Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 02/03/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005142-53.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.005142-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ENYI AGARI ONUAJA reu preso
ADVOGADO : MARIA DO CARMO GOULART MARTINS (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00051425320114036119 4 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. DOLO, AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS. COMPROVAÇÃO. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIAS DO ART. 59, DO CÓDIGO PENAL E 42, DA LEI 11.343/06. CONFISSÃO. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.363/06. NÃO APLICAÇÃO. LIBERDADE PROVISÓRIA. NÃO CONCESSÃO. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. CONVERSÃO. INCOMPATIBILIDADE COM O CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO. REGIME INICIAL FECHADO. LEGALIDADE. IMPROVIMENTO DOS RECURSOS.
1.- Comprovação do dolo, materialidade e autoria delitivas pela apreensão da cocaína, constatada por exame pericial substância entorpecente de uso proscrito no território nacional, em poder do réu que iria embarcar com destino ao exterior.
2.- Não obstante o entendimento pela majoração do patamar fixado na sentença, diante da expressiva quantidade de droga transportada e sua natureza (cocaína), nos termos dos artigos 59 do Código Penal e 42 da Lei n. 11.343/06, a pena-base é mantida em 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, à míngua de recurso da acusação.
3.- Manutenção da sentença no que toca à aplicação da atenuante do art. 65, III, d, do Código Penal.
4. - A causa de diminuição prevista no § 4º, do art. 33, da Lei nº 11.343/06 não tem aplicação no caso concreto, embora seja o réu primário. A grande quantidade de droga com ele apreendida - quase cinco quilos de cocaína - traz indicação séria de seu envolvimento com a organização criminosa que o aliciou, pois é evidente que tamanha quantidade de cocaína, de altíssimo valor no mercado de consumo mundial, não seria entregue a simples "mula" eventual do tráfico internacional, estando ausentes, pois, os requisitos objetivos à concessão da benesse legal (não se dedicar a atividades criminosas e não integrar organização criminosa).
5. Não há falar-se em bis in idem ante a fundamentação calcada na natureza e quantidade da droga, também utilizados na fixação da pena-base, porquanto tais circunstâncias foram sopesadas na última fase, para adequar a reprimenda final proporcionalmente à conduta praticada pelo réu. Precedentes do E. STJ.
6. O réu esteve preso durante todo o processo, tendo reconhecidos pelo juiz os motivos ensejadores da prisão cautelar, a qual deve ser mantida, a afastar o pleito de apelo em liberdade.
7.- O caso dos autos é de crime equiparado a hediondo, cuja gênese o torna incompatível com a pretendida substituição da pena. Tal interpretação também advém da norma expressa no art. 44 da Lei nº 11.343/06 que veda a conversão, devendo-se atentar, ainda, para a qualidade e quantidade da droga transportada.
8. De modo geral, entendo correto o regime prisional inicial fechado para o crime de tráfico internacional de entorpecentes e o crime pelo qual foi condenado o Paciente não destoa daqueles comumente ocorridos, não havendo circunstâncias subjetivas ou objetivas deduzidas na impetração que pudessem ensejar entendimento diverso no caso telado.
9.- Recursos da acusação e da defesa não providos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negou provimento ao recurso ministerial e, por maioria, negou provimento ao recurso da defesa, nos termos do voto do Des. Fed. Luiz Stefanini, acompanhado pelo voto do Des. Fed. Antonio Cedenho. Vencida a relatora que dava parcial provimento ao recurso da defesa para aplicar a causa de diminuição do art. 33, § 4º da Lei n. 11.343/06 no patamar de 5/12, tornando a pena definitiva do acusado em 4 anos, 3 meses e 1 dia de reclusão e 369 dias-multa, a ser cumprido em regime inicial fechado, mantendo, no mais, a sentença.

São Paulo, 31 de janeiro de 2012.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005142-53.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.005142-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ENYI AGARI ONUAJA reu preso
ADVOGADO : MARIA DO CARMO GOULART MARTINS (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00051425320114036119 4 Vr GUARULHOS/SP

VOTO CONDUTOR

Em sessão de julgamento da Quinta Turma, realizada na data de 30.01.2012, divergimos do voto da Exma. Relatora, Juíza Federal Convocada Louise Figueiras, somente no que toca ao parcial provimento do recurso da defesa, para aplicar a causa de diminuição de pena do art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006, no que fomos acompanhados pelo voto do Exmo. Desembargador Federal Antônio Cedenho.

A relatora fixava a pena do acusado, definitivamente, em 04 (quatro) anos, 3 (três) meses e um dia de reclusão e 369 (trezentos e sessenta e nove) dias-multa, tendo em vista a redução da pena no patamar de 5/12, a ser cumprida em regime inicial fechado, mantendo, no mais, a sentença.

Expondo as razões do voto, entendemos pela manutenção in totum da sentença, deixando de reconhecer, na espécie, a possibilidade de aplicação da referida causa de diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006.

Observamos, rogando vênia ao voto minoritário, que entendeu pela ausência de prova quanto ao envolvimento do réu - aqui apelante - com organização criminosa, que tal circunstância encontra-se evidente nos autos.

De fato, embora seja o réu primário, a grande quantidade de droga com ele apreendida - quase cinco quilos de cocaína - traz indicação séria de seu envolvimento com a organização criminosa que o aliciou.

É evidente que tamanha quantidade de cocaína, de altíssimo valor no mercado de consumo mundial, não seria entregue a simples "mula" eventual do tráfico internacional, estando ausentes, pois, os requisitos objetivos à concessão da benesse legal (não se dedicar a atividades criminosas e não integrar organização criminosa).


HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. GRANDE QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA (17 KG DE MACONHA). DECISÃO FUNDAMENTADA. APLICAÇÃO DA MINORANTE DO ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º 11.343/06. IMPOSSIBILIDADE. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. ORDEM DENEGADA. 1. O art. 42 da Lei n.º 11.343/2006 impõe ao Juiz considerar, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da droga, tanto na fixação da pena-base quanto na aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4.º do art. 33 da nova Lei de Drogas. 2. Na hipótese, o Juízo sentenciante, no que foi referendado pelo Tribunal a quo, examinando as circunstâncias judiciais do caso concreto, afirmou que a grande quantidade de droga apreendida (17 kg de maconha) trouxe maior grau de censurabilidade a conduta da Paciente, razão pela qual fixou a pena-base acima do mínimo legal, com fundamentos válidos. 3. As instâncias ordinárias, soberanas na análise da matéria fática dos autos, reconheceram que a Paciente se dedicava à atividade criminosa de tráfico de drogas, considerando a dinâmica do fato delituoso, circunstância que, por si só, impede a aplicação da minorante prevista no § 4.º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06. 4. Ordem denegada.
(HC 201001463647, LAURITA VAZ, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:01/02/2011.)
DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. § 4.º DO ART. 33 DA LEI 11.343/06. INVIABILIDADE. PENA BASE ACIMA DO MÍNIMO. GRANDE QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. RECONHECIMENTO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. 1. Com o advento da Lei 11.343/076, tornou-se mais rigoroso o tratamento dos grandes traficantes e daqueles que se entregam com frequência ao comércio malsão. Por outro lado, conferiu-se uma benignidade modulada em relação ao pequeno traficante que debuta na seara, com a previsão da causa de diminuição do § 4.º do art. 33. In casu, é inviável o reconhecimento do direito à redução diante da fixação da pena base acima do mínimo legal, em razão da expressiva quantidade de droga apreendida e da referência aos antecedentes criminais do paciente. 2. Ordem denegada (com voto vencido).
(HC 201000055342, HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:17/12/2010.)

