Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004979-33.2001.4.03.6181/SP
2001.61.81.004979-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : LUCIO DE CARVALHO
: MERLI APARECIDA DE CARVALHO
ADVOGADO : NADIR BRANDAO e outro
APELANTE : ELIANA VALERIA CALIJURI MARIN
ADVOGADO : IVANNA MARIA BRANCACCIO MARQUES MATOS (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
EXCLUIDO : GERSON DE OLIVEIRA
: MERCY PECA
: ZORAIDE MASSA
: MANOEL GINO MARANHAO

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. DENÚNCIA POR PECULATO-FURTO. ARTIGO 312, §1º DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA QUE ALTERA A CAPITULAÇÃO PARA PECULATO ELETRÔNICO. ARTIGO 313-A DO CÓDIGO PENAL. EMENDATIO LIBELLI. TIPOS PENAIS DISTINTOS. CONDENAÇÃO MANTIDA POR PECULATO-FURTO. DOSIMETRIA ESCORREITA. AFASTADA A TESE DE PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. APELOS DESPROVIDOS.
I. Os réus foram denunciados pelos crimes previstos nos artigos 312, §1º e 171, §3º, c.c. os artigos 29 e 71, todos do Código Penal, por terem indevidamente recebido, durante longo período, benefício previdenciário como dependentes de funcionários fictícios ligados ao Ministério da Fazenda, incluídos no sistema de pagamento pelo servidor Gerson de Oliveira, que em troca recebia 1/3 (um terço) dos benefícios.
II. A sentença de primeiro grau, com fulcro no artigo 383 do Código de Processo Penal, conferiu nova capitulação jurídica aos fatos, condenando os réus como incursos no artigo 313-A do Código Penal.
III. As condutas típicas de ambos os crimes são distintas. Enquanto no peculato-furto consiste em "subtrair" ou "concorrer para que seja subtraído", no crime de inserção de dados falsos, também conhecido como peculato eletrônico, o núcleo do tipo abarca os verbos "inserir" ou "facilitar a inserção" de dados falsos. Ademais, a figura típica trazida pelo artigo 313-A do Código Penal versa sobre crime instantâneo, e não permanente como o peculato, consumando-se no momento da inserção de dados falsos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da administração
V. Afastada a incidência do artigo 313-A, sendo mantida a capitulação no artigo 312, §1º do Código Penal, já que os acusados defenderam-se, durante toda a instrução criminal, dos fatos descritos na inicial.
VI. Materialidade, autoria e dolo configurados através da vasta prova documental, testemunhal e interrogatórios judiciais dos réus .
VII. Mantida a condenação dos réus nos termos da sentença recorrida, bem fundamentada quanto à elevação da pena-base com fulcro nas conseqüências do crime, que causou elevado prejuízo aos cofres públicos e na manutenção da conduta delituosa por tempo considerável.
VIII. Alegação de participação de menor importância afastada, pois a atuação dos réus foi essencial para o sucesso da empreitada, que sem os beneficiários não teria êxito, destinando ainda parcela do valor auferido ao servidor que indevidamente inserira os dados falsos como pensionistas.
IX. Apelos defensivos a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade por unanimidade, deu parcial provimento à apelação da ré Eliana Valeria Calijuri Marin e, de ofício, estendeu a decisão aos demais réus, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 26 de junho de 2012.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004979-33.2001.4.03.6181/SP
2001.61.81.004979-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : LUCIO DE CARVALHO
: MERLI APARECIDA DE CARVALHO
ADVOGADO : NADIR BRANDAO e outro
APELANTE : ELIANA VALERIA CALIJURI MARIN
ADVOGADO : IVANNA MARIA BRANCACCIO MARQUES MATOS (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
EXCLUIDO : GERSON DE OLIVEIRA
: MERCY PECA
: ZORAIDE MASSA
: MANOEL GINO MARANHAO

RELATÓRIO

O Exmo. Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelações criminais interpostas pelos réus LÚCIO DE CARVALHO, MERLI APARECIDA DE CARVALHO e ELIANA VALÉRIA CALIJURI contra a sentença que os condenou pela prática do crime descrito no artigo 313-A, c.c. os artigos 29 e 30, todos do Código Penal.

