D.E. Publicado em 19/03/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar o pedido de André Luiz Telles Barcellos para aguardar solto o julgamento do processo e rejeitar toda a matéria deduzida como "preliminares"; no mérito, dar parcial provimento ao recurso de André Luiz Telles Barcellos para desclassificar o crime do artigo 297, do CP, para o crime previsto no artigo 299, do CP, readequando a pena imposta; negar provimento a todas as demais apelações, e, de ofício, reconhecer a atenuante prevista no artigo 65, III, "d", do CP, em favor de Ana Maria Stein e André Luiz Telles Barcellos reajustando-lhes as penas. Determinar a comunicação do resultado deste julgamento aos Juízos para onde foram encaminhadas as guias de execuções provisórias e expedir mandados de prisão após o trânsito em julgado, contra Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol e Adilson Soares da Silva, tudo nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LUIZ ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042 |
Nº de Série do Certificado: | 071C0E4C5CCF4CC3 |
Data e Hora: | 09/03/2012 11:59:59 |
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RELATÓRIO
Trata-se de Apelações Criminais interpostas por Juan Carlos Ramirez Abadia, Yessica Paola Rojas Morales, André Luiz Telles Barcellos, Daniel Brás Marostica, Ana Maria Stein, Aline Nunes Prado, Vitor Garcia Verano, Jaime Hernando Martinez Verano, Eliseo Almeida Machado, Antonio Marcos Ayres da Fonseca, Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol e Adilson Soares da Silva, contra r. sentença de fls. 4430/4759 (volumes XVIII/XIX), proferida nos autos da ação penal em epígrafe, destinada a apurar a prática dos crimes previstos nos seguintes artigos: 297, 288, 299, 304, 317 e 333, todos do Código Penal, e artigo 1º da Lei 9.613/98.
Narra a denúncia, recebida em 18/09/2007 (fls.1571/1589 - vol. VII), que os réus colaboraram com uma organização criminosa de lavagem de valores provenientes do tráfico internacional de entorpecentes, liderada por Juan Carlos Ramirez Abadia, um dos principais membros do Cartel Vale Del Norte (organização criminosa mais poderosa do tráfico de cocaína na Colômbia).
Segundo consta, diante de pedido de extradição de Juan Carlos Ramirez Abadia formulado pelos Estados Unidos da América para o Governo da Colômbia, este réu empreendeu fuga para o Brasil no ano de 2004, portando a quantia de US$ 4.000.000,00, internando, posteriormente, mais US$ 5.000.000,00, valendo-se para tanto da colaboração dos demais réus para que permanecesse clandestinamente no país e pudesse lavar os recursos oriundos do narcotráfico internacional através da aquisição de bens imóveis e móveis os quais eram registrados em nome de terceiros.
Passo a discriminar resumidamente as condutas imputadas a cada um dos réus:
1) Juan Carlos Ramirez Abadia (vulgo Tonho) - artigo 304, c/c artigo 297 e 299; artigo 288 e artigo 333, todos do CP; e artigo 1º, da Lei 9.613/98:
1.1) Uso de documentos falsos (artigo 304, c/c artigos 297, todos do CP):
- 03 passaportes venezuelanos em nome de Miguel Angel Cano Ramos, Carlos Arturo Mora Calderon e José Martin Colque Cruz;
- 02 licenças argentinas de condução de veículo em nome de Miguel Angel Cano e José Martin Colque;
- 02 cédulas de identidade venezuelanas em nome de Miguel Angel Cano Ramos e José Martin Colque Cruz;
- 02 cédulas de identidade argentinas em nome de Miguel Angel Cano e José Martin Colque;
- 02 documentos de identidade do MERCOSUL em nome de Miguel Angel Cano e José Martin Colque;
- 02 permissões para conduzir venezuelana em nome de Miguel Ângelo Cano Ramos e José Martin Colque Cruz;
- Documento de conduzir argentino em nome de Carlos Arturo Mora Calderon;
- Cartão VISA em nome de Carlos Mora Calderon;
- Passaporte venezuelano em nome de Javier Antonio Buenaño;
- Certificado de vacinação venezuelano em nome de Javier Antonio Buenaño;
- Cédula de identidade venezuelana (mais antiga) em nome de Javier Antonio Buenaño;
- Cartão da "ARC Europe" em nome de Javier Antonio Buenaño;
- Cartão MASTERCARD do Banco Occidental de Descuento em nome de Javier Antonio Buenaño;
- Cartão American Express em nome de Javier Antonio Buenaño;
- Permissão internacional para conduzir venezuelano em nome de Javier Antonio Buenaño;
- Licença para conduzir em nome de Javier Antonio Buenaño;
- Certificado médico venezuelano para condução de veículos em nome de Javier Antonio Buenaño;
- Passaporte venezuelano em nome de José Maria Velandia Orrelano;
- Certificado de vacinação em nome de José Maria Velandia Orrelano;
- Cédula de identidade venezuelana em nome de José Maria Velandia Orrelano;
- Cartão MASTERCARD do Banco Occidental de Descuento em nome de José Maria Velandia Orrelano;
- Cartão American Express em nome de José Maria Velandia Orrelano;
- Permissão internacional para conduzir venezuelano em nome de José Maria Velandia Orrelano;
- Licença para conduzir venezuelana em nome de José Maria Velandia Orrelano;
- Licença para conduzir venezuelana em nome de José Velandia;
- Certificado médico venezuelano para condução de veículo em nome de José Maria Velandia Orrelano;
1.2) Corrupção de servidor federal (artigo 333, do CP): para garantir sua permanência no Brasil, Juan Carlos contava com a ajuda de André Luiz Telles Barcellos, que, por meio de Ângelo Cassol, conseguia que Adilson Soares da Silva (agente da polícia federal do setor de imigração) regularizasse seus passaportes;
1.3 ) Lavagem de Valores (artigo 1º, da Lei 9613/98):
- mediante aquisição de diversos bens, notadamente, imóveis e veículos, com valores provenientes do tráfico internacional de entorpecentes e registros dos bens em nome de terceiros ("Laranjas") para dissimular a propriedade;
- ocultação das quantias de US$ 952.100,00, 420.000,00 Euros e outros 122.800,00 Euros, obtidas com a prática de tráfico internacional de entorpecentes;
Foram, ainda, apreendidos na residência desse réu diversas fotos suas na companhia da esposa Yessica, veículos, documentos, espelhos de documentos e petrecho para falsificação, jóias, relógios, televisores de plasma, bicicletas, cópias de documentos de veículos em nome de "laranjas"; ainda foram apreendidos vários telefones celulares, aparelhos eletrônicos e as quantias de US$ 303.126,00, 184.100,00 Euros e R$ 14.700,00.
2) Yéssica Paola Rojas Morales (vulgo Gegê) - artigo 304, c/c artigo 297; artigo 288, todos do CP, e artigo 1º, da Lei 9.613/98:
2.1) Uso de documentos falsos (artigo 304, c/c artigo 297, todos do CP):
- 02 passaportes venezuelanos falsos em nome de Millareth Torres Lozano;
- Documento de conduzir venezuelano em nome de Millareth Torres Lozano;
- Cartão VISA do Banco da República em nome de Millareth Torres Lozano;
2.2 ) Quadrilha ou bando (artigo 288, do CP):
Mediante auxílio a Abadia na condução da organização criminosa, agendando locais e horários para entrega de documentos e valores e realizando encontros com outros integrantes da organização, tais como, com Daniel Brás Maróstica, André Luiz Telles Barcellos, Ana Maria Stein, Aline Nunes Prado e Vitor Garcia Verano;
2.3 ) Lavagem de Valores (artigo 1º, da Lei 9613/98):
Mediante auxilio prestado a Juan Carlos Abadia na aquisição de diversos imóveis e veículos com valores provenientes do tráfico internacional de entorpecentes e no registro dos bens em nome de terceiros ("laranjas") para dissimular a propriedade.
3) André Luiz Telles Barcellos - artigos 288, 297 e 333, todos do CP, e artigo 1º, da Lei 9.613/98:
3.1) Quadrilha ou bando (artigo 288, do CP):
Responsável por pilotar a aeronave que conduziu Juan Carlos Abadia, em 08/2004, da cidade de Camocin/CE para Arachá/MG, recebendo por isso US$ 30.000,00;
- aquisição de imóveis, veículos e telefones em favor de Juan Carlos Abadia;
- cessão de contas de sua própria empresa para Juan Carlos Abadia, para depósito de valores e dissimulação da origem de patrimônio ilícito;
- auxílio a outro integrante da organização, de nome Henry Lagos (vulgo Pacho), além de ter sido encontrado em sua residência documentos do Banco da República do Uruguai referentes a abertura de contas em nome de Millareth Torre (nome falso utilizado por Yéssica);
3.2) Falsificação de documento público (artigo 297, CP): aposição de carimbos de entrada e saída no Brasil nos passaportes falsos de Juan Carlos Abadia junto ao setor de imigração da Polícia Federal;
3.3) Corrupção ativa (artigo 333, do CP): por intermédio de Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol, funcionário da ANAC, André providenciava as prorrogações de entrada e saída no território nacional de Juan Carlos Abadia junto ao agente da polícia Federal Adilson Soares da Silva, que carimbava os passaportes falsos permitindo que Abadia permanecesse por mais tempo no Brasil sem ter que passar pela fronteira;
3.4) Lavagem de Valores (artigo 1º, da Lei 9613/98):
- mediante auxilio a Juan Carlos Abadia na aquisição de diversos imóveis e veículos com valores provenientes do tráfico internacional de entorpecentes, e no registros dos bens em nome de terceiros ("laranjas") para dissimular a propriedade;
- cessão de contas-correntes de suas empresas Compujet LTDA e Mostardeiro & Barcellos, Ind. Com. de Café, Cereais e Bebidas LTDA, para recebimento de depósitos de Juan Carlos Abadia.
Foram, ainda, apreendidos na residência desse réu, dentre outros, os seguintes bens e documentos: diversos telefones celulares, documentos argentinos pertencentes a Juan Carlos Abadia em nomes falsos de Juan José Martin Colque e Miguel Angel Cano, documentos do Banco da República do Uruguai, passaporte venezuelano em nome de Vitor Manuel Moreira Ibirra (vulgo Casquinha), tarjeta de entrada e saída em nome de Carlos Arturo Calderon (um dos codinomes utilizado por Abadia), diversos veículos, e as quantias de 50.000,00 Euros, US$ 44.000,00, R$ 55.000,00, 20.000,00 bolívares, 300,00 pesos uruguaios e 20 pesos argentinos.
4) Daniel Brás Maróstica - artigo 288, do CP, e artigo 1º, da Lei 9.613/98:
4.1) Quadrilha ou bando (artigo 288, do CP):
Juntamente com sua esposa Ana Maria Stein era responsável pela aquisição de imóveis, veículos e outros bens móveis para Abadia, recebendo pelos serviços prestados uma remuneração mensal equivalente a US$ 3.000,00, que lhe era entregue por Henry Edval Lagos (foragido) ou Yéssica.
4.2) Lavagem de Valores (artigo 1º, da Lei 9613/98):
- mediante auxilio a Juan Carlos Abadia na aquisição de diversos imóveis e veículos com valores provenientes do tráfico internacional de entorpecentes e no registros dos bens em nome de terceiros ("Laranjas") para dissimular a propriedade;
- investimento nas empresas de sua propriedade - Jet Pilot do Brasil Ltda e La Bella Importação e Exportação Ltda - com valores recebidos da remuneração paga por Juan Carlos Abadia.
5) Ana Maria Stein - artigo 288, do CP, e artigo 1º, da Lei 9.613/98:
5.1) Quadrilha ou bando (artigo 288, do CP):
Juntamente com seu marido Daniel era responsável pela aquisição de imóveis, veículos e outros bens móveis em favor de Juan Carlos Abadia;
Realização de depósitos nas constas de André e das empresas Compujet e "Mostardeiro e Barcellos", quando efetivava alguma venda para Juan Carlos Abadia;
Acompanhamento e auxílio de Juan Carlos Abadia na clínica Loriti Breuel Cirurgia Plástica S/C Ltda que culminou em posterior cirurgia plástica;
5.2) Lavagem de Valores (artigo 1º, da Lei 9613/98):
- mediante auxilio a Juan Carlos Abadia na aquisição de diversos imóveis com valores provenientes do tráfico internacional de entorpecentes e nos registros dos bens em nome de terceiros ("Laranjas") para dissimular a propriedade;
- investimento nas empresas de sua propriedade - Jet Pilot do Brasil Ltda e La Bella Importação e Exportação Ltda - com de valores recebidos da remuneração paga por Juan Carlos Abadia.
6) Vitor Garcia Verano (vulgo Peter) - artigo 288, do CP, e artigo 1º, da Lei 9.613/98:
6.1) Quadrilha ou bando (artigo 288, do CP):
Juntamente com sua esposa Aline Nunes Prado era responsável pela locação de casas destinadas a ocultação de Juan Carlos Abadia, bem como pelo auxílio na aquisição de imóveis e móveis para Abadia mediante pagamento mensal;
Aliciamento de seu irmão, Jaime Hermando Martinez Verano, para que este ingressasse na organização e escondesse US$ 1.400.000,00 pertencentes a Abadia e posteriormente transportasse US$ 20.000,00 para uma das casas de Abadia;
6.2) Lavagem de Valores (artigo 1º, da Lei 9613/98):
- mediante auxilio a Abadia na aquisição de um imóvel localizado em Florianópolis, registrando-o em nome da empresa Euro Investimentos pertencente à sua esposa Aline, sendo nele apreendidos 122.800,00 Euros, dois passaportes falsos e inúmeros documentos falsificados utilizados e pertencentes a Abadia.
7) Aline Nunes Prado - artigo 288, do CP, e artigo 1º, da Lei 9.613/98:
7.1) Quadrilha ou bando (artigo 288, do CP):
Juntamente com seu marido Vitor era responsável pela locação de casas que serviriam para ocultação de Abadia, bem como compra de mobiliário para uma casa situada na cidade de Campinas/SP onde era escondida a quantia de U$ 2.000.000,00 aproximadamente, valor proveniente do narcotráfico internacional;
7.2) Lavagem de Valores (artigo 1º, da Lei 9613/98):
- como proprietária da empresa Euro Investimentos, adquiriu uma casa em Florianópolis com recursos provenientes de Juan Carlos Abadia, proprietário de fato do imóvel, sendo neste local apreendido 122.800,00 Euros, dois passaportes falsos e inúmeros documentos falsificados utilizados e pertencentes a Abadia.