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. APREENSÃO DE GRANDE QUANTIDADE DE DROGA. NÃO APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA. 1. Diz o art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 que a pena pode ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o paciente seja primário, portador de bons antecedentes, não integre organização criminosa nem se dedique a tais atividades. 2. No caso, o Tribunal a quo afastou a incidência da benesse pretendida sob o fundamento de que as circunstâncias que ladearam a prática delitiva evidenciariam a dedicação do paciente a atividades criminosas, ainda que não de forma estável e duradoura, elementares necessárias para a configuração do delito de associação para o tráfico - art. 35 da Lei nº 11.343/06. 3. Não se olvide que a elevada quantidade de droga apreendida, a saber, quase 15 (quinze) quilos de cocaína, é circunstância que impede o reconhecimento da referida minorante. Precedentes. 4. De se ver, que a mens legis da causa de diminuição de pena seria alcançar aqueles pequenos traficantes, circunstância diversa da vivenciada nos autos, dada a apreensão de enorme quantidade de entorpecente, com alto poder destrutivo. 5. Ordem denegada.
(HC 200901368123, OG FERNANDES, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:22/11/2010.)

Esclareço não haver falar-se em bis in idem ante a fundamentação calcada na natureza e quantidade da droga, também utilizados na fixação da pena-base, porquanto tais circunstâncias foram sopesadas na última fase, para adequar a reprimenda final proporcionalmente à conduta praticada pelo réu.

Nesse sentido, trago os seguintes precedentes:


HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. PENA-BASE. FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. CULPABILIDADE, MOTIVOS, CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO INADEQUADA APENAS QUANTO À SEGUNDA. REDUÇÃO DA PENA QUE SE IMPÕE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4.º, DA LEI Nº 11.343/2006. FIXAÇÃO DO QUANTUM INFERIOR AO MÁXIMO PREVISTO EM LEI. QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. POSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR MEDIDAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. PEDIDO DE SOLTURA PREJUDICADO. [...] 2. A redução da causa de diminuição no patamar mínimo se justifica em razão da quantidade de droga apreendida (1.733g de cocaína). De notar, consoante vem entendendo esta Corte, que "não há bis in idem na consideração da quantidade de droga para agravar a pena-base e para negar a redução a maior na terceira etapa da dosimetria, mas apenas a utilização de um mesmo parâmetro de referência para momentos e finalidades distintas, objetivando a aplicação de reprimenda proporcionalmente suficiente à prevenção e reprovação do delito, nas circunstâncias em que cometido" (HC nº 124.898/MS, Relator o Ministro Jorge Mussi, DJe de 29/3/2010.) - HC 200802537379 HC - HABEAS CORPUS - 120998 Relator(a) HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE) Sigla do órgão STJ Órgão julgador SEXTA TURMA Fonte DJE DATA:25/10/2010) - grifo nosso.
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. ELEMENTOS CONCRETOS. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA. ART. 42 DA LEI 11.343/06. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. Em se tratando de crime de tráfico de drogas, como ocorre na espécie, o juiz, na fixação da penas, deve considerar, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do CP, a natureza e a quantidade da substância entorpecente, a personalidade e a conduta social do agente, consoante o disposto no art. 42 da Lei n.º 11.343/06. 2. Verificado que o sentenciante abordou, de forma adequada e fundamentada, não só os elementos constantes do art. 59 do CP, como também levou em consideração a natureza e a quantidade da droga apreendida - 4,41 kg de cocaína - não há que se falar em constrangimento ilegal quando a pena-base foi fixada um pouco acima do mínimo legalmente previsto, vez que há fundamentos concretos dos autos que justificam maior reprimenda. ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. QUANTUM DE REDUÇÃO. PATAMAR MÍNIMO. QUANTIDADE ELEVADA DE DROGAS. MENOR FRAÇÃO. PREVENÇÃO E REPRESSÃO. 1. O legislador previu apenas os pressupostos para a incidência do benefício legal disposto no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, deixando de estabelecer os parâmetros para a escolha entre a menor e maior frações indicadas para a mitigação, disciplinando a doutrina e a jurisprudência que devem ser consideradas as circunstâncias previstas no art. 59 do CP e especialmente o disposto no art. 42 da Lei Antitóxicos. 2. Juízo de proporcionalidade que admite a aplicação do redutor no percentual mínimo de 1/6, de acordo com o previsto nos arts. 42 da Lei n.º 11.343/06 e 59 do CP, dada a quantidade e a espécie de entorpecente encontrado em poder do paciente. 3. Não há bis in idem na consideração da quantidade de droga para agravar a pena-base e para negar a redução a maior na terceira etapa da dosimetria, mas apenas a utilização de um mesmo parâmetro de referência para momentos e finalidades distintas, objetivando a aplicação de reprimenda proporcionalmente suficiente à prevenção e reprovação do delito, nas circunstâncias em que cometido. (HC 200802850565 HC - HABEAS CORPUS - 124898 Relator(a) JORGE MUSSI Sigla do órgão STJ Órgão julgador QUINTA TURMA Fonte DJE DATA:29/03/2010) - grifo nosso.

Acompanho em todos os demais termos, o voto da Exma. Relatora, divergindo apenas no que toca a este ponto, pelas razões ora delineadas.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do Ministério Público Federal e da defesa, mantendo a sentença condenatória.

LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005142-53.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.005142-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ENYI AGARI ONUAJA reu preso
ADVOGADO : MARIA DO CARMO GOULART MARTINS (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00051425320114036119 4 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelações contra a sentença de fls. 157/166v. que condenou Enyi Agari Onuaja à pena privativa de liberdade de 7 (sete) anos, 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, regime inicial fechado, e pagamento de 633 (seiscentos e trinta e três) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à data do fato pela prática do crime do art. 33, caput, c. c. o art. 40, I, ambos da Lei n. 11.343/06.
O Ministério Público Federal, em sede de razões recursais, pleiteia o afastamento da confissão espontânea como circunstância atenuante da pena (fls. 170/173v.).

