D.E. Publicado em 10/05/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, reconhecer a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado com relação a Milton Pereira de Souza Martins e declarar extinta a sua punibilidade, com fulcro no artigo 107, IV, do Código Penal, e julgar prejudicada a apelação interposta pelo réu, negar provimento à apelação de Ludnea Rodrigues do Nascimento, e de ofício, afastar a continuidade delitiva, e reduzir a pena para 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, e reverter a prestação pecuniária em favor da União Federal.
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RELATÓRIO
A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR: Trata-se de Apelações Criminais interpostas por Ludnea Rodrigues do Nascimento e Milton Pereira de Souza Martins contra a r. sentença (fls. 311/319), proferida pelo MM. Juiz Federal da 3ª Vara Federal Criminal de Piracicaba, que condenou:
a) Ludnea à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 50 (cinquenta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito previsto no artigo 171, § 3º, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal;
b) Milton à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/10 (um décimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, como incurso nas sanções do delito descrito no artigo 297, § 4º, do Código Penal.
As penas privativas de liberdade de ambos os réus foram substituídas por 2 (duas) restritivas de direitos nas modalidades de prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, como segue (fl. 319):
"A prestação de serviços à comunidade consistirá na obrigação de os réus, pelo prazo da condenação, à razão de uma hora de tarefa por dia de pena, executar tarefas gratuitas em entidade pública do local de suas residências, a ser especificada quando da execução.
A prestação pecuniária consistirá na obrigação de os réus operarem a doação, em dinheiro, numa única vez, do valor equivalente, quanto à ré Ludnea Rodrigues do Nascimento, a (02) dois salários mínimos, e quanto ao réu Milton Pereira de Souza Martins, a (03) três salários mínimos, em prol de entidade assistencial sem fins lucrativos, mediante a respectiva prestação de contas, a ser indicada por ocasião da execução."
Nas razões de apelação (fls. 329/335), Milton pleiteia a absolvição, nos termos do artigo 386, V, do Código de Processo Penal, por não haver prova da sua participação na conduta delitiva que lhe foi atribuída, devendo ser aplicado o princípio in dubio pro reo.
Ludnea, por sua vez em suas razões de apelação (fls. 348/351), também pleiteia a absolvição, e alega, em síntese que:
a) a denúncia é inepta, pois sua conduta não configura o tipo penal do delito de estelionato, uma vez que não restou comprovada a utilização de artifício, ardil ou outro meio fraudulento;
b) esta configurado o erro de proibição, por ser pessoa simples, de baixa condição cultural e econômica, que desconhecia a ilicitude da conduta, o que afasta a culpabilidade;
c) ausência de dolo, como consequência do desconhecimento de que a conduta perpetrada configura crime;
d) demonstrou ter agido de boa-fé ao mover reclamação trabalhista contra Milton.
Nas contrarrazões (fls. 353/364), o Ministério Público Federal pugnou pela manutenção da sentença.
A Procuradoria Regional da República (fls. 367/369v.), por sua ilustre representante Dra. Mônica Nicida Garcia, opinou pela declaração da extinção da punibilidade de Milton Pereira de Souza Martins, em virtude da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado e pelo desprovimento do recurso interposto por Ludnea Rodrigues do Nascimento.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR: Ludnea Rodrigues do Nascimento e Milton Pereira de Souza Martins foram denunciados, respectivamente, como incursos nas sanções dos artigos 171, § 3º, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal e artigo 297, § 4º, do mesmo Diploma Legal.
Narra a denúncia (fls. 02/05):
"(...).
Consta do inquérito supra epigrafado que a denunciada LUDNEA trabalhou de fato na empresa 'Organização Alimentícia 1000Tinho LTDA ME', de propriedade do acusado MILTON, no período de 01 de março de 2002 a 08 de maio de 2003. Entretanto, o acusado MILTON, apesar de ter registrado corretamente a data de admissão de LUDNEA (01/03/2002), anotou como data de demissão o dia 30 de novembro de 2002 (fls. 36).
