D.E. Publicado em 14/05/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide o Egrégio Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, julgar procedente a arguição de inconstitucionalidade para declarar a inconstitucionalidade da expressão "até o limite anual individual de R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais)" contida no art. 8º, II, "b", da Lei nº 9.250/95, devendo os autos retornarem à Turma para o prosseguimento do julgamento da apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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DECLARAÇÃO DE VOTO
Em sessão realizada em 28/03/2012 o Órgão Especial desta Corte, por maioria, julgou procedente a argüição de inconstitucionalidade para declarar a inconstitucionalidade da expressão "até o limite anual individual de R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais)" contida no artigo 8º, II, "b", da Lei nº 9.250/95, devendo os autos retornarem à Turma para o prosseguimento do julgamento da apelação, nos termos do voto do Des. Fed. MAIRAN MAIA (Relator), com quem votaram os Des. Fed. JOHONSOM DI SALVO, SÉRGIO NASCIMENTO, REGINA COSTA, LÚCIA URSAIA, MÁRCIO MORAES, DIVA MALERBI, MARLI FERREIRA, RAMZA TARTUCE, PEIXOTO JÚNIOR e NEWTON DE LUCCA (Presidente). Vencidos os Des. Fed. ALDA BASTO, ANDRÉ NEKATSCHALOW, PAULO FONTES, BAPTISTA PEREIRA, ROBERTO HADDAD, SALETTE NASCIMENTO e CECÍLIA MARCONDES, que julgavam improcedente a argüição de inconstitucionalidade.
Declaro o meu voto.
Ab initio, é de clareza solar que os juízos que versam sobre inconstitucionalidade - legitimados no art. 97 da Constituição - nem de longe tornam as Cortes Especiais dos Tribunais de Apelação (estaduais e regionais) "legisladores positivos" quando as mesmas se limitam a pronunciar a inconstitucionalidade total ou parcial de dispositivos da legislação comum, sem concomitante edição de regras substitutivas.
A rejeição do Judiciário como legislador positivo em sede de argüição de inconstitucionalidade foi muito bem delineada em 18/5/1994, pelo plenário do STF na ADI-MC n° 1.603 (rel. Min. Celso de Melo), nos termos seguintes:
Portanto, quando não há risco - como ocorre aqui - da criação de uma regra positiva de conduta que substitui o discurso legal acusado de ofensa a Magna Carta, não há que se falar no impedimento da Corte (ou Órgão) Especial em desempenhar sua missão constitucional legitimada no art. 97 já mencionado.
Passo ao mérito da questão sub judice.
Entende o poder público, a teor da Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, artigo 8º, inciso II, "b", com redação dada pela Lei nº 11.482, de 31 de maio de 2007, art. 3º; Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 - Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/1999), art. 81; Instrução Normativa SRF nº 15, de 6 de fevereiro de 2001, art. 39, que as despesas com gastos de educação efetuados com o próprio contribuinte ou com outro dependente ou alimentando, têm um limite (atualmente de R$ 2,830, 84).
O tema desperta múltiplos interesses, sendo certo que existe em tramitação o Projeto de Lei nº 7.475/10, do deputado José Chaves (PTB-PE), que permite a dedução integral dos gastos com educação do Imposto de Renda. Esse projeto de lei determina a supressão de expressões da Lei nº 9.250, de 1995, com a nova redação dada pela Lei nº 11.482, de 2007.
Sucede que o limite imposto pela lei significa tributação de despesa e não de renda, pois como apontam com rigor as entidades que se debruçam em estudos a respeito de tributação, essa pífia dedução não paga sequer a carga tributária incidente sobre as mensalidades de escolas particulares.
A limitação da dedução dos gastos com educação a um teto prefixado fere diversos princípios constitucionais, como o princípio da isonomia, da capacidade contributiva, dignidade humana e o direito à educação. Até porque não é verdade que todos os que encaminham filhos, ou se encaminham, para escolas particulares são as pessoas mais bem postas neste país.
Esse argumento é uma falácia e a prova disso é a existência do Programa FIES, instituído com o alarde de sempre pelo Poder Executivo, gerido hoje pela Caixa Econômica Federal e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, no sentido de emprestar dinheiro a pessoas pobres para que custeiem ensino superior prestado por entidades privadas.
O ensino público no Brasil, acessível a todos com certo grau de qualidade, como manda a Constituição, com raríssimas exceções, é uma farsa. O Poder Executivo não garante ensino público com qualidade - às vezes não garante ensino nenhum - o que leva um número elevado de famílias a se socorrerem do ensino privado; a existência do ensino privado é tão interessante ao Poder Público que o mesmo fomenta o nascimento de escolas de 2º e 3º graus, assegurando-lhes favores fiscais - a demonstrar a falência do ensino gratuito.
Ninguém paga escola privada por "luxo"; faz-se por necessidade.
Os gastos com a instrução não podem ser tidos como sinais de riqueza (e mesmo que isso fosse verdade, a tributação continuaria inconstitucional porque não existe imposto sobre o "luxo" ou as grandes fortunas), e sim demonstram que o contribuinte busca garantir para si e para os seus o direito constitucional à educação que lhe é negado pelo Estado.
Logo, ao impedir a dedução integral das despesas com educação o Estado Fiscal pratica perversa violação ao conceito constitucional de renda e ofende o direito constitucional ao direito fundamental a educação.
Como a saúde em regra deve também ser prestada pelo Poder Público, como direito constitucional do cidadão, e não o é, a União, sem hipocrisia, não cogita de limite para dedução com esses gastos, ou seja, eles podem ser abatidos integralmente da renda bruta.
Até por isso não se compreende a penalização através do imposto de renda daquelas famílias que buscam, junto aos cerca de 35.000 estabelecimentos de ensino que se ocupam de educação de 1º a 3º grau, a satisfação de um direito constitucional básico (educação) que o Poder Público não lhe estende.
Pelo exposto, acompanho o eminente relator para julgar procedente a presente argüição e declarar a inconstitucionalidade da expressão "até o limite anual individual de R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais)" contida no artigo 8º, II, "b", da Lei nº 9.250/95, devendo os autos retornar à Turma para o prosseguimento do julgamento da apelação.
É como voto.
