D.E. Publicado em 13/03/2012 |
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EMENTA
PENAL - PROCESSUAL PENAL - ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL - TENTATIVA - ARTIGOS 171, § 3º C.C. O ARTIGO 14, II, DO CÓDIGO PENAL - USO DE DOCUMENTO FALSO - CERTIDÃO DE NASCIMENTO DE INDIO - MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS - NÃO CONFIGURADO ERRO DE PROIBIÇÃO - ACUSADO NOMEADO CHEFE DE POSTO INDÍGENA - PENA APLICADA UM POUCO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - RECURSO IMPROVIDO.
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, à unanimidade, negar provimento ao recurso interposto por Milton Francisco, nos termos do voto da relatora.
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RELATÓRIO
Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta por MILTON FRANCISCO contra a sentença proferida pela MM. Juíza da 5ª Vara Federal de Campo Grande - MS, que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia, para:
1. absolver Ramiro Luiz Mendes, da imputação prevista no artigo 171, § 3º, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal.
2. condenar MILTON FRANCISCO, como incurso nas sanções do artigo 171, § 3º, c/c o artigo 14, inciso II, todos do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo.
3. condenar Edite Florêncio Ramires, como incursa nas sanções do artigo 171, § 3º, c/c o artigo 14, inciso II, todos do Código Penal, a pena privativa de liberdade de 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo.
As penas privativas de liberdade aplicadas aos condenados foram substituídas por uma restritiva de direito, consistente na prestação de serviços à comunidade.
Consta da denúncia (fls. 02/07) que:
A denúncia foi recebida em 03/11/2004 (fl. 155).
Os réus foram interrogados às fls. 171 (Ramiro), 220 (Milton), 221 (Edite), defesa prévia às fls. 238/240, 255/256,
As testemunhas de defesa e as de acusação, em comum, foram ouvidas às fls. 325/329.
Alegações finais ofertadas às fls. 377/383, 392/394 (Ramiro), 403/411 (Milton) e 416/423 (Edith).
Sentença parcialmente procedente às fls. 425/440, publicada em 20/06/2008 (fl. 441).
Sentença de extinção da punibilidade de EDITE FLORENCIO RAMIRES, nos termos do artigo 107, IV, do Código Penal às fls. 475/476, publicada em 30/01/2009.
Em razões de apelação (fls. 483/494), MILTON FRANCISCO requereu a reforma integral da sentença, nos seguintes termos:
1. Pede a absolvição por falta de provas. Alega que foram ouvidas apenas duas testemunhas que relataram fatos genéricos e não se recordaram especificamente dos casos que envolveram Edite Florêncio Ramires; nos interrogatórios de Edite e do apelante se reservaram ao direito de permanecer em silêncio; o depoimento extrajudicial de EDITE não restou confirmado judicialmente. Sustenta ainda que "Não é ônus da defesa elidir as informações do inquérito; é, sim, ônus da acusação convertê-las, de meras informações, em provas obtidas em procedimento contraditório" (STF, HC 67917/RJ). A apuração policial possui natureza de procedimento administrativo, não podendo sozinho fundamentar a condenação (artigo 155 do Código de Processo Penal).
2. Houve erro de proibição. O apelante, indígena, com apenas o ensino fundamental incompleto, foi indicado pelo responsável da FUNAI para exercer o cargo de confiança de Chefe do Posto Indígena. Ele não tinha a capacidade e o discernimento necessários para cumprir tarefas técnicas e cartorárias que exigiam conhecimentos específicos. Ele assinava, por formalidade, toda a documentação apresentada, principalmente os documentos oriundos do Administrador Executivo da FUNAI, Márcio Justino Marcos. O depoimento de Juracy Almeida Andrade informa que o apelante foi enganado pelo "esquema" de fraudes, premeditada por "Chico Ramiro".
3. Não houve dolo. Não há elemento probatório no sentido de que o réu tenha, propositadamente, falsificado a certidão de nascimento para permitir o recebimento do auxílio-maternidade. As circunstâncias pessoais do apelante (índio, de parca instrução escolar e residente na aldeia), aliada à influência de Ramiro (ou Chico Ramiro) dentro da comunidade indígena, demonstram que MILTON desconhecia a fraude que seria perpetrada.
Alternativamente, pede a redução da pena-base ao mínimo legal de 01 (um) ano e afirma que o registro de processos em andamento na folha de antecedentes do apelante não pode ser interpretado como "referências desabonadoras na vida social". As circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, caput, do Código Penal, não foram corretamente sopesadas porque as certidões de antecedentes do apelante foram consideradas duas vezes em seu desfavor (bis in idem), tanto para valorar a circunstância judicial relativa à conduta social quanto para a aferição da personalidade do agente. As demais circunstâncias judiciais, as quais são favoráveis ao apelante, não foram consideradas pelo Magistrado "a quo".