8) Jaime Hernando Martinez Verano - artigo 288, do CP, e artigo 1º, da Lei 9.613/98:
8.1) Quadrilha ou bando (artigo 288, do CP):
Aliciado por seu irmão, Vitor, era responsável pela guarda e transporte de valores provenientes do tráfico internacional de entorpecente desenvolvido por Juan Carlos Abadia;
8.2) Lavagem de Valores (artigo 1º, da Lei 9613/98):
- residia em uma casa alugada na cidade de Campinas e nela ocultava US$ 1.400.000,00, os quais lhe foram entregues por Vitor;
- diversos remanejamentos do valor que ocultava para outros imóveis pertencentes a Abadia, a mando deste e de Vitor
- entrega de US$ 160.00,00 ao próprio Abadia e aquisição, para este, de uma televisão de 72 polegadas.
Na residência de Jaime, foram, ainda, apreendidos diversos celulares, um veículo Corsa, US$ 16.415,00, R$ 73.183,00, 80.000,00 pesos colombianos e 1.000.000,00 de pesos venezuelanos.
9) Eliseo Almeida Machado - artigo 1º, da Lei 9.613/98:
9.1) Lavagem de Valores (artigo 1º, da Lei 9613/98):
Motorista particular de Jaime, auxiliou-o na ocultação da quantia de US$ 952.100,00 e 420.000,00 Euros pertencentes a Juan Carlos Abadia - dinheiro remanescente da anterior quantia de US$ 1.400.000,00 que estava escondida na cidade de Campinas.
10) Antonio Marcos Ayres Fonseca - artigo 1º, da Lei 9.613/98:
10.1) Lavagem de Valores (artigo 1º, da Lei 9613/98):
Como responsável pela empresa MPR Comércio de Veículos Ltda vendeu inúmeros veículos a André Barcellos, para serem usados por Abadia, providenciando o registro dos bens em nomes de terceiros.
11) Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol - artigos 297 e 333, ambos do CP:
11.1) Falsificação de documento público (artigo 297, CP) e corrupção ativa (artigo 333, do CP):
Responsável pela obtenção de carimbos de entrada e saída no território nacional para serem colocados nos passaporte falsos de Abadia;
Os passaportes eram-lhe entregues por André na agência de turismo Point Tur de sua propriedade, mediante pagamento de US$ 200,00 por carimbo, que seriam entregues ao agente da polícia federal Adilson Soares da Silva, beneficiando-se com diversas vendas de passagens aéreas aos integrantes da quadrilha.
12) Adilson Soares da Silva - artigos 297 e 317, ambos do CP:
12.1) Falsificação de documento público (artigo 297, CP) e corrupção passiva (artigo 317, do CP):
Como agente da polícia federal de Foz do Iguaçu no setor de imigração, era responsável por apor carimbos de forma irregular de entrada e saída no território nacional nos passaportes falsos venezuelanos e argentinos de Abadia, mediante recebimento de US$ 200,00 por carimbo que lhes eram entregues por Angelo.
Por fim, foi também denunciado André Mostardeiro Barcellos (filho de André Luiz Telles Barcellos) pela prática do crime do artigo 288, do CP, sendo ao final absolvido da imputação com fundamento no artigo 386, inciso IV, do CP.
Henry Edval Lagos, Cesar Daniel Amarilla e Victor Manuel Moreno Ibarra (vulgo Casquinha) também foram denunciados pela prática do crime do artigo 288, do CP, e artigo 1º, da Lei 9613/98. Citados por edital, deixaram de comparecer à audiência de interrogatório, razão pela qual foram declarados revéis e o feito com relação a estes denunciados foi desmembrado (fls. 2394/2395).
Nos termos do artigo 4º, da Lei 9613/98 e artigos 125 a 144, ambos do CPP, o Juízo a quo determinou a apreensão e o sequestro dos bens, objetos e documentos de interesse da investigação, apreendidos nos autos de prisão e busca e apreensão e nos autos de sequestro e bloqueio de contas (2007.61.81.009332-3 e 2007.61.81.009536-8 - apensos), sendo, ainda, determinada a venda dos bens imóveis e dos veículos, a fim de resguardar os seus valores aquisitivos e evitar despesas futuras.
Após regular processamento do feito, adveio a r. sentença, publicada em 31/03/2008 (fl. 4761), condenando os réus da seguinte maneira:
1) Juan Carlos Ramirez Abadia:
- Art. 288, do CP: 01 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão;
- Art. 304, c/c art. 297, na forma do art. 71, todos do CP: 05 anos, 02 meses e 06 dias de reclusão e 240 dias-multa;
- Art. 333 e parágrafo único, na forma do art. 69, todos do CP (por 3 vezes): 15 anos, 06 meses e 18 dias de reclusão e 312 dias-multa;
- Art. 1º, caput e incisos I e VII, da Lei 9613/98 , c/c §4º, todos em concurso material: 07 anos, 09 meses e 10 dias de reclusão e 206 dias-multa;
Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos - levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 - data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
Total: 30 anos, 05 meses e 14 dias de reclusão e 758 dias-multa (11370 salários mínimos equivalentes a R$ 4.320.600,00 na época dos fatos);
Regime inicial de cumprimento da pena: regime fechado.
2) Yéssica Paola Rojas Morales:
- Art. 288, do CP: 1 ano e 6 meses de reclusão;
- Art. 304, c/c art. 297, na forma do art. 71, todos do CP: 04 anos de reclusão e 129 dias-multa;
- Art. 1º, caput e incisos I e VII, da Lei 9613/98, c/c §4º, todos em concurso material: 06 anos de reclusão e 113 dias-multa;
Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos - levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 - data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
Total: 11 anos e 06 meses de reclusão e 242 dias-multa (3630 salários mínimos equivalentes a R$ 1.379.400,00 na época dos fatos);
Regime inicial de cumprimento da pena: regime fechado.
3) André Luiz Telles Barcellos:
- Art. 288, do CP: 1 ano e 6 meses de reclusão;
- Art. 297, na forma do art. 71, ambos do CP: 4 anos de reclusão e 129 dias-multa;
- Art. 333 e parágrafo único, na forma do art. 69, ambos do CP (por 3 vezes): 12 anos de reclusão e 180 dias-multa;
- Art. 1º, caput e incisos I e VII, da Lei 9613/98, c/c §4º, todos em concurso material: 06 anos de reclusão e 113 dias-multa;
Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos - levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 - data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
Total: 23 anos e 06 meses de reclusão e 422 dias-multa (6330 salários mínimos equivalentes a R$ 2.405.400,00 na época dos fatos);
Regime inicial de cumprimento da pena: regime fechado.
4) Daniel Brás Maróstica e Ana Maria Stein:
- Art. 288, do CP: 01 ano e 03 meses de reclusão;
- Art. 1º, caput e incisos I e VII, da Lei 9613/98, c/c §4º, todos em concurso material: 05 anos de reclusão e 94 dias-multa;
Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos - levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 - data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
Total: 06 anos e 03 meses de reclusão e 94 dias-multa (1410 salários mínimos equivalentes a R$ 535.800,00 na época dos fatos);
Regime inicial de cumprimento da pena: regime semi-aberto.
6) Vitor Garcia Verano (Peter) e Aline Nunes Prado:
- Art. 288, do CP: 01 ano e 06 meses de reclusão;
- Art. 1º, caput e incisos I e VII, da Lei 9613/98, c/c §4º, todos em concurso material: 06 anos de reclusão e 113 dias-multa;
Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos - levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 - data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
Total: 7 anos e 6 meses de reclusão e 113 dias-multa (1695 salários mínimos equivalentes a R$ 644.100,00 na época dos fatos);
Regime inicial de cumprimento da pena: regime semi-aberto.
8) Jaime Hermando Martinez Verano:
- Art. 288, do CP: 01 ano e 06 meses de reclusão;
- Art. 1º, caput e incisos I e VII, da Lei 9613/98, c/c §4º, todos em concurso material: 06 anos de reclusão e 113 dias-multa;
Valor do dia-multa: 01 salário-mínimo - levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 - data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
Total: 07 anos e 06 meses de reclusão e 113 dias-multa (113 salários mínimos equivalentes a R$ 42.940,00 na época dos fatos);
Regime inicial de cumprimento da pena: regime semi-aberto.
9) Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol:
- Art. 299, na forma do art. 71, ambos do CP: 01 ano e 02 meses de reclusão e 11 dias-multa;
- Art. 333 e parágrafo único do CP em concurso material (por 3 vezes): 08 anos de reclusão e 39 dias multa;
Valor do dia-multa: 01 salário-mínimo - levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 - data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
Total: 09 anos e 02 meses de reclusão e 50 dias-multa (50 salários mínimos equivalentes a R$ 19.000,00 na época dos fatos);
Regime inicial de cumprimento da pena: regime semi-aberto.
10) Adilson Soares da Silva:
- Art. 299, na forma do art. 71, ambos do CP: 01 ano e 04 meses e 10 dias de reclusão e 12 dias-multa;
- Art. 317, §1º, do CP em concurso material (por 3 vezes): 08 anos de reclusão e 39 dias multa;
Valor do dia-multa: 01 salário-mínimo - levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 - data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
Total: 09 anos e 04 meses e 10 dias de reclusão e 51 dias-multa (51 salários mínimos equivalentes a R$ 19.380,00 na época dos fatos);
Regime inicial de cumprimento da pena: regime semi-aberto.
11) Eliseo Almeida Machado:
- Art. 1º, caput e incisos I e VII, da Lei 9613/98: 3 anos de reclusão e 10 dias-multa;
Valor do dia-multa: 01 salário-mínimo - levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 - data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
Total: 03 anos e 10 dias-multa (10 salários mínimos equivalentes a R$ 3.800,00 na época dos fatos);
Pena privativa de liberdade substituída por restritivas de direito especificadas abaixo.
12) Antonio Marcos Ayres Fonseca:
- Art. 1º, caput e incisos I e VII, da Lei 9613/98, c/c §4º: 04 anos de reclusão e 13 dias-multa;
Valor do dia-multa: 01 salário-mínimo - levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 - data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
Total: 04 anos de reclusão e 13 dias-multa (13 salários mínimos equivalentes a R$ 4.940,00 na época dos fatos);
Pena privativa de liberdade substituída por restritivas de direito especificadas abaixo.
As penas privativas de liberdade dos corréus Eliseo Almeida Machado e Antonio Marcos Ayres Fonseca foram substituídas por duas penas restritivas de direito consistentes em: a) prestação de serviços à comunidade ou a entidade publica a ser fixada pelo Juízo das Execuções Penais, pelo período de 02 anos; b) prestação pecuniária consistente no pagamento de 10 salários-mínimos, para o primeiro corréu, à Casa Assistencial Amor e Esperança, e, para o segundo, 30 salários-mínimos divididos entre o Núcleo de Assistência à Criança Excepcional Mundo Encantado e o Centro de Apoio ao Deficiente Visual. Caso revogadas, deverão os condenados iniciarem o cumprimento da pena em regime aberto.
Somente aos corréus Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol, Adilson Soares da Silva, Eliseo Almeida Machado e Antonio Marcos Ayres Fonseca, foi facultada a possibilidade de recorrerem em liberdade.
Com relação aos corréus Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol e Adilson Soares da Silva foi determinada a perda do cargo público, nos termos do artigo 92, inciso I, letra "a", do CP diante das penas atribuídas.
Às fls. 4861 consta informação de que o Supremo Tribunal Federal deferiu o pedido de extradição de Juan Carlos Ramirez Abadia formulado pelo Governo dos Estados Unidos da América.
Em síntese, os réus apresentaram as seguintes razões de apelação:
1) Juan Carlos Ramirez Abadia (fl. 4863 e 5476/5562):
1.1) Preliminares:
Inépcia da denúncia com relação aos delitos de corrupção ativa, uso de documento falso e formação de quadrilha, uma vez que não está descrito pormenorizadamente a conduta do apelante nesses tipos penais.
Nulidade da sentença em face da ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal, da proporcionalidade e razoabilidade;
Cerceamento da defesa pelo indeferimento da perícia nas comunicações telefônicas interceptadas, bem como pela não juntada da prova pericial no "memory" apreendido;
Pugna pela conversão do julgamento em diligência para que seja determinada a realização de perícia nas gravações telefônicas (ao menos dos diálogos em espanhol), eis que a ausência de perícia comprometeu a apuração dos fatos e tolheu a possibilidade de produzir provas.
Condução irregular no procedimento da delação premiada;
1.2) Mérito:
Atipicidade da conduta do crime de corrupção ativa e ausência de provas para sua condenação, pois achava que os carimbos apostos em seu passaporte eram verdadeiros e não tinha consciência de que algum agente federal estaria sendo corrompido para tanto;
Subsidiariamente, com relação ao crime de corrupção ativa, requer o reconhecimento da continuação delitiva e o afastamento do concurso material;
Quanto a dosimetria da pena, requer a redução da pena base para o mínimo legal, por ser tecnicamente primário e ostentar bons antecedentes em território nacional; que a pena de multa foi exagerada, uma vez que entregou todo o dinheiro que possuía, sendo o restante de seu patrimônio apreendido pela justiça colombiana; fixação do dia-multa para o mínimo legal; o afastamento da agravante genérica prevista no artigo 62, inciso I, do CP, que exasperou sua pena-base em 1/6; a correta valoração das atenuantes do artigo 65, inciso II, "b", primeira parte e "d", do CP;
Por fim, pleiteia o reconhecimento da sua efetiva colaboração, tanto na fase inquisitiva quanto na judicial, reduzindo-se à metade a pena aplicada, em face da delação, ou, alternativamente, em 1/3, nos termos em que requerido pela acusação.
