Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 06/03/2012
HABEAS CORPUS Nº 0000242-17.2012.4.03.0000/MS
2012.03.00.000242-2/MS
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
IMPETRANTE : MARIO SERGIO ROSA
PACIENTE : ALEXSANDRO DE BARROS reu preso
ADVOGADO : MARIO SERGIO ROSA e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 5 VARA DE CAMPO GRANDE > 1ªSSJ > MS
No. ORIG. : 00087956620104036000 5 Vr CAMPO GRANDE/MS

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. MONITORAMENTO E INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO FUNDAMENTADA. POSSIBILIDADE DE QUEBRA DO SIGILO. PRECEDENTES DO STF E STJ. VALIDADE E LICITUDE DA PROVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. ANÁLISE APROFUNDADA. SUBSTITUIÇÃO DA APELAÇÃO. VIA INADEQUADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO. ORDEM DENEGADA.
1. É de se conhecer da ordem de habeas corpus, remédio constitucional que visa garantir o direito à liberdade, considerando que o paciente se encontra preso e argüi a nulidade da prova que sustenta a persecução penal.
2. O que se constata da presente impetração é que se pretende discutir o próprio mérito da apelação. O próprio volume de documentos trazidos com a inicial, revela a necessidade de aprofundamento e dilação probatória. Conhecimento inadequado pela via estreita do habeas corpus.
3. Autorização de quebra de sigilo já apreciada em outro habeas corpus, em favor de outro paciente, envolvendo os mesmos fatos, investigados através das Operações Bolívia e Quijarro.
4. Alegação de nulidade foi apreciada e rechaçada pelo juízo de primeiro grau, na sentença condenatória.
5. Já apreciadas as mesmas operações em outro writ, e análise dos documentos encartados nestes autos revelam não haver excesso nas medidas determinadas, mas, sim, um andamento lógico/sistemático.
6. A jurisprudência do E. STJ tem se posicionado reiteradamente pela legalidade da quebra do sigilo telefônico visando a identificação precisa de membros da organização criminosa.
7. No que se refere ao prazo da interceptação, que foi prorrogada por mais de uma vez, cabe ressaltar que a lei não limita o tempo em que deverá vigorar o monitoramento telefônico, que pode ser prorrogado quantas vezes forem necessárias ao esclarecimento dos fatos.
8. Não foi demonstrado o constrangimento ilegal aludido na impetração, e, ademais, o paciente foi condenado na sentença de primeiro grau, com base em outras provas além da interceptação telefônica.
9. A rediscussão das provas produzidas, sua validade e licitude são questões que demandam aprofundamento, o que deverá ser objeto de apelação, inclusive já interposta.
10. O trancamento da ação penal é medida excepcional por meio do writ, adotada apenas quando das provas documentais aduzidas com a impetração comprove-se, de plano, ou a atipicidade da conduta, ou a ausência de justa causa para a ação penal, ou alguma causa extintiva da punibilidade ou, enfim, as circunstâncias que excluam o crime. Circunstâncias não demonstradas no caso.
11. Ordem conhecida e denegada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer e denegar a ordem de "habeas corpus", nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 27 de fevereiro de 2012.
RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RAMZA TARTUCE GOMES DA SILVA:10027
Nº de Série do Certificado: 3B67D3BD5A079F50
Data e Hora: 29/02/2012 14:00:23



HABEAS CORPUS Nº 0000242-17.2012.4.03.0000/MS
2012.03.00.000242-2/MS
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
IMPETRANTE : MARIO SERGIO ROSA
PACIENTE : ALEXSANDRO DE BARROS reu preso
ADVOGADO : MARIO SERGIO ROSA e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 5 VARA DE CAMPO GRANDE > 1ªSSJ > MS
No. ORIG. : 00087956620104036000 5 Vr CAMPO GRANDE/MS

RELATÓRIO

Trata-se de ordem de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrada por Mário Sérgio Rosa, advogado, em favor de ALEXSANDRO DE BARROS, preso, sob o argumento de que o paciente está submetido a constrangimento ilegal por parte do Juízo Federal da 5ª Vara de Campo Grande/MS.