Apela a defesa com os seguintes argumentos:

a) fixação da pena-base no mínimo legal;
b) aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 no patamar máximo;
c) a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, bem como a declaração de inconstitucionalidade parcial via incidental, com redução de texto do art. 44 da Lei n. 11.343/06, no que tange à vedação da conversão de suas penas em restritivas de direitos;
d) fixação do regime inicial de cumprimento de pena segundo disposto no art. 33 do Código Penal;
e) a concessão do direito de recorrer em liberdade (fls. 175/183).
A defesa e a acusação ofereceram contrarrazões (fls. 184/186v. e 188/214).
A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Isabel Cristina Groba Vieira, manifestou-se pelo desprovimento dos recursos (fls. 230/240).
Os autos foram encaminhados à revisão, nos termos regimentais.
É o relatório.


Louise Filgueiras
Juíza Federal Convocada


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005142-53.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.005142-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ENYI AGARI ONUAJA reu preso
ADVOGADO : MARIA DO CARMO GOULART MARTINS (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00051425320114036119 4 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

Imputação. Enyi Agari Onuaja foi denunciado pela prática do crime do art. 33, caput, c. c. o art. 40, I, ambos da Lei n. 11.343/06, pois, no dia 21.05.11, foi preso em flagrante delito no Aeroporto Internacional de São Paulo em Guarulhos (SP), quando tentava embarcar em voo da companhia aérea Qatar com destino a Laos/Nigéria, mediante escala em Doha/Qatar, trazendo em sua bagagem 86 (oitenta e seis) bobinas de alumínio contendo em seu interior 4.902g (quatro mil, novecentos e dois) gramas de cocaína (massa líquida), sem autorização legal ou regulamentar, com o intuito de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros no exterior (fls. 46/49).

Materialidade. Está comprovada a materialidade do delito, conforme se infere dos seguintes elementos de convicção:

a) laudo preliminar de constatação (fls. 18/19);
b) laudo documentoscópico do passaporte (fls. 104/109);
c) laudo de exame definitivo conclusivo de que a substância tratava-se de cocaína com massa líquida de 4.902g (quatro mil, novecentos e dois) gramas (fls. 65/68).

Autoria. Comprovada a autoria do delito, uma vez que o réu foi surpreendido transportando, em sua bagagem, a droga apreendida.

Em sede policial, o acusado permaneceu em silêncio (fl. 5).

Em Juízo, o acusado disse que não sabia que transportava cocaína, mas sim drogas. Afirmou que no bar em que trabalhava, conheceu um nigeriano chamado John que lhe ofereceu R$ 4.000,00 para que levasse drogas a Mali, para seu irmão e, devido a sua condição financeira, acabou aceitando a proposta. Mencionou que referida pessoa ofereceu passagem para a Nigéria e para onde quisesse ir, desde que a droga fosse entregue no aeroporto de Mali ao irmão de tal indivíduo. Declinou que a droga foi entregue por um taxista que acredita ser amigo de John (fl. 128, mídia digital).

Em sede policial, a testemunha Eduardo Ribeiro Arnaud disse que no dia dos fatos realizava fiscalização de rotina no saguão de embarque internacional, fiscalizando passageiros que iriam embarcar no voo companhia aérea Qatar, quando decidiu abordar o acusado que se encontrava na fila do check in. Afirmou que durante a entrevista pessoal, desconfiou dos reais motivos da viagem, razão pela qual solicitou que o passageiro e a funcionária do raio-x Lidiane o acompanhasse até a delegacia. Mencionou que na delegacia, a bagagem foi aberta na presença de todos, tendo sido encontradas 86 (oitenta e seis) bobinas de alumínio e, ao abrir uma delas, foi encontrada substância em pó de cor branca que foi submetida a teste preliminar, que resultou positivo para cocaína (fls. 2/3).

A testemunha Lidiane dos Santos Silva afirmou, perante a autoridade policial, que estava trabalhando no raio-x do embarque internacional quando o policial solicitou que o acompanhasse até a delegacia para acompanhar a revista na bagagem do passageiro. Disse que na delegacia o passageiro confirmou que a bagagem lhe pertencia e presenciou a abertura da mesma, onde foi encontrada 86 (oitenta e seis) bobinas de alumínio, sendo que ao abrir uma delas, foi encontrada substância em pó de cor branca que submetida a teste preliminar, resultou positivo para cocaína (fl. 4).

Em Juízo, a testemunha de acusação, o Agente da Polícia Federal. Eduardo Ribeiro Arnaud, ratificou suas declarações (fl. 128, mídia digital).

As partes não impugnaram a autoria e a materialidade delitivas, devendo ser mantida a condenação.

Dosimetria. A sentença fixou a pena-base do acusado acima do mínimo legal, em 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.

Ausentes circunstâncias agravantes.

Presente a confissão, a pena do acusado foi diminuída para 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão.

Em razão da transnacionalidade, a pena foi majorada em 1/4 (um quarto) para 7 (sete) anos, 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

Deixou de aplicar a causa de diminuição do § 4°, do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, pelo fato de que "mulas" integram a organização criminosa.

Fixou a pena de multa em 633 (seiscentos e trinta e três) dias-multa, cada qual no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à data do fato.

Determinou o cumprimento da pena no regime inicial fechado, a inviabilidade da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito ou pecuniária e da concessão do sursis.

Estabeleceu que o acusado não poderá apelar em liberdade.

O Ministério Público Federal recorre pleiteando o afastamento da confissão espontânea como circunstância atenuante da pena.

A defesa, por sua vez, pleiteia a fixação da pena-base no mínimo legal, a aplicação da causa de diminuição do art. 33,§ 4, da Lei n. 11.343/06 no patamar máximo, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, bem como a declaração de inconstitucionalidade parcial via incidental, com redução de texto do art. 44 da Lei n. 11.343/06, no que tange à vedação da conversão de suas penas em restritivas de direitos, a fixação do regime inicial de cumprimento de pena segundo disposto no art. 33 do Código Penal e a concessão do direito de recorrer em liberdade.

O recurso da acusação não merece prosperar e, da defesa merece, em parte, prosperar.

A pena-base fica mantida em 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, à míngua de recurso da acusação, tendo em vista a natureza (cocaína) e a quantidade de droga apreendida (4.902g), nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/06, em que pese meu entendimento pela majoração desse patamar diante da expressiva quantidade de droga transportada.

Ausentes circunstâncias agravantes.

O réu confessou a autoria delitiva e o Juízo a quo fundamentou a condenação na versão apresentada judicialmente, razão pela qual mantenho a aplicação da atenuante do art. 65, III, d, do Código Penal nos moldes expendidos na sentença que reduziu a pena para 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão.

As partes não se insurgem quanto à internacionalidade, motivo pelo qual, mantenho-a em 7 (sete) anos, 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.


Causa de diminuição. Parágrafo 4º da lei 11.343/06.


Ao tratar da causa de diminuição do parágrafo 4º do artigo 33, o legislador não se utilizou da mesma técnica, e estabeleceu, tão somente a possibilidade de graduação entre o mínimo de 1/6 e o máximo de 2/3 de diminuição, verbis:


(...)
§ 4o  Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Fixou requisitos cumulativos que se preenchidos, dão direito à diminuição, naqueles termos.


