Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 11/01/2012
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0006360-55.2007.4.03.6120/SP
2007.61.20.006360-8/SP
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : PAULO SERGIO BIONDI
: FLAVIO DE OLIVEIRA ARRUDA JUNIOR
ADVOGADO : SANDRA COMITO JULIEN e outro
RECORRIDO : GILNEI DE FREITAS
ADVOGADO : LAERCIO HAINTS e outro
RECORRIDO : SEBASTIAO SANTO CACHETA
: OSVALDO APARECIDO RODRIGUES
ADVOGADO : ADRIANA BORGES e outro
No. ORIG. : 00063605520074036120 1 Vr ARARAQUARA/SP

EMENTA

PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ARTIGO 183 DA LEI 9.472/97. RADIO CLANDESTINA. ARTIGO 70 DA LEI 4.117/92. SUCESSIVIDADE DE LEIS NO TEMPO. INDÍCIOS DE AUTORIA E PROVA DA MATERIALIADE. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. RECURSO PROVIDO.
Os recorridos foram denunciados pela suposta prática do crime tipificado no artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97 c.c artigo 29 do Código Penal.
A MMª. Juíza a quo antes de receber a denúncia, alterou a capitulação jurídica do crime narrado na peça acusatória, por entender que a conduta descrita se subsumia ao delito previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/62. Remessa dos autos ao Ministério Público Federal para se manifestar sobre eventual proposta de transação penal prevista no artigo 76 da Lei nº 9.099/95.
O caso dos autos se amolda à hipótese prevista no inciso I do artigo 581 do Código de Processo Penal. A decisão que dá nova capitulação jurídica à conduta criminosa descrita na exordial equivale à rejeição da denúncia. Precedentes desta Turma.
A radiodifusão sonora, de sons e imagens são serviços explorados diretamente pela União, ou mediante concessão, permissão ou autorização do Poder Executivo, nos exatos termos do artigo 21, inciso XII, alínea "a", (cuja redação foi dada pela Emenda nº 8, de 15/08/95), e do artigo 223, ambos, da Constituição Federal.
A Emenda Constitucional nº 8/95 tão somente regulamentou os serviços de telecomunicações (inciso XI) e os de radiodifusão (inciso XII) de forma separada, fato que não autoriza afirmar que se trata de institutos diversos. Radiodifusão é espécie do gênero telecomunicações.
A matéria controvertida é hipótese de sucessão de leis no tempo.
O tipo penal definido no artigo 183, da Lei nº 9.472/97, recepcionado pela Constituição Federal, reafirmou a ilicitude da atividade de radiodifusão clandestina, que anteriormente era prevista no artigo 70 da Lei n° 4.117/62. Precedentes desta Primeira Turma.
Narra a peça acusatória que a suposta conduta criminosa ocorreu no período de setembro de 2003 a agosto de 2007, época em que vigia a Lei nº 9.472/97. Os acusados foram corretamente denunciados como incursos nas sanções do artigo 183 da referida lei.
Há nos autos indícios suficientes da autoria e prova da materialidade. Recebimento da denúncia é de rigor.
Recurso em sentido estrito a que se dá provimento. Remessa dos autos à primeira instância para o regular processamento do feito, nos termos do artigo 396 e seguintes do Código de Processo Penal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso do Ministério Público Federal para receber a denúncia ofertada em face dos recorridos e determinar a remessa dos autos à primeira instância para o regular processamento do feito, nos termos do artigo 396 e seguintes do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 13 de dezembro de 2011.
Vesna Kolmar
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): VESNA KOLMAR:10060
Nº de Série do Certificado: 34D835FBE5975E67
Data e Hora: 14/12/2011 20:06:30



RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0006360-55.2007.4.03.6120/SP
2007.61.20.006360-8/SP
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : PAULO SERGIO BIONDI
: FLAVIO DE OLIVEIRA ARRUDA JUNIOR
ADVOGADO : SANDRA COMITO JULIEN e outro
RECORRIDO : GILNEI DE FREITAS
ADVOGADO : LAERCIO HAINTS e outro
RECORRIDO : SEBASTIAO SANTO CACHETA
: OSVALDO APARECIDO RODRIGUES
ADVOGADO : ADRIANA BORGES e outro
No. ORIG. : 00063605520074036120 1 Vr ARARAQUARA/SP