Alega o impetrante que o paciente teve sua prisão preventiva decretada, em virtude de interceptações telefônicas, nas quais se baseou o Ministério Público Federal para oferecer denúncia em face dele e de outros 15 investigados, imputando-lhe os crimes do art. 33, caput, c.c. o art. 40, inc. I, por três vezes, e do art. 35, caput, c.c. o art. 40, incs. I e V, todos da Lei nº 11.343/06, por duas vezes.

Sustenta que o processo é nulo desde o início, por ter sido instaurado com base em provas ilícitas consistentes nas gravações telefônicas efetuadas antes de serem autorizadas, além de não ter sido justificada a existência de indícios razoáveis da autoria e a indispensabilidade da medida.

Também afirma que não houve justificação juridicamente válida, apontando os dados concretos que evidenciavam a indispensabilidade da renovação do monitoramento telefônico mantido ao longo de mais de ano, extrapolando os limites da razoabilidade.

Sustenta, ainda, a ilegalidade da interceptação telefônica e invoca doutrina e precedentes em defesa de sua tese.

Pede liminar para suspender o curso da ação penal e, a final, a concessão da ordem para trancá-la, com a revogação da prisão preventiva decretada contra o paciente, porque absolutamente desnecessária sua segregação.

Juntou os documentos de fls. 18/798.

Pela decisão de fls. 802/804, foi indeferida a liminar.

A autoridade coatora prestou informações (fls. 807/verso), com os documentos de fls. 808/839.

Manifestou-se o Ministério Público Federal, preliminarmente, pelo não conhecimento do habeas corpus, ou, se conhecido, no mérito, pela denegação da ordem (fls. 841/844).

É o relatório.


VOTO

De início, afasto a argumentação deduzida pelo Ministério Público Federal no sentido de não conhecer da ordem de habeas corpus, considerando que se trata de remédio constitucional que visa garantir o direito à liberdade, e o paciente se encontra preso e argüi a nulidade da prova que fundamentou a instauração da persecução penal a que responde nos autos principais.

Sustenta o impetrante, sinteticamente, que a persecução penal se origina de ato ilícito consistente em interceptação telefônica sem autorização e sem a devida fundamentação, o que representa constrangimento ilegal, sanável pela via de habeas corpus, para o fim de ser trancada a ação penal.

Conforme já assinalado na decisão liminar, o próprio volume de documentos que instruíram a inicial revela que a questão discutida demanda análise de provas que, como cediço, é inviável na via estreita do writ.

A questão da suposta ilegalidade da quebra do sigilo telefônico ocorrida no bojo da "Operação Bolívia" e da "Operação Quijarro" já foi apreciada em outro habeas corpus, impetrado em favor de outro paciente, mas envolvendo os mesmos fatos e, naquele feito (HC nº 0025882-56.2011.4.03.0000) foi analisado o tema e esclarecido que as investigações efetuadas nas duas operações da Polícia Federal, em virtude da complexidade dos crimes e número de pessoas envolvidas na organização criminosa, demandavam a utilização da escuta telefônica, que foram solicitadas e efetuadas após análise do Juízo a quo, que fundamentou devidamente as decisões autorizando as escutas ao longo do tempo.

Também se verifica dos autos que a alegação de nulidade, nos termos em que aqui veiculada, foi apreciada e rechaçada pelo juízo de primeiro grau, na sentença condenatória (fls. 808/839).

Ademais, a sentença discorreu longamente sobre as provas colhidas na instrução; somente em relação ao paciente constam 25 páginas (fls. 811 verso/823 verso).

De modo que se constata da presente impetração que aqui se pretende, não apenas discutir o mérito da ação penal, buscando seu trancamento, o que não é viável, como também substituir o recurso adequado e já interposto, de apelação, por meio desta via expressa.

