D.E. Publicado em 02/03/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negou provimento ao recurso ministerial e, por maioria, negou provimento ao recurso da defesa, nos termos do voto do Des. Fed. Luiz Stefanini, acompanhado pelo voto do Des. Fed. Antonio Cedenho. Vencida a relatora que dava parcial provimento ao recurso da defesa para aplicar a causa de diminuição do art. 33, § 4º da Lei n. 11.343/06 no patamar de 5/12, tornando a pena definitiva do acusado em 4 anos, 3 meses e 1 dia de reclusão e 369 dias-multa, a ser cumprido em regime inicial fechado, mantendo, no mais, a sentença.
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VOTO CONDUTOR
Em sessão de julgamento da Quinta Turma, realizada na data de 30.01.2012, divergimos do voto da Exma. Relatora, Juíza Federal Convocada Louise Figueiras, somente no que toca ao parcial provimento do recurso da defesa, para aplicar a causa de diminuição de pena do art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006, no que fomos acompanhados pelo voto do Exmo. Desembargador Federal Antônio Cedenho.
A relatora fixava a pena do acusado, definitivamente, em 04 (quatro) anos, 3 (três) meses e um dia de reclusão e 369 (trezentos e sessenta e nove) dias-multa, tendo em vista a redução da pena no patamar de 5/12, a ser cumprida em regime inicial fechado, mantendo, no mais, a sentença.
Expondo as razões do voto, entendemos pela manutenção in totum da sentença, deixando de reconhecer, na espécie, a possibilidade de aplicação da referida causa de diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006.
Observamos, rogando vênia ao voto minoritário, que entendeu pela ausência de prova quanto ao envolvimento do réu - aqui apelante - com organização criminosa, que tal circunstância encontra-se evidente nos autos.
De fato, embora seja o réu primário, a grande quantidade de droga com ele apreendida - quase cinco quilos de cocaína - traz indicação séria de seu envolvimento com a organização criminosa que o aliciou.
É evidente que tamanha quantidade de cocaína, de altíssimo valor no mercado de consumo mundial, não seria entregue a simples "mula" eventual do tráfico internacional, estando ausentes, pois, os requisitos objetivos à concessão da benesse legal (não se dedicar a atividades criminosas e não integrar organização criminosa).
Esclareço não haver falar-se em bis in idem ante a fundamentação calcada na natureza e quantidade da droga, também utilizados na fixação da pena-base, porquanto tais circunstâncias foram sopesadas na última fase, para adequar a reprimenda final proporcionalmente à conduta praticada pelo réu.
Nesse sentido, trago os seguintes precedentes:
Acompanho em todos os demais termos, o voto da Exma. Relatora, divergindo apenas no que toca a este ponto, pelas razões ora delineadas.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do Ministério Público Federal e da defesa, mantendo a sentença condenatória.
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RELATÓRIO
Apela a defesa com os seguintes argumentos:
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VOTO
Imputação. Enyi Agari Onuaja foi denunciado pela prática do crime do art. 33, caput, c. c. o art. 40, I, ambos da Lei n. 11.343/06, pois, no dia 21.05.11, foi preso em flagrante delito no Aeroporto Internacional de São Paulo em Guarulhos (SP), quando tentava embarcar em voo da companhia aérea Qatar com destino a Laos/Nigéria, mediante escala em Doha/Qatar, trazendo em sua bagagem 86 (oitenta e seis) bobinas de alumínio contendo em seu interior 4.902g (quatro mil, novecentos e dois) gramas de cocaína (massa líquida), sem autorização legal ou regulamentar, com o intuito de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros no exterior (fls. 46/49).
Materialidade. Está comprovada a materialidade do delito, conforme se infere dos seguintes elementos de convicção:
Autoria. Comprovada a autoria do delito, uma vez que o réu foi surpreendido transportando, em sua bagagem, a droga apreendida.
Em sede policial, o acusado permaneceu em silêncio (fl. 5).