Narra a denúncia que LÚCIO DE CARVALHO, no período de março de 1997 a maio de 2001, MERLI APARECIDA DE CARVALHO, no período de janeiro de 2000 a maio de 2001 e ELIANA VALÉRIA CALIJURI, de outubro de 1999 a maio de 2001 receberam indevidamente, a título de benefício previdenciário da União, os respectivos valores, não corrigidos, de R$408.926,32 (quatrocentos e oito mil, novecentos e vinte e seis reais e trinta e dois centavos), R$112.445,41 (cento e doze mil, quatrocentos e quarenta e cinco reais e quarenta e um centavos) e R$152.129,41 (cento e cinquenta e dois mil, cento e vinte e nove reais e quarenta e um centavos).

Consta da peça acusatória que Gerson de Oliveira, exercendo suas funções na Delegacia de Administração do Ministério da Fazenda, no setor de pagamentos, munido de senha que o autorizava a incluir funcionários ativos, pensionistas ou aposentados no sistema de folha de pagamentos, incluiu irregularmente, recebendo em troca 1/3 (um terço) dos benefícios, os denunciados LUCIO DE CARVALHO, MERLI APARECIDA DE CARVALHO, ELIANA VALÉRIA CALIJURI, Mercy Peca, Zoraide Massa e Manoel Gino Maranhão, que jamais foram dependentes de qualquer funcionário ligado ao Ministério da Fazenda. Em poder de Gerson foram apreendidos cartões magnéticos do Banco do Brasil em nome dos denunciados, exceto de MERLI.

Relata a exordial que LÚCIO recebia pensão a título de dependente (filho maior inválido) de um fictício João Custódio de Carvalho, que teria sido Auditor Fiscal da Receita Federal, incluído nos sistema por Gerson em 18 de março de 1997. MERLI foi incluída em 19 de janeiro de 2000 e ELIANA em 16 de fevereiro de 2000.

Todos os réus foram denunciados como incursos nos artigos 312, §1º e 171, §3º, c.c. os artigos 29 e 71, em concurso material com o artigo 288, todos do Código Penal.

A denúncia foi recebida em 19 de julho de 2001 (fls.178/180).

O feito foi desmembrado, remanescendo em relação aos ora apelantes (fls.341 e 387).

Após regular instrução, foi proferida sentença (fls.850/864) que julgou parcialmente procedente a denúncia para:

1. absolver os réus da prática do crime previsto no artigo 288 do Código Penal, com fulcro no artigo 386, III do Código Penal.

2. condenar os réus como incursos no artigo 313-A, c.c. os artigos 29 e 30, todos do Código Penal, às seguintes penas:

2.1 LÚCIO DE CARVALHO a 05 (cinco) anos de reclusão em regime semi-aberto e 30 (trinta) dias-multa no valor unitário de 1/10 (um décimo) do salário mínimo;

2.2 MERLI APARECIDA DE CARVALHO a 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão em regime semi-aberto e 20 (vinte) dias-multa no valor unitário de 1/20 (um vigésimo) do salário mínimo;

2.3 ELIANA VALÉRIA CALIJURI a 04 (quatro) anos e 04 (meses) de reclusão, em regime semi-aberto, e 20 (vinte) dias-multa no valor unitário de 1/20 (um vigésimo) do salário mínimo.

Inconformados, apelam os acusados, pleiteando:

1) LÚCIO e MERLI (fls.882/889)

1.a) a absolvição ante a insuficiência de provas quanto à autoria;

1.b) ausência de dolo;

1.c) a redução da pena ante a participação de menor importância;

1.d) a fixação da pena-base no mínimo legal.

2) ELIANA (fls.892/903):

2.a) o afastamento da incidência do artigo 313-A, trazido por lei mais severa posterior aos fatos;

2.b) a absolvição por não estarem configurados a autoria, o dolo e a culpabilidade da apelante;

2.c) absolvição com base no princípio do in dúbio pro reo;

2.d) redução da pena;

2.e) fixação de regime mais brando.

Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls.908/917 pela manutenção da sentença guerreada.

Parecer da Procuradoria Regional da República (fls.935/942), no sentido de ser parcialmente provido o apelo da ré ELIANA para que prevaleça a capitulação dada na denúncia, sendo negado provimento aos recursos da defesa de maneira a serem mantidas as penas impostas.