No presente caso não há qualquer prova de envolvimento do réu com organização criminosa. Não é dado presumir-se em desfavor do direito de liberdade, destarte, entendo deva ficar provado, ainda que por um conjunto indiciário, que o réu pertencia, integrava um grupo voltado para a prática de crimes, com um mínimo de estabilidade, para negar-se a diminuição, o que implica dizer que o julgador deve poder concluir da prova dos autos que houve ação prévia junto ao grupo, não sendo possível presumi-lo do fato isolado do transporte aqui julgado, ainda que isso viesse a trazer um benefício a suposto grupo organizado.


Devida a diminuição, passo ao problema de sua graduação.


Segundo o critério trifásico de aplicação da pena, encampado pelo Código Penal Brasileiro em seu artigo 68, verbis:


Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

A quantidade da droga, por sua vez, é critério aferível no momento de se avaliar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, dizendo a lei textualmente que:


Art. 42.  O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.

Refere-se portanto, claramente às circunstâncias do artigo 59, indicando ao intérprete, quais as de maior dentre aquelas ali previstas, portanto, nos termos do artigo 68 do Código Penal - dentre aquelas aplicáveis na dosagem da pena base.


O artigo 59 do Código Penal diz, por sua vez que:


Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
        I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
        II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
        III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
        IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Portanto, o legislador ao inserir o artigo 42 na lei 11.343/06, nada mais fez que ressaltar que a quantidade da droga deveria ser levada em consideração na graduação da pena base, ressaltar, por que a título de conseqüência do crime e de motivos - considerando que quanto mais droga, maior o lucro visado - tais circunstâncias já constavam do rol do artigo 59, e mesmo antes da lei poderiam, e deveriam ser avaliadas nesta fase.


Preocupou-se, quiçá, em evitar o costume de fixação de pena mínima mesmo diante da maior reprovabilidade da conduta e nesse passo, vê-se que também a quantidade se relaciona com a culpabilidade, circunstância judicial, a ser avaliada na primeira fase da dosimetria, na forma do artigo 68 do Código Penal.


Portanto, dosar a diminuição entre mínimo e máximo levando em consideração quaisquer das circunstâncias judiciais seria evidente bis in idem. Diminuir menos é agravar, tanto assim é que é preciso fundamentar, motivar explicar porque não se defere a diminuição máxima prevista na lei. Se o agente não tiver nada de negativo que possa ser considerado nessa fase, faria jus à máxima diminuição.


Vale aqui me socorrer dos ensinamentos dos renomados professores Ada Pelegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio de Magalhães Gomes Filho em sua notória obra "As Nulidades do Processo Penal", Malheiros 2ª ed., pg 163/164:


A individualização da pena opera em dois planos: o legal e o judicial. Representa, em qualquer deles, a aceitaçao do princípioda isonomia, na justiça distributiva, segundo o qual devem os homens ser tratados desigualmente na justa medida de suas desigualdades, ou seja, segundo uma igualdade proporcional.
Cabe ao legislador, no plano abstrato, estabelecer margens mínimas e máximas de penas aos diversos crimes e permitir agravamentos ou atenuações quando acompanhados, na as concretização de determinadas circunstâncias, ao juiz incumbe, no caso concreto, buscar a reprimenda adequada, dentro dos limites previamente estabelecidos para cada crime e em face das agravantes e atenuantes genéricas ou especiais existentes.
A Constituição dirige-se ao legisladora ao juiz. Ao legislador diz que deverá realizar a individualização da pena (art. 5º. XLVI) e ao juiz impõe a necessidade de motivar todas as suas decisões, incluídas aí as decisões sobre a pena (art. 95, IX)
(...)
O Código Penal, na reforma de 1984, adotou o critério trifásico de Nélson Hungria (art. 68 do Código Penal) Em Relação à aplicação da pena privativa de liberdade.
O STF vem anulando sentenças que não seguiram o critério trifásico da lei (RTJ 117/589, 118/483, RT 606/420, 606/396, Lex Jur STF 91/360. mesma orientação encontra-se também no Tribunal de justiça de são Paulo RJTJSP, Lex v. 109/402, 117/455, 118/526.
Na primeira fase, será fixada a pena base, com fundamento nas circunstâncias do artigo 59, caput.
Serão consideradas na segunda etapa, as circunstâncias atenuantes e agravantes dos arts 61 a 67 do Código Penal
(...)

Sob pena de nulidade, não pode uma circunstância, que serviu como qualificadora ou possibilitou a desclassificação para um tipo privilegiado ser usada também para agravar ou atenuar a pena. Seria ela utilizada duas vezes

Note-se que os autores afirmam a impossibilidade de avaliação dupla de circunstância própria de fases distintas, tanto para agravar como para atenuar a pena, e logo de início, nos alertam de que o princípio da individualização da pena decorre do princípio da isonomia.


Portanto, não é demasiado concluir que a preservação do critério trifásico e a vedação ao bis in idem pretende garantir que indivíduos em situação semelhante não venham a ser tratados diferentemente, ou que indivíduos em situação desigual sejam tratados da mesma forma, em função da apreciação subjetiva de circunstâncias por parte do judiciário. O subjetivismo decorrente disso é também evitado por meio do princípio da reserva legal.


Sobre a vedação ao bis in idem na aplicação da pena, colaciono alguma jurisprudência:


EMENTA: EXECUÇÃO PENAL. Pena privativa de liberdade. Prisão. Cálculo. Delito de latrocínio (art. 157, § 3º, do CP). Causas de aumento por concurso de pessoas e emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º, I e II). Aplicação. Inadmissibilidade. Bis in idem. Maior gravidade já considerada na cominação da pena base. HC não conhecido. Ordem concedida de ofício. Precedentes. Não se aplicam as majorantes previstas no § 2º do art. 157 do Código Penal à pena base pelo delito tipificado no § 3º.
HC 94994
Supremo Tribunal Federal ,HC 94994 Rel. Min. CEZAR PELUSO

EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES DE ROUBO. REINCIDÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS E CAUSA AGRAVANTE GENÉRICA OBRIGATÓRIA. BIS IN IDEM NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. I - As circunstâncias judiciais são colhidas dos elementos fáticos trazidos pelo processo para a fixação da pena-base, sobre a qual são aplicadas as agravantes e atenuantes e, após, as causas de aumento e diminuição. II - O aumento da pena, em função da reincidência, expressamente prevista no art. 61, I, do Código Penal, não constitui bis in idem quando não utilizada como circunstância judicial para a fixação da pena-base. III - Ordem denegada
HC 94846HC - HABEAS CORPUS
Relator(a)
RICARDO LEWANDOWSKI
Sigla do órgão
STF

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO, NA FASE DO ARTIGO 59, COM FUNDAMENTO NA CONDIÇÃO DO CARGO DE DELEGADO DO PACIENTE. BIS IN IDEM. CRIMES TIPIFICADOS NOS ARTIGOS 312 E 316 DO CÓDIGO PENAL. DELITOS DE MÃO PRÓPRIA APENADOS COM MAIOR RIGOR, CONSIDERADOS OS CRIMES CONGÊNERES PRATICADOS POR PARTICULARES. PRECEDENTE. Peculato e concussão. Exasperação da pena-base em virtude do cargo de delegado exercido pelo paciente. Os crimes descritos nos artigos 312 e 316 do Código Penal são delitos de mão própria; só podem ser praticados por funcionário público. O legislador foi mais severo, relativamente aos crimes patrimoniais, ao cominar pena em abstrato de 2 (dois) a 12 (doze) anos para o crime de peculato, considerada a pena de 1 (um) a 4 (quatro) anos para o crime congênere de furto. Daí que o acréscimo da pena-base, com fundamento no cargo exercido pelo paciente, configura bis in idem. A Primeira Turma desta Corte, no julgamento do HC n. 83.510, Rel. o Ministro Carlos Britto, fixou o entendimento de que a condição de Prefeito Municipal não pode ser considerada como circunstância judicial para elevar a pena-base. Substituindo o cargo de prefeito pelo de delegado, a hipótese destes autos é a mesma. Ordem concedida.

