Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014315-17.2008.4.03.6181/SP
2008.61.81.014315-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : FRANCISCO PELLICEL JUNIOR
ADVOGADO : MARCO AURELIO MAGALHÃES JUNIOR
: EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI
APELANTE : EDISON ALVES CRUZ reu preso
ADVOGADO : EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI e outro
APELADO : AFONSO JOSE PENTEADO AGUIAR
ADVOGADO : ARTUR TOPGIAN e outro
APELADO : EDUARDO ROBERTO PEIXOTO
ADVOGADO : EDUARDO RODRIGUES DE CAMPOS e outro
APELADO : OS MESMOS

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONCUSSÃO. ART. 316 DO CP. INÉPCIA DA INICIAL NÃO CARACTERIZADA. DESNECESSIDADE DE APLICAÇÃO DO RITO DO ART. 514 DO CPP. LEGALIDADE DA PRORROGAÇÃO DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO VISLUMBRADO. ORDEM DOS DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DA CONCUSSÃO COMPROVADOS. CRIME DE QUADRILHA NÃO CONFIGURADO. PENA-BASE MANTIDA. SÚMULA 444 DO STJ. MAUS ANTECEDENTES NÃO CONFIGURADOS. CONTINUIDADE DELITIVA NÃO VERIFICADA. CONCURSO MATERIAL. PENA DE MULTA READEQUADA. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO, NEGANDO-SE PROVIMENTO AO APELOS DA DEFESA.
1. A denúncia preencheu satisfatoriamente os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, contendo a exposição do fato criminoso, suas circunstâncias, a qualificação do agente e a classificação do crime, descabendo falar-se em inépcia da exordial.
2. A não observância do rito previsto no artigo 514 do Código de Processo Penal não caracteriza cerceamento de defesa, já que os autos foram instaurados com base em inquérito policial, a teor da Súmula 330 do STJ
3. Interceptações telefônicas devidamente autorizadas pela autoridade judicial competente, em decisões fundamentadas, para angariar provas em investigação criminal no âmbito da "Operação Avalanche", realçando a existência de razoáveis indícios de autoria e participação dos acusados em crime apenado com reclusão, obedecendo aos preceitos constitucionais e aos ditames previstos na lei 9.296/96, sendo pacífico na doutrina e na jurisprudência a admissibilidade de sucessivas prorrogações.
4. Pedido de expedição de ofício à Superintendência da Polícia Federal em São Paulo para prestar esclarecimentos acerca de suposta carta e CD contendo gravação ambiental não comportava deferimento, vez que há laudo referente à gravação efetuada.
5. Não configurada a nulidade nos depoimentos testemunhais por violação ao artigo 212 do Código de Processo Penal, pois permite-se a continuidade na ordem anterior anterior de inquirição de testemunhas, começando pelo magistrado e findando com as perguntas diretas das partes, como ocorrido nos autos.
6.Materialidade delitiva, autoria de três réus e dolo na concussão amplamente comprovado através do conjunto probatório, notadamente por monitoramento telefônico, vigilância e escuta ambiental, todos autorizados judicialmente, depoimentos da testemunha do Juízo e da vítima e prova pericial realizada nos computadores dos réus.
7. Manutenção da absolvição do corréu Eduardo por ausência de dolo, não sendo demonstrado que tinha conhecimento de que as informações que repassava seriam utilizadas para o cometimento de crime.
8. Mantém-se a absolvição pelo crime de quadrilha por ausência do número de agentes e de demonstração que a associação se destinava à prática de mais de um crime.
9. Acrescida a pena de dois dos réus por conta do reconhecimento da agravante prevista no artigo 62, I do Código Penal em 1/5 (um quinto), por coordenarem as atividades do grupo, dirigindo as atividades de AFONSO, orientando-o na coleta de informações sigilosas que seriam posteriormente utilizadas na prática do crime de concussão.
10. Inocorrência de continuidade delitiva, já que os dois crimes foram separados por intervalo de aproximadamente um ano e meio, inviabilizando a aplicação do art. 71 do CP.
11. Observando os critérios adotados para a fixação da pena corporal, a pena de multa foi readequada, de ofício, para 30 (trinta) dias-multa.
12. Rejeitadas as preliminares e negado provimento aos recursos da defesa, dá-se parcial provimento ao apelo ministerial para fazer incidir a agravante do artigo 62, I do Código Penal aos réus FRANCISCO PELLICEL JUNIOR e EDISOM ALVES CRUZ, adequar a pena de multa ao patamar utilizado na fixação da pena privativa de liberdade e condenar o réu AFONSO JOSÉ PENTEADO AGUIAR como incurso no artigo 316, c.c. artigo 29, ambos do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos de reclusão em regime aberto e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de ½ (meio) salário mínimo, sendo substituída por restritiva de direitos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares, negar provimento aos recursos da defesa e dar parcial provimento ao apelo ministerial para: a) fazer incidir a agravante prevista no artigo 62, I do Código Penal aos réus FRANCISCO PELLICEL JUNIOR e EDISOM ALVES CRUZ, em 1/5 (um quinto), tornando definitiva suas penas em 12 (doze) anos de reclusão, em regime fechado; b) de ofício, adequar a pena de multa dos réus FRANCISCO PELLICEL JUNIOR e EDISOM ALVES CRUZ ao patamar utilizado na fixação da pena privativa de liberdade, resultando em 30 (trinta) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo; c) condenar o réu AFONSO JOSÉ PENTEADO AGUIAR como incurso no artigo 316, c.c. artigo 29, ambos do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos de reclusão em regime aberto e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de ½ (meio) salário mínimo, substituindo a reprimenda corporal por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo ao mês, pelo tempo da pena substituída, a entidade com fins assistenciais indicada pelo Juízo da execução, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 28 de agosto de 2012.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014315-17.2008.4.03.6181/SP
2008.61.81.014315-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
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APELANTE : FRANCISCO PELLICEL JUNIOR
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: EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI
APELANTE : EDISON ALVES CRUZ reu preso
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ADVOGADO : EDUARDO RODRIGUES DE CAMPOS e outro
APELADO : OS MESMOS