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DECLARAÇÃO DE VOTO
Trata-se de mandado de segurança objetivando, em síntese, assegurar, ao Impetrante, o direito à dedução integral das despesas efetuadas com a educação dos seus dependentes na Declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda de Pessoa Física, ano-base 2001, sem a limitação imposta pelo art. 8º, inciso II, b, da Lei n. 9.250/95.
Por ocasião do julgamento da apelação interposta pelo Impetrante, após o voto do Senhor Relator, Desembargador Federal Lazarano Neto, suscitei o incidente de argüição de inconstitucionalidade do mencionado dispositivo legal, o qual foi acolhida pela 6ª Turma (fls. 236/248).
Distribuído ao Órgão Especial, foi sorteado Relator o Desembargador Federal Mairan Maia.
Em sessão realizada no dia 28.03.2012, o Órgão Especial, por maioria, julgou procedente a arguição de inconstitucionalidade, nos termos do voto do Relator (fls. 264/274).
Às fls. 276/277, a declaração de voto do Desembargador Federal Johonsom di Salvo.
Passo a declarar o meu voto.
Inicialmente, reitero os termos de minha manifestação de fls. 240/241, mediante a qual suscitei o incidente de argüição de inconstitucionalidade do art. 8º, inciso II, alínea b, da Lei n. 9.250/95 perante a 6ª Turma, por ofensa ao princípio constitucional da capacidade contributiva (art. 145, § 1º) e, também, ante a violação ao exercício do direito fundamental à educação, cujo dever de promoção incumbe, também, ao Estado, nos termos do art. 205, da Constituição da República.
Aduzo constituir diretriz do regime jurídico do Imposto sobre a Renda a dedução das despesas necessárias à manutenção da pessoa, seja física, seja jurídica.
E, induvidosamente, as despesas efetuadas com a educação do contribuinte e de seus dependentes enquadram-se no conceito de despesas necessárias, como expressamente o afirma a Constituição da República ao arrolar as necessidades vitais básicas para efeito de fixação do salário-mínimo, incluindo, dentre elas, a educação (art. 7º, inciso IV).
Isto posto, acompanho o Senhor Desembargador Federal Relator para julgar procedente a argüição de inconstitucionalidade suscitada.
É o voto.
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DECLARAÇÃO DE VOTO
Trata-se de arguição de inconstitucionalidade da expressão "até o limite anual individual de R$ 1700,00" contida no Art. 8º, inciso II, b, da Lei 9.250/95, em autos de mandado de segurança preventivo, impetrado com vistas a assegurar ao impetrante o direito de deduzir integralmente as despesas efetuadas com a educação de seus dependentes na Declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda de Pessoa Física, ano-base 2001.
O E. Relator proferiu voto acolhendo a argüição.
No entanto, acompanho a divergência, pelos fundamentos que passo a declarar.
O Judiciário, quando declara a inconstitucionalidade de fragmento de norma, inaugurando no sistema normativo, atua de forma anômala, como legislador positivo, usurpando, assim, competência de outro Poder.
Regra positiva de conduta não se confunde com regra de conduta positiva. A interpretação que, a pretexto de inconstitucional, suprime do texto normativo expressão, sem a qual se impõe ao Poder Público estender um non facere a situação não contemplada pelo legislador (abster-se de tributar parte de uma despesa não prevista), corresponde à criação de uma regra positiva de conduta. Não se trata, aqui, conforme votou a maioria, de criação autorizada de uma regra negativa de conduta pelo Poder Judiciário (Por exemplo, excluir do ordenamento jurídico um tributo inconstitucional). Ao suprimir a expressão em comento, o Judiciário estará inovando no sistema normativo, porquanto criando uma regra positiva de conduta negativa (imposição de uma obrigação de não fazer a situação diversa, imprevista pelo legislador).
A inconstitucionalidade de fragmentos de norma somente poderá ser declarada quando um único dispositivo possa ser decomposto em mais de uma norma.
Destarte, incidindo o imposto de renda sobre a renda, a introdução pelo Judiciário de comando que permite ao contribuinte deduzir despesa não autorizada acaba por desvirtuar este Poder de seus balizamentos, pois retirar o limite de dedução das despesas com educação é o mesmo que retirar de uma determinada norma condicional a condição sem a qual a norma não teria sido criada pelo legislador. Em resumo, a dedução de despesas com educação está prevista em lei de forma limitada, com base no conjunto dos contribuintes e respeitado o princípio da igualdade (todos os que tiveram gastos com educação até o limite legal estão sendo tratados igualmente pela legislação), e a instituição pelo Judiciário de uma segunda norma, dedução da integralidade da despesa, invade função do Legislativo, que não a adotou em razão do princípio constitucional da progressividade do imposto de renda.
A propósito da vedação do Judiciário em atuar como legislador positivo:
De outro vértice, o Estado funda-se na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e, para a consecução de seus objetivos fundamentais (construção de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicação da pobreza e marginalização, redução das desigualdades sociais e promoção do bem de todos), necessita arrecadar recursos por meio da tributação.
A educação, assim como a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados, é direito social fundamental (Art. 6º da CF).
Impõe ainda a Constituição Federal que o trabalhador deve receber por seu trabalho, no mínimo, um salário fixado em lei capaz de atender suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.
O princípio da capacidade contributiva constitui um limite material à tributação: apenas quando houver efetiva manifestação de capacidade contributiva, poderá haver tributação.
A não incidência de alíquota sobre uma determinada base-de-cálculo, no caso, R$ 1566,61 mensal, para o ano-base de 2011, tem por escopo não tributar o campo de despesas havidas como o mínimo vital.
Observe-se que nem todas as despesas eventualmente realizadas pelos contribuintes por insuficiência ou ineficiência do Estado em garantir os direitos previstos nos Arts. 6º e 7º, IV, da CF (moradia, alimentação, lazer, vestuário, higiene, segurança) foram admitidas pelo legislador como dedutíveis (aluguéis e prestações para aquisição de casa própria, por exemplo). Até mesmo em relação à saúde, despesas com medicamentos, por exemplo, permaneceram excluídas.
