D.E. Publicado em 10/07/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, considerar prejudicado o pedido da ré para recorrer em liberdade e negar provimento ao recurso da ré; por maioria, dar provimento ao recurso do Ministério Público Federal para excluir a incidência da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei n° 11.343/2006, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo voto do Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita, vencido o Desembargador Federal José Lunardelli, que lhe negava provimento; e, por unanimidade, de ofício, reduzir o percentual de aumento decorrente da internacionalidade do tráfico, reajustando-se a pena, determinando-se ainda a expedição de ofício ao Juízo das Execuções comunicando o resultado do julgamento.
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DECLARAÇÃO DE VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Em sessão realizada em 19 de junho de 2012, esta Egrégia Turma, "à unanimidade considerou prejudicado o pedido de a ré recorrer em liberdade e negou provimento ao recurso da ré e, por maioria, a Turma deu provimento ao recurso do Ministério Público Federal, para excluir a incidência da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33 § 4º, da Lei n.º 11.343/2006, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo voto do Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA, vencido o Des. Fed. JOSÉ LUNARDELLI, que lhe negava provimento; e, prosseguindo, a Turma, por unanimidade, de ofício, reduziu o percentual de aumento decorrente da internacionalidade do tráfico, reajustando-se a pena, determinando-se ainda a expedição de ofício ao Juízo das Execuções, comunicando o resultado do julgamento."
A divergência restringe-se à dosimetria da pena, mais especificamente à aplicação da causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06.
Na primeira fase da dosimetria, acompanhei o e. relator, que manteve a fixação da pena-base em 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão e 625 (seiscentos e vinte e cinco) dias-multa.
Na segunda fase, também acompanhei o e. relator, que manteve a redução da pena em decorrência do reconhecimento da atenuante da confissão, fixando-a em 5 (cinco) anos, 8 (oito) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão e 573 (quinhentos e setenta e três) dias-multa.
Na terceira fase, o e. relator, de ofício, reduziu o percentual da causa de aumento decorrente da transnacionalidade do delito (art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06), para o percentual mínimo de 1/6 (um sexto), no que foi acompanhado à unanimidade, motivo pelo qual passa a pena a ser fixada em 6 (seis) anos, 8 (oito) meses e 5 (cinco) dias de reclusão e 688 (seiscentos e oitenta e oito) dias-multa.
Por fim, o e. relator excluiu a causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da Lei n.º 11.343/06, verbis:
Contudo, entendo deva ser mantida a sentença recorrida que aplicou referida causa de diminuição, no percentual de 1/3 (um terço).
Isso porque o artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas, prevê a redução de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.
O dispositivo foi criado a fim de facultar ao julgador ajustar a aplicação e a individualização da pena às múltiplas condutas envolvidas no tráfico de drogas, notadamente o internacional, porquanto não seria razoável tratar o traficante primário, ou mesmo as "mulas", com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais responsáveis pela organização criminosa que atuam na prática deste ilícito penal.
Dos elementos coligidos nos autos, constata-se que a conduta da acusada se enquadra no que se convencionou denominar no jargão do tráfico internacional de droga de "mula", isto é, pessoa que funciona como agente ocasional no transporte de drogas, pois não se subordina de modo permanente às organizações criminosas nem integra seus quadros. Trata-se, em regra, de mão-de-obra avulsa, esporádica, de pessoas que são cooptadas para empreitada criminosa sem ter qualquer poder decisório sobre o modo e o próprio roteiro do transporte, cabendo apenas obediência às ordens recebidas. Pouco ou nada sabem a respeito da organização criminosa.
Sobre o papel das "mulas" no narcotráfico e sua hipotética integração em organizações criminosas, bem apreciou essa questão o TRF- 5ª Região, asseverando que:
Em suma, do fato puro e simples de determinada pessoa servir como "mula" para o transporte de droga não é possível, por si só, inferir a inaplicabilidade da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.342/2006, por supostamente integrar organização criminosa.