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e pelos réus FRANCSICO PELLICEL JUNIOR e EDISOM ALVES CRUZ contra a sentença que os condenou pela prática do crime descrito no artigo 316, "caput", c.c. os artigos 29 e 69 do Código Penal.

De acordo com a denúncia os acusados, de forma consciente e voluntária, reiteradamente, a partir de 20 de dezembro de 2007, em unidade de desígnios, previamente ajustados, e por duas vezes, exigiram para si vantagem indevida, consistente em quantia em dinheiro de Farnésio Flávio de Carvalho, por meio da advogada da vítima Eliane Campos Bottos, em razão das respectivas funções de agente da Polícia Federal e de investigador da Polícia Civil, respectivamente.

Narra ainda a inicial que em data anterior os denunciados associaram-se, de forma estável e permanente, com a finalidade de cometer crimes, mais precisamente o de concussão contra empresários.

Conforme trazido pela exordial, verbis:

"Restou apurado, que no dia 20/12/2007, os policiais Pellicel e Edisom disseram à Eliane que possuíam informações fiscais sigilosas, obtidas na Receita Federal, contra seu cliente Farnézio, podendo iniciar uma investigação no âmbito da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros (DELEFIN) da Superintendência de São Paulo da Polícia Federal.
Dessa forma, Pellicel e Edisom exigiram US$2 milhões para que não dessem prosseguimento à investigação, aumentando tal exigência, posteriormente, para US$3 milhões.
Ainda, em 13/06/2008, Edisom procurou novamente Eliane e, sabendo da apreensão de mercadorias de Farnézio no Porto de Santos, disse que ajudaria por US$2 milhões, usando o verbo "ajudar" como eufemismo para a exigência indevida do valor.
Os valores não foram pagos, pois Farnézio disse à sua advogada Eliane que não cederia e, portanto, não pagaria o exigido indevidamente.
(...)
Afonso, empresário e corretor em importação e exportação na região do Braz (...) apontou a vítima Farnézio para que Pellicel e Edisom viessem a exigir a vantagem indevida, fornecendo ainda informações sobre sua rotina e de seus negócio.
Eduardo Roberto Peixoto, empresário do setor de exportação, (...) obteve ilicitamente informações fiscais sigilosas referentes a Farnézio, por meio de contatos dentro da Receita Federal de Vitória, permitindo que fossem utilizados por Pellicel e Edisom em sua exigência indevida."

A denúncia foi recebida em 29 de outubro de 2008 (fls.53/55).

Após regular instrução, sobreveio sentença (fls.1582/1634) que julgou parcialmente procedente a ação para:

a) absolver os réus Afonso José Penteado Aguiar e Eduardo Roberto Peixoto com fulcro no artigo 386, VI do Código de Processo Penal;

b) condenar Francisco Pellicel Junior e Edisom Alves Cruz à pena de 10 (dez) anos de reclusão em regime fechado e 180 (cento e oitenta) dias-multa, no mínimo legal;

c) absolver todos os réus da acusação da prática do crime previsto no artigo 288 do Código Penal, com base no artigo 386, II do Código de Processo Penal.

O Parquet Federal se insurge contra a sentença (fls. 1745/1811), postulando:

a) a condenação de Afonso José Penteado Aguiar e Eduardo Roberto Peixoto pelo crime previsto no artigo 316 do Código Penal;

b) a condenação de todos os réus pelo crime de quadrilha ou bando;

c) a majoração da pena do réu Francisco Pellicel Junior para 06 (seis) anos de reclusão e 180 (cento e oitenta) dias-multa em relação ao primeiro crime de concussão e 06 (seis) anos e 06 (seis) meses e 200 (duzentos) dias-multa pelo segundo, sendo cada dia-multa no valor de 02 (dois) salários mínimos;

d) a majoração da pena do réu Edisom Alves Cruz para 06 (seis) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 200 (duzentos) dias-multa em relação ao primeiro crime de concussão e 07 (sete) anos e 220 (duzentos e vinte) dias-multa pelo segundo, sendo cada dia-multa no valor de 02 (dois) salários mínimos.