Processo

HC 88545HC - HABEAS CORPUS
Relator(a)
EROS GRAU
Sigla do órgão
STF

E M E N T A: HABEAS CORPUS - MENORIDADE DO RÉU - PENA ABAIXO DO MINIMO LEGAL - INADMISSIBILIDADE - NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO DECISORIO - EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL SATISFEITA - REINCIDENCIA - DUPLA VALORAÇÃO - INOCORRENCIA - PEDIDO INDEFERIDO. - Os juizes e Tribunais, mesmo reconhecendo a ocorrencia da circunstancia atenuante obrigatoria da menoridade, não podem reduzir a pena a limite que se situe abaixo da sanção minima cominada em lei. - A motivação dos atos decisorios do Poder Judiciario constitui pressuposto de validade, de eficacia e de legitimidade dos pronunciamentos jurisdicionais. Decisões imotivadas são decisões nulas. Ocorrencia, no caso, de ato judicial plenamente fundamentado. - A reincidencia do condenado somente legitima a exasperação da pena na hipótese única de seu reconhecimento como circunstancia agravante generica. Essa pessoal condição jurídica do sentenciado, que influi na definição do seu status poenalis, não pode ser também considerada na fixação da pena-base. A dupla valoração da reincidencia - enquanto circunstancia judicial e enquanto circunstancia legal - não deve ser admitida, sob pena de inaceitavel bis in idem.
Processo
HC 70483HC - HABEAS CORPUS
Relator(a)
CELSO DE MELLO
Sigla do órgão
STF
RICARDO LEWANDOWSKI

O princípio do ne bis in idem decorre também, logicamente do princípio da reserva legal, pois realiza a sua aplicação nas diversas fases da dosimetria da pena, exigindo do julgador que puna mais, ou puna menos, pela circunstância fática prevista previamente em lei, de acordo com a sanção previamente estatuída para aquele fato, o que não ocorrerá se for aplicada a sanção duplamente, pelo mesmo fato.


Sobre o princípio da reserva legal, vale uma incursão nas palavras sempre atuais de Aníbal Bruno:


(...) Traçando o círculo fechado do ilícito penal, dentro do qual, em princípio, ninguém pode penetrar sem incorrer em pena e fora do qual ninguém pode sofrer a imposição penal, a lei punitiva não só promove a defesa pela proteção que confere, por meio dos rigores de sua sanção, às condições existencias da sociedade, nos termos emque ela se acha constituída, mas assegura e delimita o campo de ação do Estado na repressão e prevenção direta da delinqüência, e com essa delimitação garante as liberdades individuais em geral e os direitos fundamentais que subsistem no próprio delinquante

O princípio nullum crimen, nulla poena sine lege
O rigor dessa limitação e a força dessas garantias estão no princípio que faz da lei penal a fonte exclusiva de declaração dos crimes e das penas, o princípio da absoluta legalidade do direito punitivo, que exige a anterioridade de uma lei penal, para que determinado fato, por ela definido e sancionado, seja julgado e punido como crime. Esse princípio, tradicionalmente expresso na regra nullum crimen, nulla poena sine lege e geralmente consagrado nos dispositivos de abertura dos Códigos penais modernos, tem raízes na Magna carta, da Inglaterra (1215), e nas Petition os Rights, norte-americanas, mas foi formulado em termos precisos na Declaração dos Direitos do Homem, na Revolução Frencesa: ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada (art. 8º)
Na doutrina, encontram-se antecedentes em Montesquieu e Beccaria, mas quem forneceu os próprios termos da regra latina em que hoje é enunciado foi Feuerbach. No nosso Código está consagrado no artigo 7º " não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal" e Além disso, é um dispositivo da nossa Constituição, onde aliás, continua uma tradição constante em todas as cartas constitucionais.
No decurso de sua evolução, a partir da Magna Carta, dos documentos norte americanos e da Revolução Francesa, o princípio da legalidade foi dissociando do seu contexto as várias funções de garantia que hoje apresenta: não há crime nem pena sem lei anterior, e então o princípio se opõe á retroatividade da norma penal incriminadora, trazendo a necessária precisão e segurança ao direito; não há crime nem pena sem lei escrita, o que importa negar ao direito costumeiro função criadora ou agravante de tipos ou sanções penais; não há crime nem pena sem lei estrita, com que se impõe uma limitação à aplicação da lei e se torna defeso, do domínio das normas incriminadoras, o emprego da analogia (grifei).
Esse princípio, que é uma das características dos regimes democráticos nascidos das idéias liberais do século XVIII, do liberalismo e do individualismo das correntes filosóficas e políticas que então se desenvolveram, tem sido posto modernamente em discussão e vem sendo abolido mesmo em algumas legislações, ou como expressão de um regime de hipertrofia estatal, em que a defesa de um sistema político, de um partido, de uma classe social, exige uma ordem penal que se tem chamado autoritária, em condição de atuar sem a limitação daquele princípio liberal, ou como forma de transição entre um direito penal de normas incriminadoras tipificadas e em direito penal sem parte Especial e sem dosimetria das penas. São, em geral, sinais e exigências da crise social e política do nosso tempo. Note-se que já era assim na Roma do império com os seus juízes decidindo ad exemplum legis. Modernamente, a Rússia excluiu este princípio do seu sistema jurídico-penal, designando o crime pelo conceito elástico de ação socialmente perigosa (refere-se o autor ao Código Penal soviético, como explica em nota de rodapé). Do mesmo modo a Alemanha do Nacional -socialismo, correndo ao "são sentimento do povo" desembaraçou-se do princípio legalista. Outras vezes razões de doutrina ou de técnica, ou simplesmente de tradição legislativa têm influído para o abandono do princípio da legalidade. Um exemplo é o Código Penal da Dinamamrca. Não são modelos que mereçam ser seguidos. O caráter punitivo da sanção anticriminal, com a grave restrição de bens jurídicos fundamentais imposta ao criminoso, como ainda hoje se apresenta, o seu sentido retributivo-expiatório, eleva aquela máxima à posição de garantia imprescindível á liberdade do homem." (grifei) (Aníbal Bruno, Direito Penal, pg 206/207, 1978)