RELATÓRIO

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR:


Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a r. decisão de fl. 228 proferida pelo MM. Juiz da 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo, Dra. Adriana Galvão Starr, que antes de receber a denúncia desclassificou o tipo penal narrado na exordial para delito previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/62 e remeteu os autos ao Ministério Público Federal para se manifestar sobre eventual proposta de transação penal prevista no artigo 76 da Lei nº 9.099/95.


O recorrente pleiteia o recebimento da denúncia nos termos em que foi proposta, alegando, em síntese, que:


a) no momento do recebimento da denúncia o d. magistrado "a quo" não pode alterar a capitulação jurídica do delito, sob pena de invadir a esfera de atuação do órgão acusador;


b) o magistrado "a quo" deve observar o disposto nos artigos 395 e 396 do Código de Processo Penal;


c) a "emendatio libelli" prevista no artigo 383 do mesmo diploma legal somente pode ser aplicada no momento da sentença;


d) a conduta típica descrita no artigo 70 da Lei nº 4.117/62 é a mesma prevista no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, uma vez que houve mera sucessividade de leis no tempo.


Contrarrazões acostadas às fls. 288/292, 297/299, 300/302, 307/313, 325/329.


Às fls. 332 /333 a MMª. Juíza "a quo" manteve a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos a esta Corte.


A Procuradoria Regional da República, por sua ilustre representante, Dra. Samantha Chantal Dobrowolski, opinou pela concessão ex offício de habeas corpus, ante a atipicidade da conduta, ou, pelo desprovimento do recurso reconhecendo que a conduta se amolda ao artigo 70 da Lei nº 4.117/62 (fls. 339/347).


É o relatório.


Dispensada a revisão a teor do disposto no artigo 236 do Regimento Interno desta Corte.



Vesna Kolmar
Desembargadora Federal Relatora


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): VESNA KOLMAR:10060
Nº de Série do Certificado: 34D835FBE5975E67
Data e Hora: 22/09/2011 16:50:22



RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0006360-55.2007.4.03.6120/SP
2007.61.20.006360-8/SP
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : PAULO SERGIO BIONDI
: FLAVIO DE OLIVEIRA ARRUDA JUNIOR
ADVOGADO : SANDRA COMITO JULIEN e outro
RECORRIDO : GILNEI DE FREITAS
ADVOGADO : LAERCIO HAINTS e outro
RECORRIDO : SEBASTIAO SANTO CACHETA
: OSVALDO APARECIDO RODRIGUES
ADVOGADO : ADRIANA BORGES e outro
No. ORIG. : 00063605520074036120 1 Vr ARARAQUARA/SP

VOTO

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR:


Paulo Sérgio Biondi, Flávio de Oliveira Arruda Júnior, Osvaldo Aparecido Rodrigues, Sebastião Santos Cacheta e Gilnei de Freitas foram denunciados pela suposta prática do crime tipificado no artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97 c.c artigo 29 do Código Penal.


Consta da denúncia que:


