Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 10/05/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006668-78.2002.4.03.6181/SP
2002.61.81.006668-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : LIN YEONG LUH
ADVOGADO : CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA PEREIRA e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00066687820024036181 5P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ARTIGO 334, § 1º, "c", DO CÓDIGO PENAL. DENÚNCIA QUE NÃO DESCREVE AS MERCADORIAS APREENDIDAS. INÉPCIA. ANULAÇÃO, DE OFÍCIO, DO PROCESSO, A PARTIR DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. APELAÇÃO PREJUDICADA.
1. Dispõe o artigo 41 do Código de Processo Penal, que a "denúncia ou a queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas".
3. No caso dos autos o libelo acusatório não preencheu os requisitos do citado dispositivo. Isto porque não expôs o fato criminoso, com todas as suas circunstâncias.
4. A peça acusatória imputou ao acusado a conduta de receber, em proveito próprio, no exercício de atividade comercial, mercadorias de procedência estrangeira, desacompanhadas de documentação legal.
5. A fim de que reste demonstrada a materialidade delitiva, a denúncia deve descrever, de forma pormenorizada, quais os bens internados de forma ilícita, sendo mister a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, não bastando mera remissão ao Auto de Apreensão ou ao Termo de Guarda Fiscal.
6. O réu se defende dos fatos imputados na peça acusatória e, portanto, com amparo nos princípios do contraditório e da ampla defesa, assegura-se a ela a ciência acerca das mercadorias que o órgão ministerial aduz que expusera à venda sem a documentação comprobatória de sua importação regular.
7. Denúncia inepta, porquanto não atendeu aos ditames legais, ausente a exposição clara e objetiva dos fatos alegadamente delituosos, com a narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais, vedando ao acusado o exercício pleno do direito de defesa assegurado pela Constituição Federal.
8. Processo anulado, de ofício, a partir do oferecimento da denúncia. Apelação prejudicada

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, anular, de ofício, o processo, a partir do oferecimento da denúncia, restando prejudicado o exame do mérito da apelação interposta, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 24 de abril de 2012.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006668-78.2002.4.03.6181/SP
2002.61.81.006668-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : LIN YEONG LUH
ADVOGADO : CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA PEREIRA e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00066687820024036181 5P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Cuida-se de apelação criminal interposta pelo réu LIN YEONG LUH contra a sentença de fls. 662/663-V, que julgou procedente o pedido da denúncia (recebida em 02.06.05 - fls. 244) para condená-lo como incurso no art. 334, § 1º, alínea "d", do Código Penal, a uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão, em regime inicial aberto.

Segundo narra a denúncia, verbis:


"No dia 1º de novembro de 2002, por volta das 8h30min, agentes da Polícia Federal abordaram um caminhão, de onde se descarregavam mercadorias, na Rua Aurélia, 918, Vila Romana, nesta capital, sede da empresa EVERWIN INTERNACIONAL LTDA. Os policiais solicitaram a documentação fiscal pertinente ao funcionário da empresa, Paulo Eduardo Cacheiro da Costa Santos, que entrou em contato com o proprietário da empresa, o denunciado LIN YEONG LUH.
Na fiscalização realizada, constatou-se que parte da mercadoria não possuía cobertura fiscal, ou seja, não estava discriminada na documentação fiscal apresentada pelo denunciado e juntada `s fls. 19/26. Dentre as mercadorias sem cobertura fiscal citam-se fontes e peças de mini altofalantes.
O termo de apreensão e guarda fiscal, relacionando as mercadorias apreendidas, encontra-se a fls. 160/166.
Consoante o laudo pericial de fls. 222/224, as mercadorias apreendidas são e procedência estrangeira, estão em bom estado de conservação e prestam-se ao comércio, tendo sido avaliadas em R$ 168.247,00.
Assim, o denunciado recebeu no exercício de atividade comercial, mercadoria de procedência estrangeira desacompanhada de documentação legal."

Inconformado, apela Lin Yeong Luh, em cujas razões recursais (fls. 676/686), pleiteia, em síntese, a absolvição, em razão da ausência de tipicidade e de provas ou, ao menos, seja fixada a pena no mínimo legal, bem como reconhecida a prescrição retroativa, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal.

Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls. 699/702), nas quais requer o desprovimento do recurso interposto pela defesa.

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República apresenta parecer (fls. 727/729-v), em que opina pelo desprovimento da apelação interposta pela defesa.

É o relatório.

À revisão.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006668-78.2002.4.03.6181/SP
2002.61.81.006668-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : LIN YEONG LUH
ADVOGADO : CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA PEREIRA e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00066687820024036181 5P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:


Preliminarmente: Da inépcia da denúncia.


Dispõe o artigo 41 do Código de Processo Penal, verbis:


"Art.41. A denúncia ou a queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas".

No caso, a denúncia não preencheu os requisitos do citado dispositivo. Isto porque não expôs o fato criminoso, com todas as suas circunstâncias.

A peça acusatória imputou ao acusado a conduta de receber, em proveito próprio, no exercício de atividade comercial, mercadorias de procedência estrangeira, desacompanhadas de documentação legal.

O objeto jurídico tutelado no crime de descaminho definido no artigo 334, "caput", do Código Penal é a Administração Pública no que diz respeito ao erário público lesado pelo comportamento do agente que ilude, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.