Com as contrarrazões (fls. 501/506), vieram os autos a esta Egrégia Corte, onde a Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 511/516).
O feito foi submetido à revisão, na forma regimental.
É O RELATÓRIO.
À revisão.
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VOTO
A materialidade e a autoria delitivas restaram comprovadas, pela cópia da Certidão de Registro Administrativo de Nascimento de índio (Segunda via - fl. 22), pelo Requerimento de Benefício "SALÁRIO MATERNIDADE" em nome de Edite Florêncio Ramirez (corré que teve extinta sua punibilidade, pela prescrição), subscrito pelo apelante (fl. 19), pelo procedimento administrativo instaurado pela Auditoria Regional do INSS (fls. 14/49) e pelos depoimentos colhidos nos autos.
Fato inconteste é que a autarquia previdenciária detectou, através de auditoria interna, a existência de irregularidade na documentação que embasou o requerimento de benefício de Edite Florêncio Ramires. Apurou-se que, na Certidão de Nascimento (segunda via) de "Andreia Ramires Baltazar", filha da segurada Edite, emitida por MILTON FRANCISCO, a data de nascimento foi alterada de 19/12/95 (fl. 40) para 19/12/1997 (fl. 22), dado este divergente dos consignados no Livro de Registro Administrativo de Nascimento do Posto Indígena Ipegue/MS.
Tanto o apelante como Edite Florêncio Ramires, em juízo, reservaram-se o direito de permanecer calados. Todavia, a versão prestada por eles à autoridade policial (fls. 64/65 e 68/70), se alinha às demais provas, valendo a pena transcrever o depoimento de Edith, a qual relata que MILTON insistiu dizendo que sabia como fazer para ela receber o benefício, esclarecendo que iria "diminuir" a idade da filha da declarante. Acerca de seu depoimento, anote-se que a corré prestou-o na presença de representante da FUNAI, confira-se:
E, conforme se infere do longo depoimento prestado por Juracy Almeida Andrade (fls. 325/328), chefe do posto indígena, incumbido de fazer uma averiguação sobre as denúncias, foram descobertas inúmeras irregularidades e fraudes nos livros de registro de pessoas naturais que existiam no Posto Indígena e que ocorreram na gestão do acusado, in verbis :
Com efeito, o depoimento de Juracy em Juízo não diverge daquele apresentado em sede de investigação policial (fls. 79/82), sendo que em ambos denota-se que tanto MILTON FRANCISCO como Ramiro Luiz Mendes (corréu absolvido) estavam envolvidos com o esquema de fraudes, exerciam direta influência sobre a comunidade indígena e, para subsistência do "negócio", estavam dispostos a afastar todo e qualquer risco. A participação e a influência de ambos também ficaram visíveis no depoimento de Márcio Justino Marcos, administrador da FUNAI (2001/2003 - fl. 329).
Contudo, deixo assentado que referida conclusão tem efeito apenas para avaliação da conduta de MILTON, visto que não há recurso contra a absolvição do corréu Ramiro.
Assim, não é de se admirar que os corréus MILTON e Edite, em interrogatório judicial, optaram pelo direito de permanecer calados (fls. 220/221). Vê-se dos autos que as fraudes e irregularidades que assolaram a aldeia indígena tomaram dimensões desproporcionais a ponto de serem veiculadas pela imprensa, comunicadas ao INSS da região de Aquidauna/MS, suscitando a investigação dos fatos, como ocorreu nesta ação e outras mais (fl. 15/17). Os fatos foram também objeto de discussão em reunião entre o Ministério Público Federal, o Técnico Indigenista da FUNAI e o Cacique da Aldeia IPEGUE (fls. 124/128 - maio/2003).
Não perdendo de vista as provas contidas nos autos acerca da conduta do apelante, além do documento ideologicamente falso por ele produzido, prova irrefutável que pesa contra si é o requerimento de "Salário Maternidade" fornecido para Edite Florêncio Ramires, documento carimbado e subscrito por ele, assinado em conjunto com a segurada (fl. 19).
Frise-se que, no presente caso, a tentativa do crime de estelionato restou configurada, quando o réu protocolou requerimento de benefício previdenciário, com documento ideologicamente falso, visando ludibriar a Autarquia para obter vantagem indevida para Edite Florêncio Ramires.
Em sua tese de defesa, o apelante alega que não tinha a capacidade e o discernimento necessários para cumprir tarefas técnicas e cartorárias que exigiam conhecimentos específicos e, por isso, acabou sendo influenciado por Ramiro Luiz Mendes (ou Chico Ramiro), em esquema fraudulento.
