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VOTO CONDUTOR
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RELATOR ANTONIO CEDENHO:
Trata-se de recurso de Apelação Criminal interposto pelo Ministério Público Federal em face da r. sentença (fls. 194/197) que, julgando improcedente a denúncia, absolveu o réu Renes Cecílio Tavares da prática do crime tipificado no artigo 34, parágrafo único, inciso I, da Lei 9.605/98, com fundamento no artigo 386, VI, do Código de Processo Penal, ante a atipicidade de suas condutas face a aplicação do princípio da insignificância.
O recurso do Ministério Público Federal não merece prosperar.
O princípio da insignificância estabelece que o Direito Penal, pela adequação típica do fato à norma incriminadora, somente intervenha nos casos de lesão de certa gravidade, atestando a atipicidade penal nas hipóteses de delitos de lesão mínima, que ensejam resultado insignificante.
Na questão em foco, cumpre trazer à reflexão o argumento de Claus Roxin - teórico responsável pela sistematização jurídica do funcionalismo e pela ruptura da clássica definição de crime e da incumbência do direito penal -, segundo o qual é missão deste ramo do Direito a proteção de bens jurídicos relevantes, de forma subsidiária e fragmentária.
Ou seja, o direito penal só se presta à tutela dos bens jurídicos mais relevantes para a coexistência humana quando os demais ramos do Direito se mostram incapazes de tutelar eficazmente esses bens.
Visto assim, pode-se consignar que o direito penal é a ultima ratio do mecanismo de controle social das condutas humanas, que interferem na esfera jurídica estatal ou de particulares.
Nessa linha, Claus Roxin assevera que é desiderato do direito penal o arrimo subsidiário de bens jurídicos. Para o jurista alemão, este fato tem como consectário lógico a exclusão de imoralidades e das contravenções penais da esfera jurídica de proteção penal, o que reflete a fragmentariedade desse ramo do Direito.
O bem jurídico alvo de tutela pelo direito penal, dessa forma, é a "expressão de um interesse da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de certo estado, objeto ou bem em si mesmo socialmente relevante e, por isso, juridicamente reconhecido como valioso", consoante Jorge de Figueiredo Dias.
Não podemos nos afastar, por outro lado, da análise constitucional da proteção penal aos bens jurídicos relevantes, concluindo que devem ser estes vistos sempre em face à pacificação de conflitos e à autopreservação da coletividade e do Estado.
Visto está, portanto, que existem limites à consideração de um bem jurídico como capaz de receber a proteção do direito penal. Para que haja uma correta compreensão do bem jurídico no âmbito de um sistema, necessário é verificar se a este são conferidos "contornos mais públicos", aptos a se enquadrarem no "padrão crítico irrenunciável pelo qual se deve aferir a observância da função e, consequentemente, a legitimação do direito penal em cada caso concreto", de acordo com Ana Elisa Bechara.
Essa simples constatação, de validade bastante crível e pouco questionável, é o que justifica a (re)leitura da (de)limitação da área de tutela penal à luz do Direito Constitucional como fonte negativa à autoridade punitiva do Estado, mas, ao mesmo tempo, autoriza maior proteção do Estado, para garantir a preservação do próprio Estado Democrático de Direito; e em outros termos, é a preservação dos valores mais caros à comunidade humana que reclama a ampliação do sistema penal como expressão da proteção desses direitos, conforme aduz Eduardo Viana Portela Neves (em artigo denominado "A Atualidade" de EDWIN H. SUTHERLAND, publicado no compendio chamado de "INOVAÇÕES NO DIREITO PENAL ECONÔMICO - Contribuições Criminológicas, Político-Criminais e Dogmáticas", tendo como organizador Artur de Brito Gueiros Souza e editado pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), Brasília-DF, 2011, pág. 61).
Objetiva-se com isso um direito penal mínimo que atenda às indigências concretas da atuação do Estado.
Assim, a aplicação do castigo ao infrator é importante, mas só se justifica, de acordo com a leitura correta da teoria durkheiminiana, quando assentada no fato de que o comportamento possa realmente ser considerado criminoso caso debilite o valor universal das normas que regem o convívio social - ÉMILE DURKHEIM, "Da divisão do trabalho social", tradução de Carlos Alberto Ribeiro de Moura et. al. São Paulo: Abril Cultural, 1978, apud Eduardo Viana Portela Neves, op. cit., pág. 49).
Em função, portanto, da fragmentariedade e subsidiariedade presentes no direito penal que, inclusive, subsidiam a interpretação restritiva do tipo penal, a liberdade do acusado deve ser resguardada, porquanto a bem ver, não se verificaram motivos plausíveis, proporcionais e razoáveis a ensejarem a privação desse bem jurídico, mediante o exercício do jus puniendi estatal.
As referências bibliográficas havidas nesta digressão a respeito da fragmentariedade e subsidiariedade do direito penal encontram-se presentes no artigo de Tátilla Gomes Versiani, em "O Princípio da Insignificância como Expressão da Ética no Processo Penal", publicado na Revista Jurídica CONSULEX, ano XV - nº 347, 1º.07.2011, págs. 64/65.