É o relatório.

À revisão


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004979-33.2001.4.03.6181/SP
2001.61.81.004979-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : LUCIO DE CARVALHO
: MERLI APARECIDA DE CARVALHO
ADVOGADO : NADIR BRANDAO e outro
APELANTE : ELIANA VALERIA CALIJURI MARIN
ADVOGADO : IVANNA MARIA BRANCACCIO MARQUES MATOS (Int.Pessoal)
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: MERCY PECA
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: MANOEL GINO MARANHAO

VOTO

O Exmo. Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI:

1. Da capitulação. A defesa de ELIANA VALÉRIA CALIJURI postula o afastamento da incidência do artigo 313-A, trazido por lei mais severa posterior aos fatos.

Os réus foram denunciados pelos crimes previstos nos artigos 312, §1º e 171, §3º, c.c. os artigos 29 e 71, todos do Código Penal.

A sentença de primeiro grau, com fulcro no artigo 383 do Código de Processo Penal, conferiu nova capitulação jurídica aos fatos, condenando os réus como incursos no artigo 313-A do Código Penal.

Postula a defesa o afastamento da incidência do artigo 313-A, trazido por lei mais severa posterior aos fatos.

Não se trata, na verdade, de lei mais severa, já que a sanção prevista preceito secundário ao tipo penal inscrito no artigo 313-A do Código Penal é a igual à estabelecida para o delito imputado na inicial, isto é: artigo 312, §1º do C.P..

Embora possa o magistrado sentenciante aplicar nova capitulação jurídica aos fatos que lhe são narrados (emendatio libelli), certo é que incabível, in casu, a subsunção pretendida. Com efeito, ao contrário do entendimento declinado pelo Juízo a quo, a figura típica descrita no artigo 313-A do Código Penal versa sobre crime instantâneo, e não permanente, consumando-se no momento da inserção de dados falsos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da administração pública, conforme entendimento pacificado pelo E. Superior Tribunal de Justiça:

"(...) VIII. O crime de inserção de dados falsos em sistema de informações possui natureza instantânea, não havendo, nem mesmo teoricamente, meios de considerá-lo permanente, motivo pelo qual a manutenção da condenação, nessa hipótese, ofende os princípios da legalidade e da irretroatividade da lei penal maléfica. IX. Ordem concedida.(HC 200802683076, JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:02/03/2009.)

Ademais, trata-se, como bem salientado pela Procuradoria Regional da República em seu parecer, de tipos penais absolutamente distintos.

Enquanto o artigo 312 e §1º do Código Penal prevê como crime de peculato:

Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

O artigo 313-A dispõe, por sua vez, acerca do crime de inserção de dados falsos em sistema de informações:

Inserir ou facilitar o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

As condutas típicas de ambos os crimes são distintas. Enquanto no peculato-furto consiste em "subtrair" ou "concorrer para que seja subtraído", no crime de inserção de dados falsos, também conhecido como peculato eletrônico, o núcleo do tipo abarca os verbos "inserir" ou "facilitar a inserção" de dados falsos.

Os acusados defenderam-se, durante toda a instrução criminal, da participação na conduta descrita no crime de peculato-furto. Como bem observado pelo Parquet em seu parecer (fls.937 e verso):


"Nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal, o Magistrado deu ao fato definição jurídica diversa da que constava na denúncia, estribando-se na tese de que não houve subtração do numerário, e sim emprego de um ardil para "a instituição de um fictício servidor do Ministério da Fazenda", o que possibilitou a criação de pensões indevidas. (...)
A exordial definiu, com precisão, as condutas delitivas, consubstanciadas na inclusão, pelo também denunciado e condenado Gerson de Oliveira, de funcionários ativos, pensionistas ou aposentados dentro do sistema de folha de pagamentos, em razão do cargo por ele ocupado, o que possibilitou que expressivos montantes fossem subtraídos do Ministério da Fazenda em proveito próprio e alheio.
A conduta subsumiu-se, portanto, ao tipo descrito no parágrafo 1º do artigo 312 do Código Penal, não se justificando, pois, a nova capitulação dada na sentença. Somente se permite ao Magistrado dar definição diversa da que consta na denúncia se os fatos nela relatados, dos quais se defende o acusado, enquadrarem-se com precisão no novo tipo e em todos os seus elementos".