Os réus apresentam contrarrazões (fls. 1905/1916, 1940/1947, 2069/2095 e 2097/2111) a fim de que seja negado provimento ao recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal.

Inconformados, apelam também os denunciados.

Edisom Alves Cruz (fls.2204/2310) postula o reconhecimento da nulidade processual em decorrência da inépcia formal da denúncia, que não descreveu, de forma pormenorizada, a conduta dos réus, generalizando-as; violação ao contraditório e à ampla defesa por inobservância ao artigo 514 do Código de Processo Penal; ausência de fundamentação nas decisões de interceptação telefônica e não observância do artigo 5º da lei 9.296/96; nulidade quanto à fixação da pena por violação ao artigo 59 do Código Penal e aos princípios da proporcionalidade e individualização da pena; nulidade das provas ilícitas por derivação; quanto ao mérito, absolvição por ausência de provas quanto à materialidade, havendo contradições na prova oral; atipicidade da conduta; ausência do elemento subjetivo; subsidiariamente, fixação da pena-base no patamar mínimo; afastamento do concurso material, aplicando-se a figura do crime continuado; substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito e regime aberto.

Francisco Pellicel Junior (fls.2491/2591) requer o reconhecimento da nulidade:

a) por inépcia da denúncia;

b) violação ao artigo 514 do Código de Processo Penal;

c) cerceamento de defesa, violação ao contraditório por indeferimento de diligências;

d) dos depoimentos das testemunhas de acusação e do Juízo por violação ao artigo 212 do Código de Processo Penal;

e) da sentença por ofensa ao artigo 59 do Código Penal, aos princípios da proporcionalidade e individualização da pena e ausência de fundamentação;

f) ilicitude e inconstitucionalidade das interceptações telefônicas e provas derivadas por ausência de fundamentação e inobservância ao artigo 5º da lei 9296/96;

Quanto ao mérito, postula sua absolvição por falta de prova idônea quanto à materialidade e autoria e atipicidade da conduta. Subsidiariamente, pugna pela redução da pena ao patamar mínimo, afastamento do concurso material, substituição por restritivas de direito e fixação do regime aberto.

Contra-razões e parecer da Procuradoria Regional da República (fls.2593/2628), em peça única, em prol de serem desprovidos os recursos dos réus.

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República, em seu parecer, opinou pelo desprovimento dos recursos interpostos pelos réus e pelo provimento do apelo ministerial (fls.2593/2628).

É o relatório.

À revisão.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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Data e Hora: 11/05/2012 16:01:39



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014315-17.2008.4.03.6181/SP
2008.61.81.014315-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : FRANCISCO PELLICEL JUNIOR
ADVOGADO : MARCO AURELIO MAGALHÃES JUNIOR
: EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI
APELANTE : EDISON ALVES CRUZ reu preso
ADVOGADO : EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI e outro
APELADO : AFONSO JOSE PENTEADO AGUIAR
ADVOGADO : ARTUR TOPGIAN e outro
APELADO : EDUARDO ROBERTO PEIXOTO
ADVOGADO : EDUARDO RODRIGUES DE CAMPOS e outro
APELADO : OS MESMOS

VOTO

O Exmo. Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI:

Os recursos da defesa não prosperam. Já o apelo ministerial comporta parcial provimento.

1. Das preliminares argüidas pelos réus.

1.1 Da inépcia da inicial.

Rejeito a argüição feita pela defesa dos apelantes ao argumento de que a peça não individualizou as condutas nem estabeleceu um vínculo com o delito imputado.

Os fatos descritos na denúncia evidenciam a ocorrência de fato típico, qual seja, a exigência, em razão da função, por parte de policias, de vantagem indevida, consistente em elevada quantia em dinheiro, de empresário vítima da concussão. A acusação encontra suporte probatório no procedimento de quebra de sigilo nº 2007.61.81.008500-4.

A exordial descreveu criteriosamente a conduta de cada corréu na prática delitiva, descrevendo a participação de cada um no esquema criminoso, razão pela qual não há que se falar em generalização das condutas.

Descabe falar-se em inépcia da inicial, eis que os requisitos para que a denúncia seja recebida são a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, ambos bem delineados nos autos.

Demonstrados indícios suficientes de autoria e da materialidade delitiva, não há que se falar em inépcia da denúncia, falta de justa causa ou em nulidade da ação penal, eis que a denúncia preencheu satisfatoriamente os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, contendo a exposição do fato criminoso, suas circunstâncias, a qualificação dos agentes e a classificação do crime.