Se as despesas com educação não podem ser consideradas rendas (mas decréscimo patrimonial), as despesas com moradia, alimentação, lazer, vestuário, higiene e segurança, também não o poderiam (também representam decréscimo patrimonial), e a continuar a linha de raciocínio traçada pelo impetrante e votos majoritários proferidos pelos eminentes pares, a ausência ou ineficiência do Estado em todas essas áreas, representando o malogro do Estado no cumprimento de suas metas expressas na Constituição Federal, por si só, justificaria, não apenas o não pagamento de IR sobre despesas com educação, mas o não pagamento de tributo sobre todas as despesas por todos os cidadãos e, em última análise, a prescindibilidade do Estado.
A ausência de razoabilidade não reside na imposição de tetos para as deduções de despesas com os direitos previstos nos Arts. 6º e 7º, IV, da CF; ao contrário, incorre em irrazoabilidade o Judiciário ao excluir tais limites legais, como se contribuintes que efetuam gastos com mensalidades escolares em valor superior a R$ 1000,00 por mês, como é o caso do impetrante, equiparassem-se, em termos de capacidade contributiva, àqueles que possuem gastos mensais mais modestos.
A grosso modo, embora não se questione a superioridade da qualidade de determinadas moradias, também um direito social fundamental, tal qual a educação, caso o legislador ordinário venha a prever deduções nesta área (como, por exemplo, o Projeto de Lei 2254/11), seria impensável que aluguéis ou prestações de verdadeiras mansões acabassem integralmente dedutíveis.
Ainda que se argumente que o princípio da capacidade contributiva visa a proteger da tributação do imposto de renda as despesas com necessidades básicas, nas quais não se incluiriam, por exemplo, moradias suntuosas, não cabe ao Judiciário, dado que as mensalidades escolares estipuladas pela iniciativa privada, com base nos princípios da livre concorrência e da oferta e demanda, não são uniformes ou necessária e exclusivamente vinculadas com a qualidade do ensino, aferir o valor a partir do qual outras necessidades, que não as básicas, no caso, educação, estariam nele incluídas.
Logo, a limitação das despesas atende ao princípio da capacidade contributiva e da progressividade.
Nesse sentido:
Ante o exposto, julgo improcedente a arguição de inconstitucionalidade.
É o voto.
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RELATÓRIO
Cuida-se de arguição de inconstitucionalidade acolhida, por maioria, pela Sexta Turma deste C. Tribunal Regional Federal em sede de apelação em mandado de segurança, o qual fora impetrado objetivando garantir o direito à dedução integral dos gastos com educação na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda Pessoa Física de 2002, ano-base 2001.
Na origem, sustenta o impetrante conflito hierárquico em relação aos arts. 43 e 44 do Código Tributário Nacional, bem como a inconstitucionalidade, por ofensa aos arts. 6º, 23, V, 145, § 1º, 153, III, e 205 da Constituição Federal, do art. 8º, II, "b", da Lei nº 9.250/95, art. 1º, caput, da Instrução Normativa nº 65/96 e art. 81, caput e §1º, do Decreto nº 3.000/99, os quais impõem ao contribuinte limite à dedução das despesas efetuadas com instrução na declaração de imposto de renda.
Busca, assim, não se sujeitar à regra inserta nos dispositivos impugnados, deduzindo integralmente da base de cálculo do tributo em comento todos os pagamentos relacionados à educação de sua prole e de sua esposa no período citado.
Deferida a medida liminar pleiteada (fls. 40/49), a União agravou da decisão, obtendo determinação para que o autor depositasse em juízo a quantia controvertida (fls. 81/82), providência atendida às fls. 96/98.
A sentença de primeiro grau, refutando a tese de conflito hierárquico com o CTN e de inconstitucionalidade das normas contestadas, julgou improcedente o pedido deduzido na inicial, denegando a segurança.
Em apelação, amparando-se nos mesmos argumentos aventados na exordial, pugna o requerente pela reforma do decisum.
Com contrarrazões das partes, o Ministério Público Federal ofertou parecer pelo improvimento do apelo.
Levado o feito a julgamento perante a E. Sexta Turma desta Corte, foi suscitado o presente incidente de Arguição de Inconstitucionalidade da expressão "até o limite anual individual de R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais)" inserta no art. 8º, II, "b", da Lei nº 9.250/95, nos termos do art. 97 da Constituição, art. 481 e seguintes do CPC e art. 172 e seguintes do RITRF-3ª Região. Manifestando-se a representante do MPF pelo acolhimento, a arguição foi acolhida pela maioria dos membros do órgão fracionário, nos termos do voto da e. Des. Fed. Regina Costa, vencido o Relator (fls. 235/248v).
Encaminhados ao Órgão Especial por redistribuição a esta Relatoria, os autos vieram à conclusão.
À fl. 255, o parquet federal opinou pela improcedência da arguição.
É o relatório.
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VOTO
Trata-se de arguição de inconstitucionalidade acolhida, por maioria, pela Sexta Turma deste E. Tribunal Regional Federal em sede de apelação no Mandado de Segurança nº 2002.61.00.005067-0, de Relatoria do e. Des. Fed. Lazarano Neto.
Ingressou o impetrante com o presente mandamus objetivando garantir o direito à dedução integral dos gastos com educação na declaração do Imposto de Renda Pessoa Física de 2002, ano-base 2001, afastadas as limitações impostas pelo art. 8º, II, "b", da Lei nº 9.250/95, art. 1º, caput, da Instrução Normativa nº 65/96 e art. 81, caput e §1º, do Decreto nº 3.000/99.
Para tanto, alega que os preceitos normativos mencionados, além de conflitarem com os arts. 43 e 44 do CTN, estariam inquinados de vício de inconstitucionalidade por violação aos arts. 6º, 23, V, 145, § 1º, 153, III, e 205 da Constituição da República.
A ementa do julgamento que decidiu pelo acolhimento da presente arguição, de lavra da e. Des. Fed. Regina Costa, foi redigida nos seguintes termos:
Na Sexta Turma, em virtude do disposto no art. 97 da Carta Maior, art. 481 do CPC e art. 11, parágrafo único, "g", do Regimento Interno deste Tribunal, bem como em razão da relevância e plausibilidade da questão constitucional suscitada, votei pelo acolhimento da arguição a fim de submeter a este c. Órgão Especial a apreciação do mérito da controvérsia.
