Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 09/03/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002956-41.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.002956-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
APELADO : IVO RAMOS
ADVOGADO : LUCIANA DANY SCARPITTA e outro
No. ORIG. : 00029564120064036181 5P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL - ART. 337- A, I, DO CÓDIGO PENAL - AUSÊNCIA DE DOLO NA CONDUTA -PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO - ESTADO DE NECESSIDADE - APLICABILIDADE -RECURSO IMPROVIDO
1.Os crimes contra a previdência social requerem existência de dolo, assim entendida a vontade deliberada de esconder, de subtrair da atenção do sujeito ativo os fatos jurídicos tributários.
2.Os elementos contidos neste processo não apontam, efetiva e cabalmente, para a existência do dolo na conduta do reú, para fins de sustentar decreto condenatório por crime de sonegação, impondo-se à absolvição da imputação, com fundamento no princípio do in dubio pro reo.
3.Há de se considerar a previsão do artigo 23, inciso I, do Código Penal, ou seja, não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, o que in casu, restou amplamente demonstrado pelas dificuldades financeiras enfrentadas pelo apelado, torna-se mister a absolvição.
4. Recurso Improvido. Decisão de primeiro grau mantida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação ministerial e manter intocável a sentença absolutória recorrida em todos os seus termos, nos termos do voto do relator. Sendo que a DES. FED.RAMZA TARTUCE acompanhou com redução de fundamento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 27 de fevereiro de 2012.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055
Nº de Série do Certificado: 47D97696E22F60E3
Data e Hora: 01/03/2012 19:15:19



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002956-41.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.002956-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
APELADO : IVO RAMOS
ADVOGADO : LUCIANA DANY SCARPITTA e outro
No. ORIG. : 00029564120064036181 5P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença constante às fls 485/486, proferida pelo MMº Juízo da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo que, julgando improcedente a denúncia, absolveu o réu Ivo Ramos da imputação pela prática de conduta prevista no artigo 337-A, I, do Código Penal, com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, fundamentado no princípio do in dubio pro reo, alicerçando na ausência de dolo na conduta do réu, para fins de sustentar decreto condenatório por crime de sonegação. O reú já havia sido absolvido sumariamente da imputação prevista no artigo 168-A, do Código Penal.

No que tange a imputação do artigo 337-A, consta da denúncia que: "Na mesma condição, o acusado omitiu (1) em GFIP, remuneração pagas a Diretores e Autônomos, lançadas em sua contabilidade, de 01/2000 a 01/2001; (2) em GFIP, valores pagos a autônomos, no período de 02/2000 a 04/2002, lançados em contabilidade até 12/2001; (3) parte da Folha de Pagamento dos empregados no período de 03 e 04/2002; e (4) todos os fatos geradores referentes à Folha de Pagamento e Pro Labore no período de 05/2002 a 05/2003. Em razão disso, foi lavrada a NFLD Nº 35.468.812-0 (fls 45/139), no montante de R$ 2.759.205,35 (dois milhões, setecentos e cinquenta e nove mil, duzentos e cinco reais e trinta e cinco centavos) atualizados até 02/2009 " (Sic, fls 132/133).

A sentença foi publicada em 27 de junho de 2011 (fls 487).

Irresignado, o Ministério Público Federal argui pela consumação do tipo previsto no art. 337-A, I, do Código Penal, por entender demonstrada a autoria e o dolo, pois caracterizado na omissão dos eventos ensejadores do fato gerador nos períodos: valores pagos a autônomos de 02/2000 a 04/2002, após 12/2001; parte da folha de pagamento dos empregados em 03 e 04/2002; todos os fatos geradores referantes à folha de pagamento e pro labore no período 05/2002 a 05/2003. A apelação está às fls 488/497.

O ora recorrido Ivo Ramos apresentou as contrarrazões fls 502/507, postulando pelo improvimento da apelação e a manutenção da sentença recorrida em todos os seus termos.

A Procuradoria Regional da República, em parecer de fls. 511/513, opinou pelo improvimento do recurso de apelação ministerial e a irretocável conservação da sentença.


É o relatório

Feito sujeito à revisão.



LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055
Nº de Série do Certificado: 47D97696E22F60E3
Data e Hora: 30/01/2012 16:47:29



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002956-41.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.002956-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
APELADO : IVO RAMOS
ADVOGADO : LUCIANA DANY SCARPITTA e outro
No. ORIG. : 00029564120064036181 5P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O Ministério Público Federal denunciou Ivo Ramos como incursos no art. 168-A e art. 337-A, I, c/c art. 71, todos do Código Penal.