1.2 Do rito previsto no artigo 514 do Código de Processo Penal.

Alega a defesa que houve nulidade processual ante o cerceamento de defesa pela não observância do rito previsto no artigo 514 do Código de Processo Penal.

Tendo em vista que os autos foram instaurados com base em inquérito policial, não há a necessidade de se seguir o procedimento estabelecido no artigo em comento, tratando-se de mera irregularidade. Sua observância, a fim de possibilitar que os réus se defendam, seria imperiosa caso a denúncia se valesse apenas de procedimento administrativo, o que não ocorre nos autos.

Nesse sentido, a Súmula 330 do STJ versa sobre o caso em questão, sedimentando-o:

"É desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito policial"

Ante o exposto, rejeito a preliminar argüida.

1.3 Da ausência de fundamentação nas decisões de interceptação telefônica e da não observância ao artigo 5º da lei 9.296/96.

Dos autos do procedimento nº 2007.61.81.008500-4, em anexo, observa-se que todas as interceptações telefônicas foram devidamente autorizadas pela autoridade judicial competente, em decisões fundamentadas, para angariar provas em investigação criminal no âmbito da "Operação Avalanche", realçando a existência de razoáveis indícios de autoria ou participação dos acusados em crime apenado com reclusão, obedecendo aos preceitos constitucionais e aos ditames previstos na lei 9.296/96.

No tocante à alegação de ilegalidade das interceptações telefônicas decorrente de sucessivas prorrogações, também não procede.

Prevê o artigo 5º da lei 9.296/96:

Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

Pacífico é na doutrina e na jurisprudência que a interceptação telefônica pode ser prorrogada enquanto útil à colheita da prova, especialmente em casos complexos como o tratado nos presentes autos.

No sentido da admissibilidade de sucessivas prorrogações e da desnecessidade de transcrição integral dos diálogos, os Tribunais Superiores já consolidaram entendimento:

"Recurso Ordinário em Habeas Corpus. 1. Crimes previstos nos arts. 12, caput, c/c o 18, II, da Lei nº 6.368/1976. 2. Alegações: a) ilegalidade no deferimento da autorização da interceptação por 30 dias consecutivos; e b) nulidade das provas, contaminadas pela escuta deferida por 30 dias consecutivos. 3. No caso concreto, a interceptação telefônica foi autorizada pela autoridade judiciária, com observância das exigências de fundamentação previstas no artigo 5º da Lei nº 9.296/1996. Ocorre, porém, que o prazo determinado pela autoridade judicial foi superior ao estabelecido nesse dispositivo, a saber: 15 (quinze) dias . 4. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento segundo o qual as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas desde que devidamente fundamentadas pelo juízo competente quanto à necessidade para o prosseguimento das investigações. Precedentes: HC nº 83.5 15 /RS, Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, maioria, DJ de 04.03.2005; e HC nº 84.301/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, unanimidade, DJ de 24.03.2006. 5. Ainda que fosse reconhecida a ilicitude das provas, os elementos colhidos nas primeiras interceptações telefônicas realizadas foram válidos e, em conjunto com os demais dados colhidos dos autos, foram suficientes para lastrear a persecução penal. Na origem, apontaram-se outros elementos que não somente a interceptação telefônica havida no período indicado que respaldaram a denúncia, a saber: a materialidade delitiva foi associada ao fato da apreensão da substância entorpecente; e a apreensão das substâncias e a prisão em flagrante dos acusados foram devidamente acompanhadas por testemunhas. 6. Recurso desprovido" (STF, RHC 88371/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU 02.02.07).
"PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA . DEFERIMENTO DA MEDIDA E PRORROGAÇÕES DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS. LEGALIDADE DA MEDIDA. INDISPENSABILIDADE DA MEDIDA
DEMONSTRADA. DEGRAVAÇÃO INTEGRAL. DESNECESSIDADE. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. ESCUTA REALIZADA FORA DO PERÍODO DE MONITORAMENTO. OCORRÊNCIA. DESENTRANHAMENTO. DESCONSIDERAÇÃO COMO MEIO DE PROVA. NULIDADE DAS PROVAS SEGUINTES. NÃO VERIFICAÇÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
I. Hipótese em que as decisões de deferimento de interceptação telefônica e de prorrogação da medida encontram-se adequadamente fundamentadas, eis que proferidas em acolhimento às postulações da autoridade policial necessárias para a continuidade das investigações em curso voltadas para a apuração da prática do delito de tráfico de entorpecentes.
II. "A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento segundo o qual as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas desde que devidamente fundamentadas pelo juízo competente quanto à necessidade para o prosseguimento das investigações" (STF, RHC 88371/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 02/02/07).
III. In casu, o monitoramento foi deferido nos exatos termos da Lei 9.296/2006, uma vez que, havendo indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal em delito punível com pena de reclusão , foi determinado pela Juíza a requerimento da autoridade policial, na investigação criminal, que representou no sentido da necessidade da medida.
IV. Entendimento jurisprudencial no sentido de que a averiguação da indispensabilidade da medida como meio de prova não pode ser apreciada na via do habeas corpus, diante da necessidade de dilação probatória que se faria necessária.
V. Desnecessidade de transcrição integral dos diálogos gravados durante a quebra do sigilo telefônico. Precedentes.
VI. Dada a regularidade da medida, tem-se como legítimas as diligências advindas das interceptações telefônica s realizadas, quais sejam, a prisão em flagrante e a busca e apreensão, bem como de todo o procedimento criminal, a sentença condenatória e a prisão do réu, eis que embasados em elementos de prova idôneos.
VII. Verificada a realização de escuta em data não incluída no período de monitoramento autorizado, a mesma deve ser excluída e desconsiderada como meio de prova, o que não representa a nulidade das provas seguintes que não derivaram desta escuta em particular, mas do primeiro deferimento, proferido em consonância com as disposições legais.
VIII. Ordem parcialmente concedida" (STJ, HC 126231 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp - DJE 22.11.10).