Em Juízo, o acusado disse que não sabia que transportava cocaína, mas sim drogas. Afirmou que no bar em que trabalhava, conheceu um nigeriano chamado John que lhe ofereceu R$ 4.000,00 para que levasse drogas a Mali, para seu irmão e, devido a sua condição financeira, acabou aceitando a proposta. Mencionou que referida pessoa ofereceu passagem para a Nigéria e para onde quisesse ir, desde que a droga fosse entregue no aeroporto de Mali ao irmão de tal indivíduo. Declinou que a droga foi entregue por um taxista que acredita ser amigo de John (fl. 128, mídia digital).
Em sede policial, a testemunha Eduardo Ribeiro Arnaud disse que no dia dos fatos realizava fiscalização de rotina no saguão de embarque internacional, fiscalizando passageiros que iriam embarcar no voo companhia aérea Qatar, quando decidiu abordar o acusado que se encontrava na fila do check in. Afirmou que durante a entrevista pessoal, desconfiou dos reais motivos da viagem, razão pela qual solicitou que o passageiro e a funcionária do raio-x Lidiane o acompanhasse até a delegacia. Mencionou que na delegacia, a bagagem foi aberta na presença de todos, tendo sido encontradas 86 (oitenta e seis) bobinas de alumínio e, ao abrir uma delas, foi encontrada substância em pó de cor branca que foi submetida a teste preliminar, que resultou positivo para cocaína (fls. 2/3).
A testemunha Lidiane dos Santos Silva afirmou, perante a autoridade policial, que estava trabalhando no raio-x do embarque internacional quando o policial solicitou que o acompanhasse até a delegacia para acompanhar a revista na bagagem do passageiro. Disse que na delegacia o passageiro confirmou que a bagagem lhe pertencia e presenciou a abertura da mesma, onde foi encontrada 86 (oitenta e seis) bobinas de alumínio, sendo que ao abrir uma delas, foi encontrada substância em pó de cor branca que submetida a teste preliminar, resultou positivo para cocaína (fl. 4).
Em Juízo, a testemunha de acusação, o Agente da Polícia Federal. Eduardo Ribeiro Arnaud, ratificou suas declarações (fl. 128, mídia digital).
As partes não impugnaram a autoria e a materialidade delitivas, devendo ser mantida a condenação.
Dosimetria. A sentença fixou a pena-base do acusado acima do mínimo legal, em 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.
Ausentes circunstâncias agravantes.
Presente a confissão, a pena do acusado foi diminuída para 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão.
Em razão da transnacionalidade, a pena foi majorada em 1/4 (um quarto) para 7 (sete) anos, 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.
Deixou de aplicar a causa de diminuição do § 4°, do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, pelo fato de que "mulas" integram a organização criminosa.
Fixou a pena de multa em 633 (seiscentos e trinta e três) dias-multa, cada qual no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à data do fato.
Determinou o cumprimento da pena no regime inicial fechado, a inviabilidade da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito ou pecuniária e da concessão do sursis.
Estabeleceu que o acusado não poderá apelar em liberdade.
O Ministério Público Federal recorre pleiteando o afastamento da confissão espontânea como circunstância atenuante da pena.
A defesa, por sua vez, pleiteia a fixação da pena-base no mínimo legal, a aplicação da causa de diminuição do art. 33,§ 4, da Lei n. 11.343/06 no patamar máximo, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, bem como a declaração de inconstitucionalidade parcial via incidental, com redução de texto do art. 44 da Lei n. 11.343/06, no que tange à vedação da conversão de suas penas em restritivas de direitos, a fixação do regime inicial de cumprimento de pena segundo disposto no art. 33 do Código Penal e a concessão do direito de recorrer em liberdade.
O recurso da acusação não merece prosperar e, da defesa merece, em parte, prosperar.
A pena-base fica mantida em 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, à míngua de recurso da acusação, tendo em vista a natureza (cocaína) e a quantidade de droga apreendida (4.902g), nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/06, em que pese meu entendimento pela majoração desse patamar diante da expressiva quantidade de droga transportada.
