Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 07/05/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010389-20.2008.4.03.6119/SP
2008.61.19.010389-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MELANIE MERCIA TANIA LLOYD reu preso
ADVOGADO : MARIANA LUCENA NASCIMENTO (Int.Pessoal)
: ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE CONSISTENTE NA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO DEMONSTRADA - PENA-BASE MANTIDA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - EXCLUSÃO DA CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DA CONFISSÃO E DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO § 4º DO ARTIGO 33 DA LEI Nº 11.343/2006 - INAPLICABILIDADE DA CAUSA DE REDUÇÃO DE PENA PREVISTA NO ARTIGO 24, § 2º, DO CÓDIGO PENAL - INTERNACIONALIDADE DO TRÁFICO COMPROVADA - REDUÇÃO DO PERCENTUAL DECORRENTE DA INTERNACIONALIDADE DO TRÁFICO AO MÍNIMO LEGAL - MAJORAÇÃO DO NÚMERO DE DIAS-MULTA - IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS E DE RECORRER EM LIBERDADE - INUTILIDADE DA SUPOSTA INCONSTITUCIONALIDADE SUSCITADA - APELAÇÃO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDA - APELAÇÃO DA RÉ PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Ré condenada pela prática de tráfico internacional de entorpecentes porque trazia consigo, no interior de 2 (dois) pares de sapato e no forro de uma pasta, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, no exterior, 1.220g (um mil duzentos e vinte gramas) - peso bruto - de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar.
2. A não demonstrada situação financeira adversa da apelante, alegada de forma genérica e desprovida de lastro probatório mínimo, não constitui motivo idôneo a autorizar o reconhecimento da causa supralegal de exclusão da culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa, na qual se baseia o estado de necessidade exculpante, a ilidir a responsabilização criminal. E mesmo que houvesse comprovação da aventada penúria, a conclusão não seria diversa, já que enveredar no mundo do crime não é solução acertada, honrosa, digna para resolver agruras econômicas - muitas delas vivenciadas por todo o corpo social - ao contrário, revela desvio de caráter, cupidez e pobreza de princípios.
3. A elevada quantidade (mais de um quilo) da nefasta droga apreendida (cocaína) - circunstâncias preponderantes - autorizam a manutenção da pena-base acima do mínimo legal.
4. A confissão traduziu-se em admissão da autoria impossível de ser negada, diante da prova inequívoca do transporte da droga pela ré, no interior de 2 (dois) pares de sapato e no forro de uma pasta, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP. Além disso, a ré negou conhecimento de que transportava substância entorpecente no momento da abordagem policial e permaneceu em silêncio perante o Delegado de Polícia Federal, só vindo a confessar a prática delitiva em Juízo. Ainda, a ré agregou à confissão tese defensiva consistente no não comprovado estado de necessidade, sendo irreconhecível a confissão espontânea na conduta do agente que admite conduta criminosa incontrovertível, mas no mesmo ato aduz causa excludente do injusto da prática criminosa.
5. A pessoa que se dispõe a efetuar o transporte de substância entorpecente para o exterior com as despesas custeadas e mediante promessa de recompensa evidentemente integra organização criminosa de forma efetiva e relevante. Com efeito, a apelante, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, constituindo figura essencial ao sucesso da empreitada criminosa, eis que incumbida de receber a droga devidamente embalada do fornecedor, ocultá-la e transportá-la em sua bagagem, devendo entregá-la ao destinatário na África do Sul, representando, portanto, o imprescindível elo de ligação entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, a incidência do benefício discorrido, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma.