2) Yéssica Paola Rojas Morales (Gegê) - (fl. 4866, 4973 e 5381/5474):
2.1) Preliminares:
Inépcia da denúncia pela ausência de especificação da conduta de cada partícipe ou co-autor;
Cerceamento da defesa diante do indeferimento da perícia do conteúdo das comunicações telefônicas interceptadas sem fundamentação adequada;
Pugna pela conversão do julgamento em diligência para que seja determinado a realização de perícia nas gravações telefônicas (ao menos dos diálogos em espanhol), eis que a ausência de perícia comprometeu a apuração dos fatos e tolheu a possibilidade de produzir provas;
Nulidade da sentença por ausência de exame de todas as teses defensivas, notadamente, a aplicação do princípio da consunção no tocante aos tipos dos artigo 304 e 197, ambos do CP;
2.2) Mérito:
Alega que as provas são falhas, simplistas, imprecisas e suspeitas em sua inteireza, sendo condenada pelos simples fato de ser esposa de Juan Carlos Abadia. Aduz que não sabia das atividades ilícitas de seu marido, que era submissa a ele e o acompanhava "por amor", devendo ser reconhecido a inexigibilidade de conduta diversa; ainda, que não se utilizava dos documentos falsos que estavam em seu nome e apenas exercia as funções do lar, restando ausente o dolo específico de fraudar e a potencialidade do dano.
Subsidiariamente, requer que o crime do artigo 297, do CP, seja abstraído da condenação, remanescendo apenas a figura do uso de documento falso (Artigo, 304, do CP), pelo instituo da consunção;
Insiste na ausência de demonstração do vínculo com outras pessoas capaz de caracterizar uma associação criminosa de caráter estável para o cometimento de crimes.
Afirma que o lastro probatório foi proveniente de prova colhida no caderno policial, que não foi jurisdicionalizado.
Não configuração do crime do artigo 1º, da Lei 9613/98, por não haver nexo causal entre a conduta que lhe foi atribuída e o crime de lavagem de capitais.
Alternativamente, requer a desclassificação do crime do artigo 1º, da Lei 9613/98 para o crime do artigo 349, do Código Penal.
Quanto a dosimetria da pena, alega que foi aplicada sem individualização e sem proporção. Requer a redução para o mínimo legal por ser primária e ostentar bons antecedente; a inaplicabilidade da causa de aumento do artigo 1º, §4º, da lei 9613/98, por não haver no Brasil uma definição legal do que seja organização criminosa; aplicação da delação premiada em extensão ao concedido a Juan Carlos Abadia, reduzindo sua pena em 2/3; a concessão do regime aberto para cumprimento da pena e conversão das penas privativas de liberdade em restritivas de direito.
3) André Luiz Telles Barcellos - (fls. 4977/4979, 4993 e 5199/5217):
3.1) Preliminares:
Denúncia inepta com relação ao crime de corrupção passiva, já que não há descrição de sua conduta para esse delito;
3.2) Mérito:
Alega que jamais ofereceu qualquer vantagem a funcionário público, e apenas entregava os passaportes para seu amigo Ângelo Cassol, que tinha contado com Adilson Soares da Silva; ainda que não poderia ter sido condenado pelo crime de lavagem de valores, já que o crime antecedente teria sido cometido no ano de 1995, anteriormente, portanto, à Lei 9613/98.
Afirma que não está comprovado nos autos que o dinheiro objeto da suposta lavagem provém de crime de tráfico de entorpecente ou de outro crime previsto na Lei 9613/98 e acentua que a remuneração recebida pelos serviços de pilotagem prestados a Juan Carlos Abadia não o tornam membro da pretendida quadrilha ou bando, assim como o fato de ter auxiliado Yéssica na abertura de contas correntes no Uruguai.
Insiste em que os veículos Fiat Doblo e Renault Scenic apreendidos não estavam registrados em seu nome.
Defende que os encontros mantidos com os demais denunciados se davam apenas em virtude da prestação de serviços como piloto, não sendo constatado o recebimento de qualquer quantia que não fosse proveniente da remuneração de seu trabalho.
O crime de quadrilha não restou comprovado, já que não foi demonstrada a existência de reuniões com mais de 3 pessoas com intuito de cometer crimes.
Diz que não reproduziu ou alterou quaisquer documentos falsos utilizados por Juan Carlos Abadia e que não praticou a ação de colocar os carimbos do setor de imigração de entrada e saída nos passaportes de Juan Carlos, até porque não exercia tal mister, que competia ao funcionário público Adilson Soares da Silva, com o qual sequer teve contato.
Subsidiariamente, requer a redução das penas impostas, inclusive a pena de multa, bem como a aplicação do benefício da delação premiada no percentual de 2/3, já que contribuiu para as investigações criminais e a elucidação dos fatos.
4) Vitor Garcia Verano (Peter) e Aline Nunes Prado (fls. 4862 e 5324/5376):
4.1) Preliminares:
Inépcia da denúncia pela ausência de especificação da conduta de cada partícipe ou co-autor;
Cerceamento de defesa pelo indeferimento da expedição de ofício ao Banco Itaú, requerido para comprovar que entraram no Brasil com dinheiro lícito.
4.2) Mérito:
Lastro probatório proveniente de prova colhida no caderno policial, que não foi jurisdicionalizado.
Quanto ao crime de quadrilha, alegam que não há demonstração do vínculo com outras pessoas capaz de caracterizar uma associação criminosa, de caráter estável para o cometimento de crimes.
Que não houve comprovação inequívoca da suas participações na empreitada criminosa.
Uma das testemunhas arroladas pela defesa confirmou as atividades lícitas de Aline.
Não há provas de que Vitor tenha sido investigado por tráfico de drogas na Espanha.
Não há nada de ilícito em comprarem imóveis e móveis para Juan Carlos Abadia, já que esse era o ramo de suas atividades.
Não configuração da conduta prevista no artigo 1º, da Lei 9613/98.
Não há provas de que teriam auxiliado Juan Carlos Abadia adquirir bens com produto do tráfico de drogas.
O fato de terem conhecimento de quem era Abadia não quer dizer que "concordassem" com ele.
Alternativamente, requerem a desclassificação do crime de lavagem de valores para o crime do artigo 349, do Código Penal.
Quanto à dosimetria da pena, alegam que as penas foram aplicadas sem individualização e sem proporção. Requerem a redução para o mínimo legal por serem primários e possuírem bons antecedentes.
Não cabimento da causa de aumento pena prevista no artigo 1º, §4º, da lei 9613/98, pois não há no Brasil uma definição legal do que seja organização criminosa.
Requerem, por fim, a concessão do regime aberto para início de cumprimento das penas, bem como a conversão das penas privativas de liberdade pelas restritivas de direito.
5) Daniel Braz Maróstica e Ana Maria Stein (fls. 4962/4963 e 5625/5639):
Ana Maria alega que não realizou nenhum negócio para Juan Carlos Abadia e que o casal alega que não sabiam da verdadeira identidade desse corréu, tampouco que seu dinheiro era proveniente de narcotráfico internacional.
Daniel alega que auxiliou Juan Carlos em sua estada no Brasil apenas "por amizade" e nunca ganhou nada por qualquer ajuda que tenha lhe oferecido;
Dizem que indicaram a clínica de cirurgia plástica para Abadia sem saberem que este pretendia mudar a fisionomia para não ser reconhecido, pelo que não houve dolo direto e não se cogita de dolo eventual.
Aduzem que não se justifica o perdimento de bens que lhes pertenciam, inclusive os objetos pessoais arrecadados na residência do casal, tais como, jóias, relógios etc., além dos veículos (Mitsubishi Air Trek Mivec, placa DAM 612; Ford Rural, placas DMC 3350; Jeep, placas GTW 6688; Ford Courier, placas DYH 4123);
Subsidiariamente requerem a redução das penas para o mínimo legal, por serem primários e não ostentarem quaisquer antecedentes criminais, além dos crimes que lhes foram imputados não serem violentos.
Requerem, também, a aplicação do benefício da delação premiada.
6) Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol (fls. 4978/4979, 4993 e 5044/5113):
6.1) Preliminares:
Nulidade do depoimento prestado por policial federal arrolado como testemunha da acusação, por ter este participado diretamente do interrogatório do apelante em sede policial, coagindo-o e conduzindo o ato sem competência funcional, haja vista ser atribuição do Delegado de Polícia.
6.2) Mérito:
Quanto ao crime de falsidade ideológica (artigo 299, do CP), alega que a acusação não comprovou de forma cabal a conduta que lhe foi imputada, não havendo provas de que tenha inserido ou tenha feito inserir informação falsa em algum documento, ou que tenha entregado passaportes falsos pertencentes a Juan Carlos Abadia para Adilson Soares da Silva a fim de que este inserisse informação falsa.
Alega também, que a inserção de informação falsa em passaporte também falso não caracteriza o crime do artigo 299, do Código Penal.
Da mesma forma, com relação ao crime de corrupção ativa, alega inexistência do fato e ausência de provas da conduta incriminadora.
Aduz que o conjunto probatório é frágil, pois não foi apreendido em seu poder nada que pudesse ser usado contra si; os depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação são frágeis, insuficientes e sem imparcialidade; não houve provas incriminadoras colhidas na interceptação telefônica; nada foi coligido em seu desfavor quando do trabalho de vigilância velada sobre André Luiz Telles Barcellos; que seu interrogatório policial não pode ser usado contra si, vez que ausente o contraditório e a ampla defesa, além de ter sofrido coação; que apenas 03 réus mencionaram o nome de Ângelo, tendo todos interesse na demanda; e que as anotações contidas na agenda de André não comprovam nada de ilícito.
Subsidiariamente, requer a absorção do delito de corrupção ativa pelo delito de falsidade ideológica pelo princípio da consunção.
Insiste na inaplicabilidade da causa de aumento de pena inserta no parágrafo único do artigo 333 do CP, já que os 03 atos imputados ao corréu Adilson Soares da Silva ocorreram quando este não estava detendo o munus publico (no primeiro estava em férias e nos dois últimos já estava aposentado).
Insiste na inadmissibilidade do concurso material no crime de corrupção ativa, devendo ser aplicado o crime continuado.
Não cabimento da perda do cargo público, uma vez que não teria praticado nenhum ato com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública.
Pede a redução das penas para o mínimo legal.
7) Adilson Soares da Silva (fl. 4978/4979, 5120, 5269/5316 e 5564/5580):
7.1) Preliminares:
Nulidade da sentença, pois foi denunciado pela prática do crime previsto no artigo 297, do CP, sendo condenado pela prática do crime previsto no artigo 299, do CP (Súmula 453, do STF);
7.2) Mérito:
Atipicidade do crime do artigo 317, do CP, uma vez que na época dos fatos, no primeiro evento estava de férias, e nos dois outros já estava aposentado das funções que exercia na polícia federal (datas dos fatos 02/02/2007, 23/04/2007 e 18/07/2007 e 18/072007, tendo se aposentado em 18/04/2007);
Não há provas (documental e testemunhal) que demonstrem ter sido ele a pessoa responsável pelos carimbos apostos nos passaporte de Juan Carlos Abadia, tampouco que tenha recebido valores em dólares para realizar tal trabalho. Afirma que não teve contato com quaisquer dos réus e que os indigitados US$ 200,00 eram entregues a Ângelo, não havendo provas de que tal dinheiro lhe tenha sido repassado;
Alega que as confissões feitas na fase inquisitória decorreram de ameaça por parte de seus interrogadores; que os passaportes não foram objetos de perícia, que não há provas de que os carimbos eram falsos; que não se submeteria a apor um carimbo em um passaporte visivelmente falso;
Afirma que o crime do artigo 299, do CP, exige prejuízo específico e fato juridicamente relevante, que não foi o caso; que os passaportes não foram usados e que se houve crime de falsificação este ocorreu na Venezuela e não no Brasil; que não se sabe quem falsificou os passaportes, onde foram falsificados e muito menos quem apôs os carimbos, ou, ainda, se os carimbos eram falsos ou verdadeiros;
Diz que a prova testemunhal prestada por Mario Nagano é contraditória, injusta, preconceituosa e desprovida de qualquer ligação com os fatos apurados;
Subsidiariamente, pleiteia que a corrupção passiva seja absorvida pelo delito de falso ideológico, por ser aquele crime-meio deste.
Pede a redução das penas por ser primário e possuir bons antecedentes e a inaplicabilidade da pena de perda do cargo público, mormente porque a função pública, quando da data dos fatos, já era situação pretérita.
8) Jaime Hermando Martinez Verano e Eliseo Almeida Machado (fls. 4865 e 5582/5621):
8.1) Preliminares:
Inépcia da denúncia, em face da ausência de suporte probatório a infirmá-la, bem assim, pelo fato de que na peça acusatória não há indicação de seu objeto e fundamentos, bem como os dados subjetivos que a integram;
Nulidade da sentença por cerceamento da defesa, decorrente do atropelamento por parte do Juízo a quo do rito processual;
8.2) Mérito:
Eliseo Almeida Machado alega ausência de dolo, pois não confessou o crime, não presenciou a apreensão de dinheiro quando da busca e apreensão realizada aos 07/08/2007, não sabia da origem ilícita do dinheiro, não conhecia Victor Garcia Verano e Juan Carlos Abadia, sendo apenas um simples motorista da família de Jaime Hernando Martinez Verano;
Jaime alega que desconhecia a verdadeira identidade de Juan Carlos, tendo recebido diretamente deste um dinheiro em sua residência localizada no Condomínio Villa Verbenas em Campinas; que seu depoimento extrajudicial dever ser visto com reservas, tendo em vista que não domina o idioma português e não foi acompanhado de intérprete juramentado. Ressalta que é professor de educação física na Colômbia e que é réu primário e possui bons antecedentes.
9) Antonio Marcos Ayres Fonseca - (fl. 4971 e 5248/5267):
Que não há provas de que participou do crime de lavagem de dinheiro, nem que comercializava veículos em sua loja, sendo este o ramo de sua atividade.
Afirma que tais negociações foram intermediadas através da apresentação de André Luiz Telles Barcellos por um conhecido seu de nome Joãozinho.
Em momento algum foi reconhecido ou apontado pelos demais corréus, tampouco realizou algum negócio com Juan Carlos Abadia ou Daniel Brás Maróstica. Insiste em que desde a fase policial nega sua participação nos fatos e que não há qualquer liame entre os bens adquiridos por Juan Carlos e os bens apreendidos em seu poder, tampouco constatação de qualquer valor expressivo proveniente dessas intermediações.