1.4 Do cerceamento de defesa pelo indeferimento de diligências.

Sustenta o réu FRANCISCO PELLICEL JUNIOR o cerceamento de defesa no indeferimento do quanto o pleiteado na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal, consistente na expedição de ofício à Superintendência da Polícia Federal em São Paulo para prestar esclarecimentos acerca de suposta carta e CD contendo gravação ambiental, entregues pela advogada da vítima à Polícia Federal. Alega que, embora tal diligência tenha sido deferida pelo Juízo monocrático, não foi respondida a contento, e deixou de ser reiterada, conforme requerido pela defesa.

Contudo, razão não lhe assiste.

O indeferimento da reiteração da prova pleiteada foi bem fundamentado pelo juízo a quo (fls.1093/1094), não merecendo reparos, consistindo a insistência em mera manobra protelatória, verbis:

"Quanto à perícia requerida no item 2.2, verifico que há laudo referente à gravação efetuada pela advogada Eliane Bottos às fls.3069/3094, volume 14, do autos nº 2007.61.81.008500-4.
Sendo assim, indefiro os requerimentos formulados pela defesa do acusado EDSON ALVES CRUZ".

1.5 Da nulidade dos depoimentos testemunhais.

Sustenta a defesa do réu FRANCISCO PELLICEL JUNIOR a ocorrência de nulidade nos depoimentos da testemunha de acusação, Farnésio Flávio de Carvalho, e do Juízo, Eliane Campos Bottos, por violação ao artigo 212 do Código de Processo Penal, que dispõe:

Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

Na nova sistemática trazida ao Código de Processo Penal, permite-se a continuidade da ordem de inquirição de testemunhas anterior, começando pelo magistrado e findando com as perguntas diretas das partes, como ocorrido nos autos.

Constata-se, portanto, nos depoimentos testemunhais constantes dos autos, a perfeita observância das regras processuais. E, mesmo que assim não fosse, configuraria mera irregularidade, à míngua de qualquer prejuízo para a defesa, conforme preceitua o princípio pas de nullité sans grief.

2. Do mérito

Pleiteiam os réus a absolvição por falta de elementos que comprovem a autoria. Razão não lhes assiste, pois tanto a materialidade, quanto a autoria, bem como o dolo estão fartamente comprovada através do procedimento de quebra de sigilo nº 2007.61.81.008500-4, apensado aos autos.

Embora em seus interrogatórios os réus tenham negado a prática delitiva, as escutas telefônicas não deixam dúvidas de que PELLICEL, juntamente com EDISOM, fizeram exigências indevidas ao empresário Farnésio Flávio de Carvalho, proprietário da empresa Afil Importação e Exportação e Comércio Ltda.

A concussão é fato amplamente comprovado por meio do vasto conjunto probatório amealhado, consistente em monitoramento telefônico, vigilância e escuta ambiental, todos autorizados judicialmente, e depoimentos da testemunha do Juízo e da vítima.

A alegada atipicidade da conduta não prospera, eis que as condutas dos réus se subsumem perfeitamente ao tipo insculpido no artigo 316 do Código Penal, bastando para a configuração da concussão a exigência, por parte de servidor público, de vantagem indevida, ainda que fora da função ou antes de assumi-la.