Izabel das Dores Faustino é primária, não ostenta maus antecedentes e não há prova nos autos de que se dedica a atividades criminosas, nem elementos para concluir que integra organização criminosa, apesar de encarregada do transporte da droga. Certamente, estava transportando a droga para bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse integrante dele.
Sendo assim, faz jus à aplicação da causa de redução de pena, prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06, entretanto, no percentual de 1/3 (um terço), devido às circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto, em que a ré, ao presenciar a revista de sua bagagem, sem nada ter sido encontrado, restou silente, sendo encaminhada para exame radiológico no Hospital Geral de Guarulhos em razão do seu nervosismo e, após a realização das radiografias, constatou-se que carregava em seu corpo o total de 73 (setenta) e três cápsulas de cocaína, razão pela qual a pena definitiva resta fixada em 4 (quatro) anos, 5 (cinco) meses e 13 (treze) dias de reclusão e 459 (quatrocentos e cinqüenta e nove) dias-multa, no valor de um trigésimo do salário mínimo vigente na data dos fatos.
Diante do exposto, julgo prejudicado o pedido de a ré recorrer em liberdade, nego provimento ao recurso da defesa e do Ministério Público Federal, e, de ofício, reduzo o percentual de aumento decorrente da internacionalidade do tráfico.
É o voto.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelações criminais interpostas por IZABEL DAS DORES FAUSTINO e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, contra a r. sentença condenatória, publicada em 28/01/2008, proferida em ação penal destinada a apurar a prática do crime descrito no artigo 33, caput c.c artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06.
Fato praticado em 30/09/2007; denúncia recebida em 17/12/2007 (fls. 130/132).
Após regular instrução do feito, sobreveio a r. sentença que julgou a ação penal procedente para condenar IZABEL DAS DORES FAUSTINO ao cumprimento da pena de 04 anos, 09 meses e 07 dias de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado, e ao pagamento de 286 dias multa, no valor unitário mínimo, pela prática do delito em que foi denunciada.
Expedida a Guia de Recolhimento Provisória (fls. 219/220).
Nas razões de apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, requer-se a inaplicabilidade do artigo 33, §4º, da Lei 11343/2006, ou sua aplicação no patamar mínimo (fls. 195/204).
Nas razões de apelação da defesa, requer-se:
- a absolvição da ré com base no reconhecimento do estado de necessidade;
- a fixação da pena-base no mínimo legal;
- o reconhecimento da atenuante prevista no artigo 65, inciso III, alínea "c", do CP (coação moral resistível);
- a exclusão da majorante relativa à internacionalidade do tráfico, tendo em vista que a apelante não deixou o país;
- a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 em seu patamar máximo de 2/3 (dois terços);
- a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos;
- a alteração do regime inicial de cumprimento da pena;
- o direito de recorrer em liberdade.
Contrarrazões apresentadas pela defesa (fls. 223/225).
A Procuradoria Regional da República ofertou contrarrazões e parecer em expediente conjunto, opinando pelo provimento do recurso de apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, para que seja afastada a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei 11343/2006, e pelo desprovimento do recurso de apelação de IZABEL DAS DORES FAUSTINO (fls. 309/320).
Às fls. 322/323 e 334/335, sobrevieram aos autos informações prestadas pela 2ª Vara de Execuções Criminais Central de São Paulo/Servec II, dando conta de que foi concedido à ré a progressão do regime de cumprimento de pena para o semiaberto e, posteriormente, para o aberto.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
Preliminarmente julgo prejudicado o pedido da ré para recorrer em liberdade, haja vista que os documentos de fls. 334/335 dão contam de que a ré atualmente encontra-se cumprindo pena no regime aberto.
Prosseguindo, segundo consta, aos 30/09/2007, no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP, IZABEL DAS DORES FAUSTINO foi presa em flagrante delito quando, agindo de maneira livre e consciente, tentava embarcar em vôo da companhia aérea TAP, com destino a Amsterdã/Holanda, trazendo consigo, no interior de seu corpo 73 cápsulas contende cocaína - 71 delas ingeridas, uma introduzida no ânus e outra na vagina, num total de 927,3 gramas (peso líquido).