Esse, aliás, é o pensamento do Supremo Tribunal Federal, prevalecente no sentido que, em sendo moderada a infração penal que tenha o condão de descaracterizar materialmente o tipo, impõe o trancamento da ação penal por falta de justa causa, inclusive em casos de crimes contra a Administração Pública (cf. HC nº 87.478-PA, Primeira Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJe 23.02.07; HC nº 92.634-PE, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármem Lúcia, DJe 15.02.08; e HC nº 104.286-SP, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 20.05.11). E, mais, HC nº 96.661/PR, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármem Lúcia, j. 23.06.09; AI nº 559.904-QO/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 07.06.05; HC nº 98.152/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 19.05.09, e ainda do mesmo Ministro, HC nº 84.412/SP, Segunda Turma, j. 19.10.04.
Outrossim, de igual modo, entende o jusfilósofo russo E. B. Pasukanis que não se pode restringir o Direito à norma:
É preciso consequentemente "levar em consideração realidades de fato. Se certas relações constituíram-se em concreto, isso significa que um direito correspondente nasceu; mas se uma lei ou decreto foram editados sem que nenhuma relação correspondente tenha aparecido, na prática, isto significa que foi feito um ensaio de criação de direito, mas sem nenhum sucesso." ("Teoria Geral do Direito e o Marxismo". Tradução Paulo Bessa. Rio de Janeiro: Renovar, 1989, págs. 57/58) .
Em relação ao delito em exame, para incidir a norma penal incriminadora é indispensável que a prática de atos de pesca em local interditado pelo órgão competente possa, efetivamente, atingir o bem jurídico protegido. Isto, todavia, não se verifica no caso concreto, em que o acusado teria pesca do apenas 02 kg (dois quilogramas) de peixes da espécie "piau". Nesse sentido, julgados do E. Superior Tribunal de Justiça, em casos de pesca de irrisória quantidade de espécimes:
Desta forma, é de rigor que seja mantida a decisão que julgou improcedente a denúncia e absolveu Renes Cecílio Tavares.
Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao recurso.
É o voto.
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D.E. Publicado em 01/02/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Des. Fed. Antonio Cedenho, acompanhado pelo voto da Juíza Fed. Conv. Louise Filgueiras. Vencido o Relator que dava provimento à apelação ministerial, a fim de condenar o acusado Renes Cecílio Tavares como incurso nas penas do artigo 34, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.605/1998, a 1 (um) ano de detenção, em regime inicial aberto, e a dez dias-multa, no valor unitário mínimo legal, substituída a pena privativa de liberdade por uma reprimenda restritiva de direitos. E, deixava de decretar a extinção da punibilidade do recorrido pela ocorrência da prescrição, ante a ausência de trânsito em julgado para o Ministério Público Federal.
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RELATÓRIO
Trata-se de recurso de Apelação Criminal interposto pelo Ministério Público Federal em face da r. sentença (fls. 194/197) que, julgando improcedente a denúncia, absolveu o réu Renes Cecílio Tavares da prática do crime tipificado no artigo 34, parágrafo único, inciso I, da Lei 9.605/98, com fundamento no artigo 386, VI, do Código de Processo Penal. Custas na forma da lei.
Inconformado, o Parquet Federal interpôs o recurso de apelação (fls. 200/210 e 219), sustentando que a autoria e a materialidade delitiva foram devidamente comprovadas. Insurge-se contra a aplicação do princípio da insignificância ao caso em apreço.
Aduz que o crime acima mencionado não constitui irrelevante penal, tendo em vista a complexidade de aferir a gravidade do dano ao ecossistema. Por fim, requer a condenação do réu.
Contrarrazões às fls. 222/227, pelo improvimento do recurso.
Parecer de lavra da ilustre representante ministerial, Dra. Geisa de Assis Rodrigues, opina pelo provimento do recurso de apelação, condenando o réu nos exatos termos da denúncia (fls. 229/235).
É o relatório.
Dispensada a revisão, na forma regimental.
VOTO
Merece provimento o recurso ministerial.
Segundo a denúncia, no dia 17 de maio de 2003, na Represa de Água Vermelha (rio federal), Município de Paulo de Faria/SP, o apelado foi surpreendido por policiais militares, atuando em fiscalização de rotina, com a captura, utilizando-se de uma vara de nylon, de 19 (dezenove) peixes conhecido popularmente como "piau", todos com tamanhos inferiores ao permitido pela lei, perfazendo o total de 2kg (dois quilos).
A materialidade delitiva restou efetivamente comprovada por meio do auto de infração ambiental de fl. 11, dando conta de ter sido apreendido na posse do acusado peixes com tamanhos inferiores ao permitido pela legislação.
A autoria, da mesma forma, é inconteste.
Com efeito, ao ser ouvido em juízo (fl. 132), o acusado confirmou os fatos narrados na denúncia, e admitiu que estava realmente pescando na represa de Água Vermelha. Afirmou, ainda, que foi abordado pelos policiais militares, sendo que estes apreenderam 19 peixes. Por fim, asseverou que os policiais lhe disseram que os peixes "estavam fora de medida". E, acrescentou ao seu depoimento "que supunha que a medida legal para a espécie conhecida por "piau" era de 15 centímetros".
