Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 10/07/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001353-44.2004.4.03.6005/MS
2004.60.05.001353-5/MS
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
APELANTE : Justica Publica
APELADO : SEBASTIAO DUARTE RIQUELME
ADVOGADO : LUIZ CEZAR DE AZAMBUJA MARTINS e outro
EXCLUIDO : PEDRO FRANCO
EXTINTA A PUNIBILIDADE : GELAIA GARCIA
No. ORIG. : 00013534420044036005 1 Vr NAVIRAI/MS

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO. ESTELIONATO. ARTIGO 171, §3º, DO CÓDIGO PENAL. TENTATIVA. AUSÊNCIA DE PROVA DA AUTORIA DELITIVA. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA DEMONSTRAR O DOLO DO RÉU. RECURSO IMPROVIDO.
1. O apelado foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 171, §3º, c.c. artigo 14, II, ambos do Código Penal.
2. Autoria duvidosa. Não há nos autos provas de que o apelado teve a intenção de fraudar o Instituto Nacional do Seguro Social.
3. À época dos fatos, os Registros Administrativos de Nascimento de Índio, como o do caso ora posto, eram feitos manualmente nos postos indígenas da Fundação Nacional do Índio e não estavam sujeitos a controle eficiente que pudesse indicar, no ato da lavratura, eventual indício de irregularidade.
4. Conjunto probatório é insuficiente para confirmar a existência do dolo por parte do apelado.
5. Mantida sentença absolutória, nos termos do artigo 386, VII, do Código Processo Penal.
6. Apelação a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 26 de junho de 2012.
Vesna Kolmar
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001353-44.2004.4.03.6005/MS
2004.60.05.001353-5/MS
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
APELANTE : Justica Publica
APELADO : SEBASTIAO DUARTE RIQUELME
ADVOGADO : LUIZ CEZAR DE AZAMBUJA MARTINS e outro
EXCLUIDO : PEDRO FRANCO
EXTINTA A PUNIBILIDADE : GELAIA GARCIA
No. ORIG. : 00013534420044036005 1 Vr NAVIRAI/MS

RELATÓRIO

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR: Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra a r. sentença (fls. 492/496-v), proferida pelo MM. Juiz Federal da 1ª Vara Federal de Naviraí, que absolveu Sebastião Duarte Riquelme da prática do crime capitulado no artigo 171, §3º, c.c o artigo 14, II, ambos do Código Penal, com fulcro no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal.


Nas razões de recurso (fls. 501/503), o Ministério Público Federal pleiteia a condenação do apelado, nos termos da denúncia ofertada, sob o fundamento de que há nos autos provas suficientes de autoria, materialidade e do dolo em fraudar o Instituto Nacional do Seguro Social, tendo em vista que houve a emissão de Registro Administrativo de Nascimento de Índio, ideologicamente falso, na tentativa de obter o benefício de salário-maternidade.


Contrarrazões às fls. 510/513.


A Procuradoria Regional da República, por sua ilustre representante Dra. Rosana Cima Campiotto, opinou pelo não provimento do recurso (fls. 526/530).


É o relatório.


À revisão.



Vesna Kolmar
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001353-44.2004.4.03.6005/MS
2004.60.05.001353-5/MS
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
APELANTE : Justica Publica
APELADO : SEBASTIAO DUARTE RIQUELME
ADVOGADO : LUIZ CEZAR DE AZAMBUJA MARTINS e outro
EXCLUIDO : PEDRO FRANCO
EXTINTA A PUNIBILIDADE : GELAIA GARCIA
No. ORIG. : 00013534420044036005 1 Vr NAVIRAI/MS

VOTO

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR: Sebastião Duarte Riquelme foi denunciado, juntamente com Pedro Franco e Gelaia Garcia, como incurso nas sanções do artigo 171, §3º, c.c. artigo 14, II, ambos do Código Penal.