Em 11 de março de 2003, a acusada LUDNEA requereu perante o Ministério do Trabalho e Emprego o seguro-desemprego, declarando, sob as penas da lei, que havia sido dispensada há mais de 07 (sete) dias e que estava desempregada (fls. 75). Processado e deferido o requerimento, LUDNEA recebeu indevidamente 03 (três) parcelas de aludido benefício, no valor de R$ 278,40 (duzentos e setenta e oito reais) cada, em 15/04/2003, 12/05/2003 e 09/06/2003 (fls. 22/23 e 83).
Nesses termos, a acusada LUDNEA, não obstante trabalhando na empresa supracitada, percebeu os valores relativos ao benefício do seguro-desemprego, fato que, aliás, confirmou em seu depoimento prestado às fls. 50/51.
O denunciado MILTON, por sua vez, na qualidade de sócio e administrador da empresa em referência, deixou de registrar na carteira de trabalho e previdência social da acusada LUDNEA, o contrato de trabalho com ela mantido e as respectivas remunerações, no período de 01/12/2002 a 08/05/2003.
Ouvido às fls 18/19 e 59/60, MILTON reconheceu que o período acima foi omitido na CTPS da acusada, alegando que esta não lhe forneceu o documento para as anotações necessárias.
A par de todos os depoimentos colhidos em sede inquisitorial, o vínculo empregatício em questão restou reconhecido nos autos da reclamação trabalhista nº 2059/03-1, que tramitou perante a 1ª Vara da Justiça do Trabalho de Piracicaba/SP (fls. 05/08).
A materialidade delitiva vem estampada pelos comprovantes de pagamento de seguro-desemprego de fls. 22/23, documentos da mencionada reclamação trabalhista às fls. 31/47, 108/110 e 126/127, requerimento de seguro-desemprego e comprovantes do Ministério do Trabalho e Emprego às fls. 74/86 e cópias da CTPS às fls. 36 e 40.
Assim agindo, a denunciada LUDNEA, consciente e voluntariamente, obteve para si vantagem pecuniária indevida, causando prejuízo econômico ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, mantendo em erro o Ministério do Trabalho e Emprego, mediante meio fraudulento, ao afirmar falsamente que se encontrava desempregada quando do seu requerimento e ao omitir a sua condição de empregada quando da realização dos saques das parcelas do benefício.
Por sua vez, MILTON, consciente e voluntariamente, enquanto responsável pela pessoa jurídica empregadora, omitiu, na Carteira de Trabalho e Previdência Social de LUDNEA, a vigência e remuneração do contrato de trabalho com ela mantido no período de 01/12/2002 a 08/05/2003.
Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia:
a) MILTON DE SOUZA PEREIRA MARTINS, como incurso nas penas do artigo 297, § 4º, do Código Penal;
b) LUDNEA RODRIGUES DO NASCIMENTO, como incursa nas penas do artigo 171, § 3º, por três vezes, na forma do artigo 71, todos do Código Penal."
Examino, preliminarmente, matéria de ordem pública suscitada pela Procuradoria Regional da República, concernente à ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado quanto ao réu Milton Pereira de Souza Martins.
O acusado foi condenado à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos de reclusão e à falta de recurso da acusação regula-se o lapso prescricional nos termos do inciso V do artigo 109 do Código Penal. Do exame dos autos verifica-se que entre a omissão de informações relacionadas ao vínculo empregatício na Carteira de Trabalho da corré Ludnea, dezembro de 2002, e a data do recebimento da denúncia, 17 de janeiro de 2007, transcorreu o prazo prescricional de 4 (quatro) anos, razão pela qual acolho a preliminar de ocorrência da prescrição para declarar a extinção da punibilidade do apelante Milton Pereira de Souza Martins, com fulcro no artigo 107, IV, do Código Penal.
Resta, assim, prejudicada a apelação interposta pelo réu.