"(...) no período aproximado de setembro de 2003 a 15 de agosto de 2007, na Rua Campos Salles, 914, Vila Gaspar, e na Rua Ricieri Bergamim, 700, Jardim São Paulo, no Município de Nova Europa/SP, PAULO SÉRGIO BIONDI e FLÁVIO DE OLIVEIRA ARRUDA JUNIOR, na qualidade de sócios e administradores da empresa TECHS TECNOLOGIA EM HARWARE E SOFTWARE LTDA. (CNPJ 00.981.458/0001-79), desenvolveram atividade de telecomunicação de maneira clandestina (prestação de serviço multimídia - provedor de acesso à internet), sem autorização e sem certificação e homologação dos equipamentos utilizados.
Consta, também, que OSVALDO APARECIDO RODRIGUES, então prefeito do MUNICÍPIO DE NOVA EUROPA/SP, a partir de setembro de 2003 até dezembro de 2004, término de seu mandato, concorreu para o crime narrado acima, com o auxílio do funcionário municipal GILNEI DE FREITAS, ao firmar contrato de prestação de serviço com a empresa TECHS TECNOLOGIA EM HARDWARE E SOFTWARE LTDA (CNPJ 00.981.458/0001-79), além de fornecer espaço no Paço Municipal para instalação dos equipamentos, bem como autorizar a utilização da Escola Municipal de Ensino Fundamental Jardim São Paulo para instalação da antena repetidora.
Consta ainda que de setembro de 2006 a 15 de agosto de 2007, na rua Ricieri Bergamim, 700, Jardim São Paulo, no Município de Nova Europa/SP, SEBASTIÃO SANTO CACHETA, na qualidade de prefeito do MUNICÍPIO DE NOVA EUROPA, com o auxílio de GILNEI DE FREITAS, desenvolveu atividade de telecomunicação de maneira clandestina (prestação de serviço multimídia - provedor de acesso à internet), sem autorização e sem certificação e homologação dos equipamentos utilizados.
Segundo o apurado em 15 de agosto de 2007, agentes de fiscalização da Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL dirigiram-se ao Município de Nova Europa/SP, onde constataram a presença de estações de comunicação multimídia (internet via rádio), operando sem autorização da referida agência reguladora, instaladas no abrigo da caixa d'água da Escola Municipal de Ensino Fundamental Jardim São Paulo, situada na Rua Ricieri Bergamim, 700, Jardim São Paulo e no imóvel localizado à Rua Campos Salles, 914, Vila Gaspar.
Pelas diligências efetivadas, verificou-se que os equipamentos localizados na escola pertenciam, em parte, ao MUNICÍPIO DE NOVA EUROPA/SP e o restante, à empresa TECHS TECNOLOGIA EM HARDWARE E SOFTWARE LTDA., proprietária também dos demais equipamentos instalados no imóvel situado na Rua Campos Salles, que tinha sido por ela locado (fls. 41/43) para a exploração do serviço, consoante se infere dos Autos de Apreensões acostados às fls. 34 e 35 dos autos.
Em razão da ausência de outorga para a exploração do serviço de telecomunicação em questão, foram lavrados os Autos de Infrações nº 0009SP20070434RD e 0007SP20070434RD, com a conseqüente interrupção do serviço (fls. 130/136 e 137/146).
O Laudo nº 611/2009, elaborado pelo Departamento de Polícia Federal, acostado às fls. 167/174, constatou que os equipamentos aprendidos tinham aptidão para causar interferências prejudiciais a diversos outros equipamentos que operassem numa freqüência igual ou próxima e dentro da mesma área de cobertura, sendo certo, ademais, que parte deles tampouco apresentavam certificação ou homologação junto à ANATEL (fls. 167/174)>
Às fls. 71/72, a ANATEL informou, ainda, que houve alteração e adulteração dos equipamentos, tendo sido utilizadas antenas externas para ampliar as potências irradiadas. Mencionou, outrossim, a utilização de equipamento de uso proibido pela legislação e normas técnicas vigentes.
Ao que se apurou, durante a gestão do prefeito OSVALDO APARECIDO RODRIGUES, o MUNICÍPIO DE NOVA EUROPA, tendo o funcionário GILNEI DE FREITAS, técnico programador, à frente das negociações (fls. 84), firmou contrato de exploração de serviço multimídia com a empresa TECHS TECNOLOGIA EM HARDWARE E SOFTWARE LTDA., de propriedade de PAULO SÉRGIO BIONDI e FLÁVIO DE OLIVEIRA ARRUDA JUNIOR (fls. 52/53), que teve vigência aproximada entre setembro de 2003 e setembro de 2006 (fls. 36/40 e 118/126).
Expirado o prazo inicialmente fixado para vigência do contrato, não houve renovação e o MUNICÍPIO DE NOVA EUROPA, na gestão do prefeito, SEBASTIÃO SANTO CACHETA, adquiriu os equipamentos e passou, a partir de então a explorar diretamente o serviço de acesso à internet, em favor somente de órgãos, autarquias e demais entidades da Administração Municipal, tendo GILNEI DE FREITAS providenciado pessoalmente a instalação dos equipamentos a antenas para a exploração, por meio de radiofreqüência (fls. 23/25).
Agindo assim, os denunciados desenvolveram, em concurso, atividade de telecomunicação de maneira clandestina, tendo em vista a ausência de autorização para exploração de serviço com uso de radiofreqüência destinada à comunicação multimídia incorrendo na prática do crime capitulado no artigo 183 da Lei nº 9.472/97. (...)" (fls. 223/226).