Conforme já apreciado no outro habeas corpus sobre as mesmas operações, e da análise dos documentos encartados nestes autos, não verifico excesso nas medidas determinadas, mas, sim, um andamento lógico/sistemático, conforme os fatos que vinham sendo apurados a cada período de interceptação.

Por tudo quanto já exposto, não antevejo qualquer ilegalidade na medida adotada e também cabe ressaltar que o sigilo das comunicações telefônicas não é absoluto, cedendo lugar ao interesse público, para fins de investigações criminais.

Assim é que pode ser quebrado o sigilo, mediante autorização judicial devidamente fundamentada, como ocorreu na espécie.

Nesse sentido, anoto precedentes das Cortes Superiores, que revelam os limites a serem respeitados na análise do conflito entre o direito à privacidade e as demais garantias constitucionais individuais, em face das também constitucionais garantias do interesse público:


"HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. TORTURA, CORRUPÇÃO PASSIVA, EXTORSÃO, PECULATO, FORMAÇÃO DE QUADRILHA E RECEPTAÇÃO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DEFERIDA PELO PRAZO DE TRINTA DIAS CONSECUTIVOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STF. DILAÇÃO TEMPORAL JUSTIFICADA NA NECESSIDADE DE APURAÇÃO DOS INÚMEROS CRIMES PRATICADOS, NA COMPLEXIDADE E PERICULOSIDADE DA QUADRILHA, CUJOS INTEGRANTES SÃO, EM GRANDE PARTE, POLICIAIS CIVIS.
1. A Lei nº 9.296/96 autoriza a interceptação telefônica apenas quando presentes indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida com reclusão e quando a prova não puder ser obtida por outros meios disponíveis. Estabelece também que a decisão judicial deve ser fundamentada e a interceptação não pode exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual período, caso comprovada a sua indispensabilidade.
2. Na hipótese, insurge-se o impetrante tão somente contra o pressuposto de cunho temporal, sustentando a ilegalidade das interceptações telefônicas prorrogadas pelo período de 30 (trinta) dias consecutivos, por afronta ao que preconiza o art. 5º da Lei nº 9.296/96.
3. Entretanto, a excepcional prorrogação das interceptações telefônicas pelo prazo de 30 (trinta) dias, a despeito de contrariar a literalidade da Lei nº 9.296/96, mostra-se razoável quando as peculiaridades da causa exigi-la. Precedentes do STF: RHC 88.371, DJe de 2.2.07, decisão unânime; e desta Corte: HC 138.933/MS, DJe 30.11.09, decisão unânime.
4. Durante as investigações realizadas pela Polícia Federal e denominadas de "Operação Xeque-Mate", constatou-se a ocorrência de vários crimes supostamente praticados pelo paciente, policial civil, e pelos corréus - alguns deles também policiais -, a saber, a prática de tortura, corrupção passiva, extorsão, peculato, formação de quadrilha e receptação.
5. As várias denúncias ofertadas pelo Ministério Público Estadual afirmam se tratar de quadrilha, em grande parte formada por policiais civis que, aproveitando-se da função pública praticava tortura e extorsões; facilitava a exploração de jogos de azar e o desmanche de veículos furtados, tudo mediante o recebimento de propina; além de agenciar serviços advocatícios no distrito policial, visando se beneficiar de parte dos honorários auferidos pelo defensor.
6. Não se pode negar que o fato de policiais civis integrarem a quadrilha dificulta demasiadamente a colheita da prova, razão pela qual se deve ponderar os interesses envolvidos a fim de que o evidente interesse público se sobreponha, ainda mais em se tratando de quebra de sigilo telefônico efetuado com autorização judicial devidamente fundamentada.
7. Dessa forma, atendendo aos ditames de proporcionalidade e ponderação de interesses e sopesando as circunstâncias que revestem o caso em análise - quais sejam, a complexidade e a periculosidade da organização criminosa, o elevado número de integrantes, dentre estes policiais civis, e a grande quantidade de crimes supostamente cometidos -, não há se falar em constrangimento ilegal na prorrogação das interceptações telefônicas pelo prazo de 30 (trinta) dias contínuos.
8. Ordem denegada." - Grifei.
(STJ - HC 106007/MS - 6ª Turma - rel. Min. OG FERNANDES, j. 17/08/2010, v.u., DJe 06/09/2010)
"HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, CONTRABANDO, FALSIFICAÇÃO DE PAPÉIS PÚBLICOS E LAVAGEM DE DINHEIRO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. MEDIDA INDISPENSÁVEL DIANTE DA EXTENSÃO, INTENSIDADE E COMPLEXIDADE DAS CONDUTAS DELITIVAS INVESTIGADAS E DO NÍVEL DE SOFISTICAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF. PRORRORAÇÕES INDISPENSÁVEIS À CONTINUIDADE DAS INVESTIGAÇÕES. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA.
1. Ao que se tem dos autos, o paciente é acusado de fazer parte da extensa quadrilha voltada para a prática de crimes, entre eles contrabando, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.
2. Estando devidamente fundamentada a decisão que deferiu a escuta telefônica, bem como a que determinou a sua prorrogação, por absoluta necessidade da investigação, data a quantidade de envolvidos e a complexidade das suas atividades, não há qualquer nulidade a ser sanada em Habeas Corpus.