Passo à análise do recurso de Ludnea.
Alega a corré, preliminarmente, inépcia da denúncia. Sustenta a ausência de tipicidade da sua conduta, uma vez que não foi comprovada a utilização de artifício, ardil ou outro meio fraudulento, elemento do tipo penal descrito no artigo 171, § 3º, do Código Penal.
Por envolver a inépcia da denúncia matéria de mérito será examinada em conjunto com as demais alegações.
A materialidade delitiva restou evidenciada, conforme se depreende:
a) da cópia da Carteira de Trabalho e Previdência Social em nome de Ludnea, na qual foi registrado o vínculo empregatício com a Organização Alimentícia 1000Tinho Ltda. ME, no período de 1º.03.02 a 30.11.02 e o recebimento de três parcelas do benefício seguro-desemprego, entre 15.04.03 e 09.06.03 (fls. 42 e 46);
b) da cópia da peça exordial da Reclamação Trabalhista proposta pela acusada contra a referida empresa, na qual objetivava o reconhecimento do vínculo empregatício no período de dezembro de 2002 a maio de 2003 (fls. 43/45);
c) da cópia do termo de audiência e da sentença prolatada nos autos do Processo nº 2059/2003, da 1º Vara do Trabalho de Piracicaba, na qual foi reconhecida a continuidade da prestação laboral no período de 01.12.02 a 09.05.03, bem como o período estabilitário entre 09.05.01 e 06.12.03, por estar Ludnea grávida, à época dos fatos, assim como o recebimento indevido de quotas do benefício seguro-desemprego na constância do contrato de trabalho (fls. 11/14 e 47/53), como segue:
"DECIDO:
1 - Em depoimento pessoal (fl. 19), o representante legal da ré admitiu que imediatamente após a rescisão contratual ocorrida em novembro/02, a reclamante continuou trabalhando ininterruptamente. Resta patente, pois, que houve continuidade na prestação laboral de 01/12/2002 a 09/05/2003, revelando-se ÚNICO o contrato havido no interregno de 01/03/02 a 09/05/03 , o que ora se declara. (...).
Por tudo quanto o exposto, condeno a reclamada no pagamento dos seguintes títulos:
- salários do período estabilitário desrespeitado (09.05.03 até 06.12.03).
(...)
3 - A reclamante recebeu quotas do benefício Seguro Desemprego na constância do contrato de trabalho. Declarou, portanto, condição falsa (desemprego), para angariar vantagem sabidamente indevida. (...)."
d) do requerimento de seguro-desemprego ao Ministério do Trabalho (fl. 81);
e) dos comprovantes do recebimento de três parcelas do benefício seguro-desemprego por Ludnea, em 15.04.03, 12.05.03 e 09.06.03 (fls. 27/30 e 89);
f) do termo de rescisão do contrato de trabalho com a Organização Alimentícia 1000Tinho Ltda. ME, assinada por Ludnea (fl. 133).
Desse modo, inequívoca a materialidade do delito.
Também induvidosa é a autoria.
Em sede policial (fls. 24/25), declarou Milton:
"Que LUDNEA RODRIGUES DO NASCIMENTO trabalhou na empresa no período de maio de 2002, aproximadamente, até novembro de 2002, mês em que demonstrou interesse em trabalhar em outro local, (...), fato que levou o declarante a dispensá-la do emprego; Que cerca de uma semana depois, Ludnea procurou novamente a empresa e manifestou sua vontade de voltar ao trabalho (...); Que Ludnea retomou suas funções, mas não apresentou sua carteira de trabalho para efetivação do registro (...); Que no curso desse segundo período de prestação laboral, Ludnea começou a se tornar mais nervosa do que o habitual, dificultando o relacionamento com os outros colegas de trabalho e mesmo com os empregadores, culminando com sua dispensa por justa causa em maio de 2003 (...)."
No mesmo sentido foram as declarações prestadas por Milton em Juízo (fls. 252/253).