O laudo de constatação preliminar (fl. 19) e o Laudo Químico-Toxicológico Definitivo (fls. 60/64) confirmaram a natureza da droga.
Em sede policial a ré afirmou que foi contratada para o transporte de drogas por um australiano chamado "Bob", de cor branca, medindo aproximadamente 1,90 m de altura, olhos azuis, cabelos castanho claro, não sabendo porém declinar seu endereço (fls. 11/12).
Ouvida em juízo a ré confirmou os fatos narrados na denúncia, motivando-os por extrema necessidade financeira e ameaças sofridas por seu aliciador. Esclareceu que não tinha onde morar e por ser portadora de artrite reumática não conseguia estabelecer-se em nenhum emprego. Nessa situação foi que conheceu "Bob", que se aproximou dela dizendo que a ajudaria e com o qual manteve vida conjunta. Meses depois, "Bob" teria condicionado a vida afetiva e a ajuda financeira despendida a viagem na qual a ré teria de transportar cocaína. Por essa viagem receberia mil dólares e, quando chegasse ao destino, mais novecentos euros aproximadamente. Por ter se negado a fazer o transporte, "Bob" começou a ameaçá-la de morte e passou a segui-la, quando, então, aceitou o serviço. Afirmou que "Bob" a esperaria em Amsterdã, tendo recebido, no dia dos fatos, diversas ligações internacionais que acredita terem partido dele. Um dia antes da viagem, por volta de 4h00 da manhã, uma pessoa desconhecida a procurou no hotel em que estava hospedada e lhe entregou a droga, dando-lhe instruções sobre como ingeri-las. Em Amsterdã, deveria se hospedar em um dos três hotéis indicados por "Bob", ocasião em que lhe entregaria a droga (fls. 147/150).
As alegações genéricas de dificuldades financeiras trazidas pela ré ou a doença de que é portadora não constituem motivo idôneo a autorizar o reconhecimento da causa supralegal de exclusão da culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa, para ilidir a responsabilização criminal.
De qualquer forma, independentemente da doença de que é portadora e mesmo que houvesse comprovação adequada da aventada penúria, a conclusão não seria diversa, já que enveredar no mundo do crime não é solução acertada, honrosa, digna para resolver agruras econômicas - muitas delas vivenciadas por todo o corpo social - ao contrário, revela desvio de caráter, cupidez e pobreza de princípios.
As ameaças alegadamente sofridas nem de longe foram comprovadas.
Assim, devidamente demonstradas a materialidade e autoria da conduta típica e antijurídica, afastadas quaisquer excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, passo ao exame da dosimetria da pena.
Na primeira fase a pena base da ré foi estipulada em 06 anos e 03 meses e 625 dias-multa e assim deve ser mantida.
Com efeito o modus operandi denota maior reprovabilidade na conduta do agente, haja vista que a ingestão de cápsulas, além de dificultar a ação policial, demonstra que a ré assumiu risco de vida no afã de transportar elevada quantidade de drogas, sendo certo que o rompimento de uma só das cápsulas poderia ser fatal. Ademais, a ré não agiu de rompante, ao contrário, teve tempo suficiente para refletir e mesmo assim persistiu na conduta.
Tratando-se de ingestão de cápsulas, não há como considerar a quantidade traficada de pequena monta (quase 1 kg), já que estamos falando de ingestão de 73 cápsulas, duas delas de tamanho muito superior às demais, introduzidas nas partes íntimas da ré.
Assim, atentando-me a conduta social negativa, a natureza nefasta da droga apreendida (cocaína), bem como a eleição de audacioso, doloroso e perigosíssimo método de ocultação (culpabilidade acentuada), tenho que a pena base deve ser mantida.
Na segunda fase, por força da atenuante da confissão a pena foi reduzida para 05 anos, 08 meses e 22 dias de reclusão e 573 dias-multa, e nesse sentido deve ser mantida já que ausente insurgência da acusação.
