D.E. Publicado em 07/05/2012 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento à apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para excluir a incidência da circunstância atenuante da confissão, bem como da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, e dar parcial provimento à apelação da ré para reduzir o percentual de aumento decorrente da internacionalidade do tráfico ao mínimo legal de 1/6 (um sexto), reajustando-se a sanção penal, nos termos do relatório e voto do Desembargador Federal Relator, acompanhado pelo voto da Desembargadora Federal Vesna Kolmar, vencido o Desembargador Federal José Lunardelli, que negava provimento a ambas as apelações.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LUIZ ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042 |
Nº de Série do Certificado: | 071C0E4C5CCF4CC3 |
Data e Hora: | 25/04/2012 17:12:38 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Criminal interposta contra a r. sentença condenatória, publicada em 15 de abril de 2009 (fls. 231), proferida em ação penal destinada a apurar a prática do crime descrito no artigo 33, caput c.c artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06.
Fato praticado em 8 de dezembro de 2008; denúncia recebida em 25 de dezembro de 2008 (fls. 54/55).
Após a regular instrução do feito, MELANIE MERCIA TANIA LLOYD foi condenada ao cumprimento de 4 (quatro) anos e 7 (sete) meses de reclusão, a serem descontados em regime inicialmente fechado, e pagamento de 457 (quatrocentos e cinqüenta e sete) dias-multa, no valor unitário mínimo, pela prática do delito previsto no artigo 33, caput c.c artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, sendo-lhe vedado o direito de recorrer em liberdade.
Expedida a Guia de Recolhimento Provisória (fls. 238/239).
Inconformado, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou recurso de apelação (fls.250/274) no qual requer a avaliação da dosimetria da pena para que seja majorada a pena-base; excluída a circunstância atenuante da confissão espontânea; e afastada a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 ou, caso esta seja reconhecida, que o percentual de redução seja aplicado no mínimo legal de 1/6 (um sexto).
Em razões de apelação (fls. 292/308v), a defesa de MELANIE MERCIA TANIA LLOYD pleiteia a absolvição em razão da configuração da causa excludente de culpabilidade consistente no estado de necessidade exculpante. Subsidiariamente, requer:
- a fixação da pena-base no mínimo legal;
- a aplicação da redução prevista no artigo 24, § 2º, do Código Penal, em face do estado de necessidade exculpante;
- a aplicação da causa de redução de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 no patamar máximo de 2/3 (dois terços);
- a exclusão da majorante relativa à internacionalidade do tráfico ou, caso assim não se entenda, a sua aplicação no patamar mínimo de 1/6 (um sexto);
- a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos;
- a declaração parcial de inconstitucionalidade via incidental, com redução do texto do artigo 44 da Lei nº 11.343/06, no que tange a vedação da concessão da liberdade provisória, pois viola o princípio da presunção de inocência;
- a viabilização do direito de recorrer em liberdade.
Contrarrazões apresentadas pela defesa de MELANIE MERCIA TANIA LLOYD (fls. 286/291) e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 317/330).
A Procuradoria Regional da República, na pessoa da Dra. Ana Lúcia Amaral, opinou pelo parcial provimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, tão somente para aumentar a pena-base aplicada e para excluir a circunstância atenuante da confissão; e pelo improvimento do recurso de apelação manejado pela defesa (fls. 333/347).
Foi juntado aos autos ofício proveniente da 2ª Vara das Execuções Criminais Central informando que, através de decisão proferida em 22 de fevereiro de 2011, foi deferido o pedido de progressão ao regime semi-aberto formulado em favor de MELANIE MERCIA TANIA LLOYD (fls. 373/376).
É o relatório.
À revisão.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LUIZ ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042 |
Nº de Série do Certificado: | 071C0E4C5CCF4CC3 |
Data e Hora: | 09/02/2012 12:27:51 |
|
|
|
|
|
VOTO
Consta da denúncia (fls. 48/50) que no dia 8 de dezembro de 2008, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP, MELANIE MERCIA TANIA LLOYD foi presa em flagrante delito quando tentava embarcar em vôo da companhia aérea South African com destino a Joanesburgo/África do Sul, trazendo consigo, no interior de 2 (dois) pares de sapato e no forro de uma pasta, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, no exterior, 1.220g (um mil duzentos e vinte gramas) - peso bruto - de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar.
Passemos ao exame dos recursos interpostos.