No interrogatório policial (fls. 56/57), Ludnea afirmou que o vínculo trabalhista com a Organização Alimentícia 1000Tinho perdurou de outubro de 2001 a maio de 2003:
"Que foi admitida para trabalhar na empresa ORGANIZAÇÃO ALIMENTÍCIA 1000TINHO LTDA. ME em outubro de 2001, mas só foi registrada em março de 2002, conforme reprodução da carteira de trabalho às fls. 36, tendo trabalhado com registro até 30/11/2002, quando foi dispensada sem justa causa, recebendo a documentação relativa ao seguro desemprego, na qual deu entrada; Que cumpriu o aviso prévio no mês de dezembro e, no decorrer desse período, acabou combinando com o dono da empresa, MILTON PEREIRA DE SOUZA MARTINS, que continuaria trabalhando normalmente, tendo apresentado a referida pessoa o exame de gravidez com resultado positivo; Que continuou na empresa até 09/05/03, quando foi dispensada (...); Que alega não saber que não poderia receber as parcelas do seguro desemprego estando empregada; (...)."
Em Juízo, a ré, uma vez mais, confirmou os fatos narrados na denúncia (fls. 249/250). Confira-se:
"Quanto aos fatos narrados na denúncia esclareço que fui efetivamente demitida da empresa do acusado Milton em 30/11/2002 (...). Alguns dias depois eu constatei através de um exame, que eu estava grávida, fato que eu já desconfiava. Retornei a empresa do Milton e eles, diante deste fato resolveram que eu poderia voltar a trabalhar. Fiquei cerca de uma semana desligada desta empresa. Eles não me registraram novamente (...). Fui novamente demitida no dia 08/05/2003. (...). Quando da minha segunda demissão, meus direitos trabalhistas não foram devidamente pagos. Ingressei posteriormente com uma reclamação trabalhista, na qual foi reconhecido o meu vínculo empregatício até 08/05/2003. após a minha primeira demissão eu fiz o requerimento de meu seguro desemprego, recebendo as três parcelas mencionadas na denúncia. Eu sabia que não poderia receber o seguro desemprego estando trabalhando. No entanto eu requeri este benefício apenas uma vez, não o tendo recebido após a minha segunda demissão. (...). São minhas as assinaturas constantes às fls. 28/30."
A testemunha de acusação, Miriam Aparecida Belin, auxiliar de cozinha, declarou, em Juízo (fls. 273/274):
"Trabalhei na empresa do acusado Milton por cerca de cinco ou seis meses, entre os anos de 2002 e 2003. (...). Quando passei a trabalhar nesse local a acusada Ludnea ali já trabalhava, na mesma função que eu. (...). Também devido ao tempo decorrido não me recordo exatamente a época em que Ludnea saiu da empresa de Milton. Acho que foi um pouco antes de eu mesma sair dessa empresa. Salvo engano trabalhei para Milton até junho de 2003. (...)."
Também em Juízo, a testemunha de acusação Gildemaria Nunes de Souza confirmou o apontado vínculo trabalhista (fls. 283/284):
"Trabalhei para a empresa de propriedade do acusado Milton, salvo engano, no ano de 2003. Quando ingressei nessa empresa a acusada Ludneia ali já trabalhava. (...)."
Evidente, portanto, que a conduta de Ludnea Rodrigues do Nascimento subsume-se ao tipo penal inscrito no artigo 171, § 3º, do Código Penal, ao omitir vínculo trabalhista com o intuito de receber o benefício seguro-desemprego.
Também a alegação de erro de proibição, não merece prosperar.
O conjunto probatório demonstra que a ré tinha plena consciência da ilicitude dos fatos a ela atribuídos e agiu imbuída de vontade própria, pois afirmou, em Juízo, que "sabia que não poderia receber o seguro desemprego estando trabalhando" (fls. 249/250).