Embora em seus interrogatórios os réus tenham dito que não se recordam de haver travado os diálogos interceptados, ou até mesmo neguem tê-los feito, tais contestações caem por terra com o levantamento realizado pelo Parquet Federal em sede de alegações finais, reproduzidas em seu parecer (fls.2607/2608):

"Embora Pellicel, à fl. 777, negue ter travado diálogo, em 21 de dezembro de 2007, às 14:57:55h, com o acusado Peixoto, certo é que cerca de uma hora antes da ligação contestada, trava diálogo com homem identificado como Josias, em que se identifica expressamente pelo nome.
Pellicel, ainda, negou ter travado os diálogos referentes ao dia 28 de dezembro de 2007, reproduzido em juízo (fl. 777). No entanto, na mesma data, às 11:02:45h, trava diálogo com Patrícia, a qual menciona expressamente seu nome.
(...) quarenta e nove minutos depois, Pellicel travou diálogo com mulher não identificada, na qual menciona expressamente a data de seu nascimento, 02 de junho de 1960, a fim de possibilitar transação bancária.
Pellicel negou, ainda, ter travado conversa, em 29 de janeiro de 2008, no período da manhã, com Edison e Peixoto (fls. 781/782).
No entanto, analisando o conteúdo das interceptações, verifica-se que, na mesma data, Pellicel trava diálogo com mulher não identificada, ás 13:03:04h, a qual o chama expressamente de "Pellicel".
(...)
O acusado Edison negou ter travado os diálogos (...)
Em diálogo de 21 de dezembro de 2007, Edison liga para a Delegacia de Polícia Civil, identificando-se pelo nome a afirmando ser investigador. Na ocasião, ao conversar com Jaime, fica claro que também é chamado por seu sobrenome, Negrão.
Posteriormente, em 16 de janeiro de 2008, às 15:13:11h, Edison trava diálogo com Dr. Ricardo, a respeito da empresa Homens de Preto, na qual, em seu interrogatório, afirmou trabalhar (f. 801). (...)
Ademais, no dia 05 de março de 2008, às 10:20:44h, ou seja, apenas dois minutos antes da ligação com Pellicel, Edison travou diálogo com homem não identificado, o qual o chama expressamente pelo nome.
No dia 05 de março, ainda, Edison conversa com Silas (...), identificando-se pelo nome (...)
No dia 13 de junho de 2008, Edison conversou com Eliane, tendo, em seu interrogatório, negado, ter travado tal diálogo (f. 802).
No entanto, às 17:05:20h, ou seja, apenas vinte minutos antes da ligação para Eliane, Edison trava conversa com mulher não identificada, no qual, ao perguntar se a interlocutora sabia com quem estava falando, essa diz, expressamente: "sei, é o Edison".

Ademais, a reunião feita em 20/12/2007 no escritório da advogada Eliane, cuja ocorrência foi negada pelos réus, está demonstrada não só pelo depoimento da testemunha (fl.715), como também pela gravação ambiental feita pela advogada, onde é tratado inclusive o valor a ser pago por Farnésio (fls.3069/3094, volume 14, do autos nº 2007.61.81.008500-4).

Além disso, perícia realizada nos computadores apreendidos nas residências de PELLICEL e EDISOM indicam que realizaram pesquisas sobre Farnésio e a presa Afil (laudos de fls.1.058/1085).

Quanto ao elemento subjetivo do tipo, ficou demonstrado pelo conjunto probatório que os réus agiram com o dolo exigido, consistente na vontade livre e consciente de se utilizarem da função pública para exigirem indevida vantagem do empresário Farnésio.

Portanto, perfeitamente caracterizados nos autos a autoria e a materialidade do delito, bem como o elemento subjetivo do tipo, de rigor a manutenção da sentença condenatória.

3. Dos réus Afonso e Eduardo

Quanto aos réus AFONSO JOSÉ PENTEADO AGUIAR e EDUARDO ROBERTO PEIXOTO, o decreto condenatório houve por bem absolvê-los por não entender demonstrado na instrução criminal que tivessem conhecimento da prática de concussão pelos policiais a quem forneciam as informações.

A própria sentença recorrida reconheçe autoria e materialidade atinente aos réus em apreço (fls.1616/1617):

"(...) no decorrer do procedimento de investigação, foram interceptados diálogos que demonstravam que Afonso e Eduardo forneciam informações a Francisco e Edisom.
Pelo conteúdo dos diálogos, pode-se perceber que tais informações se referiam á pessoa de Farnésio (no caso de Afonso) ou, ainda ás suas empresas e sua situação fiscal (no caso de Eduardo).
Iniciando por Afonso, foram interceptadas conversas travadas entre ele e Francisco (identificado como Paulo) ou Edisom (identificado pelo codinome Eduardo), nas quais é mencionada a pessoa da vítima, comumente identificada por uma alcunha, havendo nítido interesse dos interlocutores em saber onde aquela se encontrava e quando viria para São Paulo."

Contudo, entendeu que tais elementos seriam suficientes apenas para o recebimento da denúncia, não para embasar um decreto condenatório.

No tocante ao réu EDUARDO ROBERTO PEIXOTO, de fato não restou provado o elemento subjetivo do tipo, de que teria conhecimento que os policiais se utilizariam das informações obtidas sobre a situação da empresa no âmbito fiscal para extorquirem o empresário.