A MMª. Juíza a quo antes de receber a denúncia, alterou a capitulação jurídica do crime narrado na peça acusatória, por entender que a conduta descrita se subsumia ao delito previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/62 e remeteu os autos ao Ministério Público Federal para se manifestar sobre eventual proposta de transação penal prevista no artigo 76 da Lei nº 9.099/95.


Assiste razão ao Ministério Público Federal.


Tem razão a acusação quando sustenta que o caso dos autos se amolda à hipótese prevista no inciso I do artigo 581 do Código de Processo Penal, na medida em que a decisão que dá nova capitulação jurídica à conduta criminosa descrita na exordial equivale à rejeição da denúncia.

Neste sentido a jurisprudência:


Ementa PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CABIMENTO. ART. 581, I, C.C. ART. 3º DO, CPP. RECEBIMENTO DA DENUNCIA. ALTERAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO PELO JUIZ. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 129, I, CF. INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE RÁDIO SEM AUTORIZAÇÃO DO PODER ESTATAL. FATOS TÍPICOS. DELITO PREVISTO NO ARTIGO 183 DA LEI Nº 9.472/97. JUSTA CAUSA PARA AÇÃO PENAL. REVOGAÇÃO DO ART. 70 DA LEI Nº 4.117/62. PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA JUSTIÇA PÚBLICA.
1. Conquanto ainda saliente a discussão tanto na doutrina como na jurisprudência a respeito do rol taxativo ou não do artigo 581 do Código de Processo Penal, inarredável é que a decisão que recebe a peça acusatória com classificação jurídica diversa da nela indicada equivale, na realidade, à rejeição, encontrando assim amparo no inciso I do mencionado dispositivo legal. Interpretação extensiva permitida pelo art. 3º do CPP.
2. A denúncia, peça privativa do Ministério Público, deve descrever, sob pena de inépcia, o fato delituoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas (artigo 41 do CPP), sendo que o acusado defende-se, na realidade, dos fatos imputados pelo Parquet na peça acusatória e não da classificação jurídica capitulada, tanto que o juiz, no ato de prolação da sentença, pode dar ao fato imputado ao acusado definição jurídica diversa daquela constante da denúncia (emendatio libelli).
3. Questão tormentosa, no entanto, é saber da possibilidade do juiz, no ato de recebimento da denúncia, alterar a classificação jurídica do fato narrado. Como regra geral, não, porque ao Ministério Público, e somente a ele (art. 129, I, CF), compete privativamente a propositura da ação penal pública e o juiz, quando recebe a peça acusatória, tão-somente analisa os requisitos anteriormente mencionados nos artigos 41 e 43, ambos do Código de Processo Penal. A interferência do magistrado, logo no início da persecução penal, na capitulação penal apresentada pelo órgão acusatório ofende a independência conferida ao Parquet, como sendo instituição privativa para propor a ação penal pública.
4. A despeito de respeitável posição em sentido contrário, tenho que, ao alterar a imputação jurídica formulada pelo titular exclusivo da ação penal pública, o juiz se torna acusador, ainda que essa alteração ocorra, como no caso, para capitulação de menor pena. Está violado o princípio da inércia e, conseqüentemente, a necessária imparcialidade do órgão julgador, com nítida invasão na esfera privativa de atribuição do Ministério Público.
