D.E. Publicado em 12/01/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, denegar a ordem, nos termos do voto do relator, acompanhado pelo voto da DES. FED. RAMZA TARTUCE. Vencido o DES FED.ANTONIO CEDENHO que concedia em parte a ordem para deferir a juntada aos autos dos documentos que autorizaram a escuta telefônica, ficando suspensas as realizações dos interrogatórios até o cumprimento da decisão, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de André Luis Cintra Alves, em face da r. decisão de fls. 367/378, proferida pelo MMº Juiz Federal da 6ª Vara Criminal Federal desta Capital, que recebeu a denúncia em desfavor do paciente, pela prática, em tese, dos crimes tipificados nos artigos 180, § 1º, 334, caput e § 3º, 304 e 288, todos do Código Penal, bem como nos artigos 22 da Lei 7.492/86 e art. 1º, inciso IV e § 1º, inciso I, da Lei nº 9.613/98.
Os impetrantes argumentam, em síntese, que o paciente sofre constrangimento ilegal, pois a investigação seria nula ab initio, já que teria sido deferida interceptação telefônica embasada em fatos e investigações prévias não juntadas aos autos, e que as decisões posteriores de prorrogação das escutas são todas nulas, por carência de fundamentação, inobservância dos prazos legais da Lei nº 9.296/96 e ante a ausência de transcrição nos autos dos áudios das interceptações telefônicas, circunstância que impede o exercício pleno da ampla defesa e do contraditório.
Requer, outrossim, a concessão da liminar, a fim de que seja suspenso o feito originário até final julgamento do presente writ.
Ao final, pleiteia a concessão definitiva da ordem, em especial para que:
a) a extinção da ação principal em decorrência da nulidade da decisão proferida nos autos incidentais de interceptação telefônica nº 2007.61.02.014560-0, que deferiu a interceptação sem embasamento em indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva, carecendo a decisão, pois, de suficiente fundamentação;
b) seja reconhecida a nulidade das decisões de fls. 53, 129, 209, 328, 557 e 900, todas proferidas no feito principal (Ação Penal nº 2009.61.02.003695-8), diante da falta de fundamentação adequada no deferimento da prorrogação das interceptações telefônicas, com o consequente desentranhamento de todos os atos probatórios derivados de tais decisões;
c) sejam anuladas as escutas realizadas fora do prazo deferido pelo MMº Juízo "a quo", com o consequente desentranhamento de todos os documentos e atos probatórios derivados de tais decisões;
d) seja reconhecida a nulidade das decisões de prorrogação das escutas telefônicas diante da ausência de juntada aos autos dos áudios e da transcrição integral dos diálogos para fundamentar as decisões de renovação dos prazos de interceptação, com o consequente desentranhamento de todos os atos probatórios derivados de tais decisões.
Com a inicial vieram documentos.
Informações prestadas às fls. 467/470, com documentos.
A liminar foi por mim indeferida por decisão de fls. 833/835.
Informações complementares foram prestadas às fls. 840/842.
Em parecer de fls. 907/914, a Procuradoria Regional da República opinou pela denegação da ordem.
É o relatório.
Em mesa.
VOTO
A ordem deve ser denegada.
Extrai-se dos autos que nos idos do ano de 2005 a Polícia Federal vinha realizando centenas de investigações com o fim de apurar crimes ambientais e contra o patrimônio da União, de extração ilegal de diamantes realizada no Rio Grande, nas proximidades do lago da Usina Hidrelétrica de Marimbondo, que divide os estados de São Paulo e Minas Gerais, na altura dos municípios de Guaraci, Colômbia e Barretos (no lado paulista) e de Frutal (no lado mineiro).