Já no que concerne ao réu AFONSO, verifica-se das escutas telefônicas que ele repassava informações relativas à localização e locomoção do empresário Farnésio, tendo inclusive aconselhado que EDISOM se encontrasse pessoalmente com a advogada da vítima, Eliane, a fim de pressionar a obtenção da vantagem ilícita (fl.2621 e verso).

Portanto, condeno o réu AFONSO JOSÉ PENTEADO AGUIAR como incurso no artigo 316, c.c. artigo 29, ambos do Código Penal pois, embora se trate de delito próprio, admite-se a participação de pessoa não qualificada funcionalmente. Nesse sentido: STJ, RHC 5.779, DJU 1º dez. 1997, p. 62818.

Passando à dosimetria, fixo a pena-base no mínimo legal, em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, por serem favoráveis ao réu as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, dada a ausência de elementos que indiquem a ciência acerca dos valores exigidos.

Ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes, bem como causa de aumento ou diminuição, torno definitiva a pena estipulada, em regime aberto.

Fixo o valor do dia-multa em ½ (meio) salário mínimo, com base na informação trazida pelo réu, por ocasião de seu interrogatório (fl.824), de angariar rendimento mensal entre três a cinco mil reais.

Presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal, substituo a reprimenda corporal por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo ao mês, pelo tempo da pena substituída, a entidade com fins assistenciais indicada pelo Juízo da execução.

4. Do crime de quadrilha.

Conforme se extrai dos autos, como bem decidido pela sentença recorrida, não restou bem delineada a prática do crime previsto no artigo 288 do Código Penal pelos réus.

Verifica-se que o grupo dividia as funções, sendo PELLICEL o responsável pela escolha da vítima e do valor a ser exigido, usando como elemento intimidador sua condição de policial federal e valendo-se das informações repassadas por AFONSO e PEIXOTO; EDISOM se encarregava de manter contato com a advogada da vítima, informando aos demais os resultados obtidos; AFONSO, utilizando-se das facilidades que o escritório de corretagem lhe proporcionava, fornecia informações relacionadas à localização da vítima; PEIXOTO, atuando como empresário no setor de exportação, obtinha de seus contatos no interior da Receita Federal de Vitória documentos de cunho fiscal, utilizados por PELLICEL e EDISOM para efetuar a extorsão.

A sentença recorrida absolveu os réus por conta da ausência do elemento subjetivo do tipo, pois ao absolver AFONSO e PEIXOTO estaria descaracterizado o crime plurissubjetivo por ausência de quatro sujeitos ativos.

Mesmo com a condenação do réu AFONSO, tal requisito não se encontra preenchido.

Ademais, não se vislumbra nos autos que a associação tenha se dado para o fim de cometimento de crimes, caracterizando mero concurso de agentes. Das escutas telefônicas não se pode inferir que visavam à extorsão de outros empresários, o que demandaria investigações mais aprofundadas.

Pelo exposto, mantenho a absolvição quanto ao crime de quadrilha.

5. Das penas.

Pleiteia a defesa de FRANCISCO PELLICEL JUNIOR e EDISOM ALVES CRUZ, bem como o Ministério Público Federal, o reparo da sentença no tocante às penas impostas, aquela a fixação no patamar mínimo e este a majoração.

Observo que bem fundamentada a dosimetria da pena privativa de liberdade dos réus, com fulcro no artigo 59 do Código Penal e em atenção aos princípios da proporcionalidade e individualização da pena, verbis:

"Em relação às circunstâncias judiciais (art. 59 do Código Penal), a culpabilidade deve ser considerada em grau acentuado, notadamente em razão da função pública que o agente exerce, de policial federal, sendo de se esperar que defendesse a ordem pública, combatendo o crime e não que se envolvesse na prática deste, tal com ocorreu.
O réu é culpável, já que tinha conhecimento do caráter ilícito do fato e condições de autodeterminação. Apresentava e apresenta sanidade mental que lhe permitia não realizar a conduta ilícita, sendo perfeitamente exigível que agisse de modo diverso. Não há nos autos qualquer prova da existência de causa excludente da mencionada culpabilidade.
Em relação aos antecedentes, não possui Francisco apontamentos a serem computados.
(...) verifico que a conduta social e a personalidade do acusado são extremamente reprováveis, já que se prevaleceu de sua função pública para articular a atividade criminosa por um período de vários meses.
Os motivos do crime são injustificáveis , merecendo maior reprovação, uma vez que fez uso do cargo que exerce para, com isso, intimidar as vítimas, tendo como objetivo principal o recebimento de dinheiro.
Não há circunstâncias, conseqüências ou comportamento da vítima diferenciados a serem considerados.
Em face do acima exposto, fixo a pana base privativa de liberdade para o crime em 5 (cinco) anos de reclusão."

Conforme se extrai da decisão recorrida, a pena-base dos réus foi acertadamente fixada acima de seu patamar mínimo, considerando a gravidade do delito perpetrado e a reprovabilidade da conduta dos denunciados que, cônscios de seu deveres como servidores públicos (policial civil e agente da polícia federal, respectivamente), se valeram de tal posição para exigirem, para si, vantagem indevida do empresário Franésio, na primeira vez no patamar de US$3.000.000,00 (três milhões de dólares) e, na segunda, no valor de US$2.000.000,00 (dois milhões de dólares).