Ausentes circunstâncias agravantes.
O réu confessou a autoria delitiva e o Juízo a quo fundamentou a condenação na versão apresentada judicialmente, razão pela qual mantenho a aplicação da atenuante do art. 65, III, d, do Código Penal nos moldes expendidos na sentença que reduziu a pena para 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão.
As partes não se insurgem quanto à internacionalidade, motivo pelo qual, mantenho-a em 7 (sete) anos, 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.
Causa de diminuição. Parágrafo 4º da lei 11.343/06.
Ao tratar da causa de diminuição do parágrafo 4º do artigo 33, o legislador não se utilizou da mesma técnica, e estabeleceu, tão somente a possibilidade de graduação entre o mínimo de 1/6 e o máximo de 2/3 de diminuição, verbis:
Fixou requisitos cumulativos que se preenchidos, dão direito à diminuição, naqueles termos.
No presente caso não há qualquer prova de envolvimento do réu com organização criminosa. Não é dado presumir-se em desfavor do direito de liberdade, destarte, entendo deva ficar provado, ainda que por um conjunto indiciário, que o réu pertencia, integrava um grupo voltado para a prática de crimes, com um mínimo de estabilidade, para negar-se a diminuição, o que implica dizer que o julgador deve poder concluir da prova dos autos que houve ação prévia junto ao grupo, não sendo possível presumi-lo do fato isolado do transporte aqui julgado, ainda que isso viesse a trazer um benefício a suposto grupo organizado.
Devida a diminuição, passo ao problema de sua graduação.
Segundo o critério trifásico de aplicação da pena, encampado pelo Código Penal Brasileiro em seu artigo 68, verbis:
A quantidade da droga, por sua vez, é critério aferível no momento de se avaliar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, dizendo a lei textualmente que:
Refere-se portanto, claramente às circunstâncias do artigo 59, indicando ao intérprete, quais as de maior dentre aquelas ali previstas, portanto, nos termos do artigo 68 do Código Penal - dentre aquelas aplicáveis na dosagem da pena base.
O artigo 59 do Código Penal diz, por sua vez que:
Portanto, o legislador ao inserir o artigo 42 na lei 11.343/06, nada mais fez que ressaltar que a quantidade da droga deveria ser levada em consideração na graduação da pena base, ressaltar, por que a título de conseqüência do crime e de motivos - considerando que quanto mais droga, maior o lucro visado - tais circunstâncias já constavam do rol do artigo 59, e mesmo antes da lei poderiam, e deveriam ser avaliadas nesta fase.
Preocupou-se, quiçá, em evitar o costume de fixação de pena mínima mesmo diante da maior reprovabilidade da conduta e nesse passo, vê-se que também a quantidade se relaciona com a culpabilidade, circunstância judicial, a ser avaliada na primeira fase da dosimetria, na forma do artigo 68 do Código Penal.
Portanto, dosar a diminuição entre mínimo e máximo levando em consideração quaisquer das circunstâncias judiciais seria evidente bis in idem. Diminuir menos é agravar, tanto assim é que é preciso fundamentar, motivar explicar porque não se defere a diminuição máxima prevista na lei. Se o agente não tiver nada de negativo que possa ser considerado nessa fase, faria jus à máxima diminuição.
Vale aqui me socorrer dos ensinamentos dos renomados professores Ada Pelegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio de Magalhães Gomes Filho em sua notória obra "As Nulidades do Processo Penal", Malheiros 2ª ed., pg 163/164:
Note-se que os autores afirmam a impossibilidade de avaliação dupla de circunstância própria de fases distintas, tanto para agravar como para atenuar a pena, e logo de início, nos alertam de que o princípio da individualização da pena decorre do princípio da isonomia.