Consta da denúncia que:


(...) Em 12 de junho de 2001, a denunciada GELAIA GARCIA, agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios em relação aos denunciados, dolosamente e ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta., perante a Unidade Avançada de Atendimento da Previdência Social em Iguatemi/MS, deu início à conduta de obter para si, vantagem ilícita - o benefício de salário-maternidade a que não tinha direito - em detrimento da Previdência Social, induzindo-a em erro, mediante fornecimento de declaração falsa ao INSS para obtenção de benefício que já havia recebido.
Os denunciados SEBASTIAÃO DUARTE RIQUELME e PEDRO FRANCO, agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios em relação à denunciada, dolosamente cientes da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, prestaram-lhe auxilio material, caracterizado no fornecimento da declaração falsa, inserida em documento público, de que a denunciada GELAIA possuía uma filha em nome de LUCINÉIA FERNANDES GARCIA (fls. 08/ e 56), na realidade inexistente, nascida em 26 de junho de 1997, a qual foi utilizada para dar início à execução do crime.
O benefício pleiteado (fls. 06 e 2) pela denunciada na Unidade Avançada de Atendimento do INSS em Iguatemi/MS sob número 117.042.032-7, para que foi utilizado o documento ideologicamente falso mencionado, foi indeferido (fl.23) por circunstância alheia à vontade dos agentes, pois o INSS verificou que a denunciada já havia recebido o mesmo benefício, sob número 116.769.127-7 (requerido à fl. 25 e deferido à fl. 35), em outra Unidade de Avançada de Atendimento (UAA) - de Amambi/MS _ , em decorrência do nascimento de sua filha de nome ELÍZEIA FERNANDES GARCIA, nascida em 06 de julho de 19997 (fls. 27/ e 58).
A proximidade da data de nascimento de ELIZÉIA FERNANDES GARCIA e LUCINÉIA FERNANDES GARCIA demonstrou que o segundo pedido era fraudulento.
O fato acima citado foi verificado pelo Chefe de Agência da Previdência Social em Iguatemi/MS, REINALDO PALÁCIO BENITEZ, quando este notou irregularidades em vários pedidos de benefícios previdenciários indígenas (fl. 20).
SEBASTIÃO DUARTE RIQUELME emitiu o registro administrativo do nascimento de índio (fl. 08), ideologicamente falso acima mencionado.
PEDRO FRANCO assinou, em curto lapso temporal, os registros administrativos de nascimento de índio (fls. 08 e 27) utilizados pela denunciada para requerer os benefícios do salário-maternidade, nas data de 30 de outubro de 2000 e 30 de março de 2001, o que evidencia o conhecimento de que o segundo registro era falso.
Os denunciados partícipes do crime d GELAIA GARCIA também são implicados em outros casos de práticas análogas à presente, conforme recatado à fl. 100, o que reforça a convicção sobre a atuação doloso de ambos.
A existência do crime está amplamente demonstrada pela declaração prestada por GELAIA GARCIA (fls. 67/68) e pela documentação constante do Inquérito Policial nas folhas mencionadas acima.
A autoria dos crimes pode ser extraída dos documentos de fls. 08, 22, 25, 27, 56 e 58 e da declaração falsa constante nas fls. 67/68. (...) (fls. 02/05).

Em relação à denunciada Gelaia Garcia, o Ministério Público Federal ofertou proposta de suspensão condicional do processo, cujas condições impostas foram cumpridas, sendo extinta a punibilidade da acusada, nos termos do artigo 89, § 5º, da Lei nº 9.099/95 (fls. 457/458).


O feito foi desmembrado em relação a Pedro Franco (fl. 207).


No que tange a Sebastião Duarte Riquelme, após a regular instrução, o d. magistrado a quo entendeu que o apelado não agiu com dolo ao inserir declaração falsa em documento público com o fim de obter vantagem ilícita para outrem, motivo pelo qual o absolveu, com fulcro no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal.