A esse respeito, impende destacar não existir decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, tampouco do Pleno ou do Órgão Especial desta Corte Regional, acerca deste ponto, circunstância que, nos termos do art. 481, parágrafo único, do CPC, obstaria a submissão da quaestio juris a este colegiado.
No entanto, apesar de o Pleno da Corte Maior não haver se manifestado, constata-se existir na recente jurisprudência do Pretório Excelso diversas decisões sobre o tema. Em 08.02.2011, a c. Primeira Turma do STF decidiu, à unanimidade, negar provimento ao agravo regimental interposto em face da decisão monocrática da e. Min. Carmen Lúcia que negara seguimento a recurso extraordinário, o qual, por sua vez, reconhecera a constitucionalidade da fixação de limites dedutíveis referentes a gastos com instrução, consoante ementa que trago à colação:
No referido julgamento, assentou-se o órgão fracionário em precedentes do próprio Supremo que acolhem a tese de impossibilidade de o Poder Judiciário imiscuir-se na questão, sob pena de atuar como legislador positivo. Além disso, salientando a necessidade de prévia análise de normas infraconstitucionais (Código Tributário Nacional e Lei nº 9.250/95) para o deslinde da questão constitucional apresentada, o que caracterizaria, ao menos em tese, ofensa indireta à Constituição, a c. Primeira Turma asseverou a inviabilidade de apreciação do tema em sede de recurso extraordinário. Em casos análogos, passaram os Ministros da Suprema Corte a decidir monocraticamente os inconformismos manejados contra decisões de Tribunais que encampam o entendimento de constitucionalidade da limitação à dedução de despesas com instrução.
Entretanto, com a devida vênia ao posicionamento adotado pelo Supremo, entendo não apenas ser possível mas, sobretudo, necessária a manifestação do Judiciário sobre o mérito da questão apresentada, a fim de aferir a conformidade do dispositivo que impõe valor limite a ser dedutível da base imponível do imposto de renda com a ordem constitucional vigente, consoante as razões a seguir expostas.
Sobre este ponto em particular, consigno desde já que eventual reconhecimento da inconstitucionalidade do preceito questionado não implicaria atuação do Judiciário como legislador positivo, estabelecendo redução ou isenção de tributos. Ao revés, consubstanciaria legítima intervenção do Poder Judiciário, o qual não estaria inaugurando a ordem jurídica, mas sim suprimindo do ordenamento, no exercício de sua típica função, norma que não guarda pertinência com a Constituição Federal, por comprometer o exercício de direito fundamental que, nos precisos termos do art. 5º, § 1º, tem eficácia plena e imediata.
Passo, então, à análise do mérito da controvérsia.
A Constituição da República de 1988, em diversas normas, assegura a todos, indistintamente, o direito à educação, alçando-o à categoria de direito social fundamental, in verbis:
Em seu art. 7º, IV, reforça o compromisso com a educação, dispondo serem "direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim". (grifei)
Ao dispor sobre a organização político-administrativa do Estado, a Constituição prescreve no art. 23, V, ser de "competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência". (grifei)
Além disso, o Texto Maior impõe ao Estado, em conjunto com a família e a sociedade, o dever de garantir a educação, a fim de implementar o "pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho" (art. 205).
Consagra, ainda, em seu art. 208, a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino fundamental e médio em estabelecimentos oficiais, característica tradicional do sistema educacional pátrio e que deriva, também, de princípio aclamado como direito fundamental do homem, nos termos do art. 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, subscrita pelo Brasil. Colaciono, a seguir, os dispositivos mencionados:
Todavia, conquanto seja a educação direito de todos e dever do Estado, diante da impossibilidade de garantir a todos a efetiva prestação do ensino gratuito em estabelecimento oficiais, permitiu-se a sua exploração pela iniciativa privada, mediante o atendimento dos requisitos previstos no art. 209 da Carta Magna:
O interessado em frequentar instituições particulares de ensino deve, assim, submeter-se às condições normais exigidas para estudar em estabelecimentos privados, ou seja, efetuar a contraprestação pelos serviços educacionais, mediante pagamento de mensalidades, além de arcar com as demais despesas inerentes ao ensino.
Em contrapartida, buscando sempre a promoção e a plena efetivação do direito à educação - sobretudo em prol daqueles que dependem de estabelecimentos públicos oficiais - a legislação possibilita aos que utilizam a rede de ensino privado a dedução das despesas realizadas com a instrução própria e de seus familiares em estabelecimentos particulares por meio da técnica de abatimento dos gastos com educação da base de cálculo do imposto de renda de pessoa física. A medida atende aos interesses da própria política educacional estatal, porquanto desonera o ensino público e propicia à Administração melhor alocação de recursos, sempre escassos e insuficientes para atender às necessidades educacionais da população brasileira.
Neste particular reside a controvérsia constitucional sujeita a exame no incidente suscitado, pois, muito embora permita a dedução das despesas com educação, a legislação infraconstitucional, despida de justificativa lógica, econômica ou jurídica, arbitra um determinado valor limite para essa finalidade, sem considerar a essencialidade da atividade educacional, tampouco seu efetivo custo quando transferido esse ônus ao particular.
Eis o teor do art. 8º, II, "b", da Lei nº 9.250/95, preceito normativo submetido à aferição de conformidade com o texto constitucional na presente arguição:
Dos dispositivos constitucionais transcritos, extrai-se, de modo inquestionável, a elevada importância conferida pela Constituição Federal à educação.
Posto como elemento imprescindível ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao exercício da cidadania e à livre determinação do indivíduo, o direito à educação guarda estreita relação com os primados basilares da República Federativa e do Estado Democrático de Direito, sobretudo com o princípio da dignidade da pessoa humana, funcionando como verdadeiro pressuposto para a concreção dos demais direitos fundamentais.
O especial destaque emprestado à educação na Carta Política, distinguindo-a sobremaneira dos demais direitos sociais de extração constitucional, advém principalmente dos últimos dispositivos mencionados - arts. 205 e 208 da CF -, os quais, mais do que ressaltar a relevância da educação no desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, prescrevem o dever jurídico do Estado de prestá-la, alçando-a à categoria de direito público subjetivo dos cidadãos.