Com o intuito de ampliar o foco das investigações e alcançar, principalmente, os grandes beneficiários das extrações ilícitas, foi entabulada operação conjunta entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, centralizando os atos investigativos em apenas três inquéritos policiais, de números 2005.61.02.004584-0, 2005.61.02.004586-3 e 2005.61.02.004585-1, sendo que cada um deles destinava-se à apuração da conduta de pessoa diversa e que, pelas investigações anteriores, seriam os principais destinatários das pedras preciosas extraídas irregularmente, com sua posterior colocação no mercado interno e também no exterior.
Com base, portanto, nas inúmeras investigações desconcentradas em diversos inquéritos e procedimentos criminais, até então realizadas (cf. autos de IP referidos às fls. 44/53), cujas peças principais foram carreadas e concentradas nos três inquéritos supramencionados (cf. noticiado pelo MPF à fl. 37, 2º parágrafo), o Ministério Público Federal requereu a quebra do sigilo telefônico das três pessoas até aquele momento investigadas, com o intuito de apurar crimes de sonegação fiscal, quadrilha ou bando (pois havia indícios de envolvimento dos três com inúmeras outras pessoas participantes da cadeia delitiva), crime de lavra mineral não licenciada (art. 55 da Lei 9.605/98) e usurpação de matéria prima da União (art. 2º da Lei 8.176/91), sendo certo que foram carreadas àqueles três inquéritos vasta documentação dando conta de que tais investigados mantinham intensa movimentação financeira de milhares de reais, manifestamente incompatível com as declarações de imposto de renda apresentadas ao Fisco Federal (cf. fls. 62/63), sendo necessária a interceptação, portanto, para dar continuidade às investigações também por delitos fiscais e de provável evasão de divisas, bem como tornar possível a obtenção de informações acerca dos demais integrantes da cadeia criminosa.
Nesse sentido, e, para melhor compreensão dos fatos, entendo imprescindível a transcrição da parte introdutória da denúncia ofertada pelo "Parquet" Federal, nos autos da Ação Penal nº 2009.61.02.003695-8 (fls. 508 e seguintes), em que denunciadas vinte e cinco pessoas, verbis:
"[...] Em dezenas de inquéritos policiais e procedimentos criminais, deflagrados em razão da remessa aos órgãos persecutórios de autuações realizadas pela Polícia Militar Ambiental do Estado de São Paulo, ficou comprovada a extração sistemática e ilegal de diamantes nos arredores do lago da Usina Hidrelétrica de Marimbondo, no Rio Grande, que divide os estados de São Paulo e Minas Gerais.
Analisando aqueles feitos o Ministério Público Federal, em Ribeirão Preto/SP, constatou que os principais responsáveis pela lavra ilegal, até então identificados, eram Antônio Marques da Silva, vulgo "Marquinhos", João de Deus Braga, e Vicente Paulo do Couto.
Tal mineração clandestina era contínua e praticada com feições empresariais. Mergulhadores passavam dias embarcados em balsas rudimentares, praticando a extração das pedras preciosas, mediante a sucção do cascalho do leito do rio e seu posterior peneiramento. Os donos das balsas, denominados "balseiros", contratavam ou admitiam a presença de mergulhadores em suas embarcações. As pedras preciosas extraídas eram entregues aos captadores, que remuneravam os "balseiros" ou mergulhadores, de acordo com percentuais estabelecidos em parcerias e, em seguida, vendiam as pedras a atravessadores, que, por sua vez, as revendiam, clandestinamente, no mercado interno e internacional.
[...]
Para a cabal apuração dos fatos foi, então, determinada a instauração de uma ampla e intensa investigação, comandada pela Polícia Federal de Ribeirão Preto/SP e apelidada de "Operação Quilate", a qual se iniciou com a interceptação dos terminais telefônicos dos envolvidos. A partir daí revelou-se, detalhadamente, a participação efetiva de cada um deles na empreitada criminosa. Após longo acompanhamento de seus diálogos, foram realizadas buscas e apreensões em suas residências e locais de trabalho, que culminaram na localização de diversos materiais relacionados ao cometimento de várias infrações penais.