6. Não há que se cogitar da aplicação da causa de redução de pena prevista no artigo 24, § 2º, do Código Penal, eis que não se afigura nada razoável, nem aceitável, expor a risco a saúde pública, bem jurídico tutelado pela norma penal, em prol de uma temporária melhora na situação financeira da ré, que não comprovou sequer um fato concreto que demonstrasse a sua necessidade. O conjunto probatório carreado aos autos conduz a inafastável ilação de que o motivo propulsor da atuação criminosa da ré foi a obtenção de dinheiro fácil.
7. Internacionalidade do tráfico comprovada pela confissão da ré quanto ao destino da droga apreendida, que se encontrava, portanto, em vias de exportação, sendo irrelevante que ainda não tivesse deixado o país. Além disso, a ré foi abordada trazendo consigo cocaína no interior do Aeroporto Internacional de Guarulhos prestes a embarcar para o exterior, restando clara e evidente sua intenção de transportar a droga para fora do país, fato suficiente para considerar o crime consumado e para caracterizar a internacionalidade do tráfico perpetrado, ainda que não efetivada a internação da droga em território estrangeiro. Ademais, tratando-se de tipo misto alternativo, é evidente que o só fato de a ré ter consigo, dentro de sua bagagem, a cocaína destinada à exportação para Joanesburgo/África do Sul, deixa clara a consumação.
8. A lei de drogas fala tão somente em transnacionalidade do delito, e o iter geográfico que a apelante tencionava percorrer não reflete um trajeto extraordinário que lhe exigiria maior esforço e grandes riscos, razões pelas quais o percentual de aumento decorrente da internacionalidade do tráfico deve ser reduzido ao mínimo legal de 1/6 (um sexto).
9. Majoração da pena pecuniária, devidamente autorizada pela interposição de recurso ministerial e em observância ao critério bifásico eleito no artigo 43 da Lei nº 11.343/06, mantido o valor unitário mínimo.
10. Incabível a substituição por pena alternativa em razão da quantidade de pena privativa de liberdade fixada, que excede o limite disposto no inciso I do artigo 44 do Código Penal.
11. É entendimento cediço que ao condenado por crime de tráfico ilícito de entorpecentes é negado o direito de recorrer em liberdade, máxime se o agente respondeu preso a todo o processo em razão de prisão em flagrante - exatamente a hipótese sub judice - ou de prisão preventiva, não havendo de se cogitar em ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula nº 09 do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Precedentes.
12. A matéria de inconstitucionalidade parcial do artigo 44 da Lei nº 11.343/2006, no que tange à vedação da concessão da liberdade provisória, é inócua na singularidade do caso, vez que, como já mencionado, a ré não preenche as condições necessárias para pleitear o benefício.
13. Apelação ministerial parcialmente provida.
14. Apelação da ré parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento à apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para excluir a incidência da circunstância atenuante da confissão, bem como da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, e dar parcial provimento à apelação da ré para reduzir o percentual de aumento decorrente da internacionalidade do tráfico ao mínimo legal de 1/6 (um sexto), reajustando-se a sanção penal, nos termos do relatório e voto do Desembargador Federal Relator, acompanhado pelo voto da Desembargadora Federal Vesna Kolmar, vencido o Desembargador Federal José Lunardelli, que negava provimento a ambas as apelações.