5. Ademais, no sistema processual penal vigente, há mesmo previsões, constitucional e legal, de inafiançabilidade e impossibilidade de concessão de liberdade provisória a certos delitos (hediondos e equiparados), o que levaria à preocupação de que a mera imputação ministerial pudesse vir a manter o réu preso durante todo o desenrolar do processo, embora fosse evidente a incorreção da capitulação. Contudo, isso também não se caracteriza circunstância autorizadora de que o juiz altere a capitulação ao receber a denúncia. Ora, se a inicial acusatória foi recebida é porque preenchia os requisitos legais, havendo justa causa; se era abusiva, deveria o juiz rejeitá-la, ainda que grave o delito capitulado.
6. A conduta de desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicação, explorando serviço de radiodifusão, subsume-se, em tese, no tipo penal previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97, de modo que não há se falar em ausência de justa causa para a ação penal.
7. Conquanto o artigo 215, I, da Lei n° 9.472/97 tenha excetuado a revogação da matéria penal da Lei n° 4.117/62, denota-se que a atividade de telecomunicações engloba a de radiodifusão, motivo pelo qual a legislação anterior foi revogada pela lei nova, eis que a conduta criminosa prevista por ambas as normas têm conteúdo valorativo semelhante, visando a reprimir a ocorrência de condutas que violam o mesmo bem jurídico. Resumindo, a matéria penal de que tratava o artigo 70 da Lei n° 4.117, de 17 de agosto de 1962, foi tratada na Lei n° 9.472/97.
8. Se o crime do art. 183 da Lei n° 9.472/97 comina pena mínima superior a um ano, não permitindo a suspensão condicional do processo nos termos estatuídos pelo art. 89 da Lei 9.099/95, resta prejudicado o recurso ministerial neste tópico, pelo que a ação penal oferecida deve prosseguir nos exatos termos da legislação.
9. Recurso parcialmente provido, para o fim de, reformando-se a r. decisão do MM. Juízo a quo, manter o recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, porém na integralidade, revogando-se a suspensão condicional do processo e determinando-se o regular processamento da ação penal.
Processo RCCR 200161810053803 RCCR - RECURSO CRIMINAL - 3207 Relator(a) JUIZ HIGINO CINACCHI Sigla do órgão TRF3 Órgão julgador QUINTA TURMA Fonte DJU DATA:23/05/2006 PÁGINA: 229 Decisão Prosseguindo o julgamento proferiu seu voto-vista a Juíza Federal Convocada ANA PEZARINI no sentido de dar parcial provimento ao recurso em sentido estrito interposto pela acusação, em menor extensão, apenas para cassar a parte da decisão que, "ex officio", estipulou as condições para a proposta de suspensão condicional do processo e designou a respectiva audiência, e determinar, por conseguinte, a remessa dos autos à competente Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal. Assim, a Turma, por maioria, deu parcial provimento ao recurso interposto pela Justiça Pública, para o fim de, reformando-se a r. decisão do MM. Juízo "a quo", manter o recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, porém na integralidade, revogando-se a suspensão condicional do processo e determinando-se regular processamento da ação penal, nos termos do voto do relator, acompanhado pelo voto do DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW. Vencida a Juíza Federal Convocada ANA PEZARINI. Data da Decisão 06/02/2006 Data da Publicação 23/05/2006.

Do exame dos autos verifico que a r. decisão merece reforma, na medida em que a conduta descrita na exordial não se subsume ao delito previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/62.

Como é cediço, a radiodifusão sonora, de sons e imagens são serviços explorados diretamente pela União, ou mediante concessão, permissão ou autorização do Poder Executivo, nos exatos termos do artigo 21, inciso XII, alínea "a", (cuja redação foi dada pela Emenda nº 8, de 15/08/95), e do artigo 223, ambos, da Constituição Federal.