[...]
Sem a emissão de nenhum documento, os minerais extraídos de modo ilegal eram vendidos aos investigados, os quais, os adquiriam, recebiam, ocultavam, transportavam, vendiam, expunham à venda e utilizavam em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial, ainda que clandestina, devendo saber que eram produtos de crime. Na grande maioria das vezes, as pedras eram também remetidas ao exterior sem o pagamento de qualquer tributo.
Além do comércio ilegal de pedras, observou-se que alguns dos investigados praticavam, sem autorização legal, operações de câmbio manual e de dólar-cabo, inclusive com a remessa de divisas para outros países, dissimulando a origem ilícita dos valores obtidos com as práticas criminosas. As importâncias auferidas com as vendas dos artigos, muitas vezes quitados em moeda estrangeira, eram, posteriormente, utilizadas para viabilizar transações cambiárias concretizadas mediante aplicação de cotações combinadas entre os interessados. A atividade realizava-se sem qualquer supervisão das autoridades competentes ou fiscalização do Banco Central. É cediço que essa espécie de operação está sujeita a rígidos controles, conforme a Circular nº 3.462/2009, do BACEN, caracterizando-se, o ingresso não autorizado no mercado de câmbio, uma infração à Lei 7.492/86" - grifo nosso.
Tenho que importante trazer à lume, ainda, as ocorrências processuais verificadas desde o início e ao longo das investigações objeto dos fatos em questão, a fim de serem sanadas eventuais dúvidas levantadas pela defesa acerca da competência para o decreto de interceptação telefônica e suas prorrogações.
Com efeito, de acordo com as informações iniciais prestadas pelo MMº Juízo "a quo" (fls. 467/470), o feito originário objeto deste writ cuida-se do Pedido de Quebra do Sigilo Telefônico - autos nº 2007.61.02.014560-0, relacionado à matéria contida na denúncia, parcialmente supra transcrita, ofertada nos autos da Ação Penal nº 2009.61.02.003695-8.
Registrou sua Excelência que os autos nº 2007.61.02.014560-0 tiveram origem na cidade de Ribeirão Preto/SP, sendo certo que o Juízo da 6ª Vara Federal daquela Subseção Judiciária declinou de sua competência para o da 2ª Vara Federal de Franca/SP por considerar que a suposta atividade criminosa investigada se concentraria, sobretudo, na cidade de Franca/SP, onde os principais investigados, em tese, promoveriam o comércio ilícito de diamantes.
A denúncia foi oferecida em 29.09.2009 pelo MPF de Franca/SP, nos autos da Ação Penal nº 2009.61.02.003695-8, sendo que o MMº Juízo da 2ª Vara Federal daquela Subseção Judiciária, ao vislumbrar a imputação na denúncia, entre outros, de delitos contra o sistema financeiro e de lavagem de dinheiro, declinou da competência, remetendo os autos à livre distribuição para uma das duas Varas Federais Especializadas desta Capital, sendo então o feito distribuído à E. 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP.
A denúncia foi recebida em 29.10.2009, tendo o paciente e demais corréus apresentado respostas escritas à acusação, apreciadas por aquele r. Juízo em decisão datada de 21.09.2010, oportunidade em que todas as matérias colacionadas no presente writ foram integralmente rechaçadas pelo MMº Juízo "a quo", em decisão devidamente fundamentada, conforme se observa da cópia daquele decisum, juntado a estes autos às fls. 728/767.
Destaco, ainda, que o pedido do "Parquet" Federal de quebra do sigilo e interceptação telefônica dos primeiros investigados - Antônio Marques da Silva, João de Deus Braga e Vicente Paulo do Couto -, está juntado a estes autos às fls. 769/822, expondo de forma detalhada e devidamente fundamentada todos os fatos objeto da investigação bem como a imprescindibilidade de se proceder à interceptação telefônica, como forma de aprofundamento das investigações.