São Paulo, 24 de abril de 2012.
Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIZ ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042
Nº de Série do Certificado: 071C0E4C5CCF4CC3
Data e Hora: 25/04/2012 17:12:38



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010389-20.2008.4.03.6119/SP
2008.61.19.010389-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MELANIE MERCIA TANIA LLOYD reu preso
ADVOGADO : MARIANA LUCENA NASCIMENTO (Int.Pessoal)
: ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS

RELATÓRIO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:

Trata-se de Apelação Criminal interposta contra a r. sentença condenatória, publicada em 15 de abril de 2009 (fls. 231), proferida em ação penal destinada a apurar a prática do crime descrito no artigo 33, caput c.c artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06.


Fato praticado em 8 de dezembro de 2008; denúncia recebida em 25 de dezembro de 2008 (fls. 54/55).


Após a regular instrução do feito, MELANIE MERCIA TANIA LLOYD foi condenada ao cumprimento de 4 (quatro) anos e 7 (sete) meses de reclusão, a serem descontados em regime inicialmente fechado, e pagamento de 457 (quatrocentos e cinqüenta e sete) dias-multa, no valor unitário mínimo, pela prática do delito previsto no artigo 33, caput c.c artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, sendo-lhe vedado o direito de recorrer em liberdade.


Expedida a Guia de Recolhimento Provisória (fls. 238/239).


Inconformado, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou recurso de apelação (fls.250/274) no qual requer a avaliação da dosimetria da pena para que seja majorada a pena-base; excluída a circunstância atenuante da confissão espontânea; e afastada a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 ou, caso esta seja reconhecida, que o percentual de redução seja aplicado no mínimo legal de 1/6 (um sexto).


Em razões de apelação (fls. 292/308v), a defesa de MELANIE MERCIA TANIA LLOYD pleiteia a absolvição em razão da configuração da causa excludente de culpabilidade consistente no estado de necessidade exculpante. Subsidiariamente, requer:

- a fixação da pena-base no mínimo legal;

- a aplicação da redução prevista no artigo 24, § 2º, do Código Penal, em face do estado de necessidade exculpante;

- a aplicação da causa de redução de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 no patamar máximo de 2/3 (dois terços);

- a exclusão da majorante relativa à internacionalidade do tráfico ou, caso assim não se entenda, a sua aplicação no patamar mínimo de 1/6 (um sexto);

- a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos;

- a declaração parcial de inconstitucionalidade via incidental, com redução do texto do artigo 44 da Lei nº 11.343/06, no que tange a vedação da concessão da liberdade provisória, pois viola o princípio da presunção de inocência;

- a viabilização do direito de recorrer em liberdade.


Contrarrazões apresentadas pela defesa de MELANIE MERCIA TANIA LLOYD (fls. 286/291) e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 317/330).


A Procuradoria Regional da República, na pessoa da Dra. Ana Lúcia Amaral, opinou pelo parcial provimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, tão somente para aumentar a pena-base aplicada e para excluir a circunstância atenuante da confissão; e pelo improvimento do recurso de apelação manejado pela defesa (fls. 333/347).


Foi juntado aos autos ofício proveniente da 2ª Vara das Execuções Criminais Central informando que, através de decisão proferida em 22 de fevereiro de 2011, foi deferido o pedido de progressão ao regime semi-aberto formulado em favor de MELANIE MERCIA TANIA LLOYD (fls. 373/376).


É o relatório.


À revisão.


Johonsom di Salvo
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIZ ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042
Nº de Série do Certificado: 071C0E4C5CCF4CC3
Data e Hora: 09/02/2012 12:27:51



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010389-20.2008.4.03.6119/SP
2008.61.19.010389-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MELANIE MERCIA TANIA LLOYD reu preso
ADVOGADO : MARIANA LUCENA NASCIMENTO (Int.Pessoal)
: ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS

VOTO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:


Consta da denúncia (fls. 48/50) que no dia 8 de dezembro de 2008, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP, MELANIE MERCIA TANIA LLOYD foi presa em flagrante delito quando tentava embarcar em vôo da companhia aérea South African com destino a Joanesburgo/África do Sul, trazendo consigo, no interior de 2 (dois) pares de sapato e no forro de uma pasta, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, no exterior, 1.220g (um mil duzentos e vinte gramas) - peso bruto - de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar.


Passemos ao exame dos recursos interpostos.

Devidamente demonstradas - e não impugnadas em sede recursal - a materialidade e autoria da conduta típica e antijurídica, à defesa compete fazer prova das excludentes de ilicitude ou de culpabilidade que venha a alegar.


Nesse passo, a não demonstrada situação financeira adversa da apelante, alegada de forma genérica - apenas alegou que precisava de dinheiro para prover as despesas básicas de seus filhos menores e gêmeos - e desprovida de lastro probatório mínimo, não constitui motivo idôneo a autorizar o reconhecimento da causa supralegal de exclusão da culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa, na qual se baseia o estado de necessidade exculpante, a ilidir a responsabilização criminal.


Além disso, as declarações prestadas por MELANIE em Juízo - no sentido de que exerce a profissão de cantora em clubes noturnos (onde conheceu seu aliciador), reside com seus pais, e seu ex-marido ostenta boa condição econômica, mostrando-se arrependida pela busca do dinheiro fácil - contrapõem-se ao quadro financeiro extremamente desfavorável aventado pela defesa nas razões recursais.