Nesse sentido ainda, a doutrina de Assis Toledo:


Função de garantia da lei penal. Princípio da legalidade ou da reserva legal. Estudada a técnica da elaboração dos tipos, resta ver-se como esta se projeta no plano político e constitucional para erigir-se em um dos mais importantes princípios do direito penal dos últimos tempos. Uma breve digressão histórica contribuirá para demonstrar essa afirmação.
Em 1935, no auge do regime nazista, Dahm, percebendo nos tipos legais de crime uma incômoda limitação ao poder estatal, proclamou a necessidade de atenuação ou de aniquilamento de um velho princípio - o nullum crimen, nulla poena sine lege - afirmando que os crimes mais graves, principalmente políticos, não se deixam conter em tipos legais nem se deixam circunscrever por meio de normas abstratas (National sozialistisches um faschistisches Strafrechts, Berlin, 1935). Daí a necessidade de superar-se, ao ver do autor citado, esse princípio, que se constituía em verdadeiro obstáculo à atuação do juiz, na aplicação da pena criminal a fatos danosos não totalmente ajustados às previsões legais.
A novidade criticável dessa doutrina está na conclusão que adota, não na constatação, realmente correta, de que os tipos legais de crime, à luz do princípio da legalidade que iremos examinar, constituem concreta limitação ao poder estatal. Franz Von Liszt percebera isso, muito antes, quando em 1905, com propósitos diferentes, afirmava ser o código penal a magna carta do delinqüente, isto é, a garantia, para os que se rebelam contra o Estado e a sociedade, de uma punição segundo certos pressupostos e dentro de precisos limites legais. E aqui se revela um dúplice aspecto do ordenamento jurídico penal, enfatizado por Roxin serve, simultaneamente, para limitar o poder de intervenção estatal na esfera dos direitos individuais e também para combater o crime. Protege tanto o indivíduo contra os abusos da autoridade quanto a sociedade e seus membros contra os abusos dos indivíduos'
Somente pois, em um Estado de direito, muito diferente daquele a que servia Dahm, será possível identificar-se, em toda a sua inteireza, o princípio da legalidade e dele extraírem-se lógicas conseqüências. É que este princípio deita raízes longínquas no liberalismo, com suas idéias jus naturalistas e contratualistas incompatíveis com as que orientam um estado totalitário"
(...)
O nullum crimen, nulla poena sine lege tem sua longa história, por vezes acidentada, com fluxos e refluxos. Por isso já foi objeto de muitas interpretações, conforme acentua Maurach, cada uma delas desempenhando papel político de realce, antes que se chegasse à concepção atual, mais ou menos cristalizada na doutrina. Presentemente, essa concepção é obtida na no quadro da denominada "função de garantia da lei penal".. e para a atuação da justiça criminal em um estado de direito, essa função de garantia provoca o desdobramento do princípio em exame em quatro ouros princípios, a saber:
a) nullum crimen, nulla poena sine lege PRAEVIA;
b) nullum crimen, nulla poena sine lege SCRIPTA;
c) nullum crimen, nulla poena sine lege STRICTA;
d) nullum crimen, nulla poena sine lege CERTA.
Lex praevia significa proibição de leis retroativas que fundamentem ou agravem a punibilidade. Lex scripta, a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pelo direito consuetudinário. Lex stricta, a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pela analogia (analogia in malam partem) . Lex certa, a proibição de leis penais indeterminadas (grifei).

O parágrafo quarto do artigo 33 da lei de drogas, é exemplo da possibilidade de agravamento incerto, a critério do julgador, e só por isso incide em violação ao princípio da reserva legal, pois não traça nenhum critério para a graduação da benesse.


Ainda que se pudesse criar meios de graduação, violando-se o princípio da lei estrita, ao dosá-la utilizando-se das circunstâncias do crime, motivos, quantidade e qualidade da droga, conduta social, internacionalidade, ou outras, já previstas em lei, a decisão incidirá em bis in idem vedado.


Não é possível negar a diminuição da lei a quem faz jus, mas também não é possível aplicar o parágrafo como está sem incidir em bis in idem, concluo.

Ora nesse cenário, desde que devida a redução, só seria cabível no patamar máximo de 2/3, pois a única consentânea com o princípio da reserva legal e presunção de inocência, que indicam que na dúvida, no impasse, a solução deve ser em favor do direito de liberdade.


Esse tem sido o meu posicionamento, porém o estou revendo agora, pois é inegável que essa solução também deixa a desejar.


Ocorre que na prática, a conclusão acima acaba por provocar um excesso em favor da ré que praticamente reduz o tráfico a uma infração de menor potencial ofensivo, em função da pena efetivamente aplicada, compatível muitas vezes até com o limite da Lei n.º 11.313/06, (que trata dos Juizados Especiais Federais), inconciliável com a hediondez da conduta preconizada na Constituição Federal - o que torna a essa solução também contrária ao Direito.


O afastamento da graduação com aplicação em dois terços da diminuição faz resultar evidentemente desproporcional a pena, e obriga o juiz a praticar excesso em favor da ré, ao solapar, por exemplo, uma grave pena de seis anos de reclusão a apenas dois, muitas vezes, pena inferior à que resulta de muitos crimes de gravidade infinitamente menor que o tráfico.


O legislador quis privilegiar a primariedade, em senso lato, sem dúvida. Porém deve se reconhecer que o excesso na redução implica em desconsiderar a gravidade da conduta já fixada com a pena base, e nas fases seguintes da dosimetria, em nome dessa primariedade. Assim, solapar a punição pela redução de 2/3 é de fato praticar o excesso, em favor da ré, o que nem a lei poderia fazer.


Portanto, a interpretação conforme a Constituição, ao princípio da isonomia que norteia o sistema e aos demais princípios de direito penal, como a individualização da pena e reserva legal deve afastar também o excesso em favor da ré, privilegiando o princípio da proporcionalidade razoável na aplicação da pena, que decorre da equidade e proibição do excesso, que norteia o legislador e o juiz, seja em favor da sociedade, seja em favor da ré.


Note-se que aqui não se trata de criar reprimenda onde não existe lei para punir, com base no excesso em favor do direito de liberdade, não se trata de legislar, criar preceito, mas adequar uma reprimenda existente a limites proporcionais.


No sentido da proibição do excesso no exercício do poder legislativo, já discorremos ao tratar do artigo 273 do Código Penal, porém neste caso, apontamos excesso em desfavor do direito de liberdade:


"É certo que o judiciário não deve se imiscuir na função legislativa, o que seria afronta ao princípio da tripartição dos poderes. Cabe-lhe interpretar a norma jurídica e aplicá-la no caso concreto. Porém cabe-lhe a interpretação harmônica do sistema, e dentro dessa função está a de controlar a constitucionalidade das normas jurídicas, devendo nesse passo deixar de aplicar preceitos que se encontrem em confronto com as normas e princípios constitucionais, isto é, que não encontram fundamento de validade na Lei Maior.


