D.E. Publicado em 02/03/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, para determinar o retorno dos autos à instância de origem, para prosseguimento do feito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO-VISTA
Em 23.01.12, o Eminente relator, Desembargador Federal Luiz Stefanini, acompanhado pelo Eminente Desembargador Federal Antônio Cedenho, votou para dar provimento ao recurso ministerial e determinar o retorno dos autos à instância de origem, para prosseguimento do feito (fl. 1.254).
É o voto.
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RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra r. sentença que absolveu sumariamente Nilo Sérgio Reinehr, Carlos Alberto da Fonseca, Mário Brito Risuenho e Lia Aparecido Segaglio, denunciados como incursos no art. 89 e 92 da Lei nº 8.666/93.
A sentença recorrida, constante de fls. 1179 e segs., sobreveio ao fundamento da atipicidade das condutas descritas na inicial acusatória, com fulcro no art. 397, inc.III, do Código de Processo Penal, ao entendimento de que, para a configuração dos crimes, exige-se a comprovação do dolo específico e do dano que não restaram demonstrados em relação aos réus por conta de prorrogações contratuais feitas através de termos aditivos, com vedação administrativa.
Consta da denúncia, em síntese, que os réus teriam dado causa a inúmeras prorrogações contratuais e alterações contratuais vantajosas em favor do adjudicatário de licitação realizada pela Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária - INFRAERO -, sem autorização legal e sem previsão no ato convocatório no certame.
Consta ainda que, valendo-se de sucessivos aditivos contratuais, os denunciados protelaram a exequibilidade do comando do Tribunal de Contas da União pelo prazo de nove anos, a partir de 10/6/81, através dos quais o "Estacionamento do Carmo Ltda", nas dependências do Aeroporto de Viracopos, em Campinas/SP, mantinha a concessão de uso.
Em razões recursais (fls. 1199/1206), sustenta o recorrente que os tipos penais em enfoque dispensam a comprovação de dolo específico e de dano ao erário e que ao celebrar verdadeiras renovações contratuais à margem da lei, os denunciados contrariaram decisão do Tribunal de Contas da União praticando as condutas ilegais.
Pugna, assim, pelo prosseguimento do feito, de modo que a decisão judicial inviabilizou a apuração dos fatos classificados na denúncia.
Com contrarrazões, subiram os autos.
Parecer da lavra da ilustre Procuradora da República, Rosane Cima Campiotto, opina pelo afastamento da absolvição sumária proferida, determinando-se o prosseguimento do feito em seus regulares termos.
É o relatório.
Dispensada a revisão.
VOTO
A conduta examinada veio descrita na denúncia para cada um dos réus, na seguinte forma:
Nilo Sérgio Reinehr, então Superintendente da INFRAERO no Aeroporto de Viracopos e Carlos Alberto da Fonseca, então Gerente Comercial e Industrial daquela empresa pública firmaram aditamento de contrato para determinar a sua prorrogação, ampliando indevidamente a área sob concessão do estacionamento do aeroporto, havendo vedação expressa para tal (fls. 132).
De molde a possibilitar a manutenção do procedimento de prorrogações à revelia do procedimento licitatório, Mário Brito Risuenho, então Diretor Comercial e Industrial da INFRAERO subscreveu terceiro aditamento, na mesma forma e Lia Aparecido Segaglio, então Superintendente da INFRAERO no Aeroporto de Viracopos, firmou, em 1º de julho de 2004, o quinto aditamento ao contrato com termo aditivo, renovando o prazo contratual por mais 12 meses.
Os fatos restaram capitulados nos arts. 89 e 92 da Lei nº 8.666/93, assim redigidos:
"Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa".
"Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição de ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei: (Redação dada pela Lei nº 8883, de 8.6.94)
Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa" (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 8.6.94).
Examinados os autos, verifico que se cinge a questão sobre a exigência ou não de comprovação de dolo específico na conduta e do dano ou prejuízo ao erário, ausência de prova que fundou a absolvição sumária.