E mesmo que houvesse comprovação da aventada penúria, a conclusão não seria diversa, já que enveredar no mundo do crime não é solução acertada, honrosa, digna para resolver agruras econômicas - muitas delas vivenciadas por todo o corpo social - ao contrário, revela desvio de caráter, cupidez e pobreza de princípios.


Passo à análise da dosimetria da pena.


Em observância às circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código Penal, e ao disposto no artigo 42 da Lei nº 11.343/06, em especial, à culpabilidade acentuada, eis que a agente - pessoa com instrução razoável (escola técnica em música) e com idade que lhe garante experiência suficiente para saber a gravidade da conduta praticada e sua repercussão maléfica na sociedade - não agiu de inopino, ao revés, teve tempo suficiente para refletir e persistiu no intento criminoso; ao motivo mercenário, pois agiu com vistas à obtenção de lucro fácil proporcionado pela narcotraficância; à quantidade (1.165g - peso líquido) e natureza nefasta da droga apreendida (cocaína), a pena-base foi fixada acima do mínimo legal, em 6 (seis) anos de reclusão.


Destaco que a culpabilidade da ré não transcende à normalidade do comportamento das chamadas "mulas", que por dinheiro se arriscam em aventuras geralmente fadadas ao fracasso, sendo que o fato de a agente ter sua conduta impulsionada pelo desejo vil de obtenção de lucro financeiro é circunstância inerente ao tipo penal.


Todavia, a elevada quantidade (mais de um quilo) da nefasta droga apreendida (cocaína) - circunstâncias preponderantes - autorizam a manutenção da pena-base acima do mínimo legal, em 6 (seis) anos de reclusão, tal como fixada no édito condenatório.


Na segunda fase, razão assiste ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ao requerer a exclusão da circunstância atenuante prevista no artigo 65, inciso III, "d", eis que a confissão traduziu-se em admissão da autoria impossível de ser negada, diante da prova inequívoca do transporte da droga pela ré, no interior de 2 (dois) pares de sapato e no forro de uma pasta, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP.


Nesse contexto, vislumbra-se que no momento da abordagem policial MELANIE negou conhecimento de que transportava substância entorpecente em seus pertences (fls. 3), permaneceu em silêncio perante o Delegado de Polícia Federal (fls. 5), só vindo a confessar a prática delitiva em Juízo (fls. 194).


Além disso, MELANIE agregou à confissão tese defensiva consistente no não comprovado estado de necessidade.


Ora, é irreconhecível a confissão espontânea na conduta do agente que admite conduta criminosa incontrovertível, mas no mesmo ato aduz causa excludente do injusto da prática criminosa.

Na terceira fase, a magistrada sentenciante aplicou a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 no patamar de 1/3 (um terço).


Na esteira das razões de apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, entendo pela não incidência do benefício discorrido no caso sub judice, pois a pessoa que se dispõe a efetuar o transporte de substância entorpecente para o exterior com as despesas custeadas e mediante promessa de recompensa evidentemente integra organização criminosa de forma efetiva e relevante. Com efeito, a apelante, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, constituindo figura essencial ao sucesso da empreitada criminosa, eis que incumbida de receber a droga devidamente embalada do fornecedor, ocultá-la e transportá-la em sua bagagem, devendo entregá-la ao destinatário na África do Sul, representando, portanto, o imprescindível elo de ligação entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, a incidência do benefício discorrido, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma.