Por fim, a decisão que deferiu a interceptação telefônica inicial, nos autos do Pedido de Quebra de Sigilo Telefônico nº 2007.61.02.014560-0, pelo MMº Juízo da E. 6ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP, encontra-se juntada às fls. 823/826, vislumbrando-se de sua análise fundamentação suficiente a embasar a medida extrema deferida por aquele r. Juízo, posto que lastreada nas diversas investigações que já vinham sendo realizadas no bojo do inquérito policial nº 2005.61.02.004584-0.
Pois bem, descritos sinteticamente os fatos relacionados à interceptação telefônica inicial, tenho que não é possível vislumbrar, ao menos na sede do presente writ, a ocorrência de vício insanável, apto a gerar a nulidade de toda a investigação realizada.
Com efeito, pelo que se dessume da análise dos fatos trazidos com a inicial e também nas informações prestadas, o pedido de interceptação telefônica realizado pelo "Parquet" Federal nos autos incidentais de nº 2007.61.02.014560-0 foi deferido pela autoridade, à época, competente (MMº Juízo da 6ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP - fls. 823/826), com lastro em toda a documentação carreada aos autos do inquérito policial nº 2005.61.02.004584-0 (em cujo bojo já se investigavam as inúmeras infrações ambientais e contra o patrimônio da União por usurpação de matéria-prima do subsolo a ela pertencente, além de sonegação fiscal), tendo o pedido, inclusive, sido apensado a este inquérito para análise conjunta pelo magistrado, conforme verifica-se à fl. 33 e também pela certidão de fl. 96.
Assim, a alegação de que o MMº Juízo "a quo" teria deferido quebra de sigilo telefônico sem qualquer embasamento fático em indícios de autoria e materialidade delitiva é especulativa e de manifesta má-fé, pois, conforme se verifica, a r. decisão "a quo" (fls. 823/826) lastreou-se no pedido ministerial de fls. 769/822, em que descritos todos os detalhes da empreitada criminosa, bem como nas aprofundadas investigações da Polícia Federal entabulada nos autos do Inquérito Policial nº 2005.61.02.004584-0, que, apesar de não ter sido apensado ao Pedido de Quebra de Sigilo Telefônico nº 2007.61.02.014560-0, foi a este distribuído por dependência perante a mesma 6ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP, e foi analisado por este r. Juízo para o integral conhecimento dos fatos e conclusão pela necessidade da decretação da medida extrema.
Portanto, ainda que o inquérito policial nº 2005.61.02.004584-0 não esteja apensado ao feito principal, é certo que tal circunstância, por si só, ao contrário do aduzido pela defesa, não tem o condão de gerar nulidade à decisão que deferiu a interceptação telefônica inicial, pois, reitero, o magistrado somente assim agiu após analisar todos os elementos constantes daquela investigação, sendo certo, por fim, que cópia integral daqueles autos, se o caso for, poderá ser extraída a fim de instruir a ação principal, possibilitando-se ao paciente integral acesso a todas as investigações realizadas antes do deferimento da interceptação inicial, oportunidade em que poderá apresentar suas impugnações, cumprindo-se in totum o contraditório e a ampla defesa.
Nesse mesmo sentido, aliás, a Procuradoria Regional da República também ponderou, em seu parecer, verbis (fls. 910/911):
"Em primeiro lugar, não merece acolhida a alegação de nulidade da decisão que decretou a quebra do sigilo daqueles que, até então, seriam os três principais responsáveis pelo cometimento dos crimes investigados (fls. 88/91). Isso porque, além de a decisão referida estar devidamente fundamentada, inclusive com indicação de dispositivos legais e constitucionais que regem a matéria, é inegável que o magistrado, ao proferi-la, teve acesso aos autos do Inquérito Policial nº 2005.61.02.004584-0, pois a estes foram apensados os autos da representação ministerial de afastamento do sigilo telefônico (nº 2007.61.02.014560-0), conforme se verifica das fls. 33 e 96.