Nesta Corte Regional, O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões e parecer em expediente conjunto, opinando: pelo conhecimento de todas as apelações interpostas; pela rejeição de todas as preliminares arguidas; pelo parcial provimento do recurso de André Luiz Telles Barcellos apenas para o fim de que se proceda a desclassificação do crime do artigo 297, do CP, para o delito do artigo 299, c/c 29, com a consequente adequação da pena; pelo parcial provimento ao recuso de Ana Maria Stein apenas para o fim de se admitir a incidência da causa de diminuição da pena prevista no artigo 1º, §5º, da Lei 9613/98; pelo improvimento dos demais recursos (fls. 5815/5881).
Passo a listar os principais acontecimentos processuais após a juntada do parecer ministerial:
a) Fls. 5883/5885 e 6255/6262 - Indeferimento do pedido de André Luiz Telles Barcellos para que fosse nomeada Elaine Mostardeiro Barcellos como fiel depositária da caminhonete TOYOTA, placas ELA 0729, uma vez que o bem fora sequestrado e decretada sua perda no curso do processo;
b) Fls. 5888/5889, 5896/5897, 6242/6244, 6255/6262 - Postergada para quando da análise da apelação criminal o requerimento feito por André Luiz Telles Barcellos no que diz respeito ao reconhecimento da ilegalidade e inconstitucionalidade de sua prisão preventiva, bem como, indeferido o pedido para que o cumprimento de sua prisão cautelar se desse com observância do artigo 1º, da Lei 3988/1961;
c) Fls. 6314/6319 e 6327/6329 - Deferido parcialmente o pedido formulado por André Luiz Telles Barcellos de reapreciação do pedido subsidiário referente ao cumprimento de prisão especial, sendo determinado a adoção das providências cabíveis para o cumprimento da medida, nos termos do artigo 295, §1º e seguintes do CPP;
d) Fls. 6630/6362, 6540/6553 e 6557/6566 - Em atendimento à decisão proferida pelo E. Superior Tribunal de Justiça, nos autos dos Habeas Corpus de nº 143.133, determinando a apreciação por este Relator do pleito de André Luiz Telles Barcellos recorrer em liberdade, indeferi a pretensão deduzida, mantendo a prisão do réu tal como decretada na sentença condenatória;
e) Fls. 6582/6590 - O C. Superior Tribunal de Justiça indeferiu a liminar nos autos do novo Habeas Corpus (nº 195589) impetrado por André Luiz Telles Barcellos;
f) Fls. 6204/6206 e 6255/6262 - Indeferido o pedido formulado por Daniel Braz Maróstica referente à extração dos autos das notas promissórias emitidas a seu favor e documentos da sociedade empresária La Bella Importação e Exportação Ltda;
g) Fls. 5904/5911 - Recebido do Departamento Estadual de Trânsito - Divisão de Registro e Licenciamento, os originais dos CRLVS relativos aos seguintes veículos:
1) veículo marca HONDA/FIT LXL, placas DMH-8384, em nome de INSTITUIÇÃO BENEFICENTE ESRAEL ITA TEN YAD;
2) veículo marca HONDA/FIT EX, placas DAS-1995, em nome de FUNDAÇÃO JULITA;
3) veículo marca , CITROEN/XSARA PICASSO EX, placas DSM-4553, em nome de ASSOCIAÇÃO DAS DAMAS DE CARIDADE DE SÃO VICENTE DE PAULA;
4) veículo marca, GM/CORSA HATCH MAXX, placas DQE-2207, em nome de CASA DO CRISTO REDENTOR;
5) veículo marca, RENALUT/SCENIC PRI 2.0 16V, placas DSS-1945, em nome de INSTITUIÇÃO BENEFICENTE ISRAEL ITA TEN YAD;
6) veículo marca, FORD/COURIER 1.6L, placas DYH-4123, em nome de FUNDAÇÃO JULITA;
7) veículo marca, CITROEN/C3 EXCL 1.6 FLEX, placas DSK-1998, em nome de PROJETO INCENTIVO AA VIDA;
h) Fls. 5919/5967, 62936297 e 6443/6466 - Ofícios contendo Laudos de Exame de Dispositivo de Armazenamento e Equipamento Computacional (pen drive, computador, HD, carões de memória, disco rígido);
i) FLs. 5989/5996 - Laudo de Exame Documentoscópico (Grafoscópico) conclusivo de que os lançamentos manuscritos da folha de fichário pautada às fls. 177 dos autos não partiram do punho de Juan Carlos Ramirez Abadia;
j) Fls. 6054/6058 - Certidão de Matrícula nº 35.535 referente a imóvel registrado em nome de Luiz Ignácio Stein;
k) Fls. 6059/6193 - Certidões negativas das buscas realizadas nos livros e indicadores de diversos Cartórios de Registros de Imóveis de Pessoas Físicas e Jurídicas de interesse do processo;
l) Fls. 6218 - Determinada a retirada do segredo de justiça, para exclusivo fim da publicação dos despachos e decisões neste processo;
m) Fls. 6567/6579, 6592/6593, 6597/6598, 6621/6625 e 6634/6665 - Documentação acerca do uso do veículo Hyundai, modelo Tucson, placas APO-3113.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
As ilustres defesas argüiram várias questões preliminares, que comprometeriam o juízo condenatório, as quais passo a analisar.
1º) Preliminares:
1.1) Sobre a denúncia:
Os defensores de Juan Carlos Ramirez Abadia, Yéssica Paola Rojas Morales, André Luiz Telles Barcellos, Vitor Garcia Verano e Aline Nunes Prado alegam que a denúncia é genérica pois não descreve pormenorizadamente a conduta de cada réu relativamente aos vários crimes que lhes foram imputados.
Os advogados de Jaime Hernando Martinez Verano e Eliseo Almeida Machado alegam que a denúncia não preencheu os requisitos para seu oferecimento, nos termos do Código de Processo Penal.
Assim não é, porém.
Não há que se falar em denúncia genérica, tampouco em ausência do preenchimento dos requisitos legais.
Tenho para mim que a peça acusatória conteve todos os elementos necessários para a descrição de condutas penalmente típicas e soube individualizar as imputações de autoria, permitindo aos acusados a plenitude de suas defesas.
Deve-se ter em mente que o caso dos autos envolve amplo concurso de agentes em fatos complexos, não sendo exigível, na espécie, que a denúncia se demore em esmiuçar todos os meandros das condutas de cada autor ou partícipe; o importante é que a denúncia não se apresente como uma "aventura processual", e sim que, de parte do Ministério Público, haja suficiente descrição dos fatos delituosos e demonstração do vínculo de cada denunciado com as práticas delitivas, tudo - repita-se - sem comprometer a plenitude da defesa.
In casu a narrativa dos fatos constantes da denúncia aponta para a existência de quadrilha formada pelos corréus Juan Carlos, Yéssica, André, Daniel, Ana Maria, Vitor, Aline e Jaime, quando afirma, baseada em intensa e complexa investigação policial, que Juan Carlos, líder da maior organização criminosa da Colômbia (Cartel Del Vale Norte) destinada ao tráfico de entorpecentes, e sua esposa Yéssica somente conseguiram se refugiar, instalar e se manter no Brasil usando recursos financeiros do narcotráfico, com o auxílio do grupo formado pelos demais réus, cada qual com função definida, tendo todos contribuído para a ocultação do casal e a dissimulação de suas verdadeiras identidades; agiram eficazmente na negociação de bens com dinheiro ilícito, na ocultação de grande soma de dinheiro, no transporte do casal e de seus valores, trataram da contratação de outros auxiliares para o grupo, tudo destinado ao oferecimento de infra-estrutura passível de garantir segurança e estabilidade ao casal Juan Carlos e Yéssica no Brasil.
Vale ressaltar que o fato da denúncia, quando da enumeração dos crimes no início da narrativa discriminada das condutas de cada réu, não ter expressamente destacado o crime do artigo 288, do Código Penal, relativamente a Juan Carlos, não vicia a inicial pois como é sabido o réu não se defende da capitulação da denúncia, mas sim dos fatos nela narrados (STF: RTJ 170/187 - 95/131 - 64/57). Ademais, na conclusão da denúncia há clara menção ao mencionado delito.
A propósito, há muito tempo o STJ já pontuou que:
O crime de corrupção passiva atribuído a Juan Carlos, André e Ângelo também foi satisfatoriamente narrado, na medida em que a Procuradoria da República descreveu a conduta de André providenciando junto a Ângelo - funcionário da ANAC - e de Adilson - agente da Polícia Federal - a pedido de Juan Carlos, práticas irregulares tendentes a assegurar tranqüilidade na permanência desse réu (cidadão estrangeiro) em território nacional.
O crime de uso documento falso atribuído a Juan Carlos e Yéssica foi evidentemente especificado na denúncia, ao serem relatados os inúmeros documentos falsificados encontrados em nome de terceiros que faziam referência ao casal, sendo patente a relação entre eles.
Acrescenta-se que, como o uso de documento falso se consuma com a simples utilização do documento, é prescindível, no momento do oferecimento e recebimento da denúncia, a identificação do tipo de falsidade (se material ou ideológica).
Por fim, quanto ao crime de lavagem de valores e ativos atribuído a quase todos os réus (exceção feita a Ângelo e Adilson), observa-se que a denúncia aponta fartos elementos indiciários apurados na investigação policial que fazem referência ao crime antecedente.
Destaco que o processo e julgamento do crime de lavagem de valores e ativos é regido pelo princípio da autonomia, não se exigindo, para que a denúncia que imputa ao réu tal delito seja considerada apta, prova concreta da ocorrência de uma das infrações penais exaustivamente previstas nos incisos I a VIII do art. 1º da Lei 9.316/98, bastando a existência de elementos indiciários de que o capital lavado tenha origem em algumas das condutas ali previstas.
Assim, no ensejo do recebimento da denúncia é necessário apenas um início de prova que indique a probabilidade de que os bens, direitos ou valores sejam provenientes, direta ou indiretamente, de um dos crimes antecedentes, não havendo necessidade de uma certeza absoluta quanto a existência do delito antecedente.
Nesse sentido é notório que a vultosa quantia em dinheiro dissimulada, ocultada e clandestinamente transferida de um lugar para o outro, e as várias compras de bens de valores expressivos, inscritos e registrados sempre em nome de terceiros, são indicativos de que os valores em questão eram de origem ilícita, caso contrário não haveria necessidade de se recorrer a tais caminhos obscuros e ao emprego de "laranjas".
Diante disso, entendo que a denúncia contém os elementos necessários exigidos em lei (artigo 41, do CPP), e, sobretudo diante da complexidade do caso e da pluralidade de agentes, o Ministério Público Federal narrou suficientemente os fatos que correspondem aos delitos em tese praticados pelos réus, demonstrando satisfatoriamente o vínculo existente entre eles, assim possibilitando o exercício do contraditório e da ampla defesa de todos, o que se comprova pela apresentação adequada e eficaz das defesas quanto aos fatos imputados.
Assim sendo, havendo estrita observância aos requisitos legais que eram e são previstos no artigo 41, do CPP, não há falar em inépcia da peça acusatória.
Por esses fundamentos, resta superado o pleito dos réus quanto ao suposto erro do Juízo a quo, ao não declarar inepta uma denúncia por ele já recebida.
Preliminares rejeitadas.
1.2) Sobre as perícias:
Os acusados Juan Carlos e Yéssica alegam que houve cerceamento da defesa pelo indeferimento da perícia nas comunicações telefônicas interceptadas, bem como pela não juntada da prova pericial feita no "memory" apreendido. Pugnam pela conversão do julgamento em diligência para que seja determinada a realização de perícia nas gravações telefônicas (ao menos dos diálogos em espanhol), eis que a ausência de perícia comprometeu a apuração dos fatos e tolheu a possibilidade de produzir provas.
Segundo consta, a realização de perícia em todas as gravações das comunicações interceptadas foi indeferida pelo Juízo a quo diante do acertado entendimento de que não era necessária a transcrição por perito de todos os diálogos telefônicos interceptados, já que a integralidade das gravações constava em meio magnético, constituindo os próprios autos da Interceptação Telefônica de nº 2007.61.81.008076-6 em apenso.
Com efeito, não implica cerceamento de defesa o indeferimento de pedido genérico de degravação telefônica, porquanto o seu acolhimento ocasionaria prejuízo desnecessário à celeridade do feito, com a transcrição de vários e extensos diálogos não relacionados aos réus ou impertinentes a controvérsia posta na ação penal.
Ademais, a ausência da transcrição integral das interceptações telefônicas não trouxe qualquer prejuízo aos apelantes, uma vez que, embora em autos próprios, as conversas captadas sempre estiveram à disposição das partes para serem ouvidas na íntegra, dando-se oportunidade para os réus utilizá-las na formulação de suas defesas.
A propósito o STF já teve ensejo de afirmar que "o disposto no art. 6º, § 1º, da lei federal nº 9.296, de 24 de julho de 1996, só comporta a interpretação sensata de que, salvo para fim ulterior, só é exigível, na formalização da prova de interceptação telefônica, a transcrição integral de tudo aquilo que seja relevante para esclarecer sobre os fatos da causa sub iudice" (Inq 2424, Relator: Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2008, DJe-055 DIVULG 25-03-2010 PUBLIC 26-03-2010 EMENT VOL-02395-02 PP-00341).
Ainda se manifestou o Plenário da Suprema Corte:
Já a falta de perícia nas interceptações também não as torna nulas, posto que não se trata de requisito de validade previsto em lei; aliás, o artigo 9º da Lei 9.296/96 autoriza até mesmo a inutilização, por decisão judicial, da gravação que não interessar ao feito.
De qualquer modo, as conversas que instruíram o processo foram devidamente traduzidas e transcritas para os autos por funcionários capacitados da Polícia Federal, que são dotados de fé pública, havendo presunção de legitimidade de suas condutas funcionais e por isso mesmo de veracidade quanto ao material por eles transcrito; assim sendo, cabia aos réus o ônus de fazer prova concreta em demérito dessa atividade (artigo 156, do CPP), o que inocorreu.
Não há o menor vestígio de "adulteração" nas transcrições e traduções do resultado das interceptações telefônicas a recomendar uma perícia, restando graciosa a afirmação das defesas nesse sentido.
Toda essa matéria - nulidade e necessidade de conversão do julgamento em diligência - fica rejeitada.
A defesa de Juan Carlos formulou pedido de prova pericial no computador "memory" apreendido na residência de Abadia, para comprovar o verdadeiro teor do diálogo estabelecido entre Yéssica e um "outro homem" não identificado.
