olvide que a senha é pessoal e intransferível, cabendo ao servidor que a delegou a terceiros a responsabilidade pelos atos praticados sob sua égide.

Além disso, a tese defensiva no sentido de que o termo de rescisão contratual, diverso do termo constante dos autos, era apresentado com o campo referente à causa da rescisão falsificado, cuja falsidade não era passível de ser percebida pela apelante, ficando arquivado na instituição, também não procede. Oficiou-se à Caixa Econômica Federal, a qual informou que o original estava em poder da empresa (fl.426); esta, por sua vez, apresentou referido documento (fl.485), onde consta expressamente pedido de demissão como motivo da extinção do contrato de trabalho.

Os elementos coligidos aos autos indicam, à saciedade, que a acusada tinha plena ciência acerca da ilicitude de seu comportamento consistente na fraude empregada com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida em detrimento de entidade de direito público, haja vista o extenso rol de ações penais similares, que indica a contumácia na prática delitiva, não havendo que se falar em atipicidade fática por ausência de dolo.

Comprovadas a materialidade e autoria delitivas, a manutenção da sentença condenatória é de rigor.

5. Da dosimetria. A pena-base foi corretamente fixada acima do patamar mínimo ante a personalidade e conduta social da acusada voltada para a prática de delitos, consoante se verifica do elevado número de ações penais que a ré possui, culpabilidade intensa da acusada que coordenava o setor de FGTS e abusou da confiança que lhe fora conferida por uma empresa pública federal para perpetrar o crime.

Anoto, em complemento, que a apelante possui em seu desfavor sentença condenatória transitada em julgado, pela mesma prática delitiva narrada na denúncia, proferida nos autos do processo nº 2001.61.02.002267-5, 4ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP (fl.525).

Desta forma, a pena privativa de liberdade foi bem dosada, justificada a majoração da pena-base acima do mínimo legal em 02 (dois) anos, resultando em 03 (três) anos de reclusão, à vista da conduta social pouco recomendável da ré e de sua personalidade voltada para a habitualidade delitiva.

Por conta do disposto no §3º do artigo 171 do Código Penal, foi acrescida a pena em 1/3, resultando em 04 (quatro) anos de reclusão, que considero suficiente para a repressão e prevenção do crime.

Estabelecido o regime inicial aberto para o cumprimento da sanção corporal, nos termos do artigo 33, §2º do Código Penal, carece de interesse a defesa ao pleitear a fixação de regime mais benéfico.

Razão assiste à defesa ao requerer a adequação da pena de multa, estipulada em 120 (cento e vinte) dias-multa, ao patamar estipulado para a pena privativa de liberdade.

A fim de preservar a parametricidade entre as penas cominadas, acresço a pena-base de 10 (dez) dias-multa ao triplo, resultando em 30 (trinta) dias-multa. Acrescendo-se 1/3 por conta da causa de aumento prevista no artigo 171, §3º do Código Penal, torno definitiva a pena de multa em 40 (quarenta) dias-multa.

No tocante ao valor do dia-multa, considerou-se a situação econômica da acusada, bancária aposentada, e as vantagens indevidas que cobrava para autorizar o saque fraudulento do FGTS, sendo fixado em 01 (um) salário mínimo vigente ao tempo da infração penal, atualizado monetariamente, devendo ser mantido.

Pelas mesmas razões, acertadamente, foi substituída a pena privativa de liberdade da apelante por duas penas restritivas de direitos, consistentes em duas penas de prestação pecuniária no valor de ½ (meio) salário mínimo mensal que, consoante entendimento desta C. Turma, deve ser destinada, de ofício, à União Federal.

Com tais considerações, NEGO PROVIMENTO ao recurso do Ministério Público Federal e REJEITO a preliminar argüida na apelação da ré, à qual DOU PARCIAL PROVIMENTO tão-somente para reduzir a pena de multa imposta para 40 (quarenta) dias-multa e, DE OFÍCIO, destino a prestação pecuniária à União, mantendo-se, no mais, a sentença recorrida.

É o voto.

RAQUEL PERRINI
Juíza Federal Convocada


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Data e Hora: 09/01/2012 18:33:23