Assim, demonstrada a materialidade e a autoria, no que se refere a alegação de erro de tipo - o réu aduziu supor que pescava peixes dentro da medida legal para a espécie -, tenho que improcedem os argumentos defensivos, porquanto o acusado era pescador profissional (cf. carteira profissional juntada às fls. 33), não havendo falar-se, assim, em desconhecimento das normas inerentes à sua profissão, circunstância que permite o reconhecimento do dolo em sua conduta.
No mais, quanto a questão referente à exclusão da tipicidade com base na insignificância dos danos ambientais gerados, da mesma forma, entendo improcedentes os argumentos esposados em primeiro grau.
E isso porque, em se tratando de infrações ambientais, ainda que determinada conduta, isoladamente, possa parecer inofensiva ao meio ambiente, é certo que, num contexto mais amplo, torna-se relevante, isto é, uma vez somada a todas as demais interferências humanas na natureza, o prejuízo global causado ao ecossistema por todas aquelas condutas isoladas, no conjunto, é evidente, devendo, assim, ser eficazmente prevenida e reprimida por normas administrativas, civis e, inclusive, penais.
Como se não bastasse, é certo que a Lei nº 9.605/98 prevê em seu bojo penas geralmente mais leves e que, por isso, possibilitam a aplicação de institutos despenalizadores, tais como a transação penal e a suspensão condicional do processo, a indicar que o princípio da insignificância somente pode ser aplicado em casos excepcionais, isto é, quando até mesmo a incidência daqueles institutos seja desnecessária à prevenção e repressão às condutas ilícitas causadoras da lesão ambiental.
Nesse sentido, Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas prelecionam que "o reconhecimento do princípio da insignificância deverá ser reservado para hipóteses excepcionais, principalmente pelo fato de que as penas previstas na Lei nº 9.605/98 são, na sua maioria, leves e admitem transação ou suspensão do processo (Lei 9.099/95, arts. 76 e 89). Em outras palavras, nos casos de menor relevância a própria lei dá a solução, ou seja, a composição entre o Ministério Público e o infrator, sendo esta a opção mais acertada. A propósito do tema, cumpre ressaltar que há uma tendência em rejeitar a alegação do princípio da insignificância (referindo-se o autor às questões ambientais, citando um acórdão da lavra do Desembargador Federal Tourinho Neto, do TRF da 1ª Região) ...".
Assim, levando-se em consideração o objeto jurídico tutelado pelas normas ambientais e, ainda, a possibilidade de aplicação ao seu infrator de institutos despenalizadores e eficazes, que, se bem aplicados e fiscalizados, maior retribuição trarão à sociedade e ao ecossistema equilibrado, entendo não ser o caso, em regra, de reconhecimento do princípio da insignificância em matéria ambiental.
Entendendo nessa mesma esteira, trago à colação os seguintes julgados:
No mais, ante todo o exposto nos autos, restaram comprovadas a autoria e materialidade do crime descrito na denúncia, sendo a condenação do apelado, medida de inteiro rigor.
Assim, na primeira fase, aplico a pena-base no mínimo legal, em um ano de detenção e dez dias-multa, no valor unitário mínimo legal, tendo em vista a primariedade, os bons antecedentes e o fato de as consequências do delito não terem sido de alta gravidade ao meio-ambiente.
Outrossim, ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes, assim como causas de aumento ou de diminuição, torno definitivas aquelas reprimendas.
Presentes os requisitos previstos no artigo 44, e § 2º, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade aplicada por uma reprimenda restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades pública, a ser fixada pelo Juízo da Execução Criminal.
Considerando a pena ora aplicada (um ano de detenção), seria o caso de reconhecer-se a prescrição retroativa.
Com efeito, referida reprimenda tem prazo prescricional de quatro anos, lapso temporal este ultrapassado entre a o recebimento da denúncia, em 11/03/2004 (fl. 60), até a presente data, já que a r. sentença absolutória não tem o condão de interromper a prescrição, que teria ocorrido, pois, em 10 de março de 2008.
Não obstante, desta decisão condenatória é cabível, ainda, ao menos em tese, recurso ministerial aos tribunais superiores, com possibilidade de majoração da pena ora aplicada, sendo possível, assim, a alteração do prazo prescricional.
Dessa forma, deixo de reconhecer a prescrição.
Ante todo o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação ministerial, a fim de condenar o acusado Renes Cecílio Tavares como incurso nas penas do artigo 34, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.605/998, a um ano de detenção, em regime inicial aberto, e a dez dias-multa, no valor unitário mínimo legal, substituída a pena privativa de liberdade por uma reprimenda restritiva de direito, nos termos supracitados.
Deixo de decretar a extinção da punibilidade do recorrido pela ocorrência da prescrição, ante a ausência de trânsito em julgado para o Ministério Público Federal.
É o voto.
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