Alega a defesa que a perícia requerida, apesar de deferida, não foi trazida aos autos antes da sentença em face do tempo que demandaria para sua realização, resultando em flagrante cerceamento de defesa.
Não observo qualquer nulidade a esse respeito.
O princípio do livre convencimento motivado estabelece que o Juiz é soberano na análise e valoração das provas e na formação do seu convencimento, limitando-se pela exposição dos motivos que embasam o provimento enunciado.
No caso presente o Juízo a quo ao cabo da instrução regular entendeu que já tinha, no seio dos autos, todo o necessário para formar sua livre convicção. Considerou dispensável o exame de tal perícia e a nobre defesa não conseguiu aduzir uma razão concreta pela qual a sentença seria "viciada" desde que proferida antes da juntada do resultado da tal perícia.
Não se reconhece nulidade onde inexiste prova de prejuízo, motivo pelo qual mais essa suscitação fica repelida.
Preliminares rejeitadas.
1.3) Sobre a delação premiada:
Juan Carlos alega que colaborou com a justiça, falando a verdade, confessando seus crimes, convidando os demais corréus a agirem de igual modo, abrindo mão dos bens sequestrados e entregando valores que não teriam sido localizados sem a colaboração dele. Aduz que confessou os nomes das pessoas que o auxiliavam, especificando suas condutas e dos demais réus, mencionando os locais dos fatos, não se opondo ao leilão dos pertences pessoais, eletrodomésticos etc.
Indigna-se, assim, com o indeferimento do pedido de "prêmio" para sua delação, tal como formulado e para o qual contou com o abono do Ministério Público Federal.
Daniel e Ana Maria, da mesma forma, alegam que colaboraram com as investigações, esclarecendo detalhes de como ocorria a aplicação dos capitais de Juan Carlos, dando detalhes da compra e venda de bens, identificando pessoas que serviram de "laranjas" na aquisição dos bens, auxiliando na localização deles e delatando agentes policiais corruptos que teriam extorquido pessoas ligadas a Juan Carlos.
A legislação brasileira trata a delação "premiável" como favor judicial, incidente no momento da fixação da pena, seja como causa de diminuição, seja como excludente da punibilidade (perdão judicial), e, no caso da lavagem de valores e ativos, também como regramento do regime inicial de cumprimento da pena e a substituição da pena privativa de liberdade. Confira-se:
No presente caso Juan Carlos, Daniel e Ana Maria, ao pleitearem a delação "premiável" em suas defesas prévias, tiveram seus pedidos indeferidos pelo Juízo a quo, segundo entendimento de que deveriam os requerentes esclarecer efetivamente o que desejavam revelar, para além daquilo já investigado e descoberto, levando-se em consideração ainda o montante decorrente do universo econômico que permeava os fatos.
Ou seja: corretamente, o MM. Juiz Federal desejava que os três acusados apontassem quais "fatos novos" e relevantes para o processo ou outras investigações, tinham a revelar.
Como os requerentes silenciaram quanto ao valor da recuperação do produto do crime, o Juízo a quo, após listar os bens adquiridos por esses réus em consonância com as declarações até então prestadas, fixou um patamar de R$ 50.000.000,00 para Juan Carlos e R$ 200.000,00 para Daniel e Ana Maria, como valores ou bens a serem revelados para fazer valer a delação pleiteada (fls. 2.530/2.544).
Posteriormente, nos autos distribuídos por dependência a esta ação (nº 2008.61.81.000733-2), Juan Carlos externou seu desejo de ser novamente interrogado, manifestando-se, no presídio onde se encontrava, diretamente ao Delegado de Polícia Federal dr. Fernando Francischini, com autorização do Juiz Corregedor. Nessa ocasião teria afirmado sua intenção de entregar a quantia de mais US$ 40.000.000,00 de sua propriedade, obtida por meio do tráfico internacional de drogas, que estaria guardada em determinado local no território brasileiro.
O Juízo a quo, em 21/12/2007, autorizou a audiência de Juan Carlos com acompanhamento do Superintendente Regional da Polícia Federal, dr. Jaber Saadi, o que ocorreu no dia 28/12/2007, ocasião em que Juan Carlos acenou novamente com a intenção de entregar a quantia de US$ 35.000.000,00 ainda ocultada no Brasil.
Diante desse cenário, entendendo o Juízo a quo que houve na verdade notícia de reiteração da conduta criminosa, dada a confirmação de Juan Carlos de ter ocultado em local determinado em território nacional quantia superior a US$ 35.000.000,00 obtida com produto do crime antecedente de tráfico internacional de drogas, determinou a expedição de ofício ao Ministério Público Federal para adoção das providências que se fizessem necessárias, e, de ofício, com fulcro no artigo 4º da Lei 9.613/98, decretou no curso desta ação penal o sequestro dos valores mencionados, na ordem de US$ 35.000.000,00 a US$ 40.000.000,00, por serem objetos de crime previsto na aludida lei (fls. 3.249/3.256).
Como se vê, tentou a defesa de Juan Carlos a realização de um "acordo de delação premiada", uma negociação que levaria em conta a "oferta" de Abadia e o que a Justiça Criminal lhe daria em troca disso.
Pretendia o acusado valer-se de uma espécie de plea bargain, inexistente em nosso Direito Processual, posto que se trata de instituto usado apenas nos Estados Unidos, Canadá, Índia e Paquistão.
Ora, o que existe entre nós é apenas o instituto da delação "premiável" tal como regulado na lei vigente, que repercute no dispositivo da sentença, sendo que a lei não cogita de permitir ao Juiz antecipar, ainda no curso da instrução, qualquer providência. O Juiz não é obrigado a aceitar ou tolerar negociações extralegais, o Magistrado não está vinculado ao que possam combinar os réus e o Ministério Público.
Destaco que esse tema já foi tratado nos autos de habeas corpus de nº 2008.03.00.001895-5, ocasião em que Juan Carlos requeria a nulidade da decisão que lhe impossibilitou a continuidade do acordo requerido, sendo a liminar do writ indeferida e homologado, ao final, o pedido de desistência formulado pelo requerente.
Para melhor esclarecimento, colaciono trecho da decisão proferida por este relator a esse respeito, quando da análise da liminar do referido habeas corpus:
Dessa maneira, não há nulidade a ser reconhecida com relação ao procedimento que a defesa trata como "delação premiada".
Preliminares rejeitadas.
1.4) Sobre a sentença:
Juan Carlos Ramirez Abadia alega nulidade da sentença em face da ofensa aos princípios do devido processo legal, da proporcionalidade e razoabilidade constitucionais, haja vista o exagero e "irritação" do Juíz a quo na formulação de perguntas no interrogatório, além de se ater a questões que não diziam respeito aos fatos que se pretendia apurar.
Não é o que se percebe pelo teor dos interrogatórios constantes dos autos. Ao que consta, o d. Magistrado a quo conduziu os interrogatórios de todos os réus nos exatos termos do devido processo legal, com observância dos artigos 185 e seguintes do CPP.
Ademais, é dever do Magistrado perguntar ao interrogado todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração, não sendo o réu obrigado a responder as perguntas formuladas, podendo, inclusive, permanecer calado.
Insta salientar que a nulidade pretendida deveria ser acompanhada de demonstração inequívoca de sua ocorrência, não se mostrando suficientes para comprovar o alegado meras alegações de suposta imparcialidade do Juízo a quo.
Yéssica Paola Rojas Morales, por sua vez, alega que a sentença é nula por ausência de exame de todas as teses defensivas, notadamente, a aplicação do princípio da consunção no tocante aos tipos dos artigo 304 e 297, ambos do CP.
Sem razão a apelante.
Todas as teses levantadas pelos apelantes foram devidamente analisadas e fundamentadas na sentença.
Especificamente sobre o instituto penal da consunção pertinente aos crimes de uso de documento falso e falsidade de documento público, restou assim consignado na sentença (fls. 4.588 e 4.593):
Como visto, nos termos da sentença o crime do artigo 297, do CP, foi absorvido pelo do artigo 304, do CP, restando, porém, a sanção imposta ao crime de uso, aquela cominada no artigo 297, pela necessária remissão do artigo 304.
Adilson Soares da Silva requer a nulidade da sentença segundo entendimento de que foi denunciado pela prática do crime previsto no artigo 297, do CP, mas acabou condenado pela prática do crime previsto no artigo 299, do CP.
Com relação a esse réu e crime, narrou a denúncia (fls. 32/33):
O Juízo a quo a esse respeito assim sentenciou (fls. 4594/4595):
Como se vê, tanto a denúncia como a sentença claramente referem-se ao crime de falsidade ideológica, não tendo o Juiz de primeiro grau dado nova definição jurídica em face de circunstância ou fato não descrito na denúncia; ao invés, apenas emprestou definição diversa a fato já nela mencionado, exercendo, portanto, seu poder de realizar o artigo 383 do Código de Processo Penal para dar ao fato imputado a correta qualificação jurídica, não sendo o caso de aplicação da Súmula n° 453 do STF.
Destaco, por fim, que a pena da falsidade ideológica é menor que a do crime de falsificação de documento público, não havendo, portanto, prejuízo para o réu.
Preliminares rejeitadas.
1.5) Sobre as provas:
Jaime Hermando Martinez Verano e Eliseo Almeida Machado requerem a nulidade da sentença por cerceamento da defesa decorrente do "atropelamento do rito processual".
Afirmam que houve "atropelamento do rito processual" diante do prazo exíguo concedido para oferecimento de alegações finais, mormente porque as diligências requeridas não tinham ainda sido cumpridas, além de ter sido nomeado defensor ad hoc durante o recesso sem terem expirado os prazos assinalados pelo próprio Magistrado.
Registro que a questão em debate já foi objeto de apreciação por este Relator, quando da análise do habeas corpus de nº 2008.03.00.013730-0, impetrado com os mesmos fundamentos ora postos, sendo a ordem denegada pela Turma. Vejamos:
Observo que embora tenha ressalvado a possibilidade de análise aprofundada de efetivo prejuízo quando da análise da apelação, verifico que tal prejuízo de fato não se operou, uma vez que o farto conjunto probatório até então produzido já era suficiente para formar o convencimento seguro do Juízo a quo.
Ademais, o conteúdo da indigitada diligência em nada alterou a realidade dos fatos.
Não há nulidade a ser reconhecida.
Vitor Garcia Verano (Peter) e Aline Nunes Prado alegam que houve cerceamento de defesa pelo indeferimento da expedição de ofício ao Banco Itaú, requerido para comprovar que entraram no Brasil com dinheiro lícito.
Como é sabido, é permitido ao julgador formar sua convicção a partir da livre apreciação das provas ( art. 157, do CPP), não sendo obrigado a deferir provas que entender desnecessárias, se já tiver formado seu entendimento com as até então produzidas. O que, como se verá, é o caso do presente feito, haja vista o robusto conjunto probatório produzido, capaz de firmar com segurança o convencimento do julgador acerca de todas as teses trazidas pelas partes.
Ademais, as informações que pretendiam obter poderiam ser facilmente produzidas e trazidas aos autos pelos próprios interessados, seja por extratos bancários, declaração de bens, etc.
Vale ressaltar, ainda, a manifestação a esse respeito da douta Procuradora Regional da República, no sentido de que a possibilidade de as partes apresentarem requerimentos para a realização de diligências, prevista no art. 499, do CPP, vigente na época, justifica-se pela necessidade ou conveniência de se apurarem eventuais questões surgidas ao longo da instrução, não consistindo, pois, na oportunidade de uma inesgotável produção de provas.
Nesse sentido confira-se a jurisprudência do STJ:
Por fim, Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol alega a nulidade do depoimento prestado por Mário Fernando Rotta Nagano, policial federal arrolado como testemunha da acusação, por ter este participado diretamente do interrogatório do apelante em sede policial, coagindo-o e conduzindo o ato sem competência funcional, atribuição do Delegado de Polícia.
Na audiência de sua oitiva mencionada testemunha foi contraditada pela defesa de Ângelo e Adilson, tendo Mário negado que tivesse interferido no ato de oitiva dos réus, uma vez que foi levado a cabo pela autoridade policial, tendo simplesmente presenciado o ato (fl. 2768).
Com efeito, os policiais federais não estão proibidos de depor sobre atos de ofício praticados nos processos de cuja fase investigatória tenham participado.
Em nosso sistema processual não há vedação à eficácia probatória do depoimento dos policiais, que possuem função pública socialmente relevante, correndo a exceção à conta de elementos concretos que demonstrem a inservibilidade dos depoimentos.
Vale ressaltar, ainda, os termos da manifestação feita na audiência de oitiva da testemunha pelo membro do Ministério Público Federal, que foi acolhida pelo Juízo a quo, no sentido de que é natural que o agente que participe da investigação na fase inquisitorial realize perguntas no interrogatório com o fim de melhor esclarecer os fatos em colaboração com a autoridade policial, não configurando qualquer irregularidade em tal cooperação.
Deve-se recordar neste momento que eventuais vícios do inquérito policial - à exceção das perícias - não se projetam para a ação penal.
Preliminares rejeitadas.
1.6) Sobre o pedido de André Luiz Telles Barcellos de recorrer em liberdade, submeto à apreciação deste Colegiado a decisão monocrática já proferida nestes autos por este Relator sobre o tema:
Pelos fundamentos expostos, reafirmo meu entendimento sobre o indeferimento da pretensão deduzida por este réu, devendo ser mantida sua prisão tal como determinado na sentença.