Portanto, não é demasiado concluir que a preservação do critério trifásico e a vedação ao bis in idem pretende garantir que indivíduos em situação semelhante não venham a ser tratados diferentemente, ou que indivíduos em situação desigual sejam tratados da mesma forma, em função da apreciação subjetiva de circunstâncias por parte do judiciário. O subjetivismo decorrente disso é também evitado por meio do princípio da reserva legal.
Sobre a vedação ao bis in idem na aplicação da pena, colaciono alguma jurisprudência:
Processo
O princípio do ne bis in idem decorre também, logicamente do princípio da reserva legal, pois realiza a sua aplicação nas diversas fases da dosimetria da pena, exigindo do julgador que puna mais, ou puna menos, pela circunstância fática prevista previamente em lei, de acordo com a sanção previamente estatuída para aquele fato, o que não ocorrerá se for aplicada a sanção duplamente, pelo mesmo fato.
Sobre o princípio da reserva legal, vale uma incursão nas palavras sempre atuais de Aníbal Bruno:
Nesse sentido ainda, a doutrina de Assis Toledo:
O parágrafo quarto do artigo 33 da lei de drogas, é exemplo da possibilidade de agravamento incerto, a critério do julgador, e só por isso incide em violação ao princípio da reserva legal, pois não traça nenhum critério para a graduação da benesse.
Ainda que se pudesse criar meios de graduação, violando-se o princípio da lei estrita, ao dosá-la utilizando-se das circunstâncias do crime, motivos, quantidade e qualidade da droga, conduta social, internacionalidade, ou outras, já previstas em lei, a decisão incidirá em bis in idem vedado.
Não é possível negar a diminuição da lei a quem faz jus, mas também não é possível aplicar o parágrafo como está sem incidir em bis in idem, concluo.
Ora nesse cenário, desde que devida a redução, só seria cabível no patamar máximo de 2/3, pois a única consentânea com o princípio da reserva legal e presunção de inocência, que indicam que na dúvida, no impasse, a solução deve ser em favor do direito de liberdade.
Esse tem sido o meu posicionamento, porém o estou revendo agora, pois é inegável que essa solução também deixa a desejar.
Ocorre que na prática, a conclusão acima acaba por provocar um excesso em favor da ré que praticamente reduz o tráfico a uma infração de menor potencial ofensivo, em função da pena efetivamente aplicada, compatível muitas vezes até com o limite da Lei n.º 11.313/06, (que trata dos Juizados Especiais Federais), inconciliável com a hediondez da conduta preconizada na Constituição Federal - o que torna a essa solução também contrária ao Direito.
O afastamento da graduação com aplicação em dois terços da diminuição faz resultar evidentemente desproporcional a pena, e obriga o juiz a praticar excesso em favor da ré, ao solapar, por exemplo, uma grave pena de seis anos de reclusão a apenas dois, muitas vezes, pena inferior à que resulta de muitos crimes de gravidade infinitamente menor que o tráfico.
O legislador quis privilegiar a primariedade, em senso lato, sem dúvida. Porém deve se reconhecer que o excesso na redução implica em desconsiderar a gravidade da conduta já fixada com a pena base, e nas fases seguintes da dosimetria, em nome dessa primariedade. Assim, solapar a punição pela redução de 2/3 é de fato praticar o excesso, em favor da ré, o que nem a lei poderia fazer.
Portanto, a interpretação conforme a Constituição, ao princípio da isonomia que norteia o sistema e aos demais princípios de direito penal, como a individualização da pena e reserva legal deve afastar também o excesso em favor da ré, privilegiando o princípio da proporcionalidade razoável na aplicação da pena, que decorre da equidade e proibição do excesso, que norteia o legislador e o juiz, seja em favor da sociedade, seja em favor da ré.
Note-se que aqui não se trata de criar reprimenda onde não existe lei para punir, com base no excesso em favor do direito de liberdade, não se trata de legislar, criar preceito, mas adequar uma reprimenda existente a limites proporcionais.