Por primeiro, lembro que os tipos penais em espécie, à luz do disposto no art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal, estão previstos na Lei nº 8.666/93 que foi sancionada com o objetivo de estabelecer normas gerais sobre licitações e contratos administrativos relativos a obras, serviços, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios.
Ressalvadas as hipóteses de dispensa ou inexigibilidade, há obrigatoriedade da licitação para assegurar igualdade de oportunidades entre os interessados em contratar com o Poder Público e para possibilitar escolha de proposta mais vantajosa para a Administração Pública.
Mais precisamente sobre os tipos penais examinados, consigno que há dissenso doutrinário e jurisprudencial sobre a necessidade de resultado naturalístico, ou, prejuízo efetivo ao erário e sobre a imprescindibilidade de dolo específico na conduta, ou seja de que o agente, ciente da necessidade de licitar, opta por contratar de forma direta, sem critérios objetivos que justificam a escolha do contratado e o preço pago.
A exemplo da controvérsia, veja-se o v. acórdão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no sentido da atipicidade da conduta pela ausência de prejuízo ao erário e do dolo específico do agente, assim ementado:
"HC. ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93. PREFEITO. CONTRATAÇÃO DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA PARA DEFESA DE ENTE PÚBLICO EM CAUSAS TRIBUTÁRIAS. SINGULARIDADE DOS SERVIÇOS E NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO RECONHECIDAS. CONDENAÇÃO CRIMINAL, MANTIDA PELO TRIBUNAL A QUO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA, REFORMADA PELA MESMA CORTE ESTADUAL. AUSÊNCIA DE INTENÇÃO DE FRAUDAR A LEI. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. HIPÓTESE DE INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DAS FORMALIDADES LEGAIS. IRRELEVÂNCIA (..)
V. Tais fundamentos, trazidos para a esfera penal, tornam atípica a conduta do paciente, não havendo falar-se na prática do delito previsto no art. 89 da Lei 8.666/93, que para sua configuração exige, além da ocorrência de prejuízo ao erário, a presença de dolo específico na conduta do agente, a qual é penalmente irrelevante se presentes os pressupostos para a contratação direta. Precedentes da Corte Especial do STJ".
(HC 53.103/SP, rel. min. Gilson Dipp, DJ 16/10/2006).
No mesmo diapasão as decisões proferidas pelo E. STJ na Apn 375/AP e Apn 323/CE, de relatoria do ministro Fernando Gonçalves.
Do mesmo modo, Luiz Flávio Gomes enfatiza que "quando a conduta realiza formalmente o tipo penal (caso do art. 89, caput), mas não produz nenhum resultado jurídico desvalioso, não há se falar em lesão ao bem jurídico", ou seja, a contratação indevida de licitação é formalmente típica, mas desprovida de tipicidade material quando não ocasiona o resultado danoso ao erário. (in Dispensa de Licitação, ausência de tipicidade material, internet http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8558).
Em sentido contrário, anoto entendimento também do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do RESP 991880/RS, de relatoria do ministro Felix Fischer:
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 89, CAPUT, DA LEI Nº 8.666/93. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO PENAL QUE SE ESGOTA NO DOLO. CRIME QUE SE PERFAZ INDEPENDENTEMENTE DA VERIFICAÇÃO DE QUALQUER RESULTADO NATURALÍSTICO.
I - A simples leitura do caput do art. 89 da Lei nº 8.666/93 não possibilita qualquer conclusão no sentido de que para a configuração do tipo penal ali previsto exige-se qualquer elemento de caráter subjetivo diverso do dolo. Ou seja, dito em outras palavras, não há qualquer motivo para se concluir que o tipo em foco exige um ânimo, uma tendência, uma finalidade dotada de especificidade própria, e isso, é importante destacar, não decorre do simples fato de a redação do art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93, ao contrário do que se passa, apenas a título exemplificativo, com a do art. 90 da Lei nº 8.666/93, não contemplar qualquer expressão como "com o fim de", "com o intuito de", "a fim de", etc. Aqui, o desvalor da ação se esgota no dolo, é dizer, a finalidade, a razão que moveu o agente ao dispensar ou inexigir a licitação fora das hipóteses previstas em lei é de análise desnecessária.