3. Nos termos da Lei nº 9.296, que regulamentou a escuta telefônica autorizada judicialmente, o prazo definido para a interceptação é de 15 dias, permitida a renovação por igual período; todavia, não há qualquer restrição legal ao número de vezes em que pode ocorrer essa renovação, desde que comprovada a sua necessidade, bem como admite-se, diante das especificidades do caso, a autorização desde o começo pelo prazo de 30 dias. Precedente do STF.
4. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial." - Grifei.
(STJ - HC 138933/MS - 5ª Turma - rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, j. 29/10/2009, v.u., DJe 30/11/2009)
"HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. PRORROGAÇÕES. LICITUDE. ORDEM DENEGADA.
Segundo informou o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, as questionadas prorrogações de interceptações telefônicas foram, todas, necessárias para o deslinde dos fatos. Ademais, as decisões que, como no presente caso, autorizam a prorrogação de interceptação telefônica sem acrescentar novos motivos evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento. Como o impetrante não questiona a fundamentação da decisão que deferiu o monitoramento telefônico, não há como prosperar o seu inconformismo quanto às decisões que se limitaram a prorrogar as interceptações. De qualquer forma, as decisões questionadas reportam-se aos respectivos pedidos de prorrogação das interceptações telefônicas, os quais acabam por compor a fundamentação de tais decisões, naquilo que se costuma chamar de fundamentação per relationem (HC 84.869, rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ de 19.08.2005, p. 46). Ordem denegada." - Grifei.
(STF - HC 92020/DF - 2ª Turma - rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, j. 21/09/2010, v.u., DJe-213 DIVULG 05-11-2010 PUBLIC 08-11-2010)
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE DA PROVA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO SIGILO PROFISSIONAL. DENÚNCIA QUE ATENDE AOS REQUSISITOS DO ART. 41 DO CPP. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCOMPATIBILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal é firme no sentido de que "o trancamento da ação penal, em habeas corpus, constitui medida excepcional que só deve ser aplicada quando indiscutível a ausência de justa causa ou quando há flagrante ilegalidade demonstrada em inequívoca prova pré-constituída", o que não se verifica na presente hipótese (RHC 95.958/PI, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 04.09.2009).
2. No caso em tela, como se depreende do bem lançado voto condutor do acórdão impugnado, não houve demonstração de flagrante ilegalidade, capaz de ensejar o trancamento da ação penal movida contra o paciente.
3. As rasuras ou borrões de números telefônicos que seriam objeto de interceptação não afastam, só por si, a legalidade da prova obtida no curso da investigação, mormente quando as diligências foram judicialmente autorizadas. Ademais, segundo consta dos autos, as rasuras foram apostas em cópias das decisões fornecidas pela Polícia Federal, após a realização das investigações, sendo que a relação completa dos números de telefones interceptados ficou à disposição da defesa, nos feitos preparatórios à ação penal, no cartório do Juízo.
4. Observo da representação da autoridade policial para quebra de sigilo telefônico que a diligência requerida visava apurar o eventual envolvimento dos usuários das linhas telefônicas com o tráfico ilícito de entorpecentes e estava calcada em relatório de investigações realizadas pela Polícia Federal. No entanto, o referido relatório não foi juntado aos autos pelos impetrantes, o que inviabiliza a constatação dos nomes dos investigados.
5. Como já decidiu esta Suprema Corte, "constitui ônus do impetrante instruir adequadamente o writ com os documentos necessários ao exame da pretensão posta em juízo." (HC 95.434/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ. 02.10.2009).
6. A alegação de afronta ao sigilo profissional, tendo em vista que o paciente é advogado e teriam sido interceptadas ligações travadas com seus clientes, também não merece acolhida, já que os delitos que lhe foram imputados teriam sido cometidos justamente no exercício da advocacia.
7. O simples fato de o paciente ser advogado não pode lhe conferir imunidade na eventual prática de delitos no exercício de sua profissão.
8. Ao contrário do que sustentam os impetrantes, a descrição dos fatos cumpriu, suficientemente, o comando normativo contido no art. 41 do Código de Processo Penal, estabelecendo a correlação entre as condutas do paciente e a imputação da prática dos crimes narrados na denúncia.
9. O aprofundamento de tais questões exigiria, necessariamente, análise do conjunto fático-probatório, o que ultrapassa os estreitos limites do habeas corpus.
10. Esta Corte tem orientação pacífica no sentido da incompatibilidade do habeas corpus quando houver necessidade de apurado reexame de fatos e provas (HC 89.877/ES, rel. Min. Eros Grau, DJ 15.12.2006).
11. Habeas corpus denegado."
(STF - HC 96909/MT - 2ª Turma - rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 17/11/2009, v.u., DJe-232 DIVULG 10-12-2009 PUBLIC 11-12-2009)

