Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 10/05/2012
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0007280-50.2001.4.03.6181/SP
2001.61.81.007280-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : GENY HAROUTION MANOUKIAN
ADVOGADO : JOSE ANTONIO SIQUEIRA LAZZARINI e outro

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 438 DO SUPERIOR TRINUNAL DE JUSTIÇA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO SE APLICA AO DELITO DE ESTELIONATO. DENÚNCIA QUE NÃO ATENDEU OS REQUISITOS DO ART. 395 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NÃO HÁ INDÍCIOS DE DOLO NA CONDUTA DA RECORRIDA. RECURSO DESPROVIDO.
1. Não se admite possa, quer o tribunal, em sede recursal, quer o juiz antes da sentença de mérito, por antecipação, declarar extinta a punibilidade aplicando-se a prescrição em perspectiva.
2. O instituto da prescrição antecipada, em perspectiva ou "virtual" não encontra amparo no ordenamento jurídico nacional e, derivado de criação doutrinária, há muito foi rechaçado pela jurisprudência, inclusive do E. Supremo Tribunal Federal. Súmula 438 do STJ: "É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal".
3. Relativamente ao princípio da insignificância, o escopo da teoria da intervenção mínima não se aplica ao crime de estelionato, quer na figura simples do "caput" do artigo 171, quer na figura descrita no §3º do referido dispositivo, tendo em vista que a conduta do agente em manter a vítima em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer meio fraudulento, afasta a menor potencialidade lesiva. Precedentes do STJ.
4. A denúncia não atendeu aos requisitos descritos no artigo 395 do Código de Processo Penal. Dos elementos coligidos aos autos verifica-se, de plano, ausência do elemento subjetivo - dolo - na conduta da acusada, quanto ao delito de estelionato.
5. No tocante ao delito de uso de documento falso, os fundamentos do Juízo "a quo" são no sentido de que o laudo pericial atestara que o documento não foi confeccionado pela acusada.
6. Apesar de ser indiferente para a consumação do delito se a assinatura aposta no documento emanou ou não do punho da recorrida, já que se pune a utilização e não a falsificação do documento, certo é que não existem sequer indícios de que a recorrente tinha ciência de sua falsidade.
7. Recurso em sentido estrito desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 24 de abril de 2012.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0007280-50.2001.4.03.6181/SP
2001.61.81.007280-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : GENY HAROUTION MANOUKIAN
ADVOGADO : JOSE ANTONIO SIQUEIRA LAZZARINI e outro

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão (fls.337/342) que rejeitou a denúncia oferecida contra a acusada, por infração aos artigos 171, "caput", 304, 298 e 61, inciso II, "b", todos do Código Penal, ao fundamento da prescrição da pretensão punitiva estatal, amparada na pena em perspectiva a ser cominada ao delito em concreto, bem assim no princípio da insignificância.

Narra a denúncia que no dia 17 de novembro de 2000, GENY HAROUTIOU MANOUKIAN teria obtido, para a e Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT, vantagem ilícita em prejuízo de S.A.M.A CLUBE ARMÊNIO, sediado em São Paulo/SP, induzindo e mantendo em erro o referido clube, mediante meio fraudulento.

De acordo com a peça acusatória, a vantagem indevida consistiu na utilização pela EBCT, sem o pagamento de qualquer valor, em 17 de novembro de 2000, do salão de festas do CLUBE ARMÊNIO, para a realização de uma festa de confraternização entre seus funcionários.

Relata a denúncia que a acusada, na qualidade de funcionária da EBCT, intermediou a locação do salão de festas do CLUBE ARMÊNIO fazendo a EBCT supor que a utilização do clube dar-se-ia gratuitamente.

Descreve que havia sido acordado entre o clube e a denunciada o pagamento de um aluguel pela locação no valor de R$3.200,00 (três mil e duzentos reais), além de uma taxa devido ao administrador no valor de R$ 100,00 (cem reais). Para que a utilização do imóvel ocorresse efetivamente, a denunciada apresentou ao clube, em 16 de novembro de 2000, comprovantes de depósito no valor total de R$3.300,00 (três mil e trezentos reais), os quais jamais foram realizados. Tais depósitos foram realizados nos terminais de auto-atendimento do Banco Bradesco, sendo certo que os envelopes que deveriam conter os valores a serem depositados estavam vazios.