A peça acusatória narra que o acusado, na qualidade de diretor superintendente da empresa "INDÚSTRIA PLÁSTICA RAMOS S.A", CNPJ nº61.244.950/0001-56, deixou de recolher os valores referentes às contribuições sociais devidas à Previdência Social descontadas dos pagamentos efetuados aos seus empregados (no período de jan/00 a mai/03, inclusive as contribuições referentes ao décimo terceiro salário - fls 30/34), bem ainda os débitos referentes às contribuições referentes ao pagamento de diretores, relativas ao período de jan/00 a jan/01 e dos autônomos, para o período de fev/00 a abr/02.

Ainda segundo a denúncia o acusado deixou de informar em Guia GFIP: 1) remuneração pagas a diretores e autonômos no período de 01/2000 a 01/2001, lançadas em sua contabilidade, de 01/2000 a 01/2001; 2) em GFIP, valores pagos a autônomos, no período de 02/2000 a 04/2002, lançados em contabilidade até 12/2001; 3) parte da Folha de Pagamento dos empregados no período de 03 e 04/2002; e 4) todos os fatos geradores referentes à folha de Pagamento e Pro Labore no período de 05/2002 a 05/2003. em razão disso, foi lavrada a NFLD nº 35.468.812-0 (fls 45/139), no montante de R$ 2.759.205,35 (dois milhões, setecentos e cinquenta e nove mil, duzentos e cinco reais e trinta e cinco centavos) atualizados até 02/2009" (Sic, fls 132/133).

O acusado apresentou a defesa prévia (fls 163/167), e juntou documentos (fls 168/414), sustentando que a empresa opera desde a década de 50, sempre cumprindo rigorosamente com suas obrigações fiscais, exceto na última década, quando em razão da forte concorrência de empresas estrangeiras e importações advindas da China, viu-se em grave situação financeira, que culminou em concordata e posteriormente em falência da empresa. Afirmou da atipicidade da conduta do denunciado, visto que não teve o ânimo de apropriar-se dos valores que deixou de recolher à previdência social.

A decisão a fls. 419/420 absolveu sumariamente o acusado em relação ao crime previsto no art. 168-A, por reputar tratar de hipótese de inexigibilidade de conduta adversa em razão da difícil situação financeira da empresa no período que antecedeu à concordata e confirmou o recebimento da denúncia em relação ao delito previsto no artigo 337-A, inciso I, do Código Penal.

O prejuízo causado ao INSS de que trata os presentes autos refere-se à NFLD nº. 35.468.812-0, cujo valor atualizado até fevereiro de 2009 consiste em R$ 2.759.205, 35 (dois milhões, setecentos e cinquenta e nove mil, duzentos e cinco reais e trinta e cinco centavos).

Feitas essas ponderações, passo à análise das razões recursais.

A acusação requer a condenação apenas em relação a parte do período em que houve a sonegação.

O apelado confirma que a empresa "INDÚSTRIA PLÁSTICA RAMOS", nas últimas décadas, não suportou a invasão das empresas internacionais, com atuação mercadológica e preços sem qualquer controle do governo, o que a impediu de concorrer com as empresas externas, gerando enormes prejuízos.

É mister esclarecer que a omissão nas informações é indício de sonegação, entretanto, se tal indício, não se confirma perante outros elementos de prova, ocasiona uma frágil convicção de que o sujeito agiu com animo de lesar o fisco, imprescindível se torna a absolvição.

Com efeito, os autos retratam hipótese de turbulência na gestão da empresa, tanto que, teve que enfrentar uma concordata convolada em falência, inúmeras reclamações trabalhistas, ações de despejo por falta de pagamento, a perda de todos imóveis - com exceção de moradia, arrecadação de todos os maquinários da empresa, ações de sindicato e trabalhistas individuais, tudo a motivar o seu encerramento, sendo precisamente este o motivo de o apelado não ter condições financeiras de saldar os valores, uma vez que priorizou o pagamento dos créditos trabalhistas, de cunho social e alimentar, que fez questão de adimplir.

Ora, dentre os elementos que compõem o crime, é imprescíndivel a análise da culpabilidade como fator de integração entre o fato típico e antijurídico e o agente do ato ilícito.Mesmo que o fato esteja tipificado em lei e seja antijurídico, se ausente a culpa em sentido lato, na conduta do agente, não haverá punibilidade.