Como se observa, a medida impugnada pela via deste habeas corpus vem sendo admitida por nossas Cortes Superiores, não se evidenciando a inconstitucionalidade, em face das garantias constitucionais.

Constatada a necessidade da interceptação e sua continuidade, devidamente autorizadas e fundamentadas as decisões, não há que se falar em ilegalidade ou nulidade.

Ademais, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado reiteradamente pela legalidade da quebra do sigilo telefônico visando a identificação precisa de membros da organização criminosa, como se observa dos seguintes julgados:

"A interceptação telefônica, por óbvio, abrange a participação de quaisquer dos interlocutores. Ilógico e irracional seria admitir que chamada para a linha legalmente interceptada é ilegal. "Ao se pensar em interceptação de comunicação telefônica é de sua essência que o seja em face de dois interlocutores (...) a autorização de interceptação, portanto, (...) abrange a participação de qualquer interlocutor no fato que está sendo apurado e não apenas aquela que justificou a providência (Greco Filho, Vicente - Interceptação Telefônica - Considerações sobre a Lei 9296, de 24.07.96, SP, Saraiva, 1996, pag. 20/21)"
(STJ, 5ª. Turma, HC 115401/ RJ, Ministra Laurita Vaz, DJe 01/02/11).
"A representação da Autoridade Policial pela quebra do sigilo telefônico restou bem fundamentada e objetivou, principalmente, a identificação de outros membros da organização criminosa, tendo sido deferida a medida em decisão judicial devidamente motivada"
(STJ, 5ª Turma, HC. 150820/SC, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 03/05/10).
"Em síntese, a medida foi determinada no bojo de uma investigação criminal, diante de indícios razoáveis de autoria de infração penal punida com reclusão, restando devidamente descrita a situação objeto da investigação, não sendo possível, contudo, proceder a indicação e qualificação dos investigados, pois que o modus operandi da empreitada criminosa praticada (...) impossibilitou, naquele momento, a perfeita identificação de todos os envolvidos, fato que, inclusive, demonstrava a imprescindibilidade de adoção da medida restritiva da intimidade dos envolvidos"
(STJ, 5ª Turma, RHC 22198/MG, Ministro Felix Fischer, DJe 23/03/09).