Além disso, o Juízo da 6ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP, ao fundamentar sua decisão, mencionou que "o pedido de interceptação ora formulado é conexo às investigações realizadas no bojo do inquérito policial em apenso [...], o que denota que analisou aqueles autos antes de decidir pela quebra do sigilo dos investigados.
Também é de ver que a decisão em exame foi proferida em face de requerimento ministerial que expôs detidamente, em nada menos que 53 folhas, como se dava a extração de pedras preciosas do Rio Grande, remetendo aos elementos até então coligidos por meio de investigações anteriores.
Não por outras razões o Excelentíssimo Juiz Federal Roberto Costenaro Cavali afastou essas mesmas alegações ao apreciar a resposta à acusação apresentada pelo ora paciente. Confira-se (fls. 398/400):
'(...) faz-se mister destacar que o Ministério Público Federal, ao formular o pedido de interceptação telefônica, nos autos nº 2007.61.02.014560-0 (fls. 02/55), teceu longas considerações a respeito de uma contínua e gigantesca atividade de extração e comércio ilegal de pedras preciosas no Rio Grande, que divide os Estados de São Paulo e Minas Gerais.
Discorreu, especificamente, sobre a necessidade da interceptação telefônica (fls. 43/47 e 50/55), esclarecendo que já havia ocorrido diversas autuações por parte do IBAMA contra os exploradores ilegais e que as provas até então colhidas não permitiam conhecer o âmago da organização criminosa. Demonstrando, portanto, a imprescindibilidade da medida.
Acolhendo tais equilibradas ponderações, o Juízo da 6ª Vara Federal em Ribeirão Preto/SP, deferiu a medida de interceptação telefônica, reconhecendo sua imprescindibilidade, em fundamentada decisão (...). A manifestação ministerial deixou explícita a existência de investigações anteriores consubstanciadas em inquéritos policiais que visavam à apuração da prática de crimes ambientais e de lavra ilegal de diamantes nos arredores do lago da Usina Hidrelétrica de Marimbondo (...)" - grifo nosso.
Por todas essas razões, entendo inexistir qualquer nulidade na r. decisão "a quo", pois todos os requisitos legais, previstos na Lei nº 9.296/96, para a decretação da interceptação telefônica foram efetivamente cumpridos.
De fato, dispõe o artigo 2º da referida lei que para ser decretada aquela medida é imprescindível a existência de indícios razoáveis de autoria em infração penal punida com pena de reclusão e a prova não puder ser realizada por outros meios.
Ora, conforme já amplamente destacado na narrativa dos fatos, o MMº Juízo, então competente, da E. 6ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP deixou claro em sua decisão a existência de uma gigantesca atividade, com estabilidade e permanência, de extração e comércio ilegal de pedras preciosas no Rio Grande, esclarecendo que já havia ocorrido diversas autuações por parte do IBAMA contra os exploradores ilegais, mas que as provas até então colhidas não permitiam conhecer o âmago da organização criminosa, ou seja, necessário se fazia naquele momento ampliar o foco da investigação, porquanto diante da grandeza daquelas atividades ilegais, restavam sérios indícios de que o capital auferido ilegalmente pelos integrantes da organização criminosa, até então limitados a apenas três integrantes, conforme nomes já supra delineados, certamente não era declarado à Receita Federal e, além disso, desviado para paraísos fiscais no exterior com o fim de proceder à reciclagem de capitais através de sua ocultação ou dissimulação, havendo, pois, relevantes indícios de autoria e materialidade também quanto aos crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro, os quais somente poderiam ser devidamente apurados através da interceptação telefônica.