Esse liame estabelecido expressamente pelo Constituinte Originário, peculiaridade presente também no tocante à saúde (cf. arts. 6º e 196 da CF), revela a absoluta prioridade do Estado na implementação destes direitos, repercutindo também de forma incisiva nos mecanismos disponíveis para se exigir sua efetiva concretização.
Não se pode negar a vocação programática dos preceitos constitucionais que regulam a educação, porquanto enunciam diretrizes e objetivos a serem perseguidos e cumpridos pelos poderes constituídos. Entretanto, ao consagrar em seu art. 208, § 1º, o direito fundamental à educação com a qualificação de "direito público subjetivo", a Constituição confere plena eficácia e imediata aplicabilidade à norma, razão porque prescindível ulterior integração normativa para a concretização desse direito, exigível de plano. Essa exegese, aliás, encontra amparo na própria Carta Cidadã ao dispor em seu art. 5º, § 1º, que "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata."
Delineada a educação como direito público subjetivo, surge automaticamente para o Poder Público, sujeito passivo desse direito, o dever jurídico de prestá-la e, como consectário, põe-se à disposição dos titulares desse direito a faculdade de exigir coercitivamente o adimplemento da prestação correspondente.
A esse respeito, cumpre ressaltar inserir-se o direito à educação, típico direito de viés social conforme consigna expressamente o art. 6º do texto constitucional, juntamente com os direitos econômicos e culturais, na categoria dos direitos fundamentais de segunda geração, cuja concretização demanda, via de regra, atuação positiva do Estado. Esta característica dos direitos fundamentais de segunda geração é usualmente apontada para os distinguir daqueles de primeira geração, compostos pelos direitos individuais e políticos. Isso porque a observância destes últimos, também denominados direitos de liberdade, reclama abstenção do Estado, consubstanciando limites à atuação estatal.
Todavia, embora seja possível divisá-los em categorias distintas, esta partilha de origens históricas não redunda em conflito entre as categorias de direitos. Ao invés de se excluírem, os direitos pertencentes a gerações distintas interpenetram-se e complementam-se reciprocamente. Um dos resultados dessa mútua colaboração é perceptível nas situações em que o atendimento de direitos sociais invoca ação negativa, ou seja, um non facere, uma inação estatal, característica imanente aos direitos fundamentais de primeira geração.
Exemplifica essa hipótese a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, "c", da Constituição, proibindo os entes políticos de instituírem impostos sobre "(...) instituições de educação (...), sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei". Ao vedar a incidência de impostos sobre estabelecimentos de ensino despidos de finalidade lucrativa, impõe a Carta Política óbice insuperável à atuação estatal com o nítido propósito de fomentar e incentivar a educação, direito fundamental de cunho social que incumbe a ele próprio, Estado, concretizar. Assim, ao deixar de agir, e não mediante ação positiva, o Poder Público, deixando de onerar as instituições de ensino enquadradas no dispositivo citado, garante melhores condições de promoção de direito integrante da segunda geração de direitos fundamentais.
A analogia do raciocínio exposto com a questão constitucional posta a deslinde na presente arguição é inevitável. Com efeito, os preceitos constitucionais que descrevem a educação como "direito de todos e dever do Estado" (art. 205), atribuindo-lhe o status jurídico de "direito público subjetivo" (art. 208, § 1º), consubstanciam inequívoca limitação ao exercício da competência tributária impositiva conferida aos entes federativos.
Na medida em que o Estado não arca com seu compromisso de disponibilizar ensino público gratuito a toda população, mediante a implementação de condições materiais e de prestações positivas que assegurem a efetiva fruição desse direito - como construção de escolas, contratação de professores, distribuição de material didático etc - deve, ao menos, fomentar e facilitar o acesso à educação, abstendo-se de agredir, por meio da tributação, a esfera jurídico-patrimonial dos cidadãos na parte empenhada para efetivar e concretizar esse direito.
Assim, conquanto a educação consubstancie espécie de direito social, normalmente implementado mediante uma atividade positiva, um facere do Estado, a adequada universalização e promoção deste direito demandaria, neste particular, inércia estatal, consistente na inação do legislador, ou seja, no não exercício de sua competência tributária impositiva.
A não incidência de tributação sobre as verbas despendidas com educação pelos contribuintes possui, portanto, aptidão de produzir os mesmos efeitos da imunidade inscrita no art. 150, VI, "c", da Constituição, atuando como incentivo à promoção de um direito fundamental e auxiliando o Estado em tarefa que ele, notoriamente, não consegue desempenhar de forma satisfatória por si só.
Em artigo sobre a relação das imunidades tributárias e o direito à educação, Pedro Augustin Adamy sintetiza, com distinta clareza, o entendimento delineado, ressaltando que "os direitos fundamentais sociais, econômicos e culturais - como é o caso da educação - reclamam, no mais das vezes, uma prestação positiva do Estado. Contudo, visto em relação com as imunidades e com base nos dispositivos constitucionais atinentes, o direito à educação possui, também, um caráter negativo-defensivo. Assim, a proteção e concretização do direito social à educação poderá se dar também por meio de um non facere estatal. A garantia de não ação por parte do Estado, especialmente no que concerne à impossibilidade de instituição de tributos, confere maior efetividade ao direito à educação". (As imunidades Tributárias e o Direito Fundamental à Educação, Revista Tributária e de Finanças Públicas, v. 19, n. 96, RT, 2011, pp. 101/132)
Com efeito, visa a tributação arrecadar recursos a fim de custear as atividades e serviços estatais direcionados a promover a consecução dos objetivos impostos pela Carta Magna, exemplificados em seu art. 3º ("Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação"), bem como a concretização dos direitos fundamentais por ela albergados.
Entretanto, a imposição de limites ao abatimento das quantias gastas pelos indivíduos na efetivação do direito à educação, resultando na incidência de tributos sobre essas despesas, acaba por produzir efeito inverso, obstaculizando o exercício desses direitos.
Constata-se, por conseguinte, não configurar a política de deduções das despesas com educação da base imponível do imposto sobre a renda favor fiscal ou qualquer outro tipo de beneplácito concedido pelo Estado aos contribuintes. Trata-se, na verdade, de efetiva medida concretizadora de objetivo primordial traçado pela Carta Cidadã, a qual erigiu a educação como um dos valores fundamentais e basilares da República Federativa do Brasil.