E o princípio da proibição do excesso, da proporcionalidade razoável está previsto em nossa Constituição e rege a atividade discricionária, quer do administrador público, quer do legislador positivo. Decorre do princípio do devido processo legal em seu aspecto material e do princípio da individualização da pena, expressos na Constituição.


Significa que no exercício de sua discricionariedade regrada o poder público, por meio de seus agentes não está autorizado pela Constituição Federal, a agir com excesso ao restringir direitos individuais em prol do interesse público, além do suficiente e necessário para a defesa dos interesses públicos. O excesso torna ilegal a atividade administrativa, ainda que a pretexto do exercício do poder discricionário e da mesma maneira torna inconstitucional a atividade legislativa, pois evidencia o desbordar dos limites da discricionariedade conferida a esses agentes pela Lei e pela Constituição.


Cito em meu subsídio o renomado professor José Joaquim Gomes Canotilho, em sua obra Direito Constitucional, pg 617/618:


2.5. O princípio da proibição do excesso (art. 18, o/2)
Este princípio, atrás considerado como um subprincípio densificador do Estado de direito democrático (cfr. supra, Parte IV, Cap. 1, A). significa, no âmbito específico das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, que qualquer limitação, feita por lei ou com base na lei, deve ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (com justa medida). A exigência da adequação aponta para a necessidade de a medida restritiva ser apropriada para a prossecução dos fins invocados pela lei (conformidade com os fins). A exigência da necessidade pretende evitar a adopção de medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias que, embora adequadas, não são necessárias para se obterem os fins de protecção visados pela Constituição ou a lei. Uma medida será então exigível ou necessária quando não for possível escolher outro meio igualmente eficaz, mas menos , relativamente aos direitos restringidos. O princípio da proporcionalidade em sentido restrito ( = princípio da ) significa que uma lei restritiva, mesmo adequada e necessária, pode ser inconstitucional, quando adopte cargas coactivas de direitos, liberdades e garantias , , ou em relação aos resultados obtidos.
O princípio da proibição do excesso (ou da proporcionalidade em sentido amplo), consagrado na parte final do art. 18. o/2, constitui um limite constitucional à liberdade de conformação do legislador. A Constituição, ao autorizar a lei a restringir direitos, liberdades e garantias, de forma a permitir ao legislador a realização de uma tarefa de concordância prática justificada pela defesa de outros bens ou direitos constitucionalmente protegidos, impõe uma clara vinculação ao exercício dos poderes discricionários do legislador. Em primeiro lugar, entre o fim da autorização constitucional para uma emanação de leis restritivas e o exercício do poder discricionário por parte do legislador ao realizar esse fim deve existir uma inequívoca conexão material de meios e fins. Em segundo lugar, no exercício do seu poder ou liberdade de conformação dos pressupostos das restrições de direitos, liberdades e garantias, o legislador está vinculado ao princípio material da proibição do excesso.
A questão, como se intui, coloca problemas complexos em sede de controlo concreto da constitucionalidade, se se interpretar a , a e a da medida legal restritiva como uma questão de situada no âmbito de liberdade de conformação do legislador. Deve apurar-se um de liberdade de conformação, pois: (1) há casos em que o legislador está estritamente vinculado, podendo afirmar-se que ele apenas possui uma competência de concretização legislativa (ex.: na definição do direito à liberdade e integridade física, o legislador só pode concretizar a defesa de nos precisos e estritos termos definidos pela CRP); (2) noutros casos, a competência de qualificação dos interesses públicos é já mais livre, mas, ainda assim, positivamente vinculada impedindo o legislador de limitar direitos em nome de interesses públicos não constitucionalmente protegidos (ex.: será inconstitucional a relativização do direito ao despedimento sem justa causa dos trabalhadores com base no interesse da produtividade das empresas, pois este não é um bem superior ou prevalente constitucionalmente protegido).
A liberdade de conformação do legislador exige das entidades judiciais de controlo uma relativa prudência quanto à aplicação do princípio da proibição do excesso, mas elas não poderão abdicar de dar uma específica aplicação a este princípio, sobretudo quando está em jogo a apreciação de medidas especialmente restritivas (ex.: do exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação, petição colectiva e a capacidade eleitoral nos termos do art. 270.). O princípio da proporcionalidade terá ainda interesse para o eventual controlo preventivo da constitucionalidade da lei geral restritiva.
A relevância prática do princípio da proibição do excesso pode ser ilustrada através de alguns casos decididos pelo TC (Ver Acs TC 4/84, 703/84, 23/84, 225/88, 282/86).

Vê-se do exposto, que nada impede que a doutrina acima se aplique também em favor da sociedade, quando se afirma que as punições devem ser proporcionais e razoáveis.


Na verdade, o Estado é titular do direito de punir, limitado pela lei, porém esse direito se traduz também num dever, o dever de punir as condutas contrárias a ordem vigente. Não se olvida que o Estado Brasileiro se propôs a punir efetivamente o tráfico de drogas, já que consta da lei maior que "XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; (...)"

Assim nos ensina Manuel Pedro Pimentel, verbis:


(...)
Estamos convencidos de que o Estado não é titular de um direito subjetivo de punir. Segundo se extrao dos ensinamentos de Santi Romano, o que existe realmente, é um poder dever de punir. O Estado tem o poder de punir, que é atributo de sua soberania, mas ao mesmo tempo, tem o dever de punir, imposto pela exigência de realização de uma das suas finalidades. Não há, portanto, o direito de punir (jus puniendi), mas um poder-dever de punir, que mais convém ao caráter público do Direito Penal.
(...) (Direito Penal Econômico, pg 88, RT, 1973)

Reconheço, por essas razões, que é preciso realizar o intento da norma, que é efetivamente punir o delinqüente, o que não ocorrerá se a pena fracassar em quaisquer de suas funções, repressivas, intimidatórias ou de reinserção social e prevenção, pois a pena deve funcionar como instrumento de prevenção geral e especial, e assim a resposta penal precisa ser adequada ao delito praticado.


Desbordaria os limites da discricionariedade do legislador abrandar de tal maneira o tratamento de um delito hediondo, assim considerado pela Constituição de modo que a pena reste inócua para os fins a que se destina, assim como não poderá agravar de forma evidentemente excessiva a reprimenda de delito de gravidade notadamente inferior.


Portanto, após muito desassosego com esse assunto, pois a solução que encontrei para não incidir em bis in idem, aplicar o redutor sempre em 2/3 nunca me pareceu plenamente satisfatória - ainda que a aplicasse por tratar-se da solução em prol do direito de liberdade, com base na presunção de inocência - reconheço que é preciso coibir excessos também em favor desse direito, sob pena de sacrificar-se a ordem constitucional vigente e os objetivos de pacificação social do Direito.


Na verdade, a falta de técnica do legislador, ao prever diminuição em patamar elástico e sem critérios para o seu estabelecimento, não deve levar o julgador a resultado evidentemente desproporcional em face da conduta já dosada nas fases anteriores e do sistema repressivo como um todo.