Por outro lado, em razão do desmembramento dos autos, o servidor público Gerson de Oliveira foi condenado nos autos de nº 2001.61.81.003301-4 como incurso no artigo 312, §1º, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal, condenação que foi mantida por esta Turma.

Não se afigura plausível o funcionário público ser condenado como autor em um crime e os demais corréus, alheios aos quadros da administração pública, como partícipes em delito diverso. Como conseqüência lógica, deveriam ser considerados partícipes no crime de peculato-furto.

Conquanto não ostentem a qualidade de funcionários públicos, os corréus ELIANA, LÚCIO e MERLI praticaram o crime de peculato em co-autoria com o funcionário público, por aplicação do artigo 30 do Código Penal.

Não se pode considerá-los como sujeitos ao artigo 313-A do Código Penal porque se trata de crime próprio. Somente ao servidor público cabe figurar como sujeito ativo. O particular que aderir a sua ação delituosa responde em concurso, nos termos do artigo 29 do Código Penal.

Portanto, para serem condenados como corréus nas penas do crime de inserção de dados falsos, impõe-se a necessária condenação do funcionário público como autor do mesmo crime.

Também é possível a aplicação da emendatio libelli no segundo grau de jurisdição, nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal, já que os réus se defendem de fatos e não da definição jurídica que lhes é atribuída:

EMENTA: HABEAS CORPUS. EMENDATIO LIBELLI NO SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. POSSIBILIDADE. MERA SUBSUNÇÃO DOS FATOS NARRADOS À NORMA DE INCIDÊNCIA. CRIME DE TORTURA. INCONSISTÊNCIA PROBATÓRIA. INOCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO EM SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. PREJUÍZO AO EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. IMPROCEDÊNCIA. CONDENAÇÃO CONTRÁRIA AOS LAUDOS PERICIAIS OFICIAIS. JUSTIFICATIVA IDÔNEA. REGRA DO CONCURSO MATERIAL. APLICABILIDADE. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. PERDA DE PATENTE E DO POSTO. CONSEQÜÊNCIA DA CONDENAÇÃO. AUSENTE ILEGALIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Inexiste vedação à realização da emendatio libelli no segundo grau de jurisdição, pois se trata de simples redefinição jurídica dos fatos narrados na denúncia. Art. 383 do Código de Processo Penal. O réu se defende dos fatos, e não da definição jurídica a eles atribuída. Ademais, tratou-se, apenas, da incidência de circunstância agravante, que veio a ser requerida por ocasião das alegações finais do Ministério Público. 2. Embora vedado o revolvimento probatório na estreita via do habeas corpus, seria possível reconhecer, no bojo do writ, uma eventual nulidade decorrente condenação não lastreada em quaisquer provas dos autos. Não é, contudo, o caso dos autos, em que o julgamento está lastreado em prova testemunhal e documental, fartamente indicada no acórdão condenatório. 3. A condenação em segundo grau de jurisdição não pode servir de fundamento para a alegação de ofensa ao princípio da ampla defesa. Se, no primeiro grau, o paciente foi absolvido por falta de provas, é porque houve plena oportunidade para se defender, militando a sentença, inicialmente, a favor do seu status libertatis no julgamento pelo Tribunal ad quem. Ademais, trata-se de insurgência contra lei em tese, pois o ordenamento jurídico prevê a possibilidade de interposição de apelação pelo Ministério Público contra a sentença absolutória. 4. Os laudos periciais não foram acolhidos pelo Tribunal de Justiça por se apresentarem precários e lacônicos, sem análise substancial das lesões provocadas nas vítimas da tortura, uma das quais faleceu poucos dias depois dos fatos. Impropriedade do pedido de realização de nova instrução processual no segundo grau de jurisdição. Excepcionalidade da norma do art. 616 do Código de Processo Penal, não aplicável à hipótese. 5. Não houve erro na aplicação da regra do concurso material de crimes. Ainda que se entenda ter havido uma única conduta, está clara a existência de desígnios autônomos, razão pela qual incidiria a parte final do art. 70 do Código Penal. 6. O Tribunal de Justiça local tem competência para decretar, como conseqüência da condenação, a perda da patente e do posto de oficial da Polícia Militar, tal como previsto no art. 1º, §5º, da Lei de Tortura (Lei n° 9.455/97). Não se trata de hipótese de crime militar. 7. Ordem denegada.
(HC 92181, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 03/06/2008, DJe-142 DIVULG 31-07-2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT VOL-02326-03 PP-00567 RT v. 97, n. 877, 2008, p. 508-514)

Afasto, por conseguinte, a incidência do artigo 313-A, mantendo a capitulação no artigo 312, §1º do Código Penal.