Ao deixar de tributar os valores gastos com instrução, o Estado fomenta a educação, facilitando o acesso e promovendo a efetivação desse direito social. Não configura, portanto, simples matéria submetida aos critérios de opção política do Congresso Nacional, pois, antes disso, consubstancia assunto afeto a uma das mais importantes diretrizes delineadas pelo Poder Constituinte Originário, integrante do núcleo básico e intangível de direitos fundamentais albergado pela Constituição de 1988.
O direito à educação, por ser direito fundamental - assim entendido como aquele ínsito a todos os indivíduos em razão da própria natureza de pessoa humana que ostentam - de eminente essencialidade, porquanto imprescindível para o desenvolvimento e fruição dos demais direitos fundamentais assegurados pela Carta Magna, não se sujeita aos arbítrios do Legislador, tampouco aos critérios de conveniência e oportunidade do Executivo, os quais podem apenas ampliar seu o alcance, jamais reduzi-lo ou suprimi-lo.
Seguindo o escólio de J. J. Gomes Canotilho, oportuno destacar, nesse aspecto, a influência do intitulado Princípio da Máxima Efetividade da Constituição, vetor hermenêutico e guia do Estado na busca pela execução dos objetivos precípuos estatuídos pela Lei Maior, sobretudo quando relacionados com a tutela de direitos fundamentais. Explica o autor, sobre o postulado, que "a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas pragmáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)". (Direito Constitucional, 6ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, Portugal, 1993, p. 227)
Assim, se a Constituição da República estabelece ser dever do Estado prover educação, correspondendo a esta obrigação a possibilidade de se exigir a implementação material dos pressupostos básicos para a plena fruição deste direito, avulta-se a inconstitucionalidade da norma que veda ou restringe a dedução das despesas com instrução da base de cálculo do imposto de renda.
Ao fazer incidir a exação sobre os valores despendidos para assegurar a concretização do direito à educação, o Estado - que, repita-se, não cumpre seu mister constitucional de garantir a todos, de forma plena e satisfatória, acesso ao ensino público gratuito de qualidade - onera, pela via da tributação indireta, o exercício deste direito fundamental social, enquanto deveria, consoante dispõe o Texto Maior, incentivar e prover a efetivação desse direito. Flagrante, assim, o vilipêndio às diretrizes e objetivos mais caros eleitos pelo Constituinte, bem como a violação das normas constitucionais que consagram o direito à educação.
Não bastassem os argumentos até aqui aventados, análise do conceito de renda e da significação do princípio da capacidade contributiva - por meio dos quais se podem projetar as balizas postas ao legislador no tocante à determinação da base imponível do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza - reforça ainda mais a incompatibilidade da norma impugnada com a Constituição Federal.
Buscando esclarecer a questão de forma objetiva e a fim de evitar digressões impertinentes, considerar-se-á o termo "proventos de qualquer natureza" espécie da qual a palavra "renda" constitui o gênero, possibilitando-se, assim, concentrar a argumentação nos aspectos mais relevantes da discussão.
Embora estabeleça em seu art. 153, III, competir à União "instituir impostos sobre: (...) III - renda e proventos de qualquer natureza", a Carta Magna não traz em seu bojo, de forma expressa, a definição de renda. Atendendo aos limites constitucionalmente estabelecidos, o Código Tributário Nacional trata do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza em seus arts. 43 e 44, prevendo as hipóteses de incidência do referido tributo e sua base de cálculo:
Exegese do dispositivo constitucional referido em conjunto com o CTN revela, assim, consistir a renda no acréscimo patrimonial experimentado pela pessoa, física ou jurídica, e que se agrega a seu patrimônio em certo lapso, representado pelo recebimento em pecúnia como retribuição de serviços de qualquer natureza.
No mesmo sentido, o C. Supremo Tribunal Federal já consignou não ser "possível a afirmativa no sentido de que possa existir renda ou provento sem que haja acréscimo patrimonial, acréscimo patrimonial que ocorre mediante o ingresso ou o auferimento de algo, a título oneroso (...)." (RExt nº 117.887-6/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, 11.02.93)
Doutrinadores de relevo defendem, ainda, a existência de conceito constitucional, ainda que implícito, de renda, extraível da própria Constituição mediante análise sistêmica de suas normas e princípios, ratificando a definição proposta acima. Conquanto não haja convergência acerca de todos os elementos básicos que integrariam o conceito pressuposto de renda, todos o atrelam, inafastavelmente, à ideia de incremento patrimonial.
Nesta linha, José Artur Lima Gonçalves, ressaltando que o "texto constitucional serviu-se da técnica de referir-se ao critério material da regra-matriz de incidência tributária para o fim de proceder à repartição de competência tributária impositiva", assevera não estar à disposição do legislador ordinário a delimitação do conceito de renda.
Prossegue o autor salientando a impossibilidade de se admitir raciocínio contrário, sob pena de se "conferir ao legislador infraconstitucional competência para bulir com o âmbito das próprias competências tributárias impositivas constitucionalmente estabelecidas, o que é - para quem aceita o pressuposto básico do escalonamento hierárquico da ordem jurídica - impossível. A própria Constituição fornecerá, portanto, ainda que de forma implícita, haurível de sua compreensão sistemática, o conteúdo do conceito de renda por ela - Constituição - pressuposto." (Imposto Sobre a Renda, pressupostos constitucionais, 1ª ed., 2ª tiragem, Malheiros, São Paulo, 1997, pp. 170/171.)
Assim, diante do contorno mínimo do significado do termo posto pela Constituição, a atuação do legislador ordinário no exercício de suas competências tributárias fica inarredavelmente vinculada e limitada ao conteúdo dessa definição de extração constitucional, sobretudo no que diz respeito à determinação do critério material da hipótese de incidência e da base de cálculo da exação incidente sobre a renda auferida pelos contribuintes.
Não possui o legislador infraconstitucional, em decorrência, ampla e irrestrita margem de liberdade para definir o conceito de renda para fins de tributação, somente podendo fazer incidir o gravame sobre os acréscimos patrimoniais experimentados pelos contribuintes, assim considerados como os valores remanescentes após as deduções relacionadas às despesas com o atendimento das necessidades básicas da pessoa, sobretudo e primordialmente aquelas que o próprio Estado se incumbe de prover.