Assevere-se, ainda, que a Emenda Constitucional nº 8/95 tão somente regulamentou os serviços de telecomunicações (inciso XI) e os de radiodifusão (inciso XII) de forma separada, fato que não autoriza afirmar que se trata de institutos diversos. Assim, permanece o entendimento de que a radiodifusão é espécie do gênero telecomunicações.


Na verdade, a matéria controvertida é hipótese de sucessividade de leis no tempo.

Desta forma, o tipo penal definido no artigo 183, da Lei nº 9.472/97, recepcionado pela Constituição Federal, reafirmou a ilicitude da atividade de radiodifusão clandestina, que anteriormente era prevista no artigo 70 da Lei n° 4.117/62.

Neste sentido a jurisprudência desta Primeira Turma:


PENAL - APELAÇÃO MINISTERIAL- ART. 183 DA LEI 9.472/97 - IMPRESCINDIBILIDADE DE AUTORIZAÇÃO PARA RADIOCOMUNICAÇÃO - IRRELEVÂNCIA DA AUSÊNCIA DE FINS LUCRATIVOS - POTENCIALIDADE LESIVA - INAPLICÁVEL O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESVAFORÁVEIS - PERSISTÊNCIA NA PRÁTICA DELITUOSA ESPECÍFICA - CONDENAÇÃO QUE NÃO INDUZ REINCIDÊNCIA PELO DECURSO DO TEMPO PODE CONFIGURAR MAU ANTECEDENTE - SUBSTITUIÇÃO DA PENA PECUNIÁRIA DE VALOR FIXO PELO CRITÉRIO DO ARTIGO 49 DO CP - NÃO PREENCHIMENTO DE REQUISITOS PARA A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS - REGIME ABERTO - RECURSO PROVIDO - RÉU CONDENADO - DETERMINAÇÕES A SEREM SEGUIDAS PELO JUÍZO "A QUO".
1. Apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a sentença que absolveu JESSE GUIMARÃES NUNES da imputação da prática do crime previsto no art. 183, da Lei nº 9.472/97, sob o fundamento de atipicidade da conduta. O juízo "a quo" entendeu que o tipo descrito no artigo 70 da Lei nº 4117/62 não foi recepcionado pela Emenda Constitucional nº 8/95, que alteou a redação da alínea "a" do inciso XII do art. 21, para deixar a regulamentação das telecomunicações apenas para o inciso XI. Sustenta-se que a classificação de radiodifusão como espécie do gênero telecomunicações deixou de ter respaldo na Lei Maior. Assim, dentro deste raciocínio, a matéria penal contida na Lei 4117/62 que dispõe sobre radiodifusão não teria sido recepcionada, porquanto implicaria interpretação extensiva vedada pelo ordenamento jurídico.
2. A Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento parcial do recurso a fim de condenar o apelado nos termos do artigo 70 da Lei nº 4117/62. Aduz-se que o serviço não pode ser considerado de Rádio Comunitária, por não atender aos requisitos da Lei 9.612/98. Em síntese, entende que a matéria penal tratada na Lei 4117/62 foi revogada pela Lei nº 9.472/97, porém os dispositivos que não foram tratados pela lei posterior continuam vigentes.
3. Da comparação do art. 70 da Lei 4.117/62 com o art. 183 da Lei 9.472/97, verifica-se que o tipo penal sancionava a "instalação ou utilização de telecomunicações" e agora descreve a conduta de desenvolver clandestinamente "atividades de comunicações". Afastada a alegação de abolitio criminis. A hipótese é, na verdade, de sucessividade de leis no tempo.
4. O art. 215, I, da Lei nº 9.472/97 não impede a aplicação do art. 183 da Lei nº 9.472/97 aos serviços de radiodifusão. Neste aspecto, a matéria penal tratada pelo art. 70 da Lei 4117/62 foi sim reiterada no mencionado dispositivo, o qual, inclusive, estabeleceu uma majoração da pena mínima abstratamente cominada ao deito.
5. A Emenda Constitucional nº 8/95 não deixou a radiodifusão sem amparo do Direito Penal. A intenção do constituinte foi esmiuçar a disciplina de tais serviços e reforçar a idéia de que são de competência privativa da União.