Diante do inadimplemento do valor acordado com a EBCT, o CLUBE ARMÊNIO encaminhou uma carta à EBCT pleiteando o pagamento do valor da locação do salão de festas. Após ser inquirida pela gerência da EBCT, a acusada apresentou um documento falso, no qual o CLUBE ARMÊNIO estaria retratando-se e informando que a cobrança ocorreu devido a um erro administrativo, visando ocultar o crime de estelionato outrora praticado contra o clube.

O prejuízo causado ao clube fora ressarcido integralmente pela EBCT, que pagara àquele a cifra de R$ 3.348,42 ( três mil, trezentos e quarenta e oito reais e quarenta e dois centavos).

O representante do Parquet Federal alega, em resumo (fls. 347/356) a impossibilidade de se declarar a prescrição antes de ter sido consumada, bem como ser inaplicável, ao caso, o princípio da insignificância e haver indícios de materialidade e autoria delitivas.

Contraminuta da defesa (fls. 366/374) no sentido de ser mantida a decisão recorrida.

Em sede do Juízo de delibação, restou mantido o decisum impugnado (fls. 375).

Parecer da Procuradoria Regional da República em prol de ser provido o recurso (fls. 381/386).

É o relatório.

Dispensada a revisão, na forma regimental.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0007280-50.2001.4.03.6181/SP
2001.61.81.007280-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : GENY HAROUTION MANOUKIAN
ADVOGADO : JOSE ANTONIO SIQUEIRA LAZZARINI e outro

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: A questão posta em debate não se limita à possibilidade de declaração da extinção da punibilidade com lastro na prescrição em perspectiva e à aplicação do princípio da insignificância. Vai além para instar o julgador acerca de eventual atipicidade da conduta descrita na peça acusatória.

1. Da prescrição antecipada. No tocante à prescrição antecipada, não se admite possa, quer o tribunal, em sede recursal, quer o juiz antes da sentença de mérito, por antecipação, declarar extinta a punibilidade aplicando-se a prescrição antecipada. O instituto da prescrição antecipada, em perspectiva ou "virtual" não encontra amparo no ordenamento jurídico nacional e, derivado de criação doutrinária, há muito foi rechaçado pela jurisprudência, inclusive, do E. Supremo Tribunal Federal:


"HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. PRESCRIÇÃO ANTECIPADA, PELA PENA EM PERSPECTIVA. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)O Supremo Tribunal Federal tem repelido o instituto da prescrição antecipada" ( HC 82155/SP, Relatora Min.Ellen Gracie, DJ 07.03.2003, p.281).
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. INOCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO POR ANTECIPAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA E AUSÊNCIA DE SUPORTE PROBATÓRIO A JUSTIFICAR A AÇÃO PENAL.
-Não há que se falar em prescrição da pretensão punitiva se entre as causas de interrupção da prescrição não decorreu prazo superior a 20 anos, tratando-se de delito de homicídio qualificado.
- Não prevê o nosso ordenamento jurídico a chamada prescrição por antecipação, sendo descabida a tese de prescrição retroativa ante a inexistência de sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação. Precedentes (...)"( STJ, Processo nº 2001.01545759, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 13.05.2002, p.210).

Na dicção da Súmula nº 438 do C. Superior Tribunal de Justiça:


É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal.


2. Do princípio da insignificância. Relativamente ao princípio da insignificância, o escopo da teoria da intervenção mínima não se aplica ao crime de estelionato, quer na figura simples do "caput" do artigo 171, quer na figura descrita no §3º do referido dispositivo, tendo em vista que a conduta do agente em manter a vítima em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer meio fraudulento, afasta a menor potencialidade lesiva.

Nesse sentido:


"RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO. FRAUDE. RECEBIMENTO DE SEGURO-DESEMPREGO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO. A teoria da insignificância tem vinculação à lesividade ao bem jurídico tutelado, sendo certo afirmar que o seu critério de incidência passa pela análise do desvalor da conduta do agente. Considerando, in casu, a existência de fraude contra o sistema de seguro-desemprego, enquanto benefício da Seguridade Social, cuja finalidade transcende a quantificação de valores patrimoniais, é de se ter por inviável a aplicação da insignificância pela impossibilidade da idéia da lesividade concreta. Recurso provido para receber a denúncia. (RESP 200501373453, Rel. Min. NILSON NAVES Data da Decisão 06/05/2010 DJE 23/08/2010).
HABEAS CORPUS. PENAL. ESTELIONATO. BENS SUBTRAÍDOS AVALIADOS EM R$ 150,00. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. A conduta perpetrada pelo agente não pode ser considerada irrelevante para o direito penal. Com efeito, obter, mediante meio fraudulento, roupas íntimas femininas, avaliadas em R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) não se insere na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela. 2. "A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado" (STF, HC n.º 97.772/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 19/11/2009.) 3. Não se pode confundir bem de pequeno valor com o de valor insignificante. Quando não há outro bem jurídico tutelado pela norma penal, apenas o segundo, necessariamente, enseja a aplicação do princípio da insignificância, excluindo o crime. 4. Ordem denegad" (HC 201000164259 Relator(a) LAURITA VAZ DJE DATA:11/10/2010).