Portanto, uma interpretação conforme a Constituição Federal desse inquietante parágrafo 4º da lei 11.343/06, deve afastar a impossível graduação, evitando-se o bis in idem, e fixar o redutor em patamar fixo, sempre que presentes os requisitos cumulativos da causa de diminuição, sob pena de negar-se vigência ao dispositivo, que não é de ser declarado inconstitucional por esse defeito, mas interpretado conforme os princípios constitucionais.

O patamar, pelo exposto, não deve ser o máximo. Entendo que, para atender, dentro da medida do possível a mens legis, procurando situar o julgamento mais proximamente à vontade do legislador, sem incidir em bis in idem, nem em excesso permissivo, revejo entendimento e passo a fixar a diminuição, quando devida, sempre no patamar fixo correspondente a média do intervalo pela lei estabelecido, e portanto em 5/12 (fração média entre 1/6 e 2/3 fixada pelo legislador)


Concluo que aplicada a diminuição em 5/12 a pena fica definitivamente fixada em 4 anos, 3 meses e 1 dia de reclusão e 369 dias-multa, em regime inicial fechado.


Sobre a conversão em penas restritivas de direitos que para o presente caso concreto, tenho que a medida não se mostra suficiente e adequada para a repressão da conduta, diante da culpabilidade que se afere em função da quantidade e qualidade do entorpecente transportado.


Na verdade, pondero que é preciso avaliar as circunstâncias do crime neste momento de se aplicar a espécie de pena mais adequada ao réu, para a prevenção especial e à conduta do ponto de vista da prevenção geral.


Aqui, não é devida a conversão em virtude da quantidade e qualidade da droga que transportava o réu, posto que isso seria uma circunstância extremamente desfavorável, até mesmo a ensejar o aumento de pena no momento da dosimetria, pela alta lesividade do tipo da droga (cocaína) e quantidade considerável (4902g).


Essas circunstâncias são determinantes nos termos do art. 59 e 44, III do Código Penal para a fixação da espécie adequada de pena aplicável ao réu, e não configura, diga-se, bis in idem a sua dupla avaliação, na dosimetria, agravando a pena-base e nessa operação, em que se avalia a espécie de pena a ser cumprida, não mais o seu quantum, operações diversas.


O artigo 44, inciso III do Código Penal estabelece que:


   Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
        III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

  

No presente caso, a quantidade e qualidade da droga indicam maior desvalor social da conduta, elevam sobremaneira a culpabilidade do réu e são circunstâncias desfavoráveis, do ponto de vista das potenciais conseqüências do crime.

Considerando os fins de prevenção geral e especial da pena tenho que não seria adequada a conversão nesse caso de transporte de considerável quantidade de cocaína, critério que não pode ser absoluto, pois circunstâncias outras, de caráter subjetivo, ligadas ao agente podem concorrer de modo a demonstrar que a medida é adequada ao caso concreto, o que em tese é possível, mas aqui não se demonstra.


Concluo que a culpabilidade do réu e as circunstâncias do crime, no caso, não indicam que essa substituição seja suficiente.


Tráfico. Regime inicial fechado. Admissibilidade. É possível fixar o regime inicial fechado no delito de tráfico internacional de entorpecentes, ainda que a pena seja inferior a quatro anos, desde que haja circunstâncias judiciais desfavoráveis ou fatos concretos a justificar a decisão:


EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CRIME COMETIDO NA VIGÊNCIA DA LEI 6.368/1976. APLICAÇÃO RETROATIVA DO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. COMBINAÇÃO DE LEIS. INADIMISSIBILIDADE. PRECEDENTES. FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL FECHADO DE CUMPRIMENTO DA PENA. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS AO PACIENTE. ORDEM DENEGADA.(...). III - É possível a fixação de regime inicial fechado quando a pena é em patamar inferior a quatro anos, e existirem circunstâncias judiciais desfavoráveis contra o paciente ou fatos concretos a justificar a decisão. IV - Ordem denegada.
(STF, HC n. 103159, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 17.08.10)

Tráfico. Direito de apelar em liberdade. O direito de apelar em liberdade para os delitos da Lei n. 11.343/06 é excepcional, desafiando fundamentação própria, não havendo ilegalidade em manter a prisão do réu que nessa condição respondeu a ação penal:


HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. OMISSÃO QUANTO AO DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. RÉUS QUE RESPONDERAM À AÇÃO PENAL PRESOS. CRIMES DE TÓXICOS. ILEGALIDADE. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.
I - O direito de apelar em liberdade para os delitos contidos na Lei 11.343/2006 é excepcional, desafiando fundamentação própria. II - Não há ilegalidade em manter presos, para apelar, réus que responderam a ação penal nessa condição. III - Inexistência de ilegalidade ou de abuso de poder. IV - Ordem denegada.
(STF, HC n. 92612, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 11.03.08)
Habeas corpus. Processual penal. Crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Prisão em flagrante mantida na sentença condenatória. Direito de apelar em liberdade. Impossibilidade. Precedentes. Writ denegado. (...) 1. O direito de apelar em liberdade relativo aos delitos mencionados na Lei nº 11.343/2006 é excepcional, desafiando fundamentação própria (HC nº 92.612/PI, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 11/4/08). 2. Não configura constrangimento ilegal a sentença penal condenatória que, ao manter a prisão em flagrante delito, veda ao paciente a possibilidade de recorrer em liberdade. (...)
(STF, HC n. 101817, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 24.08.10)
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. NÃO CONCESSÃO. DECISÃO FUNDAMENTADA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. Direito de apelar em liberdade. Não concessão. Adoção dos fundamentos do decreto de prisão cautelar, do qual se extrai que o paciente registra intensa atuação nas atividades ilícitas pelas quais foi condenado. Associação para o tráfico em nível internacional, com aquisição de cocaína da Colômbia e do Paraguai e remessa a compradores na Holanda, Espanha e Portugal. O modus operandi da quadrilha evidencia a periculosidade do paciente, justificando sua custódia cautelar para garantia da ordem pública. Ausência, portanto, de violação do princípio da presunção de inocência. Ordem denegada.
(STF, HC n. 98428, Rel. Min. Eros Grau, j. 18.08.09)

Do caso dos autos. Não prospera o pleito da defesa para que o réu responda ao processo em liberdade, porquanto esteve preso durante todo o processo, tendo salientado o Juiz a quo que permaneciam presentes os motivos da cautelaridade da prisão quando da prolação da sentença, a qual devia ser mantida.


Posto isso, NEGO PROVIMENTO ao recurso ministerial e, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da defesa para aplicar a causa de diminuição do art. 33, § 4º da Lei n. 11.343/06 no patamar de 5/12, tornando a pena definitiva do acusado em 4 anos, 3 meses e 1 dia de reclusão e 369 dias-multa, a ser cumprido em regime inicial fechado. No mais, mantenho a sentença.

É como voto.


Louise Filgueiras
Juíza Federal Convocada


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