Além disso, é do potencial conhecimento do homem médio que a percepção da remuneração salarial, decorrente de vínculo empregatício, exclui o recebimento do referido benefício, não escusando Ludnea a alegação de ser pessoa simples e de baixa condição cultural e econômica.
No que concerne ao erro de proibição, confira-se a jurisprudência:
"PENAL. APELAÇÃO. ESTELIONATO. RECEBIMENTO INDEVIDO DE SEGURO-DESEMPREGO E FGTS. ART. 171, §3º, DO CP. CRIME INSTANTÂNEO DE EFEITO PERMANENTE. CO-RÉU MAIOR DE 70 ANOS. PRESCRIÇÃO DECLARADA DE OFÍCIO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. COMPROVADA A MATERIALIDADE DELITIVA E AUTORIA DO CRIME. DOLO. ERRO DE PROIBIÇÃO NÃO CONFIGURADO. PRESCRIÇÃO PARCIAL. PENA. APELOS DESPROVIDOS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA.
(...)
VII. O erro de proibição, inserto no Art. 21 do CP, exige demonstração clara e inequívoca de que o agente não tinha consciência do injusto, supondo que atuava corretamente; ademais, para ser escusável, o discernimento errôneo acerca da ilicitude fática deve ser invencível, insuperável, de forma a impedir o conhecimento do acusado acerca da antijuridicidade de sua conduta, que entende permitida.
VIII. Demonstrada a potencial consciência da ilicitude do fato. A própria denominação dos benefícios - seguro-desemprego e FGTS- são termos cuja compreensão a simplicidade de um homem pode indubitavelmente alcançar, especialmente quando sua concessão é fato ordinário na vida da maioria dos cidadãos, de todas as classes sociais, que conhecem seus significados, ainda que de todos os meandros burocráticos para obtê-los não saibam. Qualquer indivíduo, por mais simples e limitada seja sua cultura, está ciente de que simular uma demissão para obter seguro-desemprego e FGTS e continuar trabalhando e recebendo concomitantemente salário é crime.
(...)
XII. Apelações da defesa não providas."
(ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - Processo: 2004.61.06.006081-0 UF: SP Relator DESEMBARGADOR FEDERAL BAPTISTA PEREIRA)
Nesse mesmo sentido, argumentou o Ministério Público Federal, em contrarrazões (fls. 357/361). Veja-se:
"Comprovou-se que LUDNEA, nas datas de 15 de abril de 2003, 12 de maio de 2003 e 09 de junho de 2003, obteve para si vantagem ilícita em detrimento de entidade de direito público, ao receber na agência da Caixa Econômica Federal de Piracicaba/SP, pagamento de três parcelas de seguro-desemprego, no valor de R$ 278,40 (duzentos e setenta e oito reais e quarenta centavos) cada uma, totalizando o valor de R$ 835,20 (oitocentos e trinta e cinco reais e vinte centavos), mediante utilização de meio fraudulento, vez que LUDNEA, à época dos fatos, mantinha vínculo empregatício com a empresa '1000Tinho Ltda. ME.'.
Segundo consta, a Justiça do Trabalho de Piracicaba encaminhou documentos em que a denunciada propôs reclamação trabalhista em face da empresa '1000Tinho Ltda. ME', em que pleiteava vínculo empregatício durante o período de 1º de dezembro de 2002 a 09 de maio de 2003.
Após regular instrução processual no d. Juízo trabalhista, verificou-se que a ré realmente mantinha o vínculo trabalhista pretendido, sendo este reconhecido e declarado em sentença proferida pelo MM. Juiz do Trabalho (fls. 11/14).
A ré foi condenada, nos presentes autos, pela prática do artigo 171, § 3º, do Código Penal, o qual vem previsto nos seguintes termos:
(...)
À caracterização do delito previsto no artigo 171, caput, (estelionato) mister a ocorrência concomitante dos seguintes elementos: a) obtenção de vantagem indevida; b) prejuízo alheio; c) utilização de artifício, ardil ou outro meio fraudulento; d) que a causa da obtenção da vantagem tenha sido o uso do meio fraudulento.