3. Da atipicidade fática. O artigo 43 do Código de Processo Penal que estabelecia as hipóteses de rejeição da denúncia foi expressamente revogado pela Lei nº 11.719/2008, especificamente pelo seu artigo 3º, que agora prevê as hipóteses de rejeição da denúncia no artigo 395 do Código de Processo Penal, verbis:

"Art.395. A denúncia ou a queixa será rejeitada quando:
I-for manifestamente inepta;
II-faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou
III-falta justa causa para o exercício da ação penal".

A denúncia não atendeu aos requisitos descritos no artigo 395 do Código de Processo Penal. Dos elementos coligidos aos autos verifica-se, de plano, ausência do elemento subjetivo - dolo - na conduta da acusada.

Não restou demonstrado que a denunciada quis obter vantagem indevida, favorecendo a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em detrimento do Clube Armênio, clube do qual seu pai era assíduo freqüentador e conhecia, inclusive, o vice-presidente, como se depreende das declarações da acusada de fl.75.

Na verdade, o clube não fora vítima do suposto crime de estelionato, uma vez que feita a cobrança pela locação do seu espaço, recebera o preço. Ludibriada teria sido EBCT, ao realizar o evento na sede do clube, acreditando que nada pagaria tendo, ao final, adimplindo com o montante devido pela locação.

Como bem consignou o Juízo de 1º grau:


"(...) Os fatos narrados na inicial, a meu ver, mais se amoldam a questões próprias das transações civis ou comerciais a ensejar reparações, por vício de consentimento, na esfera cível. Não se vislumbra na conduta da denunciada a busca da "vantagem ilícita" ou ganho patrimonial.
Ao que parece, a denunciada procurava apenas haurir prestígio pessoal com sua conduta. Com efeito, perante a ECT e seus colegas quis demonstrar que tinha influência no Clube Armênio e que ali poderia promover o evento. Perante o Clube, procurou mostrar poder de decisão na ECT, levando uma grande empresa pública a realizar o evento em sua sede".

Cumpre anotar que a acusada, de forma regressiva, adimplira os valores suportados indevidamente pela EBCT (fls. 243/249).

Quanto ao crime de uso de documento falso, os fundamentos do Juízo a quo são no sentido de que o laudo pericial atestara que o documento não foi confeccionado pela acusada. Apesar de ser indiferente para a consumação do delito se a assinatura aposta no documento emanou ou não do punho da recorrida, já que se pune a utilização e não a falsificação do documento, certo é que não existem nos autos elementos que indiquem que a recorrente tinha ciência de sua falsidade, vez que sequer foi ouvida em sede policial (fls. 315 e fls. 316/321 e verso).

Como bem ressaltou o magistrado de 1º Grau (fls. 340/341), verbis:


"Aliado a isso, enfatize-se ter a denunciada comparecido no dia 14.09.2006 ao Departamento de Polícia Federal (São Paulo-SP) para prestar esclarecimentos, não sendo possível, contudo, a colheita de sua versão sobre os fatos, em razão de Correiçã Ordinária nesta Vara Criminal (fls. 315). No decorrer das investigações, a Autoridade Policial até tentou ouvir a denunciada, mas com o revelam os documentos acostados aos autos às fls. 316/329, a partir de janeiro deste ano ela deu início a tratamento quimioterápico e, posteriormente, a mastectomia, por causa de câncer (carcinoma ductal).
Esses dados revelam, a meu sentir, a total falta de elementos indicativos do elemento subjetivo configurador dos delitos em questão, não se podendo afirmar que a denunciada tenha agido dolosamente com o intuito de favorecer os Correios em detrimento do Clube Armênio, clube esse do qual o seu pai (de origem armênia) era freqüentador regular e onde ele conhecia muita gente, inclusive o vice-presidente (fl. 75). Não se depreende da conduta da denunciada a intenção de prejudicar o Clube Armênio, porquanto reflexamente prejudicari a imagem de seu pai."

Com tais considerações, NEGO PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito.

É o voto.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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Data e Hora: 27/04/2012 16:22:32