6. A radiodifusão é uma espécie de telecomunicação, nos termos do artigo 60, § 1º c.c. o art. 162, § 1º da Lei n.º 9.472/97, de sorte que o desempenho da atividade sem autorização da primeira tipifica um crime.
7. É indispensável também a autorização do poder público para o funcionamento de radiodifusão comunitária (art. 21, XII, "a" da CF e art. 6º Lei nº 9.612/98).
8. A perícia firmada por dois especialistas atesta que se utilizava um transmissor de 40 watts, e que o conjunto transmissor do sistema irradiante gerava sinais com alcance aproximado de nove quilômetros ao redor da estação, o que impossibilita a inclusão no conceito de rádio comunitária estampado no § 1º do artigo 1º da Lei 9.612/1998.
...........
18. Apelação provida para condenar JESSÉ GUIMARÃES NUNES, às penas do artigo 183, da Lei nº 9.472/97.
Origem: TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO Classe: ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 15374 Processo: 2003.03.99.021671-7 UF: SP Orgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Data da Decisão: 13/02/2007 Documento: TRF300113834 Fonte DJU DATA:20/03/2007 PÁGINA: 509 Relator JUIZ JOHONSOM DI SALVO.
PENAL - APELAÇÃO CRIMINAL - RÁDIO COMUNITÁRIA - TIPICIDADE DA CONDUTA - PEDIDO DE CONDENAÇÃO - ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97 - NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO PARA RÁDIO COMUNITÁRIA - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - FIXAÇÃO DA PENA - APELAÇÃO PROVIDA.
1. Apelação interposta pelo Ministério Público Federal contra a r. sentença que absolveu o paciente da imputação de ter utilizado serviço de telecomunicações (emissora de radiodifusão) sem autorização legal ou regulamentar.
2. Tipicidade da conduta. Da comparação do art. 70 da Lei nº 4.117/62 com o art. 183 da Lei nº 9.472/97 verifica-se que houve mera repetição: a norma jurídica, na descrição da conduta, é a mesma, sendo irrelevante o número da lei, que não integra a sua estrutura normativa. Na primeira lei, o tipo penal sancionava a "instalação ou utilização de telecomunicações". Agora, apenas o exercício da "atividades de telecomunicação". Portanto, a conduta ilícita permanece a mesma, houve alteração apenas do diploma normativo que a prevê. Inocorrência de abolitio criminis.
3. Denúncia que imputa fatos ilícitos ocorridos em 31 de julho de 1997, portanto, com incidência do art. 183 da Lei nº 9.472/97.
4. É a radiodifusão uma espécie de telecomunicação (art. 60, § 1º, da Lei nº 9.472/97).
.........
10. Recurso provido.
Origem: TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO Classe: ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 16774 Processo: 2000.61.81.005754-3 UF: SP Orgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Data da Decisão: 03/10/2006 Documento: TRF300110434 Fonte DJU DATA:09/01/2007 PÁGINA: 89 Relator JUIZ JOHONSOM DI SALVO

Na hipótese em apreço, verifico que a peça acusatória narra que a suposta conduta criminosa ocorreu no período de setembro de 2003 a agosto de 2007, época em que vigia a Lei nº 9.472/97, motivo pelo qual, corretamente, os acusados foram denunciados como incursos nas sanções do artigo 183 da referida lei.


Assim considerando que há nos autos indícios suficientes da autoria e prova da materialidade é de rigor o recebimento da denúncia.


Por esses fundamentos, dou provimento ao recurso do Ministério Público Federal para receber a denúncia ofertada em face dos recorridos e determino a remessa dos autos à primeira instância para o regular processamento do feito, nos termos do artigo 396 e seguintes do Código de Processo Penal.


É o voto.


Vesna Kolmar
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): VESNA KOLMAR:10060
Nº de Série do Certificado: 34D835FBE5975E67
Data e Hora: 22/09/2011 16:50:32