Ainda na segunda fase, conforme fundamentação já consignada acima, entendo pela não configuração da atenuante da coação moral resistível, por absoluta falta de prova.
Na terceira fase a pena foi reduzida em 1/3 pela causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei 11343/2006, e majorada em ¼ pela internacionalidade, restando, ao final, fixada em 04 anos, 09 meses e 07 dias de reclusão e 286 dias-multa, no valor unitário mínimo.
A esse respeito pretende a defesa que a causa de diminuição de pena seja aplicada no máximo, enquanto a acusação entende pela não configuração da causa em apreço.
Entendo pela não incidência da causa de diminuição do artigo 33, §4º, da Lei 11343/2006, pois a pessoa que se dispõe a efetuar o transporte de substância entorpecente para o exterior com as despesas custeadas e mediante promessa de recompensa evidentemente integra organização criminosa de forma efetiva e relevante, devendo-se notar que na singularidade do caso havia outras pessoas envolvidas na narcotraficância, por exemplo, a tal pessoa "desconhecida" que procurou a ré no hotel para entregar-lhe a droga, dando-lhe instruções sobre como ingerir as cápsulas que continham a cocaína.
Deveras, o modus operandi do transporte - ingestão de cápsulas contendo a droga - é sinal seguro da participação de outras pessoas na dinâmica criminosa, permitindo enxergar o pertencimento da ré a grupo criminoso.
Ainda na terceira fase, é inquestionável a internacionalidade do delito, uma vez que as drogas estavam em vias de serem exportadas. A apreensão se deu no Aeroporto Internacional de Guarulhos, estando a ré na iminência de embarcar para Holanda, tendo, ainda, sido encontrados em seu poder passaporte e bilhete de passagem aérea (fls. 16/17 e 39/40).
Nesse sentido é a jurisprudência do STJ: HC 156349/SP, QUINTA TURMA, Rel. Ministro JORGE MUSSI, julgado em 5/4/2011, DJe 14/4/2011; HC 123699/SP, QUINTA TURMA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, julgado em 26/10/2010, DJe 22/11/2010.
Todavia, sendo certo que a lei de drogas fala tão somente em "transnacionalidade" do delito, não fazendo distinção entre o transporte de um continente para outro e o transporte entre fronteiras contíguas, e que o iter geográfico que o apelante tencionava percorrer não reflete um trajeto extraordinário que lhe exigiria maior esforço e grandes riscos, além do que o acréscimo de ¼ não foi cumpridamente justificado, reduzo, de ofício, o percentual de aumento para o mínimo legal de 1/6 (um sexto), restando a pena privativa de liberdade definitivamente fixada em 06 anos, 08 meses e 05 dias de reclusão.
Em observância ao critério bifásico eleito no artigo 43 da Lei nº 11.343/06, fixo a pena pecuniária em 668 dias-multa.
Ainda que tenha sido declarada pelo STF a inconstitucionalidade da Lei nº 11.343/06 na parte em que vedava a conversão em pena substitutiva, na singularidade do caso é incabível a incidência de pena alternativa em razão da quantidade de pena privativa de liberdade fixada, que excede o limite disposto no inciso I do artigo 44 do Código Penal.
O regime inicial de cumprimento da pena também deve ser mantido, diante da quantidade de pena imposta e gravidade de sua conduta.
Insta salientar que a ré atualmente encontra-se no regime aberto, conforme informações de fls. 334/335. Assim, eventual alteração dessa condição, com base nas penas doravante impostas, é questão a ser tratada no Juízo da Execução Penal.
Em face de todo o exposto, preliminarmente considero prejudicado o pedido de a ré recorrer em liberdade; nego provimento ao recurso da ré e dou provimento ao recurso do Ministério Público Federal, para excluir a incidência da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei n° 11.343/2006, e, de ofício, reduzo o percentual de aumento decorrente da internacionalidade do tráfico, reajustando-se a pena. Oficie-se ao Juízo das Execuções comunicando o resultado do julgamento.
É como voto.
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