Não há que se cogitar da aplicação da causa de redução de pena prevista no artigo 24, § 2º, do Código Penal, eis que não se afigura nada razoável, nem aceitável, expor a risco a saúde pública, bem jurídico tutelado pela norma penal, em prol de uma temporária melhora na situação financeira da ré, recordando que no caso dos autos a apelante não comprovou sequer um fato concreto que demonstrasse a sua necessidade. Além disso, é certo que a prática de tráfico internacional de entorpecentes não era a única alternativa de sobrevivência para MELANIE, que exercia o labor de cantora, residia com os pais e seu ex-marido detinha condições de auxiliar no sustento dos filhos menores e gêmeos. In casu, o conjunto probatório carreado aos autos nos conduz a inafastável ilação de que o motivo propulsor da atuação criminosa de MELANIE foi a obtenção de dinheiro fácil - receberia a quantia de cinco mil rands da pessoa que retiraria a droga de sua bagagem no aeroporto de Joanesburgo/África do Sul e, posteriormente, três mil dólares pelo implemento da tarefa.


Ainda na terceira fase, não há que se cogitar do pretendido afastamento da majorante referente à internacionalidade do tráfico, estando a mesma comprovada pela confissão da apelante quanto ao destino da droga apreendida, que se encontrava, portanto, em vias de exportação, sendo irrelevante que ainda não tivesse deixado o país.


Além disso, destaca-se que MELANIE foi abordado trazendo consigo cocaína no interior do Aeroporto Internacional de Guarulhos prestes a embarcar para o exterior, restando clara e evidente sua intenção de transportar a droga para fora do país, fato suficiente para considerar o crime consumado e para caracterizar a internacionalidade do tráfico perpetrado, ainda que não efetivada a internação da droga em território estrangeiro.


Ademais, tratando-se de tipo misto alternativo, é evidente que o só fato de a ré ter consigo, dentro de sua bagagem, a cocaína destinada à exportação para Joanesburgo/África do Sul, deixa clara a consumação.


Nesse sentido é a jurisprudência do STJ: HC 156349/SP, QUINTA TURMA, Rel. Ministro JORGE MUSSI, julgado em 5/4/2011, DJe 14/4/2011; HC 123699/SP, QUINTA TURMA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, julgado em 26/10/2010, DJe 22/11/2010.


Todavia, sendo certo que a lei de drogas fala tão somente em "transnacionalidade" do delito, e que o iter geográfico que a apelante tencionava percorrer não reflete um trajeto extraordinário que lhe exigiria maior esforço e grandes riscos, reduzo o percentual de aumento para o mínimo legal de 1/6 (um sexto), restando a pena privativa de liberdade definitivamente fixada em 7 (sete) anos de reclusão.


Em observância ao critério bifásico eleito no artigo 43 da Lei nº 11.343/06, e devidamente autorizado pela interposição de recurso ministerial, elevo o número de dias-multa para 700 (setecentos), mantido o valor unitário mínimo.


Ainda que tenha sido declarada pelo STF a inconstitucionalidade da Lei nº 11.343/06 na parte em que vedava a conversão em pena substitutiva, na singularidade do caso é incabível a incidência de pena alternativa em razão da quantidade de pena privativa de liberdade fixada, que excede o limite disposto no inciso I do artigo 44 do Código Penal.


Outrossim, é entendimento cediço que ao condenado por crime de tráfico ilícito de entorpecentes é negado o direito de recorrer em liberdade, máxime se o agente respondeu preso a todo o processo em razão de prisão em flagrante - exatamente a hipótese sub judice - ou de prisão preventiva, não havendo de se cogitar em ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula nº 09 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.


Nesse sentido: STJ, HC 152.470/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 04/04/2011.


A matéria de inconstitucionalidade parcial do artigo 44 da Lei nº 11.343/2006, no que tange à vedação da concessão da liberdade provisória, é inócua na singularidade do caso, vez que, como já mencionado, a ré não preenche as condições necessárias para pleitear o benefício.


Em face de todo o exposto, dou parcial provimento à apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para excluir a incidência da circunstância atenuante da confissão, bem como da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, e dou parcial provimento à apelação da ré para reduzir o percentual de aumento decorrente da internacionalidade do tráfico ao mínimo legal de 1/6 (um sexto), reajustando-se a sanção penal.

É como voto.



Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIZ ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042
Nº de Série do Certificado: 071C0E4C5CCF4CC3
Data e Hora: 25/04/2012 17:12:35