Outrossim, diante desses elementos, não há dúvidas acerca da imprescindibilidade da interceptação, a fim de apurar referidos delitos, todos punidos com reprimenda de reclusão, pois, do contrário, grande parte dos crimes em referência e dos demais integrantes da organização não teriam sido apurados e identificados, gerando impunidade, e o produto daqueles crimes devidamente recuperado aos cofres públicos.
Por todas essas razões, afasto a alegação defensiva de nulidade no decreto de interceptação telefônica.
Não há falar-se, ademais, na nulidade das r. decisões que deferiram a prorrogação das interceptações telefônicas, tão somente, pelo fato de o MMº Juízo "a quo" ter acolhido os fundamentos das razões ministeriais para deferir a prorrogação, pois tal expediente não se reveste de qualquer vício, sendo pacífico na jurisprudência que a decisão remissiva a outras decisões ou manifestações constantes dos autos não equivale a ausência de fundamentação.
Como deixou claro sua Excelência, a acolhida, por aquele Juízo, das representações da autoridade policial, secundadas pelos requerimentos ministeriais, deu-se por sua conformação e adequação, elementos suficientes a propiciar às partes o entendimento acerca das razões determinantes das medidas judiciais que se efetivaram a partir do primeiro pedido formulado pelo Ministério Público Federal.
Trata-se da chamada "motivação per relationem", ou seja, aquela em que o juiz ou o Tribunal adota como suas as razões de decidir ou de argumentar de outra decisão judicial ou de alguma manifestação da parte ou do Ministério Público, não implicando nulidade.
Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados:
[...] A decisão administrativa do Corregedor-Geral de Justiça empregou a chamada motivação per relationem - isto é, valeu-se integralmente das razões lançadas no parecer da Juíza-Corregedora para não conhecer do recurso -, técnica essa que não é vedada, tampouco importa ausência de fundamentação desde que o decisum se reporte a manifestações ou peças processuais que contenham os motivos, de fato e de direito, a amparar a conclusão judicial esposada, como na espécie (ROMS 200601698350 ROMS - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 22439 Relator(a) CASTRO MEIRA Sigla do órgão STJ Órgão julgador SEGUNDA TURMA Fonte DJE DATA:10/02/2011).
"HABEAS CORPUS" - PRETENDIDO RECONHECIMENTO DE NEGATIVA DE AUTORIA - INDAGAÇÃO PROBATÓRIA EM TORNO DOS ELEMENTOS INSTRUTÓRIOS - INVIABILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA DO "HABEAS CORPUS" - ACÓRDÃO QUE SE REPORTA À SENTENÇA DE PRIMEIRA INSTÂNCIA, ÀS CONTRA-RAZÕES DO PROMOTOR DE JUSTIÇA E AO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SEGUNDA INSTÂNCIA - MOTIVAÇÃO "PER RELATIONEM" - FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA - PEDIDO INDEFERIDO. - O "habeas corpus" não constitui meio juridicamente idôneo à análise e reexame de provas produzidas no processo penal condenatório, especialmente quando se busca sustentar, na via sumaríssima desse "writ" constitucional, a ausência de autoria do fato delituoso. O acórdão, ao fazer remissão aos fundamentos de ordem fático-jurídica mencionados na sentença de primeira instância, nas contra-razões do Promotor de Justiça e no parecer do Ministério Público de segunda instância (motivação "per relationem") - e ao invocá-los como expressa razão de decidir - revela-se fiel à exigência jurídico-constitucional de motivação que se impõe, ao Poder Judiciário, na formulação de seus atos decisórios. Precedentes. (HC 69425 HC - HABEAS CORPUS Relator(a) CELSO DE MELLO Sigla do órgão STF Decisão Unânime. 1ª. Turma, 22.09.1992) - grifo nosso.
Não vislumbro nulidade, ainda, quanto ao fato de os diálogos interceptados não terem sido integralmente transcritos para o inquérito policial, pois a própria Lei 9.296/96, em seu artigo 9º, deixa claro que somente os diálogos que interessarem à prova dos delitos apurados é que deverão ser transcritos, enquanto as demais, imprestáveis àquele mister, devem ser inutilizadas por decisão judicial, com assistência do Ministério Público.