O descaminho é crime pluriofensivo, em que a conduta ilícita lesa simultaneamente mais de um bem jurídico tutelado pela lei, ante a nítida função extrafiscal dos tributos incidentes sobre importações e exportações, uma vez que tais exações cumprem a função de instrumentos de implementação da política de desenvolvimento da indústria e comércio nacionais.

Para a consumação delitiva basta a internação das mercadorias em território nacional, sem o pagamento dos tributos incidentes sobre aquela operação, e a fraude empregada para iludir o fisco consiste no modus operandi.

Nesse diapasão, a fim de que reste demonstrada a materialidade delitiva, a denúncia deve descrever, de forma pormenorizada, quais os bens internados de forma ilícita que se encontravam no estabelecimento comercial, sendo mister a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, não bastando mera remissão ao Auto de Apreensão ou ao Termo de Guarda Fiscal.

Considere-se, ademais, que o réu se defende dos fatos imputados na peça acusatória e, portanto, com amparo nos princípios do contraditório e da ampla defesa, assegura-se ao acusado a ciência acerca da mercadoria que o órgão ministerial aduz que importara ilicitamente ou que recebera desprovida de documentação comprobatória de sua regular importação.

O C. Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito:


"EMENTA: Habeas Corpus. 1. Denúncia recebida pela Corte Especial do STJ em relação a 13 (treze) crimes: tentativa de aborto sem o consentimento da gestante (CP, arts. 125, c/c 14, II); aborto provocado sem o consentimento da gestante (CP, art. 125); roubo (CP, art. 157); coação no curso de processo (CP, art. 344); seqüestro, cárcere privado e subtração de incapaz (CP, arts. 148, § 1º, III e § 2º e 249, § 1º); falsidade ideológica (CP, art. 299, parágrafo único); falsidade de atestado médico (CP, art. 302); uso de documento falso (CP, art. 304); denunciação caluniosa (CP, art. 339); falso testemunho (CP, art. 342); e corrupção ativa (CP, art. 343). 2. Com relação ao crime de roubo (CP, art. 157), a ação penal foi parcialmente trancada pela 2ª Turma desta Corte, no julgamento do HC nº 84.768-PE, Relatora originária Ministra Ellen Gracie, do qual fui redator para o acórdão, DJ 27.05.2005. 3. Neste habeas corpus, a inicial alega inépcia da denúncia especificamente em relação a 6 (seis) dos delitos imputados, a saber: falsidade ideológica (CP, art. 299, parágrafo único); falsidade de atestado médico (CP, art. 302); uso de documento falso (CP, art. 304); denunciação caluniosa (CP, art. 339); falso testemunho (CP, art. 342); e corrupção ativa (CP, art. 343). 4. A peça acusatória não observou os requisitos que poderiam oferecer substrato a uma persecução criminal minimamente aceitável quanto aos delitos especificamente impugnados na inicial. 5. Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito. Violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. 6. Concessão da ordem para que seja trancada a ação penal instaurada perante o STJ tão-somente com relação aos crimes capitulados nos arts. 299, parágrafo único, 302, 304, 339, 342, e 343, em face da manifesta inépcia da denúncia quanto a esses delitos. Direito (HC 86.000/PE, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 02/02/2007).

O Superior Tribunal de Justiça decidiu cumprir ao órgão acusatório individualizar a conduta típica:


"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES DE FALSO, DESCAMINHO E QUADRILHA. 1. INÉPCIA FORMAL. FALTA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. EXTENSÃO AOS CORRÉUS. 2. DESCAMINHO. PENDÊNCIA DE RECURSO ADMINISTRATIVO. UBI EADEM RATIO, UBI IDEM IUS. TRANCAMENTO. NECESSIDADE. 1. Cumpre ao acusador individualizar o comportamento típico, sob pena de enveredar pelos sombrios caminhos da responsabilidade penal objetiva, fazendo-se tábula rasa da garantia constitucional da ampla defesa.
2. Não há razão lógica para se tratar o crime de descaminho de maneira distinta daquela dispensada aos crimes tributários em geral. Com a anulação do processo penal ab initio, verifica-se, desta forma, que o pagamento do tributo se insere anteriormente ao recebimento de eventual nova incoativa. Assim, é de se determinar o trancamento da ação penal no tocante ao descaminho.
3. Ordem concedida em parte, acolhido o parecer do Ministério Público Federal, para, apenas no tocante ao processo n° 2006.50.01.007773-8: a) anular o processo, dada a inépcia formal de denúncia; estendendo-se os efeitos aos demais corréus, nos moldes do art. 580 do Código de Processo Penal, e, b) em relação ao crime de descaminho, trancar a ação penal, em razão da falta de justa causa - pagamento do tributo antes do recebimento de eventual nova denúncia".
(HABEAS CORPUS - 67415, Rel. Min.MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA ,DJE DATA:28/09/2009 RSTJ VOL.:00217 PG:01095).

Nessa esteira de entendimento, tem-se que a peça acusatória é inepta, porquanto não atendeu aos ditames legais, ausente a exposição clara e objetiva dos fatos alegadamente delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais, vedando ao acusado o exercício pleno do direito de defesa assegurado pela Constituição Federal.

Com tais considerações, anulo, de ofício, o processo, a partir do oferecimento da denúncia, restando prejudicado o exame do mérito da apelação interposta.


É o voto.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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Data e Hora: 27/04/2012 16:24:22