Os acusados possuem personalidade distorcida e voltada para o crime, já que ao invés de coibi-lo imiscuíram-se com a criminalidade a que deveriam combater, buscando o lucro fácil.

Estas apontadas circunstâncias são desfavoráveis aos réus e revelam-se suficientes para justificar a pena-base acima do mínimo legal previsto em compatibilidade com os critérios legais, até para que sejam alcançados os fins da pena, a prevenção e a repressão.

Dessa forma, não prospera o pleito da defesa de ver reduzida a pena. Mas, considerando-se que a pena-base já levou considerável acréscimo, alcançando 5 (cinco) anos de reclusão, incabível a majoração pretendida pelo Ministério Público Federal.

Tampouco merece guarida o pleito ministerial de ver acrescida a pena-base por conta dos apontamentos constantes em desfavor do réu EDISOM.

Isto porque inoportuna, na primeira fase de fixação da pena, a consideração dos maus antecedentes do réu, por ser tecnicamente primário, não ostentando condenação com trânsito em julgado na data da prolação da sentença.

Com efeito, não é possível agravar a pena com alusão ao desajuste na personalidade e na conduta social do acusado se tal avaliação se funda no registro de ações penais e inquéritos em curso, como é o caso dos autos, visto que tal juízo choca-se com o princípio da presunção de inocência. Nessa linha, a Súmula 444 do STJ: "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base".

A avaliação da personalidade do acusado e também da sua conduta social devem estar assentadas em elementos idôneos e devidamente demonstrados nos autos, não servindo para tal fim os registros supracitados. Essa é jurisprudência pacífica do STJ: "A existência de inquéritos e ações em andamento não pode constituir fundamento para a valoração negativa dos antecedentes, da conduta social ou da personalidade do agente, em respeito ao princípio constitucional da presunção de não culpabilidade." (HC 130.235/RJ, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 29/06/2009).

Verifica-se, contudo, que PELLICEL e EDISOM coordenavam as atividades do grupo, dirigindo as atividades AFONSO, orientando-o na coleta de informações sigilosas que seriam posteriormente utilizadas na prática do crime de concussão.

Diante disso, na segunda fase da dosimetria deve incidir a agravante prevista no artigo 62, I do Código Penal em 1/5 (um quinto), alcançando 06 (seis) anos de reclusão.

Rechaço a ocorrência de continuidade delitiva, pois ausentes os requisitos que autorizam tal ficção legal, já que, como bem obtemperado pelo Parquet Federal, "os dois crimes foram separados por intervalo de aproximadamente um ano e meio, inviabilizando a aplicação do art. 71 do CP." (fl.2615-verso).

Assim, tendo em vista o concurso material ocorrido na prática dos delitos, estabeleço a pena definitiva em 12 (doze) anos de reclusão.

Observo, no entanto, que a pena pecuniária foi fixada em disparidade com os critérios adotados para a fixação da pena privativa de liberdade, em 90 (noventa) dias-multa. Readequando-a, de ofício, tem-se a pena-base estabelecida 3/2 acima do mínimo legal, atingindo 25 (vinte e cinco) dias-multa; acrescidos em 1/5 (um quinto), por conta da agravante prevista no artigo 62, I do Código Penal, resulta em 30 (trinta) dias-multa, mantido o valor unitário estipulado na sentença, ante a ausência de elementos que apontem para a situação financeira dos réus.

Mantenho o regime fechado, nos termos do artigo 33, §2º, "a" do Código Penal, bem como a impossibilidade de substituição da reprimenda por restritiva de direito, conforme preceitua o artigo 44, I do mesmo diploma legal.

Por estas razões, rejeito as preliminares, nego provimento aos recursos da defesa e dou parcial provimento ao apelo ministerial para:

a) fazer incidir a agravante prevista no artigo 62, I do Código Penal aos réus FRANCISCO PELLICEL JUNIOR e EDISOM ALVES CRUZ, em 1/5 (um quinto), tornando definitiva suas penas em 12 (doze) anos de reclusão, em regime fechado;

b) de ofício, adequar a pena de multa dos réus FRANCISCO PELLICEL JUNIOR e EDISOM ALVES CRUZ ao patamar utilizado na fixação da pena privativa de liberdade, resultando em 30 (trinta) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo;

c) condenar o réu AFONSO JOSÉ PENTEADO AGUIAR como incurso no artigo 316, c.c. artigo 29, ambos do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos de reclusão em regime aberto e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de ½ (meio) salário mínimo, substituindo a reprimenda corporal por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo ao mês, pelo tempo da pena substituída, a entidade com fins assistenciais indicada pelo Juízo da execução.

É o voto.

JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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