Tratam os autos do resultado da chamada "Operação Farrapos" que apurou a existência de autêntica quadrilha formada para o fim de perpetrar vários crimes destinados a lavagem de ativos auferidos por Juan Carlos Ramirez Abadia - conhecido como líder do Cartel Vale Del Norte da Colômbia - com a prática da narcotraficância internacional de drogas, durante o tempo em que o mesmo esteve radicado no Brasil, tendo o grupo criminoso atuado até agosto de 2007. Consta que sendo acossado pelas forças policiais da Colômbia depois de pedido de extradição formulado pelo Governo dos Estados Unidos da América, Abadia fugiu para a Venezuela e de lá, através de barco e munido de documentos de identidade falsos, em julho de 2004 refugiou-se no Brasil, aqui adentrando pelo Ceará trazendo consigo U$ 4.000.000.00. Ao longo do tempo Abadia aqui se estabeleceu com a ajuda e colaboração de várias pessoas, que providenciaram seu transporte e mudanças para outros lugares, colaboraram na obtenção de documentação falsificada e no ingresso de mais dinheiro proveniente do narcotráfico; Abadia trouxe para o Brasil sua companheira Yessica Paola Rojas Morales com o uso de documento venezuelano falso e o casal passou a residir num apartamento alugado por Ana Maria Stein (que figurou como locatária do imóvel) no Bairro da Vila Nova Conceição, em São Paulo, sendo que posteriormente Daniel Brás Maróstica providenciou o aluguel de uma casa em Aldeia da Serra/SP para Juan Carlos e Yessica residirem, tendo Ana Maria se encarregado da "decoração" da nova moradia; mais tarde e a conselho de Daniel, Juan Carlos Ramirez Abadia acabou comprando esse imóvel, que foi colocado em nome de Marcio Alberto, um "laranja", cunhado de Daniel. Bem assentado no Brasil, Juan Carlos Ramirez Abadia contratou Henry Lagos (Pacho) e Cesar Amarilla (Índio) - ambos fugitivos - e posteriormente Victor Ibarra (vulgo Casquinha, também estrangeiro e foragido), para trabalharem com ele fazendo pagamentos, ocultando e transportando dinheiro, além de serem os responsáveis pelo pagamento de uma remuneração mensal a André, Daniel e Vitor Garcia, para que estes ajudassem "no que fosse preciso" para o conforto da vida e das atividades de lavagem de capitais de Abadia, como locação e compra de casas, carros, lancha, etc. Tal situação perdurou até Henry (Pacho), Cesar (Índio) e Victor irem embora do Brasil, quando então Juan Carlos passou a executar essas tarefas pessoalmente. Ademais, para evitar a descoberta da permanência clandestina de Abadia entre nós, André Luiz Telles Barcellos, colaborando com Abadia, providenciou a corrupção de Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol (funcionário da ANAC) e do agente de Polícia Federal Adilson Soares da Silva para que fossem apostos vários carimbos de "entrada" e "saída" nos passaportes falsos de Abadia.
A denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal minudenciou as identidades e atividades das várias pessoas que atuaram na quadrilha em benefício da lavagem de capitais e das falsificações de documentos e outras vantagens ilícitas que ao longo do tempo, até agosto de 2007, favoreceram Juan Carlos Ramirez Abadia e sua companheira Yessica, vulgo Gegê, também envolvida na criminalidade.
Em síntese, consta que o foragido narcotraficante Juan Carlos Ramirez Abadia era o líder da quadrilha, orientando e conduzindo as ações dos demais integrantes no sentido da lavagem de ativos conseguidos com o tráfico de drogas, tendo se valido de documentos falsificados para ingressar e permanecer livremente no Brasil, e para trazer para seu lado a companheira Yessica Paola Rojas Morales que, aqui chegando, tornou-se responsável por contatar os demais quadrilheiros e passou a efetuar a "contabilidade" do grupo criminoso.
André Luiz Telles Barcellos era muito próximo de Abadia, foi ele quem pilotou o avião que trouxe o narcotraficante de Camocim/CE para Araxá/MG e dirigiu a aeronave em outros deslocamentos do fugitivo. Ainda, coube-lhe adquirir bens com o dinheiro da narcotraficância e colocá-los em nome de "laranjas", bem como administrar outros bens e ceder contas bancárias próprias e de terceiros para o depósito de numerário espúrio, além de obter carimbos "reguladores" dos passaportes falsos de Abadia.
Ao casal Daniel Brás Maróstica e Ana Maria Stein coube transportar Abadia de Araxá/MG para São Paulo e alojá-lo em imóveis, bem como comprar imóveis, móveis e veículos com os valores conseguidos pelo narcotraficante.
Vitor Garcia Verano e Aline Nunes Prado compravam imóveis, inclusive para ocultação do paradeiro de Abadia.
André Luiz Telles Barcellos, mais uma vez colaborando com Abadia, providenciou a corrupção de Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol (funcionário da ANAC) e do agente de Polícia Federal Adilson Soares da Silva para que fossem apostos vários carimbos de "entrada" e "saída" nos passaportes falsos de Abadia, tendo os dois últimos sido remunerados por esse "trabalho".
Jaime Verano, auxiliado por seu motorista Eliseo Almeida Machado, dedicava-se a transportar e ocultar valores em dinheiro, primeiro na casa de Jaime e depois numerário não descoberto pela Polícia na casa do pai de Eliseo.
Antonio Marcos Ayres Fonseca, negociador de carros, vendia veículos adquiridos por André Luiz em favor de Abadia, registrando os carros em nome de "laranjas".
Após a instrução, que tenho como regular, sobrevieram as condenações ora sujeitas aos presentes apelos que passo a analisar, usando como método considerar as infrações penais atribuídas aos apelantes.
Assim, temos:
1º) crime de corrupção ativa (art. 333, do CP) atribuído a Juan Carlos Ramirez Abadia, André Luiz Telles Barcellos e Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol, e crime de corrupção passiva (art. 317, do CP) atribuído a Adilson Soares da Silva.
Dispõem os artigos 317 e 333, ambos do CP:
Segundo consta, Juan Carlos Ramirez Abadia, foragido da justiça colombiana e dos Estados Unidos da América, chefe do Cartel Vale Del Norte e internacionalmente procurado, conseguiu ingressar no Brasil com grandes somas de dinheiro (aqui trazidas principalmente em duas ocasiões) e para manter-se incógnito valeu-se de diversas identidades, dentre elas, três passaportes. Na condição de estrangeiro, para regularizar sua situação perante as autoridades brasileiras, contou com o auxílio de André Luiz Telles Barcellos, que por intermédio de Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol - suboficial da Aeronáutica que exercia suas atividades na Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC em Foz do Iguaçu/PR, entregou os passaportes de Juan Carlos a Adilson Soares da Silva - agente da polícia federal do setor de imigração em Foz do Iguaçu/PR - sendo esse último o responsável pela aposição de carimbos de "entrada e saída" nos passaportes apresentados sem a presença de Juan Carlos, que, aliás, até ser extraditado para os Estados Unidos da América não saiu mais do Brasil desde que aqui ingressou em 2004.
A conduta delituosa restou cabalmente demonstrada pelo teor das declarações judiciais de Juan Carlos Ramirez Abadia (fls. 1.821/1.823 - Vol. 7). Vejamos:
As declarações acima foram ainda corroboradas pelas de André Telles Barcellos (fls. 1.916/1.918 e 1.950/1.951 - Vol. 8):
Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol extrajudicialmente confirmou que, em quatro ou cinco oportunidades, na agência de turismo Point Tur de propriedade de sua esposa, André havia lhe solicitado a regularização de documentação correspondente a entrada e saída de indivíduos no território nacional. Tal documentação consistia na apresentação de documentos de identidade, tarjetas e passaportes, que seriam encaminhados à agência aduaneira, sem a presença física dos portadores desses documentos. Esclareceu que André lhe entregava um envelope e permanecia na agência enquanto ele se dirigia ao escritório onde se encontrava Adilson, que providenciava os carimbos de "entrada e saída" do Brasil. Retornava para a agência e aguardava o contato de Adilson, que chegava minutos depois, dirigindo seu veículo Renault Megane (cor branca, 4 portas), entregava-lhe os documentos de viagem dos interessados e informava que tinha realizado todos os trabalhos de imigração necessários (fls. 1.030/1.033). Em Juízo negou os fatos, alegando que mentiu em seu depoimento policial por sentir-se pressionado (fls. 1.998/2.007).
Mas essa negativa não merece crédito já que desmentida pela prova judicial, como se viu.
Adilson em duas oportunidades (fls. 997 e 1.040/1.043) confirmou haver carimbado algumas vezes passaportes a ele entregues por Ângelo Cassol. Confira-se:
Em Juízo, Adilson negou os fatos, alegando que assinou seu depoimento policial sem ler, ressaltando que a aposição de carimbo nos passaportes sem a presença física da pessoa é uma coisa banal e cotidianamente praticada no local em que trabalha, em face do acúmulo de serviço (fls. 2008/2019).
Tal negativa é absurda, além do que a escusa apresentada - má realização de um serviço público - além de despida da prova que lhe cabia produzir (art. 156, CPP) não pode servir de abono para a conduta criminosa a ele atribuída.
Vale registrar que André, em complementação ao seu interrogatório extrajudicial, declarou:
Foram encontrados na residência de Ângelo Cassol e na agência de turismo da esposa dele diversos documentos relacionados com a organização criminosa liderada por Abadia, bem como documentos relacionados a Adilson (autos em apenso n° 2007.61.81.009981-7), tais como: e-tickets de compras de passagens aéreas no período de 10/2006 a 06/2007 pertencentes a Milareth Torres (codinome usado por Yessica), Julio Oliveira (administrador da Fazenda Finca, de propriedade de André), André e Henry Lagos (Pacho - foragido), relatórios de títulos pendentes com os mesmos nomes já mencionados e uma agenda de capa dura com a seguinte anotação: "Barcellos/André - a pagar".
Tais elementos comprovam sem dúvidas que Ângelo Cassol beneficiava-se com as diversas vendas de passagens aéreas que realizava aos integrantes da quadrilha, na agência de turismo de sua esposa, especialmente para Juan Carlos e Yessica.
Nas agendas pertencentes a André, apreendidas na operação policial, foram localizadas diversas anotações referentes a pagamentos feitos a Ângelo Cassol em dólares, dentre os quais se destacam as anotações que fazem menção ao pagamento de US$ 200,00 (referentes aos carimbos de entrada e saída nos passaportes de Abadia): 08/06/2005 - "CASSOL - 200"; 12/06/2005 - "CASSOL U$ 200,00 2 PASPT"; 26/08/2006 - "4Xassol = US$ 1200" e "PONTE=U$ 200" (fl. 34, Vol. 1, Apenso 12).
Na residência de André foram ainda apreendidas anotações indicando as tarefas que ele deveria providenciar com Angelo Cassol, notadamente, as licenças internas e carimbos (fl. 177, vol 3, apenso 12). Confira-se:
As testemunhas arroladas pela acusação, os policiais Claudinei Aparecido Rodrigues e Mário Fernando Rotta Nagano, confirmaram que Ângelo era o contato de André para obtenção dos carimbos de imigração usados nos passaportes falsos de Abadia, conseguidos por intermédio de Adilson. Vejamos:
Como visto, Ângelo Cassol especificou a forma de entrega e recebimento dos documentos recebidos de André para Adilson, mencionando, inclusive, que Adilson trouxe a documentação carimbada em sua agência dirigindo um específico veículo. As declarações de Adilson confirmam as declarações de Ângelo, notadamente quanto aos procedimentos de entrega e remessa, e o carro por ele utilizado para entregar os documentos na agência de turismo Point Tur.
Durante as investigações policiais o corréu André chegou a descrever o policial federal que carimbava "em falso" os passaportes de Abadia, pois o observou devolvendo para Ângelo Cassol o envelope que continha os documentos a serem carimbados; descreveu-o como sendo um policial moreno, alto, forte e pouco gordo, cabelo escuro encaracolado, possuidor de um carro de quatro portas, de cor branca, pouco antigo. As descrições se coadunam com Adilson, tendo este, ainda, sido reconhecido por André por meio de uma fotografia que lhe foi apresentada na Delegacia.
Foram quatro os carimbos da DPMAF-DPF-Brasil constantes nos passaportes, cujas datas são: 02/02/2007, 23/04/2007 (duas vezes) e 18/07/2007.
Os códigos "5" e "6" constantes dos carimbos apostos nos passaportes de Juan Carlos referem-se aos códigos de "entrada e saída", e identificam os pontos oficiais de fiscalização do tráfego internacional, o que, corroborado pelo código de nº 580, especifica que a entrada terrestre teria ocorrido em Foz do Iguaçu/Ponte Tancredo Neves, fatos que se ajustam perfeitamente aos depoimentos judiciais e extrajudiciais prestados e já descritos neste voto.
Ângelo era suboficial da Aeronáutica e Adilson era agente da Polícia Federal do setor de imigração há 27 anos, ambos pessoas já maduras, experientes, não sendo crível que tivessem prestado declarações à Polícia atemorizados por alguma forma de "pressão", o que, de resto, não foi demonstrado.
Insta salientar que as provas testemunhais não mostram qualquer incongruência e somente complementaram as demais provas produzidas na instrução processual, corroborando os elementos indiciários sérios obtidos durante as investigações policiais.
A alegação feita por Ângelo de que a inserção de informação inverídica em passaporte falso não caracteriza crime não lhe aproveita, mesmo porque Ângelo está sendo acusado de corrupção ativa, crime autônomo que independe do ato que foi perpetrado pelo agente público já corrompido. Aliás, trata-se de crime formal, que se consuma mesmo que o servidor público não aceite o suborno oferecido (RT 751/695 - 791/723).
Tenho para mim que está satisfatoriamente comprovado que Ângelo entregava os passaportes recebidos de André, autêntico "braço direito" de Abadia, para Adilson a fim de que o agente federal inserisse informação falsa, uma vez que o estrangeiro Abadia não estava de fato transitando pela repartição federal de imigração.
A alegada ignorância de Juan Carlos quanto a forma como eram conseguidos os carimbos em seus passaportes é irrelevante e incapaz de excluir sua responsabilidade.
O receio demonstrado sobre veracidade ou não dos carimbos evidencia sua total consciência de que deveriam ser apostos por um servidor público responsável pela imigração.
Ademais, se desde 2004 o réu Abadia não deixava o território brasileiro, não poderia desconhecer a falsidade dos carimbos de "entrada e saída" em seus passaportes, também falsos.
Tenho para mim que - como dito com precisão no r. parecer ministerial (fl. 5.846v) - o réu Abadia tinha pleno domínio do fato, agindo com o intelecto e determinando a ação de André que se dirigia a Ângelo e Adilson em busca de meios para dar credibilidade ao conteúdo dos passaportes de Abadia a fim de que ele garantisse que sua permanência no Brasil não fosse tida como clandestina.
O mesmo vale para André Luiz Telles Barcellos, que, apesar de entregar os documentos a Ângelo e não ter contato direto com Adilson, tinha totais condições de saber que a aposição dos carimbos deveria ser feita por um agente da polícia federal do setor da imigração.