Sobre o tema, é pacífico o entendimento do Colendo Supremo Tribunal Federal, conforme se verifica das ementas seguintes:
PROVA. Criminal. Interceptação telefônica. Transcrição da totalidade das gravações. Desnecessidade. Gravações diárias e ininterruptas de diversos terminais durante período de 7 (sete) meses. Conteúdo sonoro armazenado em 2 (dois) DVDs e 1 (hum) HD, com mais de quinhentos mil arquivos. Impossibilidade material e inutilidade prática de reprodução gráfica. Suficiência da transcrição literal e integral das gravações em que se apoiou a denúncia. Acesso garantido às defesas também mediante meio magnético, com reabertura de prazo. Cerceamento de defesa não ocorrente. Preliminar repelida. Interpretação do art. 6º, § 1º, da Lei nº 9.296/96. Precedentes. Votos vencidos. O disposto no art. 6º, § 1º, da Lei federal nº 9.296, de 24 de julho de 1996, só comporta a interpretação sensata de que, salvo para fim ulterior, só é exigível, na formalização da prova de interceptação telefônica, a transcrição integral de tudo aquilo que seja relevante para esclarecer sobre os fatos da causa sub iudice. (Inq 2424 Inq - INQUÉRITO Relator(a) CEZAR PELUSO Sigla do órgão STF) - grifo nosso.
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIA PROBATÓRIA. OFENSA REFLEXA. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS JUDICIALMENTE AUTORIZADAS. DEGRAVAÇÃO INTEGRAL. DESNECESSIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I - Este Tribunal tem decidido no sentido de que o indeferimento de diligência probatória, tida por desnecessária pelo juízo a quo, não viola os princípios do contraditório e da ampla defesa. Precedentes. II - No julgamento do HC 91.207-MC/RJ, Rel. para o acórdão Min. Cármen Lúcia, esta Corte assentou ser desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas, sendo bastante que se tenham degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida. III - Impossibilidade de reexame do conjunto fático probatório. Súmula 279 do STF. IV - Agravo regimental improvido. (AI-AgR 685878 AI-AgR - AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Relator(a) RICARDO LEWANDOWSKI Sigla do órgão STF) - grifo nosso.
No tocante a alegação de as escutas terem sido realizadas fora do prazo de quinze dias, deferido pelo MMº Juízo "a quo", também improcedem os argumentos defensivos.
Isso porque também é pacífico na jurisprudência formada em nosso país que as sucessivas prorrogações das interceptações telefônicas, desde que respeitada a imprescindibilidade da renovação e o prazo de quinze dias, são plenamente possíveis, mesmo porque a própria Lei 9.296/96 não faz qualquer restrição à impossibilidade de sucessivas renovações.
E, in casu, como bem fundamentado pelo Juízo "a quo", houve e há uma grande complexidade dos fatos, justificando-se àquela época, a imprescindibilidade da continuidade das investigações, porquanto aquele juízo, ao analisar os relatórios circunstanciados da Policia Federal, entendeu pela perduração das investigações.
Ademais, em parecer o "Parquet" Federal bem ressaltou que conforme o Relatório de Investigação Policial copiado às fls. 189/195, as interceptações foram realizadas entre 09 e 22 de dezembro daquele ano, ou seja, por quatorze dias, o que demonstra haver sido respeitado o prazo de duração da medida previsto na decisão que a deferiu.
E acrescentou ainda, em relação a renovação da interceptação, que:
De toda sorte, os ofícios copiados às fls. 200 e 201, expedidos pela Polícia Federal, encaminhando o auto circunstanciado daquelas interceptações, indicam expressamente que as interceptações se deram entre 22 de julho e 05 de agosto de 2009, ou seja, por exatos quinze dias, o que demonstra haver sido respeitado o prazo de duração da medida previsto na decisão que a deferiu, bem assim que a diligência se iniciou somente dois dias após a expedição dos ofícios solicitando a concessão de senhas para a autoridade policial.