Transcrevo trecho da fundamentação da r. sentença absolutória (fls. 492/496-v):


(...) Pois bem. Vejo que também há provas suficientes da conduta do réu SEBASTIÃO DUARTE RIQUELME, aptas, em princípio, a lastrear um decreto condenatório. Neste particular, aliás, convém destacar que o próprio Réu, tanto na fase policial quanto em juízo, reconheceu haver expedido documento de que se valeu GELAIA GARCIA para impetração da fraude, cite-se:
"Que o declarante reconhece a expedição e a sua assinatura na cópia autenticada da Certidão de Nascimento de índio, como chefe do Posto Indígena da Aldeia Jaguapiré e Sossoró, fls. 08 dos autos"
"Que o depoente é funcionário da FUNAI. Que o mesmo efetuou o registro da criança pois é obrigado a tal providência: que fez o registro de acordo com informações que lhe foras repassado por Gelaia Garcia (fl. 186)(sic)
Não obstante isso, me parece controverso seu conhecimento sobre os fatos a partir daí ocorridos.
Em verdade, como visto, a requerente do benefício previdenciário afirmou que a instrução para obtenção dos documentos partiu de uma "tia de ELISÉIA e um outro indígena", acrescentando, ainda, que "que SEBASTIÃO não sabia que já existia registro de ELIZÉIA".
Tais alegações são firmemente corroborados pela afirmações do próprio Réu, prestada por ocasião de seu depoimento em juízo, verbis:
"que o mesmo efetuou o registro da criança pois é obrigado a tal providência: que fez o registro de acordo com o que fora passado por Gelaia Garcia; que efetuava o registro das crianças tão somente de acordo com as informações que lhe era passada pela mães, não buscando qualquer informação para verificação de possível fraude: que não tinha conhecimento que a criança registrada por Gelaia Garcia não existia" (fls. 186/187).
Ora, a emissão incorreta do documento em questão, muito embora possa denotar desordem, negligência ou desídia do Acusado na condução de seu ofício público, não caracteriza, por si só o cometimento do crime de estelionato, posto que, de maneira geral, para configuração deste delito, além dos elementos explícitos no art. 171 do CP, deve estar presente também o elemento subjetivo do tipo, qual seja, o dolo.
E no caso dos autos, ao contrário do que quer fazer prevalecer a acusação, não me convenci de que o Réu SEBASTIÃO DUARTE RIQUELME tinha plena consciência de que estava inserindo declaração falsa em documento público, com a finalidade de obter, para outrem (GELAI GARCIA), vantagem ilícita em prejuízo do INSS. Diz-se isso, sobretudo, em razão do fato de que o primeiro registro, ou seja, o assento de nascimento de ELIZÉIA, foi feito em posto indígena diverso daquele em que o acusado estava lotado, sendo crível também concluir que, pelos depoimentos tomados, não havia, naquela época, meios eficientes de controle da própria Administração da FUNAI sobre tais registros (v. f. 41/46).
Nestas circunstâncias, ainda que comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, pelo conjunto probatório, que é convergente quanto à não-responsabilidade do Réu pela fraude tentada por meio de lançamento de informações inverídicas no documento que viria embasar o requerimento de salário-maternidade, como não evidenciado o dolo na conduta do Acusado sua absolvição é medida que se impõe.(...) (sic)(fls. 495-v/496-v).

No mesmo sentido é o parecer da Procuradoria Regional da República (fls. 528/528-v) que opina pela fragilidade dos elementos probatórios diante da ausência de dolo por parte do acusado. Confira-se:


"(...) Todavia, a despeito dos argumentos apresentados pelo órgão acusatório, não merece prosperar o apelo interposto, devendo ser mantida, na íntegra, a sentença recorrida. Senão vejamos.
Em que pese a materialidade e a autoria delitivas estarem devidamente comprovadas, existem dúvidas quanto a presença do elemento subjetivo do tipo, já que não restou demonstrado, nos autos, que o apelado tinha consciência da fraude perpretada pela indígena Gelaia Garcia.
Com efeito, consta dos autos que a acusada Gelaia Garcia admitiu ter requerido a certidão de nascimento de Lucinéia, uma vez que sua casa teria pegado fogo e todos os documentos de seus filhos teriam sido destruídos. Assim é que, segundo alegou, após ter sido instruída por terceiro, requereu outra certidão de nascimento, como se outro filho tivesse tido, para que novamente, pudesse receber o benefício de salário maternidade, fato que impulsionou a procurar o ora apelado em busca do novo documento.
Nesse sentido, em sede extrajudicial, afirmou Gelaia que "a declarante foi até a Sebastião e pediu registro de sua filha (Elizéia), falando para ele que não tinha registro anterior dela e que ela se chamava Lucinéia; que, Sebastião não pediu para ver a criança e nem a declarante levou testemunhas na hora em que foi feito o novo registro" (fls. 72).
Outrossim, as declarações do apelado, prestadas em sede extrajudicial (fls. 186/187) e ratificadas em juízo (fls. 44/46), guardam ressonância com o depoimento de Gelaia, tendo declarado que "se o indígena não for recém nascido, a certidão de nascimento é expedido somente com as informações prestadas pelos pais" (fls. 45) e que o administrador regional da FUNAI de Amambaí/MS e o declarante, como chefe do posto indígena, não tem como ter controle sobre as informações prestadas pelos índios e nem se já há documentação expedida daquele silvícola ou de seus filhos, tendo em vista que são muitos índios pertencentes à FUNAI de Amambaí/MS e a aldeia em que é chefe, sem que exista uma forma de controle eficiente para evitar emissão de documentação com informações erradas".
Ora, a versão apresentada pelo apelado resulta crível, em especial, porque da análise das certidões emitidas em nome da mesma criança, nascida em 1997 e registrada como Luzinéia (Lucinéia) em 30 de março de 2000, conforme certidão firmada pelo apelado, e em 30 de outubro de 2000, como Elizéia, conforme certidão firmada por Ayrton de Oliveira, observa-se que foram expedidas em Postos Indígenas diversos, quais sejam, Sossoró e Limão Verde, o que torna incerta a possibilidade do ora apelado conhecer a existência do primeiro registro quando solicitado expedir o segundo.
Junte-se a isso o fato de que o documento em questão foi requerido como substitutivo do original, que teria sido destruído em um incêndio, e não como documento inédito, o que torna ainda mais remota a possibilidade do apelado conhecer o intuito de fraude da mãe da criança, ao pedir a certidão.
Com efeito, o que exsurge cristalina é a desídia com que os assentos de nascimento estavam sendo feitos na ocasião, fato que aliás, foi ressaltado por todas as testemunhas ouvidas.
(...)
Por outro lado, nenhum elemento de prova produzido foi no sentido de que o apelado efetivamente tinha como conhecer a falsidade da declaração que lavrava, a demonstrar que a desídia administrativa teria transcendido para o dolo, necessário à configuração do crime de estelionato.
(...)
Tampouco se presta a respaldar o édito condenatório pretendido a existência de outros inquéritos instaurados contra o aqui apelado, ou mesmo "informação" de que tinha conhecimento da fraude, já que não carreado a este feito qualquer prova nesse sentido.
(...)

Como é cediço, o crime de estelionato tem como elemento subjetivo do tipo o dolo específico, consistente na vontade de obter lucro indevido para si ou para outrem. No entanto para a configuração do delito mister a comprovação de que o agente livre e conscientemente agiu no sentido de obter a vantagem ilícita.


Contudo, na hipótese em apreço, não há nos autos elementos capazes de demonstrar que o apelado agiu com a intenção de fraudar o Instituto Nacional do Seguro Social.


Como visto, à época dos fatos, os Registros Administrativos de Nascimento de Índio, como o do caso ora posto, feitos manualmente nos postos indígenas da Fundação Nacional do Índio, não estavam sujeitos a controle eficiente que pudesse indicar, no ato da lavratura, eventual indício de irregularidade, como bem ressaltou o Ministério Público Federal em parecer.


Deste modo, o conjunto probatório acostado aos autos é insuficiente para confirmar a existência do dolo por parte de Sebastião Duarte Riquelme, motivo pelo qual fica mantida a r. sentença absolutória, nos termos do artigo 386, VII, do Código Penal (na redação dada pela Lei nº11.690/2008).


Por esses fundamentos, nego provimento à apelação.


É o voto.



Vesna Kolmar
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): VESNA KOLMAR:10060
Nº de Série do Certificado: 34D835FBE5975E67
Data e Hora: 06/03/2012 16:53:14