Além disso, há de se considerar a previsão do artigo 23, inciso I, do Código Penal, ou seja, não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, o que in casu, restou amplamente demonstrado pelas dificuldades financeiras enfrentadas pelo apelado e ausência de dolo.

Ademais, somando os depoimentos prestados pelas testemunhas durante a instrução processual, restou comprovado que, o ora apelado é pessoa cumpridora de suas obrigações, e foi, tão somente, vítima da sucessão de fatos ocorridos aquela época.

Conforme denota dos autos, é evidente a situação extremante precaria do réu, isto é, não houve qualquer outra alternativa socialmente menos danosa que não a falta do não-recolhimento do tributo devido. É o caso, por exemplo, de o valor ter sido utilizado para a pagamento de salários dos empregados, não havendo outros recursos disponíveis. Nessa situação, se o pagamento tributário for o único meio de que dispõe o agente para saldar os salários dos empregados, entende-se que não seria exigível a protagonização de outra conduta, pois esta alternativa acarretaria um resultado socialmente ainda mais danoso.

Como se sabe, a configuração dessa particular condição há de ser aferida pelo julgador, caso a caso - conforme um critério de razoabilidade -, de acordo com os fatos concretos narrados nos autos, cabendo a quem alega tal condição o ônus da prova, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. Deve o julgador, se atentar a outro elemento indispensável a ilucidação do caso, trata-se do comportamento moralmente aceitável, pois avalia-se a boa-fé como requisito fundamental para que se confira o conteúdo ético a tal comportamento.

"...os crimes contra a previdência social requerem existência de dolo, assim entendida a vontade deliberada de esconder, de subtrair da atenção do sujeito ativo os fatos jurídicos tributários. Por isso, aquele que não recolhe a contribuição descontada pode não estar sujeito à penalidade se mantém registros e assentamentos adequados e informa ou confessa o débito ao sujeito ativo, pela simples razão de que essa conduta é incompatível com o dolo que a figura penal requer. Logo, o propósito da lei é atingir aquele que, mediante fraude, frustra o cumprimento da obrigação tributária e não aquele que passa por agruras financeiras. Por isso, só haverá crime contra a previdência social se houver dolo comprovado e não meramente presumido." (ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Direito Penal Tributário. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1997, págs. 64-66)

É de se perceber, destarte, que a exclusão de culpabilidade só se configura em casos excepcionais e, no caso em tela, ela foi reconhecida para a apropriação indébita previdenciária. Aliás denota que a empresa adentrou com o apelo de concordata em 1999, contudo, não conseguiu guerrear com fornecedores estrangeiros, o que levou à falência em 2005. Existiu escrituração contábil até dezembro/2001 e as reclamações trabalhistas ajuizadas confirmam que os empregados foram demitidos 2002 e 2003 (fls 231/241, 245/254). A empresa alienou à Ford Motor Company Brasil Ltda, em 05/12/2002, sua "célula de manufatura do conjunto de tampas de válvulas dos motores Ford" (fls 382/387) e também deu em pagamento um imóvel na Lapa para quitar as obrigações trabalhistas (fls 218/221 e 402), corroborando que realmente existiam dificuldades financeiras intransponíveis à época em que houve omissão na folha de pagamento.

"(...)Como diz Goldshmidt, o reconhecimento de causas supralegais de exclusão da culpabilidade decorre do conceito fundamental de que há motivos que a ordem jurídica deve reconhecer como superiores para um homem médio, ao motivo do dever, causas que resultam da motivação anormal, tipicamente da motivação por necessidade. Goldschmidt, Normativer Schulbergriff, págs, 446 e 452.

Deste modo, comprovada a situação de penúria enfrentada pela empresa, a evasão tributária se tornou o único meio do agente para pagar os salários dos empregados, devendo-se reconhecer que não seria exigível uma conduta diversa, pois esta acarretaria um resultado muito mais danoso.

Por derradeiro, os elementos contidos neste processo não apontam, efetiva e cabalmente, para a existência do dolo na conduta do réu, para fins de sustentar decreto condenatório por crime de sonegação fiscal, não havendo outra solução senão absolvê-lo da imputação, com fundamento no in dubio pro reo, que tem por base o princípio constitucional da presunção de inocência, segundo o qual o réu deverá ser absolvido quando a acusação não tenha logrado provar, de forma inequívoca, a participação do agente do delito.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação ministerial e mantenho intocável a sentença absolutória recorrida em todos os seus termos.

É como voto.


LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055
Nº de Série do Certificado: 47D97696E22F60E3
Data e Hora: 01/03/2012 19:15:16