A corroborar as provas produzidas tem-se o depoimento de Mario Fernando Rotta Nagano, agente da Polícia Federal, que confirmou o contato de André Luiz Telles Barcellos com Ângelo Cassol para providenciar os carimbos de imigração nos passaportes de Juan Carlos, bem como as tratativas de pagamento de U$ 200,00 ao Adilson para "bater os carimbos" nos passaportes, nas tarjetas e no cartão de entrada e saída de Juan Carlos (fls.s 2862/2843).
Independentemente do pagamento dos U$ 200,00 (por cada carimbo) recebidos por intermédio de Ângelo Cassol, Adilson, prestes a se aposentar, beneficiava-se com o estreitamento de sua relação com Ângelo - pessoa bem relacionada cuja posição profissional favorecia os contatos internacionais -, e com o qual pretendia trabalhar após sua aposentadoria.
Estão presentes com total clareza os delitos dos arts. 317 e 333 do CP nas condutas dos quatro corréus, executadas dolosamente, sendo certo que o ato realizado por Adilson não é meio necessário ou normal fase de preparação ou de execução do delito de falso, não podendo ser absorvido por este delito. Incabível falar em consunção, valendo recordar que o crime de corrupção passiva é crime autônomo e ofende bem jurídico diverso (probidade e a moralidade da função pública) dos crimes de falso (fé pública).
Ademais, a lesividade do delito de corrupção não se exauriu na prática do delito de falsidade, uma vez que atingiu de forma plena e independente a moralidade pública, tampouco fez parte da sequência lógica da falsidade operada, não havendo que se falar em absorção daquele crime por este.
Da mesma forma não merece guarida a alegação de que as datas dos últimos carimbos referem-se a época em que Adilson já estava aposentado. Independentemente de estar ou não comprovada sua aposentadoria na data da aposição dos carimbos, é indissociável o fato de que assim agiu, e em todas as oportunidades (02/02/2007, 23/04/2007 e 18/07/2007 - Apenso 1- fl. 02), na qualidade de servidor público atuante no serviço de setor de imigração.
Ademais, o caput do art. 317, do CP, expressamente dispõe que o ato criminoso pode ocorrer fora da função ou antes de assumi-la, desde que em razão dela, sendo irrelevante, no caso, se Adilson estava de férias ou aposentado quando colocou os carimbos no passaporte de Juan Carlos Ramirez Abadia.
Pelo exposto, a materialidade e as autorias delitivas das condutas de receber vantagem indevida em razão da função que exercia (art. 317, do CP) e oferecê-la a funcionário público para determiná-lo a praticar ato de ofício (art. 333, do CP) estão devidamente comprovadas.
2º) crime de uso de documento falso (art. 304, c/c art. 297, ambos do CP) atribuído a Juan Carlos Ramirez Abadia e Yéssica Paola Rojas Morales; crime de falsificação de documento público (art. 297, do CP) atribuído André Luiz Telles Barcellos e crime de falsidade ideológica (art. 299, do CP) atribuído a Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol e Adilson Soares da Silva.
Como já mencionado, para garantirem-se incólumes no Brasil, Juan Carlos e Yessica utilizaram-se de diversos documentos públicos falsos.
Relativamente a Abadia, foram encontrados, entre outros, passaportes venezuelanos e argentino, licenças argentinas de condução de veículo, permissões argentinas e venezuelanas para conduzir, cédulas de identidade venezuelanas e argentinas e documentos de identidade do MERCOSUL, distribuídos nos nomes de Miguel Angel Cano Ramos, Carlos Arturo Mora Calderon, José Martin Colque Cruz, Javier Antonio Buenaño, José Maria Velandia Orrelano.
Quanto a tais fatos Abadia não se manifestou.
Relativamente a Yessica, foram apreendidos os seguintes documentos: 02 passaportes venezuelanos falsos em nome de Millareth Torres Lozano (C1374015 e C1940279); documento de conduzir venezuelano em nome de Milareth Torres Lozano e Cartão VISA do Banco da República em nome de Milareth Torres Lozano (fls. 61/69 e 81 - Apenso de nº 2007.61.81.011246-9).
A esse respeito, Juan Carlos, em sede policial, declarou que saiu da Colômbia e foi para Venezuela, passando pela fronteira desse segundo país com documentos verdadeiros, permanecendo lá por três ou quatro meses. Quando o pedido de extradição feito pelos Estados Unidos da América tornou-se público na Colômbia, e como existiam muitos colombianos conhecidos do narcotráfico que viviam na Venezuela, providenciou documentos falsos venezuelanos com uma pessoa de nome Rodrigo e refugiou-se no Brasil. Já no Brasil, providenciou um documento venezuelano falso para Yessica, sendo essa a condição imposta por ele para que ambos morassem juntos.
Yessica, em seu interrogatório judicial, confirmou as declarações de Abadia, demonstrando sua total ciência de que usava documentos falsos, com o óbvio intuito de fraudar terceiros passando-se por outra pessoa (fls. 1715/1720):
Consta que Yessica utilizou o passaporte colombiano de nº C 1374015, nos dias 25/09/2004, 16/12/2004, 24/02/2007, 05/09/2006, 23/11/2006, 27/11,2006, 02/03/2007, 23/05/2007 e 29/05/2007 (ver fl. 34 - APENSO 1).
Consta, também, que no dia 27/10/2006, no curso das investigações, ao ser abordada por agentes da Polícia Federal (Bueno, Eduardo, Daniel e Mario Nagano), estando na companhia de Vitor Ibarra, Aline, Juan Carlos e outros, Yessica identificou-se como Millareth Torres (fls. 149/154 e 2771/2772).
Yessica ainda afirmou que viajou em 2007 para o Uruguai para conseguir seu visto de turista, tendo aberto uma conta no Banco da República daquele país com a ajuda de André Luiz Telles Barcellos, nela figurando como Millareth. Esse fato foi ratificado por André em seu depoimento de fls. 512/521.
Insta salientar que a conduta incriminada é fazer uso, isto é, servir-se, usar, utilizar, o documento material ou ideologicamente falso, como se fosse autêntico ou verídico, apto a atingir sua finalidade como meio de prova. Trata-se de crime formal que não exige existência de efetivo prejuízo, sendo suficiente para sua consumação o simples uso do documento.
Outrossim, sendo certo que os documentos utilizados por Yessica e Juan Carlos são públicos (passaporte e cédula de identidade), inexiste qualquer dúvida de que a sanção a eles impostas é aquela cominada no art. 297 do CP (falsificação de documento público), por expressa e obrigatória remissão do art. 304 (uso de documento falso), não havendo que se falar, portanto, em abstração do art. 297, do CP, conforme requereu a defesa de Yessica.
Com relação ao crime de falsificação de documento público (art. 297, do CP) pelo qual André Luiz Telles Barcellos foi condenado, a sentença merece parcial reforma.
Embora tenham sido apreendidos na residência de André Luiz Telles Barcellos diversos documentos públicos e particulares falsos pertencentes a Juan Carlos e Yessica, não há provas de que André tenha falsificado tais documentos. Ou seja, não há prova da autoria do falsum material que possa incriminar sem qualquer dúvida o corréu André.
Na verdade, pelo teor da denúncia, dos fundamentos da própria sentença e por tudo o que foi produzido nos autos, André de fato deve responder pelo cometimento do crime de falsidade ideológica (art. 299, do CP), praticado ao providenciar, junto a Ângelo e Adilson, os carimbos de entrada e saída nos passaportes apresentados por Juan Carlos, conduta absolutamente comprovada conforme já fundamentado no tópico anterior.
Vale dizer que o fato de não ter sido ele a pessoa que diretamente colocou os carimbos nos passaportes não o exime da responsabilidade, nos termos do art. 29, do CP. De fato, foi André quem promoveu a aposição de carimbos sem justa causa, ventilando falso conteúdo nos passaportes, tendo sido a conduta dele o móvel que provocou as ações de Ângelo e Adilson.
Assim, nessa parte, a sentença deve ser reformada, para que o fato pelo qual André Luis Telles Barcellos foi condenado seja desclassificado para o crime do art. 299, do CP, afastando-se a capitulação originária em autêntica aplicação do art. 383, do CPP, situação perfeitamente possível de ocorrer em Segunda Instância conforme entendimento do STF (RTJ 173/552), devendo a respectiva pena ser calculada conforme se efetuará oportunamente.
Com relação a Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol e Adilson Soares da Silva, nos termos dos fundamentos já exarados, restou sobejamente comprovado que Ângelo, a pedido de André, contatou seu amigo Adilson - agente da Polícia Federal do setor de imigração em Foz do Iguaçu/PR - para que este providenciasse a colocação de carimbos nos passaportes de Juan Carlos apresentados por André, sem a presença física da pessoa interessada, isso provocando falso ideológico. Para tanto, Ângelo recebia de André a quantia de US$ 200,00 por carimbo, que eram entregues para Adilson, que, por sua vez, devolvia o passaporte carimbado na agência de turismo Point Tour.
Como prova dessa dinâmica, vale relembrar os documentos relacionados a quadrilha e a Adilson encontrados na residência de Ângelo, as anotações encontradas na agenda de André que diziam respeito aos pagamentos feitos a Adilson por intermédio de Ângelo, as anotações determinando que André providenciasse junto a Ângelo os carimbos de "entrada e saída" do país, e as declarações das testemunhas, especialmente dos policiais Claudinei Aparecido Rodrigues e Mário Fernando Rotta Nagano (fls. 2.732 e 2.775).
Vale relembrar, novamente, a legalidade do depoimento dos policiais federais que participaram na fase investigatória. Além de que, no caso, os depoimentos prestados pelos policiais, tanto na fase extrajudicial quanto judicial, estão em harmonia com as demais provas produzidas nos autos, complementando-as, não havendo qualquer demonstração de parcialidade por parte dos depoentes.
De outra parte, a ausência de perícia para se identificar a falsidade ou não do passaporte ou a veracidade dos carimbos, não é fundamento capaz de afastar o dolo de Adilson ou Ângelo nos crimes que lhes foram imputado.
O crime de falsidade ideológica consiste em omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, sendo desnecessária a ocorrência de efetivo prejuízo pois se trata de delito formal (cfr. Código Penal Comentado, Celso Delmanto e outros, pág. 861).
Como o crime de falsidade ideológica envolve a dissimulação mediante a modificação do conteúdo abstrato do documento, não há se falar em comprovação da imputação mediante perícia, mas sim pelo cotejo de outros elementos da realidade ou do que ordinariamente acontece.
A infração de falsidade ideológica decorre justamente de fraude no próprio conteúdo do documento, tornando dispensável a perícia até porque a declaração falsa, no caso dos autos, valia por si só, independentemente de necessária "confirmação" ou "comprovação".
Enfim, o STF já decidiu que o delito de falsidade ideológica prescinde de prova pericial (RTJ 125/184).
Nesse sentido, não há que se pretender o favorecimento dos réus porque os passaportes não foram utilizados ou porque os mesmos já eram falsos; é que o falsum que neles foi aposto (carimbos atestando "entrada e saída" do país) era eficaz para os efeitos desejados por Abadia, que buscava meios de permanência segura no Brasil sem se expor ao risco de ser desmascarado na polícia alfandegária, caso necessitasse se locomover.
Para configuração do delito basta que o falsum tenha potencialidade de enganar, e no caso a aposição de carimbos próprios das autoridades de imigração em passaportes tidos como idôneos era elemento essencial de tais documentos para o fim de demonstrar que seu portador circulava entre fronteiras.
De outro lado, a alegação de atipicidade da conduta, porque dois dos três atos imputados a Ângelo e Adilson ocorreram posteriormente à aposentadoria de Adilson, assim como o pedido subsidiário para que a corrupção passiva (atribuída a Adilson) ou a corrupção ativa (atribuída a Ângelo) sejam "absorvidas" pelo crime de falsidade ideológica são questões já enfrentadas e rechaçadas anteriormente.
Enfim, por todo o exposto, tenho que a autoria e materialidade do crime de falsidade ideológica praticado por Ângelo e Adilson restaram sobejamente comprovadas.
3º) crime de lavagem de ativos e valores e quadrilha.
3.1) crime de lavagem de ativos (art. 1º, caput e incisos I e VII, da Lei 9.613/98, c/c § 4º) atribuído a Juan Carlos Ramirez Abadia, Yessica Paola Rojas Morales, André Luiz Telles Barcellos, Daniel Brás Maróstica, Ana Maria Stein, Vitor Garcia Verano, Aline Nunes Prado, Jaime Hernando Martinez Verano, Eliseo Almeida Machado e Antonio Marcos Ayres Fonseca.
3.2) crime de quadrilha ou bando (art. 288, do CP) atribuído a Juan Carlos Ramirez Abadia e Yéssica Paola Rojas Morales, André Luiz Telles Barcellos, Daniel Brás Maróstica, Ana Maria Stein, Vitor Garcia Verano e Aline Nunes Prado e Jaime Hernando Martinez Verano.
As normas incriminadoras ostentam os seguintes discursos:
Lei 9.613/98:
Começando pelo crime de formação de quadrilha, conforme bem demonstrado na r. sentença apelada cujos fundamentos nesse âmbito ficam expressamente adotados neste voto, o conjunto probatório é exauriente de modo a revelar que efetivamente os denunciados se associaram, de modo estável e permanente, em bando direcionado ao branqueamento dos capitais auferidos por Juan Carlos Ramirez Abadia com a narcotraficância, depois que o mesmo se radicou no Brasil fugindo da extradição concedida pela Colômbia aos Estados Unidos da América.
Recorde-se que Abadia inicialmente trouxe consigo U$ 4.000.000,00 e mais tarde internou no nosso país, com a ajuda de Henry Lagos (Pacho), mais US$ 5.000.000,00. Interessado em "lavar" esse numerário, Abadia agregou em torno dele um grupo de pessoas - especialmente sua companheira Yessica e André Luiz Telles Barcellos - que intencionalmente se conduziu na prática de atos de suposta regularização, até com uso de "testas-de-ferro", "laranjas", do dinheiro arrecadado na condição de líder do Cartel Vale Del Norte.
De pronto merece ser salientado que inexiste qualquer dúvida sobre a natureza do crime antecedente.
Trata-se do narcotráfico transnacional, desempenhado em condição de "chefia" por Juan Carlos Ramirez Abadia.