Analisando-se as provas dos autos, verificou-se que todos os elementos acima estavam presentes, razão pela qual a ré foi condenada.
Há nos autos cópias de recibos que comprovam que a acusada efetivamente recebeu as três parcelas do seguro-desemprego nas datas acima mencionadas, conforme fls. 28/30 e 89.
Verifica-se , ainda, que a Justiça Trabalhista reconheceu o vínculo empregatício que a acusada mantinha com a empresa '1000Tinho Ltda. ME' durante o período de 1º de dezembro de 2002 a 09 de maio de 2003, consoante cópia da r. sentença trabalhista às fls. 11/14, período este que engloba as datas de recebimento das parcelas do seguro-desemprego.
Assim, apesar de laborar regularmente para a empresa aludida, a denunciada induziu e manteve em erro a Caixa Econômica Federal, ao omitir aquela informação, recebendo, de forma concomitante, o valor do salário e do seguro-desemprego.
O meio fraudulento utilizado pela apelante consistiu em omitir a informação de que laborava regularmente, fato este que permitiu que ela recebesse as parcelas do seguro-desemprego indevidamente.
(...)
Nesse sentido, não há qualquer fundamento para a tese da apelante no sentido de atipicidade de sua conduta narrada nos autos, eis que restou sobejamente provado que LUDNEA induziu e manteve em erro a Caixa Econômica Federal, ao omitir a informação de que mantinha vínculo empregatício com MILTON, recebendo, de forma concomitante, o valor do salário e do seguro-desemprego.
(...)
A apelante LUDNEA sustenta, ainda, que não houve dolo em sua conduta, eis que se trata de pessoa simples, semi-analfabeta, de profissão ajudante de cozinha.
Ocorre que ficou evidente nos autos que a apelante tinha conhecimento da ilicitude de sua conduta, haja vista que durante seu interrogatório, às fls. 248/249, LUDNEA assim afirmou:
(...) Eu sabia que não poderia receber seguro-desemprego estando trabalhando. (...)
A declaração acima descrita revela que a condenada, efetivamente tinha conhecimento da ilegalidade de receber o seguro-desemprego enquanto estivesse trabalhando, porém, mesmo assim, requereu e recebeu por três meses o benefício.
Assim, ainda que se trate de pessoa simples, restou claro nos autos que LUDNEA tinha conhecimento do caráter ilícito da conduta que praticou, não tendo razão, portanto, a tese da defesa exposta no recurso de apelação."
Desse modo, comprovadas a materialidade e a autoria do crime, bem como, considerando ter a apelante agido com o fim de obter para si, vantagem ilícita, em prejuízo da Assistência Social, induzindo e mantendo-a em erro, mediante falsa comunicação de desemprego, não há reparos a fazer na sentença que a condenou como incursa no delito do artigo 171, § 3º, do Código Penal.
A apelante não se insurge quanto à dosimetria da pena.
Entretanto, observo que a sentença merece reforma.
Com efeito, por se tratar de delito eventualmente permanente, conforme orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, não se aplica à espécie a continuidade delitiva.
Assim mantida a pena-base fixada na sentença de 01 (um) ano de reclusão e a causa de aumento prevista no Art. 171, § 3º do Código Penal resulta na pena definitiva de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão.
Obedecido o mesmo critério para pena de multa reduzo-a para 13 (treze) dias-multa.
Reverto, ainda, a prestação pecuniária em favor da União Federal.
Por esses fundamentos, decreto a prescrição da pretensão punitiva do Estado de Milton Pereira de Souza Martins, para declarar extinta a sua punibilidade, com fulcro no artigo 107, IV, do Código Penal, e julgo prejudicada a apelação, nego provimento à apelação de Ludnea Rodrigues do Nascimento, de ofício, afasto a continuidade delitiva e reduzo a pena para 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, e reverto a prestação pecuniária em favor da União Federal.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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