No sentido da proibição do excesso no exercício do poder legislativo, já discorremos ao tratar do artigo 273 do Código Penal, porém neste caso, apontamos excesso em desfavor do direito de liberdade:
"É certo que o judiciário não deve se imiscuir na função legislativa, o que seria afronta ao princípio da tripartição dos poderes. Cabe-lhe interpretar a norma jurídica e aplicá-la no caso concreto. Porém cabe-lhe a interpretação harmônica do sistema, e dentro dessa função está a de controlar a constitucionalidade das normas jurídicas, devendo nesse passo deixar de aplicar preceitos que se encontrem em confronto com as normas e princípios constitucionais, isto é, que não encontram fundamento de validade na Lei Maior.
E o princípio da proibição do excesso, da proporcionalidade razoável está previsto em nossa Constituição e rege a atividade discricionária, quer do administrador público, quer do legislador positivo. Decorre do princípio do devido processo legal em seu aspecto material e do princípio da individualização da pena, expressos na Constituição.
Significa que no exercício de sua discricionariedade regrada o poder público, por meio de seus agentes não está autorizado pela Constituição Federal, a agir com excesso ao restringir direitos individuais em prol do interesse público, além do suficiente e necessário para a defesa dos interesses públicos. O excesso torna ilegal a atividade administrativa, ainda que a pretexto do exercício do poder discricionário e da mesma maneira torna inconstitucional a atividade legislativa, pois evidencia o desbordar dos limites da discricionariedade conferida a esses agentes pela Lei e pela Constituição.
Cito em meu subsídio o renomado professor José Joaquim Gomes Canotilho, em sua obra Direito Constitucional, pg 617/618:
Vê-se do exposto, que nada impede que a doutrina acima se aplique também em favor da sociedade, quando se afirma que as punições devem ser proporcionais e razoáveis.
Na verdade, o Estado é titular do direito de punir, limitado pela lei, porém esse direito se traduz também num dever, o dever de punir as condutas contrárias a ordem vigente. Não se olvida que o Estado Brasileiro se propôs a punir efetivamente o tráfico de drogas, já que consta da lei maior que "XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; (...)"
Assim nos ensina Manuel Pedro Pimentel, verbis:
Reconheço, por essas razões, que é preciso realizar o intento da norma, que é efetivamente punir o delinqüente, o que não ocorrerá se a pena fracassar em quaisquer de suas funções, repressivas, intimidatórias ou de reinserção social e prevenção, pois a pena deve funcionar como instrumento de prevenção geral e especial, e assim a resposta penal precisa ser adequada ao delito praticado.
Desbordaria os limites da discricionariedade do legislador abrandar de tal maneira o tratamento de um delito hediondo, assim considerado pela Constituição de modo que a pena reste inócua para os fins a que se destina, assim como não poderá agravar de forma evidentemente excessiva a reprimenda de delito de gravidade notadamente inferior.
Portanto, após muito desassosego com esse assunto, pois a solução que encontrei para não incidir em bis in idem, aplicar o redutor sempre em 2/3 nunca me pareceu plenamente satisfatória - ainda que a aplicasse por tratar-se da solução em prol do direito de liberdade, com base na presunção de inocência - reconheço que é preciso coibir excessos também em favor desse direito, sob pena de sacrificar-se a ordem constitucional vigente e os objetivos de pacificação social do Direito.
Na verdade, a falta de técnica do legislador, ao prever diminuição em patamar elástico e sem critérios para o seu estabelecimento, não deve levar o julgador a resultado evidentemente desproporcional em face da conduta já dosada nas fases anteriores e do sistema repressivo como um todo.
Portanto, uma interpretação conforme a Constituição Federal desse inquietante parágrafo 4º da lei 11.343/06, deve afastar a impossível graduação, evitando-se o bis in idem, e fixar o redutor em patamar fixo, sempre que presentes os requisitos cumulativos da causa de diminuição, sob pena de negar-se vigência ao dispositivo, que não é de ser declarado inconstitucional por esse defeito, mas interpretado conforme os princípios constitucionais.