II - Ainda, o crime se perfaz, com a mera dispensa ou afirmação de que a licitação é inexigível, fora das hipóteses previstas em lei, tendo o agente consciência dessa circunstância. Isto é, não se exige qualquer resultado naturalístico para a sua consumação (efetivo prejuízo para o erário, por exemplo). Recurso desprovido" (g.n).
Já, Hely Lopes Meirelles defende a tese de que "no caput do art.89 o crime é formal, consumando-se com a mera dispensa ou inexigibilidade não autorizada pela lei". (in Licitação e Contrato Administrativo, ed. Malheiros, 14ed, pp 111/113).
Vicente Greco Filho e Paulo José da Costa Junior entendem que o crime é de perigo abstrato (Dos crimes da Lei de Licitações, 2007, ed. Saraiva, 2ª ed. pp 60/61 e Direito Penal das Licitações, 1994, Saraiva, p.17).
Em torno da polêmica sobre a matéria, tenho que a sua dirimência se resolve à luz dos princípios básicos da Administração Pública de impessoalidade, moralidade e isonomia que regem, no caso, a licitação no trato da coisa pública.
Reflito que há silêncio do legislador, quanto ao prejuízo ao erário e ao dolo específico. O ato do administrador que deixa de realizar a licitação para beneficiar alguém com a contratação direta é dotado de reprovabilidade por si só, o mesmo ocorrendo com a conduta do administrador que se nega a cumprir a legislação que impõe a realização do certame de licitação, mesmo ciente da desobediência à norma legal. Nesses casos há subsunção dos fatos às normas previstas na Lei nº 8.666/92.
Do mesmo modo podemos comparar a censurabilidade da conduta como acima articulado com a evidente imoralidade do agente se há sobrevalorização do preço, o que configuraria dano efetivo ao erário, ou a dispensa da licitação para beneficiar indevidamente um apaniguado seu com contratação direta.
O v. acórdão que trago a seguir expressa o entendimento do qual compartilho:
"(...) O crime do art. 89 da Lei 8.666 é de mera conduta, consumando-se com a omissão em não licitar, nos casos que estão fora das hipóteses dos arts. 24 e 25 do mesmo diploma legislativo. Ao contrário do que diz Marçal Justen Filho, desnecessário que a conduta do agente esteja impregnada do dolo específico de causar prejuízo ao ente público. Fosse necessária a intenção de causar prejuízo ao erário, beneficiando alguém, o crime de contratar sem licitar, confundir-se-ia com o peculato, delito que já tem tipicidade própria e admite a tentativa, art. 312 do Código Penal, ou em se tratando de Prefeitos, art. 1º, inc.I, do Decreto Lei nº 201.
Assim, no crime do citado art. 89, é bastante o dolo de omitir deliberadamente a licitação, seja por capricho do agente da administração pública, seja por aversão à burocracia, seja para poder contratar por preço que beneficie alguém ou ao próprio administrador. Pode ser benefício moral ou econômico".
(Processo-Crime nº 70009425844, 4ª Câmara Criminal, TJRS, rel. Des. Gaspar Marques Batista, j. 03/04/2008).
Ao exame das digressões à luz dos princípios constitucionais e da Administração Pública, concluo pela desnecessidade de comprovação de dolo específico ou de dano, tratando o caso de delitos de mera conduta.
Ante tais fundamentos, dou provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal e determino o retorno dos autos à instância de origem, para prosseguimento do feito.
É como voto.
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Data e Hora: | 14/12/2011 17:32:42 |