Devidamente demonstradas - e não impugnadas em sede recursal - a materialidade e autoria da conduta típica e antijurídica, à defesa compete fazer prova das excludentes de ilicitude ou de culpabilidade que venha a alegar.
Nesse passo, a não demonstrada situação financeira adversa da apelante, alegada de forma genérica - apenas alegou que precisava de dinheiro para prover as despesas básicas de seus filhos menores e gêmeos - e desprovida de lastro probatório mínimo, não constitui motivo idôneo a autorizar o reconhecimento da causa supralegal de exclusão da culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa, na qual se baseia o estado de necessidade exculpante, a ilidir a responsabilização criminal.
Além disso, as declarações prestadas por MELANIE em Juízo - no sentido de que exerce a profissão de cantora em clubes noturnos (onde conheceu seu aliciador), reside com seus pais, e seu ex-marido ostenta boa condição econômica, mostrando-se arrependida pela busca do dinheiro fácil - contrapõem-se ao quadro financeiro extremamente desfavorável aventado pela defesa nas razões recursais.
E mesmo que houvesse comprovação da aventada penúria, a conclusão não seria diversa, já que enveredar no mundo do crime não é solução acertada, honrosa, digna para resolver agruras econômicas - muitas delas vivenciadas por todo o corpo social - ao contrário, revela desvio de caráter, cupidez e pobreza de princípios.
Passo à análise da dosimetria da pena.
Em observância às circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código Penal, e ao disposto no artigo 42 da Lei nº 11.343/06, em especial, à culpabilidade acentuada, eis que a agente - pessoa com instrução razoável (escola técnica em música) e com idade que lhe garante experiência suficiente para saber a gravidade da conduta praticada e sua repercussão maléfica na sociedade - não agiu de inopino, ao revés, teve tempo suficiente para refletir e persistiu no intento criminoso; ao motivo mercenário, pois agiu com vistas à obtenção de lucro fácil proporcionado pela narcotraficância; à quantidade (1.165g - peso líquido) e natureza nefasta da droga apreendida (cocaína), a pena-base foi fixada acima do mínimo legal, em 6 (seis) anos de reclusão.
Destaco que a culpabilidade da ré não transcende à normalidade do comportamento das chamadas "mulas", que por dinheiro se arriscam em aventuras geralmente fadadas ao fracasso, sendo que o fato de a agente ter sua conduta impulsionada pelo desejo vil de obtenção de lucro financeiro é circunstância inerente ao tipo penal.
Todavia, a elevada quantidade (mais de um quilo) da nefasta droga apreendida (cocaína) - circunstâncias preponderantes - autorizam a manutenção da pena-base acima do mínimo legal, em 6 (seis) anos de reclusão, tal como fixada no édito condenatório.
Na segunda fase, razão assiste ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ao requerer a exclusão da circunstância atenuante prevista no artigo 65, inciso III, "d", eis que a confissão traduziu-se em admissão da autoria impossível de ser negada, diante da prova inequívoca do transporte da droga pela ré, no interior de 2 (dois) pares de sapato e no forro de uma pasta, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP.
Nesse contexto, vislumbra-se que no momento da abordagem policial MELANIE negou conhecimento de que transportava substância entorpecente em seus pertences (fls. 3), permaneceu em silêncio perante o Delegado de Polícia Federal (fls. 5), só vindo a confessar a prática delitiva em Juízo (fls. 194).
Além disso, MELANIE agregou à confissão tese defensiva consistente no não comprovado estado de necessidade.
Ora, é irreconhecível a confissão espontânea na conduta do agente que admite conduta criminosa incontrovertível, mas no mesmo ato aduz causa excludente do injusto da prática criminosa.
Na terceira fase, a magistrada sentenciante aplicou a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 no patamar de 1/3 (um terço).
Na esteira das razões de apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, entendo pela não incidência do benefício discorrido no caso sub judice, pois a pessoa que se dispõe a efetuar o transporte de substância entorpecente para o exterior com as despesas custeadas e mediante promessa de recompensa evidentemente integra organização criminosa de forma efetiva e relevante. Com efeito, a apelante, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, constituindo figura essencial ao sucesso da empreitada criminosa, eis que incumbida de receber a droga devidamente embalada do fornecedor, ocultá-la e transportá-la em sua bagagem, devendo entregá-la ao destinatário na África do Sul, representando, portanto, o imprescindível elo de ligação entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, a incidência do benefício discorrido, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma.