No que se refere ao prazo da interceptação, que foi prorrogada por mais de uma vez, cabe ressaltar que a lei não limita o tempo em que deverá vigorar o monitoramento telefônico, que pode ser prorrogado quantas vezes forem necessárias ao esclarecimento dos fatos.

A respeito do tema, confira-se:

"HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA. PACIENTE ACUSADO DE LIDERAR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. INEXISTÊNCIA. FEITO COMPLEXO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. IMPROCEDÊNCIA.
(...)
4. As interceptações telefônicas foram autorizadas por decisão judicial proferida em 26/11/2009 e prorrogadas até março de 2010, notadamente em razão da complexidade dos fatos, cujo alvo é uma grande rede do narcotráfico na cidade de Araucária/PR. A jurisprudência desta Casa tem autorizado que se operem sucessivas prorrogações, desde que observado o princípio da proporcionalidade.
5. Ordem denegada." - Grifei.
(STJ - HC 177166/PR - 6ª Turma - rel. Min. OG FERNANDES, j. 06/09/2011, v.u., DJe 19/09/2011)
"HABEAS CORPUS. QUADRILHA. DENÚNCIAS ANÔNIMAS IMPUTANDO A PRÁTICA DE CRIMES. DILIGÊNCIAS PRELIMINARES REALIZADAS PELA PREVIDÊNCIA SOCIAL E PELA POLÍCIA FEDERAL PARA A APURAÇÃO DA VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES. COLHEITA DE INDÍCIOS QUE PERMITEM A AUTORIZAÇÃO DA QUEBRA DO SIGILO TELEFÔNICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
(...)
4. Por conseguinte, não houve a quebra de sigilo telefônico dos envolvidos em função da denúncia anônima, uma vez que, consoante destacado anteriormente, providências foram tomadas pela Assessoria de Pesquisa Estratégica e de Gerenciamento de Riscos do Ministério da Previdência Social e pela Polícia Federal para apurar a veracidade das denúncias anônimas realizadas.
INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. PRORROGAÇÕES SUCESSIVAS. DILIGÊNCIAS QUE ULTRAPASSAM O LIMITE DE 30 (TRINTA) DIAS PREVISTO NO ARTIGO 5º DA LEI 9.296/1996. POSSIBILIDADE DE VÁRIAS RENOVAÇÕES. EXISTÊNCIA DE DECISÕES FUNDAMENTADAS. ILICITUDE NÃO CARACTERIZADA. DENEGAÇÃO DA ORDEM.
1. Apesar de no artigo 5º da Lei 9.296/1996 se prever o prazo máximo de 15 (quinze) dias para a interceptação telefônica, renovável por mais 15 (quinze), não há qualquer restrição ao número de prorrogações possíveis, exigindo-se apenas que haja decisão fundamentando a dilatação do período. Doutrina. Precedentes.
2. Na hipótese em apreço, consoante os pronunciamentos judiciais referentes à quebra de sigilo das comunicações telefônicas constantes dos autos, vê-se que a prorrogação das interceptações sempre foi devidamente fundamentada, justificando-se, essencialmente, nas informações coletadas pela autoridade policial em monitoramentos anteriores, indicativas da prática criminosa atribuída aos investigados, não havendo que se falar, assim, em ausência de motivação concreta a embasar a extensão da medida, tampouco em ofensa ao princípio da proporcionalidade.
3. Ordem denegada." - Grifei.
(STJ - HC 146021/SP - 5ª Turma - rel. Min. JORGE MUSSI, j. 23/08/2011, v.u., DJe 01/09/2011)
"CRIMINAL. RHC. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. A SAÚDE PÚBLICA, O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, AGIOTAGEM, LAVAGEM DE DINHEIRO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. NULIDADES. PRAZO DE DURAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO DA INDISPENSABILIDADE DA INTERCEPTAÇÃO, QUANDO DA AUTORIZAÇÃO DAS RENOVAÇÕES. AUTORIZAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO ANTES DA EFETIVAÇÃO DE QUALQUER OUTRO MEIO DE PROVA. CONFIABILIDADE QUESTIONÁVEL DAS DEGRAVAÇÕES. IMPROPRIEDADE DO HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÕES DAS CONVERSAS INTERCEPTADAS NOS RELATÓRIOS DA POLÍCIA AO JUÍZO. CIENTIFICAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO SOBRE AS MEDIDAS INVESTIGATÓRIAS. GRAVAÇÕES ENTRE INVESTIGADO E ADVOGADO. DELITOS APENADOS COM DETENÇÃO. LICITUDE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. RECURSO DESPROVIDO.