2. Da materialidade. A materialidade, questão incontroversa, resta adequadamente evidenciada por meio do auto de apresentação e apreensão onde foram apreendidos na residência de Gerson de Oliveira cartões magnéticos (fl.64) do Banco do Brasil em nome de ELIANA e LÚCIO (fl.30); consultas ao sistema SIAPES onde os réus constam como beneficiários (fls.63/177); ofício do Ministério da Fazenda esclarecendo que os réus não possuem qualquer vínculo, quer como ex-funcionários ou pensionistas (fl.663/664); inclusão indevida de LÚCIO, ELIANA e MERLI como pensionistas (fls.667/669, 63, 80 e 132), e por meio da prova testemunhal coligida aos autos.

3. Da autoria. Pleiteiam os réus a absolvição por falta de elementos que comprovem a autoria e o dolo. Razão não lhes assiste, pois tais elementos estão fartamente demonstrados.

O corréu Gerson de Almeida, em relação a quem o feito foi desmembrado, relatou em seu interrogatório (fls.277/280):

"são verdadeiras as acusações em relação às pensões; que entrou no Ministério da Fazenda em 1984, no Departamento Pessoa. Em 1994 ou 1995, uma funcionária já falecida, de nome Verônica, contou ao acusado sobre o esquema que existia no Ministério da Fazenda. Com a morte de Verônica, o acusado 'herdou' as contas da mesma, num total de quatro. Recorda-se do nome de Merli e Mercy, e não se lembra dos outros dois. Esclarece que outros valores eram depositados em seu favor, sendo que o acusado não sabe sequer de onde vinham (...)"

Na fase indiciária, Gerson de Almeida forneceu mais detalhes (fls.26/27):

"(...) na sua função é portador de uma senha de acesso ao sistema de folhas de pagamento; que sua senha permite a inclusão de funcionários ativos, pensionistas e aposentados; que sua senha permite o início e a conclusão do processo de inclusão de pensionistas, não havendo necessidade da intervenção de outro servidor; (...) que tinha em seu poder os cartões com os nomes de: LUCIO DE CARVALHO, MERCI PECCA, ELIANE CALIJURI e ZORAIDE MASSA; que no caso destes cartões fazia o saque da parte que lhe cabia, ou seja, um terço do total creditado; que o restante permanecia na conta corrente, não sabendo a destinação que lhe davam os correntistas; que no caso dos pensionistas MERLI DE CARVALHO, MANOEL GINO MARANHÃO, ROBERTO e CELIA, não possuía os cartões, recebendo sua parte através de crédito em conta corrente no Banco Itaú (...)"

Em seu interrogatório a ré ELIANA nega a prática delitiva, o que não se coaduna com o teor de seus relatos, de onde se infere inclusive o dolo da apelada, que aceitou a ajuda (fls.421/425):

"(...) nos dados cadastrais, a acusada forneceu seu nome e endereço, além de toda a documentação exigida (...); a acusada sacava por intermédio de talão de cheque e depositava no Banco Bradesco. Melhor esclarecendo, emitia o cheque e depositava na sua conta do Bradesco. Dessa quantia, a acusada ficava com setecentos reais e o restante era depositado na conta de Manoel no Banco Itaú. Essa quantia era depositada todos os meses, desde dezembro de 1999 até maio de 2001. seu pai não trabalhou no Ministério da Fazenda. (...)"

Verifica-se, igualmente, que a prova documental que instrui os autos aponta seguramente que a ré movimentava a conta corrente 5.794-0, agência 3327-8, aberta no Banco do Brasil para o recebimento indevido da pensão - extratos bancários e cópias dos cheques (apenso intitulado com o nome da ré).