Por fim, o Juízo Federal da 2ª Vara de Franca/SP deferiu a renovação das interceptações em 05 de agosto de 2009 (fls. 125/129). Embora não haja cópia dos ofícios expedidos pelo Juízo às operadoras telefônicas, é certo que o ofício copiado à fl. 201, expedido pela Polícia Federal encaminhando o auto circunstanciado daquelas interceptações, faz referência ao período de 06 de agosto a 20 de agosto de 2009, no total de quatorze dias. Note-se que esse período se inicia logo após o deferimento da medida e respeita o prazo estipulado de quinze dias para sua realização.
Portanto, não está evidenciado as interceptações de 13 de dezembro a 22 de dezembro de 2007 e de 04 de agosto a 05 de agosto de 2009 tenham sido realizadas fora do prazo estipulado judicialmente - grifei.
Outrossim, diante todas essas circunstâncias, tenho que não houve demonstração cabal pela defesa, ao menos neste momento, das irregularidades apontadas pelos impetrantes, inexistindo, pois, direito líquido e certo à decretação da nulidade da decisão "a quo", fato que eventualmente pode vir ainda a ser demonstrado em sede de cognição exauriente, no bojo do feito principal.
Por derradeiro, apenas como remate, rechaço qualquer cogitação de nulidade nas decisões de decretação das interceptações telefônicas, por incompetência superveniente dos Juízos da 6ª Vara Federal de Ribeirão Preto e da 2ª Vara Federal de Franca, porquanto efetivamente competentes à época de suas respectivas decisões, somente tendo sido constatada a competência da E. 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo após o resultado final das investigações, quando se pode apurar a existência da eventual prática de crimes de evasão de divisas e de lavagem de bens e valores.
Nesse sentido, os seguintes julgados:
HABEAS CORPUS. NULIDADE DO PROCESSO POR INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. UTILIZAÇÃO DAS PROVAS ALI PRODUZIDAS. IMPOSSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS DETERMINADAS POR OUTRO JUIZ EVENTUALMENTE COMPETENTE. ELEMENTOS COLHIDOS QUE NÃO SE ENQUADRAM NA CONSIDERAÇÃO DE PROVA DERIVADA. A prova produzida a partir de medida cautelar de interceptação telefônica deferida no bojo de investigação policial tida ocasionalmente como legal, porquanto competente, àquela altura, o Juízo da Comarca que a compreendia, não deve ser desconsiderada pela vertente da teoria dos frutos da árvore envenenada, porquanto se apresenta para o processo como diligência independente e autônoma. [...] (HC 200802206898 HC - HABEAS CORPUS - 117678 Relator(a) MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA Sigla do órgão STJ Órgão julgador SEXTA TURMA Fonte DJE DATA:26/10/2009) - grifei.
"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AUTORIZADA PELO JUÍZO FEDERAL. DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA O JUÍZO ESTADUAL. NÃO-INVALIDAÇÃO DA PROVA COLHIDA. 1. Não se mostra ilícita a prova colhida mediante interceptação telefônica, se evidenciado que, durante as investigações pela Polícia Federal, quando se procedia à diligência de forma regular e em observância aos preceitos legais, foram obtidas provas suficientes para embasar a acusação contra os Pacientes, sendo certo que a posterior declinação de competência do Juízo Federal para o Juízo Estadual não tem o condão de, por si só, invalidar a prova até então colhida. Precedentes do STF e do STJ. 2. Ordem denegada." (HC 56.222/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 11/12/2007, DJ 07/02/2008 p. 1).
Ante todo o exposto, denego a ordem.
É como voto.
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