Todavia, anoto que, se o apelante não estava em condições de desempenhar as atividades do cargo que ocupava, naturalmente seria logo afastado, ou, em outra hipótese, poderia ele próprio rejeitar o ofício, não justificando a sua conduta delituosa o fato de ser índio, com parca instrução primária, como quer fazer crer a defesa. Viu-se que ele permaneceu no cargo de chefe do posto indígena durante quatro anos (1997/2001) e, após, passou a ser funcionário público da FUNASA/MS (depoimento de fl. 69), fato este que contraria sua tese absolutória, visando afastar a consciência da ilicitude do fato.
Com efeito, dúvida não resta que MILTON tinha conhecimento de que a segurada não conseguiria obter o benefício com o documento de Registro de Nascimento anteriormente emitido, e, por isso emitiu uma segunda via, adulterando a data de nascimento, para que ela conseguisse obter a concessão do benefício.
Tendo ocupado o cargo em comissão na FUNAI, de chefe do posto indígena, com funções administrativas, entre elas de guardar e zelar pelo assento nos livros da comunidade do posto, detinha ele condições de conferir a regularidade das certidões dos nascimentos até então registrados na aldeia.
Trata-se aqui de um comportamento de má fé, que não se confunde com inaptidão para funções que requerem conhecimento técnico, o que também não é o caso. O apelante é índio integrado na sociedade civilizada, dispensando maiores esclarecimentos para afastar, assim, a tese de ocorrência de erro de proibição.
Frise-se que o Diploma Processual Penal, nos termos de seu artigo 156, é categórico quando determina que "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer" e, in casu, o apelante nada trouxe aos autos além de meras alegações, não havendo qualquer outra prova a confirmá-las.
Aliás, a posição da jurisprudência e da doutrina, a respeito do tema, não discrepa desse entendimento, como segue:
De outra feita, é de se ressaltar que a certeza necessária para a averiguação da existência do delito nem sempre decorre de prova direta, mas pode advir da soma das diversas circunstâncias que cercam o fato, como ensina Júlio Fabbrini Mirabete, em seu Manual de Processo Penal¸in verbis:
"Diante do sistema de livre convicção do juiz, encampado pelo Código, a prova indiciária, também chamada circunstancial, tem o mesmo valor das provas diretas, como se atesta na Exposição de Motivos, em que se afirma não haver hierarquia de provas por não existir necessariamente maior ou menor prestígio de uma com relação a qualquer outra (item VII). Assim, indícios múltiplos, concatenados e impregnados de elementos positivos de credibilidade são suficientes para dar base a uma decisão condenatória, máxime quando excluem qualquer hipótese favorável ao acusado." (in Manual de Processo Penal; Mirabete, Júlio Fabbrini; 17ª Edição; 2005; Editora Atlas; página 344)
Assim, conclui-se que a prova acusatória é subsistente e hábil a comprovar a materialidade, autoria e o dolo, devendo ser mantida a sentença condenatória.
Quanto à dosimetria da pena.
Atenta às diretrizes do artigo 59 do Código Penal, verifico pelas informações criminais constantes dos autos que o acusado ostenta impressionante quantidade de inquéritos e ações penais (fls. 199/205 e 225/228), que, em sua quase totalidade, se referem a delitos da mesma natureza do aqui tratado. Todavia, não podem ser considerados como maus antecedentes, porque tal violaria a presunção de inocência.
Por outro lado, restou patente que a conduta social e a personalidade do acusado não o recomendam, pois revelam-se voltadas para a ilicitude dentro de seu campo de trabalho, como bem assentou o MM. Juiz "a quo". Veja-se que a atitude do acusado denota total desprezo pelo Estado, representado pela autarquia previdenciária e também pela FUNAI, que implantou o Posto Indígena e o colocou na chefia, para facilitar o acesso das comunidades indígenas aos direitos sociais, tendo o acusado se aproveitado dessa circunstância, da condição hipossuficiente da comunidade indígena, e das facilidades de seu cargo para intentar pedido de benefício, e enveredou para o caminho do crime perpetrado no âmbito de sua atividade profissional, justificando o aumento da pena para um pouco acima do mínimo legal, não havendo que se falar em bis in idem, até porque as duas circunstâncias judiciais eram aptas a aumentar a pena, e o aumento foi tão reduzido que se justificaria mesmo na presença de apenas uma das duas circunstâncias invocadas.
Quanto às demais circunstâncias judiciais, o MM. Juiz "a quo" não as teve como desabonadoras da conduta (fl. 437).
Diante do exposto nego provimento ao recurso de MILTON FRANCISCO.
É COMO VOTO.
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Data e Hora: | 13/02/2012 19:05:33 |