O corréu LÚCIO, por sua vez, sustenta que foi procurado por seu vizinho Robson, que lhe pediu para abrir uma conta no Banco do Brasil, ao argumento de que sua esposa não poderia saber de sua movimentação financeira, ficando com o cartão e repassando ao réu quinhentos reais por mês. Salienta que somente após um ano, aproximadamente, passou a desconfiar e constatou a irregularidade através de extratos, mas foi coagido a permanecer no esquema. (fls.488/490)

Já MERLI APARECIDA DE CARVALHO, esposa de LÚCIO, relata que foi acompanhada por seu vizinho Robson no dia da abertura da conta, sendo entregue o cartão a Gerson, com quem Robson disse que trabalhava. Narra ainda que "concordou com a abertura da conta e recebeu, para tanto, quinhentos reais por mês" - fls.492/493.

Não se sustenta a ausência de elemento subjetivo nas condutas dos réus, primeiro porque expressamente narraram a adesão voluntária ao esquema fraudulento e, segundo, porque não comprovaram as aventadas excludentes, estando caracterizado que tinham plena consciência de que eram beneficiários de pensões fraudulentas.

4. Da dosimetria. LÚCIO DE CARVALHO teve a pena-base fixada em 05 (cinco) anos de reclusão e 30 (trinta) dias-multa no valor unitário de 1/10 (um décimo) do salário mínimo, tornada definitiva, por lhe serem desfavoráveis as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, notadamente as conseqüências do crime, que causou elevado prejuízo aos cofres públicos (R$311.456,81 - fl.668), bem como a manutenção da conduta delituosa por mais de quatro anos, entre março de 1997 a maio de 2001 (fl.668).

MERLI APARECIDA DE CARVALHO teve a pena-base fixada em 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 20 (vinte) dias-multa no valor unitário de 1/20 (um vigésimo) do salário mínimo, tornada definitiva, por lhe serem desfavoráveis as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, em especial as conseqüências do crime, que causou elevado prejuízo aos cofres públicos (R$112.445,41 - fl.667), bem como a manutenção da conduta delituosa por mais de quinze meses, entre janeiro de 2000 a maio de 2001 (fl.708).

Ambos os réus pleiteiam que lhes seja aplicada a causa de diminuição prevista no §1º do artigo 29 do Código Penal, vez que suas participações seriam de menor importância.

Não merece ser acolhido referido pedido, pois o conjunto probatório confirma que os apelantes atuavam no esquema fraudulento, possuindo papel significativo na empreitada criminosa. Conforme eles mesmos relataram, apropriaram-se de dinheiro público, fazendo-se passar por pensionistas, recebendo indevidamente benefícios previdenciários da União.

De fato, as participações dos apelantes não foram de somenos importância; ao contrário, foram essenciais para a consecução dos delitos, que sem eles, os beneficiários, não teriam êxito, destinando ainda parcela do valor auferido ao servidor que indevidamente inserira seus dados como pensionistas. Sem fundamento, pois, a pretensão de minoração da pena embasada no artigo 29, §1º, do Código Penal, mantendo-se as condenações como coautores, já que todas as circunstâncias e condições elementares do tipo penal comunicam-se-lhes, ante o teor do disposto no artigo 30 do Código Penal .

ELIANA VALÉRIA CALIJURI, por sua vez, teve a pena-base fixada em 04 (quatro) anos e 04 (meses) de reclusão e 20 (vinte) dias-multa no valor unitário de 1/20 (um vigésimo) do salário mínimo, tornada definitiva, por lhe serem desfavoráveis as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, notadamente as conseqüências do crime, que causou elevado prejuízo aos cofres públicos (R$152.129,41 - fl.710), bem como a manutenção da conduta delituosa por mais de dezoito meses, entre outubro de 1999 a maio de 2001 (fl.710).

Corretamente bem fixadas as reprimendas e devidamente fundamentadas, não merecem qualquer reparo.

Aos três réus estipulou-se o regime semi-aberto, nos moldes previstos pelo artigo 33, §2º, "b" do Código Penal, que se mantém.

Com tais considerações, Dou parcial provimento às apelação da acusada Eliana Valéria Calijuri para acolher o pleito de desclassificação e, de ofício, estendo a decisão aos demais réus.

É o voto.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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Data e Hora: 28/06/2012 17:04:13