Roberto Quiroga Mosquera, apoiado nas lições do ilustre doutrinador Celso Antonio Bandeira de Mello, defende também a prevalência da noção constitucional de renda:
Bandeira de Mello aponta que as normas infraconstitucionais não podem conferir aos termos "renda" e "proventos" uma conotação ou denotação transbordantes do sentido admissível na intelecção normal e daqueles demarcados constitucionalmente. Ressalta ainda o ilustre jurista que, caso fosse negada essa assertiva, de que as significações das normas jurídicas de hierarquia inferior devem adequar-se às significações de "renda" e "proventos" presentes no Texto Supremo, os preceptivos constitucionais teriam valência nula, isto é: não se prestam a cumprir sua única e específica função: demarcar, na qualidade de regras superiores, o campo de liberdade do legislador, assim como de todos os regramentos, atos e intelecções sucessivos. Deveras, se o legislador ou o aplicador da regra pudessem delinear, a seu talante, o campo de restrições a que estão submetidos, através da redefinição das palavras constitucionais, assumiriam, destarte, a função de constituinte. (Renda e Proventos de Qualquer Natureza - O imposto e o conceito constitucional, Dialética, 1996, p. 40).
Logo, diante da inviabilidade de se dissociar a definição de renda da ideia de acréscimo patrimonial experimentado em determinado período, conclui-se que a tributação sobre a renda deve respeitar a conceituação pressuposta inserta no Diploma Fundamental, pois, caso contrário, não estaria configurada a hipótese constitucionalmente prevista da referida exação.
Demais disso, não se pode olvidar a repercussão do princípio da capacidade contributiva - fundamental postulado informador da tributação por meio de impostos - sobre o tema. Assim dispõe o art. 145, § 1º, da CF:
Impende ressaltar, primeiramente, a distinção feita pela doutrina entre capacidade contributiva objetiva e subjetiva. Consoante discorre Regina Helena Costa em sua obra dedicada ao princípio, enquanto aquela traduziria mera "manifestação de riqueza", orientando a "atividade de eleição, pelo legislador, de eventos que demonstrem aptidão para concorrer às despesas públicas", esta última referir-se-ia "a um sujeito individualmente considerado", ou seja, "expressa aquela aptidão de contribuir na medida das possibilidades econômicas de determinada pessoa. Nesse plano, presente a capacidade contributiva in concreto, aquele potencial sujeito passivo torna-se efetivo, apto, pois, a absorver o impacto tributário". (Princípio da Capacidade Contributiva, 1ª ed., Malheiros, São Paulo, 1993, p. 26)
Embora não haja consenso acerca do significado do termo, pode-se conceituar a capacidade contributiva, com enfoque em seu viés subjetivo - pertinente para o deslinde da questão constitucional apresentada -, como a aptidão concreta de cada indivíduo de suportar a tributação.
A partir dessa acepção e trazendo o debate para o campo do imposto sobre a renda de pessoa física, mediante a aferição da capacidade contributiva de determinado sujeito pode-se distinguir a parcela da renda por ele auferida que traduz verdadeira manifestação de riqueza daquele montante do qual não pode dispor livremente, porque afetado com o atendimento de suas necessidades básicas, ligadas à manutenção e desenvolvimento de seu núcleo familiar.
Decorrendo diretamente do emprego do princípio da igualdade no campo tributário e funcionando como legítimo critério de distinção entre pessoas que se encontram em situações jurídicas díspares, a aplicação do postulado da capacidade contributiva, no que tange aos impostos, atua como verdadeira baliza à atuação do Estado no exercício de suas competências tributárias e também guarnece a esfera de direitos subjetivos dos contribuintes.
Acerca deste ponto, precisa a abordagem de Roque Antonio Carrazza, salientando que "o princípio da igualdade exige que a lei, tanto ao ser editada, quanto ao ser aplicada: a) não discrimine os contribuintes que se encontrem em situação jurídica equivalente; b) discrimine, na medida de suas desigualdades, os contribuintes que não se encontrem em situação jurídica equivalente. No caso dos impostos, estes objetivos são alcançados levando-se em conta a capacidade contributiva das pessoas (físicas ou jurídicas)". (Curso de Direito Constitucional Tributário, 11ª ed., Malheiros, São Paulo, p. 66).
A utilização do princípio da capacidade contributiva possibilita, portanto, avaliar em cada contribuinte, mediante a análise dos elementos subjetivos pertinentes, aquilo que se denomina "renda tributável", ou seja, a quantia excedente de renda auferida por cada sujeito, legítimo fator indicativo da capacidade de suportar a incidência de impostos. Além disso, permite garantir respeito ao mínimo vital, na medida em que a tributação apenas incide sobre a parcela de renda que ultrapassa as despesas essenciais do próprio contribuinte e de sua prole.
E, por meio da aferição da capacidade contributiva de determinado indivíduo, delimita-se também o campo de atuação do legislador, o qual não pode, a pretexto de fixar a base de cálculo de certo imposto, deixar de considerar em que medida cada pessoa pode contribuir, desprezando, assim, a capacidade individual de figurar como sujeito passivo da relação jurídico-tributária.
Após concluir "que a norma que impõe a observância da capacidade contributiva traduz-se num autêntico princípio" dotado de aplicabilidade imediata e eficácia plena, porquanto consectário do princípio da igualdade, Regina Costa aborda com argúcia as implicações decorrentes do postulado, destacando o fato de tratar-se "de regra geral e abrangente que vem condicionar toda a atividade legiferante no campo tributário, quer na eleição das hipóteses de incidência (no nosso sistema, observadas as regras-matrizes já postas pela Constituição), quer no estabelecimento dos limites mínimo e máximo dentro dos quais a tributação pode atuar, quer, ainda, na graduação dos impostos atendendo às condições pessoais dos sujeitos passivos". (op. cit., pp. 32 e 49/50).