Não há que se cogitar da aplicação da causa de redução de pena prevista no artigo 24, § 2º, do Código Penal, eis que não se afigura nada razoável, nem aceitável, expor a risco a saúde pública, bem jurídico tutelado pela norma penal, em prol de uma temporária melhora na situação financeira da ré, recordando que no caso dos autos a apelante não comprovou sequer um fato concreto que demonstrasse a sua necessidade. Além disso, é certo que a prática de tráfico internacional de entorpecentes não era a única alternativa de sobrevivência para MELANIE, que exercia o labor de cantora, residia com os pais e seu ex-marido detinha condições de auxiliar no sustento dos filhos menores e gêmeos. In casu, o conjunto probatório carreado aos autos nos conduz a inafastável ilação de que o motivo propulsor da atuação criminosa de MELANIE foi a obtenção de dinheiro fácil - receberia a quantia de cinco mil rands da pessoa que retiraria a droga de sua bagagem no aeroporto de Joanesburgo/África do Sul e, posteriormente, três mil dólares pelo implemento da tarefa.
Ainda na terceira fase, não há que se cogitar do pretendido afastamento da majorante referente à internacionalidade do tráfico, estando a mesma comprovada pela confissão da apelante quanto ao destino da droga apreendida, que se encontrava, portanto, em vias de exportação, sendo irrelevante que ainda não tivesse deixado o país.
Além disso, destaca-se que MELANIE foi abordado trazendo consigo cocaína no interior do Aeroporto Internacional de Guarulhos prestes a embarcar para o exterior, restando clara e evidente sua intenção de transportar a droga para fora do país, fato suficiente para considerar o crime consumado e para caracterizar a internacionalidade do tráfico perpetrado, ainda que não efetivada a internação da droga em território estrangeiro.
Ademais, tratando-se de tipo misto alternativo, é evidente que o só fato de a ré ter consigo, dentro de sua bagagem, a cocaína destinada à exportação para Joanesburgo/África do Sul, deixa clara a consumação.
Nesse sentido é a jurisprudência do STJ: HC 156349/SP, QUINTA TURMA, Rel. Ministro JORGE MUSSI, julgado em 5/4/2011, DJe 14/4/2011; HC 123699/SP, QUINTA TURMA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, julgado em 26/10/2010, DJe 22/11/2010.
Todavia, sendo certo que a lei de drogas fala tão somente em "transnacionalidade" do delito, e que o iter geográfico que a apelante tencionava percorrer não reflete um trajeto extraordinário que lhe exigiria maior esforço e grandes riscos, reduzo o percentual de aumento para o mínimo legal de 1/6 (um sexto), restando a pena privativa de liberdade definitivamente fixada em 7 (sete) anos de reclusão.
Em observância ao critério bifásico eleito no artigo 43 da Lei nº 11.343/06, e devidamente autorizado pela interposição de recurso ministerial, elevo o número de dias-multa para 700 (setecentos), mantido o valor unitário mínimo.
Ainda que tenha sido declarada pelo STF a inconstitucionalidade da Lei nº 11.343/06 na parte em que vedava a conversão em pena substitutiva, na singularidade do caso é incabível a incidência de pena alternativa em razão da quantidade de pena privativa de liberdade fixada, que excede o limite disposto no inciso I do artigo 44 do Código Penal.
Outrossim, é entendimento cediço que ao condenado por crime de tráfico ilícito de entorpecentes é negado o direito de recorrer em liberdade, máxime se o agente respondeu preso a todo o processo em razão de prisão em flagrante - exatamente a hipótese sub judice - ou de prisão preventiva, não havendo de se cogitar em ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula nº 09 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido: STJ, HC 152.470/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 04/04/2011.
A matéria de inconstitucionalidade parcial do artigo 44 da Lei nº 11.343/2006, no que tange à vedação da concessão da liberdade provisória, é inócua na singularidade do caso, vez que, como já mencionado, a ré não preenche as condições necessárias para pleitear o benefício.
Em face de todo o exposto, dou parcial provimento à apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para excluir a incidência da circunstância atenuante da confissão, bem como da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, e dou parcial provimento à apelação da ré para reduzir o percentual de aumento decorrente da internacionalidade do tráfico ao mínimo legal de 1/6 (um sexto), reajustando-se a sanção penal.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LUIZ ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042 |
Nº de Série do Certificado: | 071C0E4C5CCF4CC3 |
Data e Hora: | 25/04/2012 17:12:35 |