I. A interceptação telefônica deve perdurar pelo tempo necessário à completa investigação dos fatos delituosos.
II. O prazo de duração da interceptação deve ser avaliado pelo Juiz da causa, considerando os relatórios apresentados pela Polícia.
III. O habeas corpus é meio impróprio para a análise das alegações que não encontram pronto respaldo nos documentos carreados ao feito, quais sejam, de que as interceptações teriam sido deferidas sem que a polícia procedesse anteriormente a qualquer ato investigatório dos delitos, de que a prova dos crimes de que foram acusados os pacientes poderia ter sido obtida por outros meios, e da confiabilidade questionável das degravações juntadas aos autos.
IV. Não se pode exigir que o deferimento das prorrogações (ou renovações) seja sempre precedido da completa transcrição das conversas, sob pena de frustrar-se a rapidez na obtenção da prova.
V. Não se faz necessária a transcrição das conversas a cada pedido de renovação da escuta telefônica, pois o que importa, para a renovação, é que o Juiz tenha conhecimento do que está sendo investigado, justificando a continuidade das interceptações, mediante a demonstração de sua necessidade.
VI. A lei exige que seja feita a transcrição das gravações ao final da escuta, a fim de que o conteúdo das conversas seja juntado ao processo criminal.
VII. Não procede a alegação de nulidade nas interceptações pelo fato de o Ministério Público não ter sido cientificado do deferimento das medidas investigatórias, se sobressai que o Parquet acompanhou toda a investigação dos fatos, inclusive a interceptação das comunicações telefônicas dos pacientes, não sendo necessário que fosse formalmente intimado de cada prorrogação das escutas.
VIII. O Juiz, ao determinar a escuta telefônica, o faz com relação às pessoas envolvidas, referindo os números de telefones, não cabendo à autoridade policial fazer qualquer tipo de "filtragem".
IX. A avaliação dos diálogos que serão usados como prova cabe ao Julgador, quando da sentença.
X. Hipótese em que não foi determinada a quebra do sigilo do advogado em nenhum momento, ocorrendo apenas gravações e transcrições automáticas de algumas ligações recebidas do advogado pelos investigados.
XII. Se, no curso da escuta telefônica - deferida para a apuração de delitos punidos exclusivamente com reclusão - são descobertos outros crimes conexos com aqueles, punidos com detenção, não há porque excluí-los da denúncia, diante da possibilidade de existirem outras provas hábeis a embasar eventual condenação.
XIII. Não se pode aceitar a precipitada exclusão desses crimes, pois cabe ao Juiz da causa, ao prolatar a sentença, avaliar a existência dessas provas e decidir sobre condenação, se for o caso, sob pena de configurar-se uma absolvição sumária do acusado, sem motivação para tanto.
XIV. É lícita a interceptação telefônica deferida por Autoridade Judicial, atendendo representação feita pela Polícia, de maneira fundamentada e em observância às exigência legais.
XV. Recurso desprovido."
(STJ - RHC 13274/RS - 5ª Turma - rel. Min. GILSON DIPP, j. 19/08/2003, v.u., DJ 29/09/2003, p. 276)