Sob este enfoque específico, a limitação ou proibição à dedução das despesas com instrução da base de cálculo do imposto de renda mostra-se igualmente incompatível com o sistema normativo, fazendo o tributo recair sobre o contribuinte sem que seja considerada sua situação concreta e particular, pois o abatimento será, evidentemente, ficto, não correspondendo ao verdadeiro valor gasto com educação.
Conjugando-se esses fatores acima examinados - a natureza de direito público subjetivo do acesso ao ensino público e gratuito, o dever do Estado de disponibilizar estabelecimentos com essas características, a existência de conceito constitucional de renda, fundado na ideia de acréscimo patrimonial, e a observância obrigatória do princípio da capacidade contributiva pelo legislador infraconstitucional - a inconstitucionalidade da norma que impõe limites à dedução evidencia-se de forma irretorquível.
Com efeito, os valores despendidos com o atendimento de necessidades básicas, sobretudo aquelas constitucionalmente assim elegidas e garantidas pela Constituição mediante a imposição do dever jurídico do Poder Público em prestá-las, não podem servir de parâmetro para a incidência do imposto de renda, porquanto, além de traduzirem inequívoco decréscimo patrimonial, referem-se a direitos cuja implementação incumbe ao Estado assegurar de forma universal e gratuita.
O exercício de direitos fundamentais assegurados pela Constituição da República não pode ser, em hipótese alguma, obstado ou dificultado em função do exercício das competências tributárias inerentes aos entes políticos, também disciplinadas constitucionalmente, razão pela qual inviável admitir que as quantias empenhadas na concretização de direitos dessa espécie sejam atingidas pela tributação.
As despesas efetuadas pelo contribuinte com sua educação e de seus dependentes, mais que mera perda de disponibilidade econômica e jurídica, dizem respeito a gastos efetuados para a satisfação de necessidades fundamentais que deveriam ser supridas pelo Estado, em decorrência de expresso mandamento constitucional. Logo, não podem, a toda evidência, ser consideradas para efeito de apuração da base de cálculo do imposto sobre a renda de pessoa física.
Não é recente a advertência de doutrinadores e juristas no sentido de a supressão ou o estabelecimento de limites às deduções de despesas desse jaez resultar na incidência da exação sobre parte importante e essencial da renda do indivíduo acerca da qual não há qualquer disponibilidade, pois, antes mesmo de integrar definitivamente o patrimônio do contribuinte, se consuma com a satisfação de suas necessidades existenciais para cuja concretização sequer deveria concorrer de forma direta, além do montante já recolhido ao erário por meio de pagamento de tributos.
Sacha Calmon Navarrro Coelho, ao analisar o imposto de renda das pessoas físicas, alerta que "a eliminação de grande parte das deduções trabalha contra o princípio da capacidade contributiva na faixa dos iguais em rendimentos, mas desiguais nas despesas não supérfluas". (Comentários à Constituição de 1988 - Sistema Tributário, 1990, p. 206)
Na mesma linha, Carrazza assevera ser "preciso que a legislação autorize, às pessoas que auferem rendimentos, certas deduções, que lhes garantam a subsistência e a de seus dependentes (deduções com estudos, alimentação, vestuário etc)". Elucidando a posição manifestada, expõe o autor:
Assim, na medida em que se limita o abatimento integral de todas as despesas com educação, o legislador desconsidera o dever jurídico estatal de concretizar a educação e subverte o conceito constitucional de renda, impingindo a incidência do imposto sobre valores não integrantes do patrimônio do contribuinte. Transgride, portanto, os limites materiais da norma jurídica tributária, bem como afronta o princípio da capacidade contributiva.
Interessante notar que a norma impugnada guarda em si patente contradição, pois, não obstante reconhecer a não tributabilidade das despesas com educação - a exemplo do tratamento dispensado pela Constituição ao estabelecer a imunidade das instituições de ensino sem fins lucrativos -, estabelece ínfimo limite de dedução, atribuindo efeitos jurídicos distintos à mesma despesa realizada pelo contribuinte.
A conformidade do raciocínio exposto com a ordem jurídica vigente é irrefutável, encontrando paralelo no próprio estatuto que abriga o dispositivo vergastado. A disciplina atribuída aos gastos com saúde - também consagrada como direito social fundamental e cuja prestação gratuita consubstancia dever do Estado - pelo art. 8º, II, "a", da Lei nº 9.250/95, permitindo-se a dedução integral dos "pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias", tem de ser empregada no tocante às despesas com instrução, autorizando-se, sem quaisquer limites, o abatimento de todas as quantias despendidas na realização e concretização do direito à educação, em atenção à máxima ubi eadem ratio ibi eadem jus (onde há a mesma razão deve ser aplicado o mesmo direito).
Assim, não se afigura legítima a atuação do Poder Público que, visando suprir a ânsia arrecadatória do Estado, eleva a qualquer custo a base imponível do imposto de renda, excluindo ou restringindo, sem razão plausível, a possibilidade de se deduzir as despesas efetuadas com a realização do direito à educação para fins de apuração da base de cálculo do imposto de renda.
Ademais, não se pode deixar de constatar que a limitação fixada gera outra consequência nefasta, ao passo que restringe ainda mais o acesso da população de menor poder aquisitivo ao ensino particular. Isso porque o irrisório limite estabelecido, absolutamente incompatível com os valores cobrados por qualquer estabelecimento privado de educação, redunda na impossibilidade fática de as classes menos favorecidas, mediante a escolha de instituições particulares cujas mensalidades não ultrapassem a quantia limítrofe imposta, ficarem a salvo da incidência de tributos sobre o montante empenhado na consecução desse propósito.
Desta feita, o art. 8º, II, "b", da Lei nº 9.250/95, ao restringir, de modo drástico e despido de qualquer critério informador, a dedução das despesas com educação por ocasião da apuração da base de cálculo do imposto sobre renda de pessoa física atua em direção oposta à apontada pelo Constituinte Originário, menoscabando um dos objetivos primordiais inscritos na Constituição da República, incidindo, por conseguinte, em insuperável vício de inconstitucionalidade.
Ante o exposto, voto por julgar procedente a arguição de inconstitucionalidade para declarar a inconstitucionalidade da expressão "até o limite anual individual de R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais)" contida no art. 8º, II, "b", da Lei nº 9.250/95, devendo os autos retornarem à Turma para o prosseguimento do julgamento da apelação.
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