O patamar, pelo exposto, não deve ser o máximo. Entendo que, para atender, dentro da medida do possível a mens legis, procurando situar o julgamento mais proximamente à vontade do legislador, sem incidir em bis in idem, nem em excesso permissivo, revejo entendimento e passo a fixar a diminuição, quando devida, sempre no patamar fixo correspondente a média do intervalo pela lei estabelecido, e portanto em 5/12 (fração média entre 1/6 e 2/3 fixada pelo legislador)
Concluo que aplicada a diminuição em 5/12 a pena fica definitivamente fixada em 4 anos, 3 meses e 1 dia de reclusão e 369 dias-multa, em regime inicial fechado.
Sobre a conversão em penas restritivas de direitos que para o presente caso concreto, tenho que a medida não se mostra suficiente e adequada para a repressão da conduta, diante da culpabilidade que se afere em função da quantidade e qualidade do entorpecente transportado.
Na verdade, pondero que é preciso avaliar as circunstâncias do crime neste momento de se aplicar a espécie de pena mais adequada ao réu, para a prevenção especial e à conduta do ponto de vista da prevenção geral.
Aqui, não é devida a conversão em virtude da quantidade e qualidade da droga que transportava o réu, posto que isso seria uma circunstância extremamente desfavorável, até mesmo a ensejar o aumento de pena no momento da dosimetria, pela alta lesividade do tipo da droga (cocaína) e quantidade considerável (4902g).
Essas circunstâncias são determinantes nos termos do art. 59 e 44, III do Código Penal para a fixação da espécie adequada de pena aplicável ao réu, e não configura, diga-se, bis in idem a sua dupla avaliação, na dosimetria, agravando a pena-base e nessa operação, em que se avalia a espécie de pena a ser cumprida, não mais o seu quantum, operações diversas.
O artigo 44, inciso III do Código Penal estabelece que:
No presente caso, a quantidade e qualidade da droga indicam maior desvalor social da conduta, elevam sobremaneira a culpabilidade do réu e são circunstâncias desfavoráveis, do ponto de vista das potenciais conseqüências do crime.
Considerando os fins de prevenção geral e especial da pena tenho que não seria adequada a conversão nesse caso de transporte de considerável quantidade de cocaína, critério que não pode ser absoluto, pois circunstâncias outras, de caráter subjetivo, ligadas ao agente podem concorrer de modo a demonstrar que a medida é adequada ao caso concreto, o que em tese é possível, mas aqui não se demonstra.
Concluo que a culpabilidade do réu e as circunstâncias do crime, no caso, não indicam que essa substituição seja suficiente.
Tráfico. Regime inicial fechado. Admissibilidade. É possível fixar o regime inicial fechado no delito de tráfico internacional de entorpecentes, ainda que a pena seja inferior a quatro anos, desde que haja circunstâncias judiciais desfavoráveis ou fatos concretos a justificar a decisão:
Tráfico. Direito de apelar em liberdade. O direito de apelar em liberdade para os delitos da Lei n. 11.343/06 é excepcional, desafiando fundamentação própria, não havendo ilegalidade em manter a prisão do réu que nessa condição respondeu a ação penal:
Do caso dos autos. Não prospera o pleito da defesa para que o réu responda ao processo em liberdade, porquanto esteve preso durante todo o processo, tendo salientado o Juiz a quo que permaneciam presentes os motivos da cautelaridade da prisão quando da prolação da sentença, a qual devia ser mantida.
Posto isso, NEGO PROVIMENTO ao recurso ministerial e, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da defesa para aplicar a causa de diminuição do art. 33, § 4º da Lei n. 11.343/06 no patamar de 5/12, tornando a pena definitiva do acusado em 4 anos, 3 meses e 1 dia de reclusão e 369 dias-multa, a ser cumprido em regime inicial fechado. No mais, mantenho a sentença.
É como voto.
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