Conclui-se que não restou demonstrado o constrangimento ilegal aludido na impetração, e, ademais, o paciente foi condenado na sentença de primeiro grau, com base em outras provas além da interceptação telefônica.

A rediscussão das provas produzidas, sua validade e licitude são questões que demandam aprofundamento, o que deverá ser objeto de apelação, inclusive já interposta.

Ademais, o trancamento da ação penal é medida excepcional por meio do writ, adotada apenas quando das provas documentais aduzidas com a impetração comprove-se, de plano, ou a atipicidade da conduta, ou a ausência de justa causa para a ação penal, ou alguma causa extintiva da punibilidade ou, enfim, as circunstâncias que excluam o crime, o que, definitivamente, não é o que ocorre no caso, conforme já acima anotado.

Por fim, cabe anotar que a jurisprudência nacional é sólida em posicionar-se contrariamente ao manejo da ação de habeas corpus, em hipótese cujo revolvimento a fundo do conjunto probatório é indispensável à resolução da questão:

"CRIMINAL. HC. USO DE DOCUMENTO FALSO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO OCORRÊNCIA. CÓPIA DOCUMENTAL SEM AUTENTICAÇÃO. FATO QUE, POR SI SÓ, NÃO DESCARACTERIZA O TIPO PENAL. DOCUMENTO COM POTENCIALIDADE LESIVA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. ORDEM DENEGADA.
I. Hipótese na qual se alega a atipicidade da conduta praticada pela paciente, que foi denunciada pelo delito de uso de documento falso, pois a mesma teria utilizado cópia de documento sem autenticação e sem aparência de original.
II. A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, sem a necessidade de exame aprofundado e valorativo dos fatos, indícios e provas, restar inequivocamente demonstrada, pela impetração, a atipicidade flagrante do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação, ou, ainda, a extinção da punibilidade.
III. Se o documento montado foi utilizado perante o Poder Judiciário para fundamentar pedido, tendo os denunciados obtido êxito em demanda judicial, não há que se falar em ausência de potencialidade lesiva do documento para causar dando à fé pública, o que afasta a aplicação, à hipótese dos autos, do entendimento de que o uso de cópia não autenticada de documento resulta na atipicidade da conduta.
IV. Prematuro o trancamento da ação penal, bem como a profunda análise da argumentação do writ, o que somente poderá ser permitido após a correta instrução criminal, com a devida análise dos fatos e provas, oportunidade em que se procederá à oitiva das testemunhas, bem como de todos os acusados, concluindo-se pela ocorrência ou não do delito de uso de documento falso.
V. Ordem denegada." - grifei.
(STJ - HC 169626/RS - 5ª Turma - rel. Min. GILSON DIPP, j. 09/11/2010, v.u., DJe 22/11/2010)

Desse modo, e por se tratar o habeas corpus de via estreita, inadequada ao fim almejado, já que não se verificam, de plano, a atipicidade da conduta ou a ausência de justa causa para a ação penal, o que demonstraria o alegado constrangimento ilegal, não é caso de trancamento daquele feito.

Assim, sob qualquer aspecto em que se analise o pedido, não se evidencia o apontado constrangimento ilegal ao direito de liberdade do paciente.

Ante o exposto, voto por conhecer e denegar a ordem de habeas corpus.

É COMO VOTO.


RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RAMZA TARTUCE GOMES DA SILVA:10027
Nº de Série do Certificado: 3B67D3BD5A079F50
Data e Hora: 15/02/2012 15:18:16