Tenho para mim que Abadia permaneceu à testa do Cartel Vale Del Norte, assim capitaneando a narcotraficância pelo menos até 2004 - quando ele se homiziou no Brasil - e por isso mesmo considero que o crime antecedente - mesmo que em certo lapso temporal - foi praticado já na vigência da Lei 9.316/98. Destarte, não há como afastar a ilicitude da lavagem de ativos conseguidos até aquele tempo, nada importando que a narcotraficância tenha ocorrido no exterior (a partir da Colômbia) de vez que a Lei 9.316/98 não exige a territorialidade brasileira do crime antecedente.
A respeito do crime antecedente, temos as informações prestadas pela Embaixada dos Estados Unidos da América dando conta que o Cartel Vale Del Norte - CVN, sempre liderado por Abadia, exportou mais de um milhão de quilos de cocaína, no valor de mais de U$ 2,5 trilhões de dólares, da Colômbia para o México e para os Estados Unidos da América, tornando-se a organização mais poderosa do tráfico de cocaína na Colômbia. A organização usava as chamadas "Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC)" - principal grupo terrorista paramilitar de extrema-direita da Colômbia - para proteger as rotas de drogas, laboratórios de preparo e refino da coca, os seus membros e seus associados.
Ademais, registre-se que a capitulação da conduta dos réus também no inciso VII do art. 1.º da Lei 9.613/98 feita pelo Ministério Público Federal e acolhida pelo operoso Magistrado sentenciante - hoje membro desta Corte militando na 3ª Seção - não requer nenhum crime antecedente específico para efeito da configuração do crime de lavagem de ativos, bastando que seja praticado por organização criminosa, sendo esta disciplinada no art. 1.º da Lei 9.034/95, com a redação dada pela Lei 10.217/2001, c.c. o Decreto Legislativo n.° 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004.
Ora, salta aos olhos que o Cartel Vale Del Norte é - ou era ao tempo em que liderado por Abadia até fugir para o Brasil - uma organização criminosa internacional.
Vale ainda dizer ainda que para a configuração do crime de lavagem basta que o autor do crime saiba ou suponha saber que a fonte dos bens é uma infração penal (art. 1º, caput, e seu § 2º, I, da Lei 9.613/98), não sendo necessário que conheça exatamente a descrição da modalidade típica. É suficiente, portanto, a ciência de que se cuida de um injusto penal, e se trata de um fato ilícito típico; ninguém ignora que narcotraficância de cocaína é crime.
Ora, Juan Carlos Ramirez Abadia participava diretamente do tráfico de drogas, da lavagem de dinheiro na Colômbia, do suborno de autoridades policiais e políticos colombianos; também participava de seqüestro e assassinatos de informantes, dos seus rivais no narcotráfico. Segundo as autoridades estadunidenses, Abadia estava implicado diretamente em 10 assassinatos na Colômbia, e seus comparsas em cerca de 350 assassinatos praticados a seu favor (fls. 1.247/1.248).
Conforme as declarações do próprio Abadia ((fls. 1.769/1.865), tão logo chegou ao Brasil, desembarcando no Ceará em 2004, já se vinculou a André Luiz Telles Barcellos (que inclusive o trouxe de avião para o Sudeste do país), Daniel Brás Maróstica e Ana Maria Stein; o conjunto probatório amealhado no inquérito e corroborado na instrução criminal evidenciou que, prosseguindo na dinâmica associativa com tendência a lavagem de seus ativos, Abadia trouxe da Venezuela sua companheira Yessica Paola Rojas Morales e no decurso do tempo agregaram-se àquele núcleo criminoso também Vitor Garcia Verano, Aline Nunes Prado e Jaime Hernando Martinez Verano.
A confissão judicial de Abadia, que incriminou seus comparsas sem que ele mesmo procurasse se eximir de responsabilidades, é rumo seguro para o juízo condenatório de todos os acusados dos delitos de quadrilha e lavagem de ativos.
É lição antiga no âmbito do Processo Penal que a incriminação de corréus serve de prova, quando o próprio confitente não busca se livrar da responsabilidade pelos crimes imputados a ele e aos demais. Nesse sentido invoco antigo e elucidativo julgado do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, verbis: "as declarações de co-réu de um delito têm valor quando, confessando a parte que teve no fato incriminatório, menciona também os que nele cooperaram como autores, especificando o modo em que consistiu essa assistência ao delito" (RT 419/295).
A propósito, o STJ já definiu que "o reconhecimento fotográfico realizado no inquérito policial e a chamada de co-réu, na fase judicial é prova bastante de autoria" (REsp 574.375/RO, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 26/05/2004, DJ 11/04/2005, p. 399)
É incontestável que André Luiz Telles Barcellos sabia da origem nefasta do numerário que movimentava em favor de Abadia; André confessou saber quem era e o que fizera Abadia, de modo que - pelo menos no âmbito do dolo eventual - tinha consciência que usava dinheiro do narcotráfico para adquirir, em favor de Abadia, a Fazenda "Finca" no Rio Grande do Sul e pelo menos dois veículos que foram colocados em nome de um "laranja" que trabalhava como "pedreiro" para André.
Ainda, esse corréu cedeu os números de duas contas-correntes que existiam em nome de duas empresas de que ele participava, para que nelas fossem feitos depósitos de dinheiro do acusado Abadia.
Conforme ela mesma contou em sede policial, Ana Maria Stein providenciava esses depósitos bancários; e não só nas contas das empresas de André, mas também em contas em nome da esposa e do filho desse réu.
Informações fornecidas pelo COAF confirmaram tais fatos.
André foi o responsável por comprar para Juan Carlos os veículos Renault Scenic - DSS 1945 e Fiat Doblo - DUI 1988, ambos colocados em nome do pedreiro que lhe prestava serviço, Claudiomiro Madri Munhoz.
Típica manobra de lavagem de dinheiro, usando um humilde cidadão como "homem de palha".
O pedreiro Claudiomiro, arrolado como testemunha, esclareceu que, a pedido de André, permitiu que fosse colocado um veículo (Fiat Doblo) em seu nome, o qual "seria utilizado" na obra onde estava trabalhando. Todavia, afirmou que nunca viu o mencionado bem e, posteriormente, ficou sabendo que havia mais um veículo (Renault BSS-1945) em seu nome (fls. 2.591/2.601).
A testemunha Paulo Roberto Bertoldo Ovalhe declarou ter recebido um Fiat/Doblo de André para vender em seu estabelecimento (fls. 3.182/3.186), o que demonstra que a compra do veículo em nome de Claudiomiro foi uma negociação dissimulada para lavagem de dinheiro ilícito.
Mas não foi apenas isso.
André - tido como piloto particular de Abadia (conhecido na família de André como Tonho) até mesmo por Vivian Mostardeiro Barcellos, filha de André (fls. 3.209/3.216) - também registrou outros dois veículos pertencentes de fato a Juan Carlos em nome de terceiros, um em nome de sua esposa Elaine Mostardeiro Barcellos (Toyota Hilux - ELA 0729), e outro em nome de sua cunhada Elena da Silva Mostardiero (Honda Fit - DAS 1995).
Ademais, conforme restou comprovado nos autos, André ainda auxiliava Abadia na abertura de novas contas no Uruguai - conhecido "paraíso fiscal" na América Latina - com Juan Carlos identificado como Sebastian De La Cruz, Carlos Arturo Mora e Carlos Mora Calderon.
André se locupletava da colaboração com Abadia, tendo confessado que recebeu U$ 30.000,00 por trazer Abadia do Ceará para Araxá/MG e desde abril de 2005 passou a perceber um "salário mensal" que variou entre U$ 5.000,00 até U$ 8.000,00, situação que perdurou até fevereiro de 2007.
Impossível afastar-se a condenação de André Luiz Telles Barcellos.
A responsabilidade criminal deve abranger Yessica, companheira e convivente de Abadia.
O interrogatório judicial de Abadia deixa claro que Yessica tinha conhecimento das atividades criminosas dele; uma vez reunida a seu amásio aqui no Brasil, trazida para cá com documentos falsos, Yessica tornou-se um elo de ligação entre Juan Carlos e os demais quadrilheiros, pois conforme decorre das palavras dele, de André e mesmo de Ana Maria Stein, Yessica fazia constantes ligações telefônicas para os corréus agendando encontros para entrega de papéis e valores. Não há qualquer dúvida, à luz dos depoimentos prestados pelos corréus e pelo teor das degravações de interceptações telefônicas, que Yessica mantinha-se em constante contato com Daniel, Ana Maria, André, Aline e Vitor Verano, a mando de Abadia.
Consta dos autos que no telefonema ocorrido em 20 de junho de 2007 um indivíduo cuja identidade não foi apurada pede "instruções" a Yessica sobre como ele "deveria agir" para fazer a contabilidade do grupo criminoso.
Induvidosa, portanto, a inclusão da ré na quadrilha e a participação dela na lavagem de ativos.
Não se pode escusar Yessica de sua responsabilidade criminal à conta do "amor" que nutria por seu convivente.
Devemos todos respeitar a afeição dela por Abadia; isso é coisa do coração, imperscrutável.
Mas quando o Direito Penal leva em conta um sentimento humano para escusar de responsabilidade, acrescer ou mitigar a pena, ele é explícito; destarte, não tem propósito salvaguardar Yessica dos crimes cometidos à conta de sua afeição por Abadia sob a égide de inexigibilidade de conduta diversa.
Prossigo.
Daniel Brás Maróstica e Ana Maria Stein não negaram o relacionamento com Abadia e tampouco que encetaram várias negociações em favor de Abadia - obviamente usando o dinheiro dele - e somente insistem em que desconheciam a proveniência ilícita do numerário.
Ora, se Daniel e Ana Maria deram apoio a Juan Carlos Ramirez Abadia para que ele se submetesse a cirurgias plásticas que retocaram suas feições (Ana Maria, que morara na Colômbia, serviu de "tradutora" para Abadia junto a médica drª Loriti), se providenciaram a compra de imóveis e veículos (inclusive uma lancha) em nome de terceiros que tinham alguma relação de parentesco ou amizade com eles, mas sempre para fruição de Abadia, não podem validamente alegar "desconhecimento" de que lavavam numerário ilícito.
Na verdade Ana Maria confirmou as declarações de Juan Carlos, de que seu nome e o de Daniel foram indicados por um colombiano já falecido chamado Juan Carlos Ortiz Escobar, igualmente envolvido com o tráfico de drogas, para que fossem contatados a fim de auxiliarem Abadia no Brasil. Ela e Daniel iam a casa de Juan Carlos pelo menos uma vez a cada quinzena e Ana Maria dispunha de um telefone celular entregue por Juan Carlos, exclusivamente para manter contato com Yessica, cujo número era alterado a cada seis meses. Ana Maria declarou que seu marido recebia a quantia de U$ 3.000,00 por mês para fazer serviços gerais para Abadia, dentre eles arrumar pessoas para constar como "laranjas" nos imóveis adquiridos por Abadia e veículos, tendo como exemplo a casa de Aldeia da Serra, local em que Abadia foi preso (fls. 816/817). Esse "salário" foi confirmado por Daniel e era recebido através da ré Yessica.
A prova documental constante da investigação revela que Daniel e Ana Maria, dentre outras ações em favor de Abadia, tinham como tarefa encontrar terceiros para figurarem como proprietários dos imóveis e veículos comprados para a lavagem do dinheiro ilícito obtido pela narcotraficância de Juan Carlos. Como exemplo, podem ser, sucinta mas suficientemente, apontados dois imóveis de alto valor: a) casa na Alameda Dourada, nº 71, Residencial Morada dos Lagos, Aldeia da Serra/SP - efetiva residência de Juan Carlos e Yessica, registrado em nome do cunhado de Daniel, Marcio Alberto); b) sítio São Sebastião e/ou Rancho Santa Bárbara, em Pouso Alegre/MG (registrado em nome de Cleiton Elias das Neves, amigo de Daniel).
Na verdade o trabalho de Daniel e Ana Maria em favor de Abadia foi vultoso. Vejamos:
a) Danilo de Souza Agner era amigo de Daniel e trabalhava para ele na empresa JET PILOT desde 2005. Declarou que, em meados de 2006, Daniel solicitou-lhe que fosse colocado um carro (Xsara Picasso) em seu nome, no que deu permissão. Posteriormente recebeu multas de trânsito de um veículo Honda/Fit, ocasião em que Daniel o avisou que também tinha colocado tal carro em seu nome, esquecendo-se de avisá-lo. Esclareceu que o veículo Honda/Fit foi colocado em seu nome mesmo sem ter assinado qualquer documento (fls. 1.156/1157 e 2.404/2.421).
b) Wagner de Souza Agner, irmão de Danilo e empregado da empresa La'Bella de propriedade de Daniel Brás Maróstica, da mesma forma declarou que a pedido de Daniel (que dizia estar com "problemas familiares"), consentiu colocar em seu nome alguns carros, tais como: Audi, Rav, Honda Cívic (fl. 1.158).
c) Cleiton Elias das Neves, corretor dos seguros de diversos carros entregues por Daniel, esclareceu que este lhe pediu para que fosse colocado em seu nome um sítio em Pouso Alegre/MG, sob a alegação de que estava com problemas com suas ex-esposas. Esclareceu que os pedidos eram sempre feitos por Daniel, que, em troca, lhe ajudava com dinheiro, o qual era entregue algumas vezes por Ana Maria Stein (fls. 1159/1160 e 2460/2479). Após sua insistência para que a situação do imóvel fosse regularizada, Daniel, com a mesma alegação que deu a Cleiton, colocou o imóvel em nome de Celso Aparecido Joaquim (fls. 1.298/1.299).
d) Procedimento idêntico deu-se com Cilene Regina Maróstica Alberto (irmã de Daniel) e seu marido Marcio Alberto, que afirmaram ter concedido colocar em seus nomes uma sala no edifício Mariana Tower, em São Paulo, além de um imóvel situado na Alameda Dourado, nº71, em Aldeia da Serra/SP (residência de Abadia), tudo a pedido de Daniel. Marcio Alberto esclareceu que os pedidos partiam de Daniel, mas que Ana Maria Stein acompanhava e assessorava Daniel em todo o procedimento (fls. 1.161/1.164 e 2.482/2.492).
Assim, não há dúvida plausível sobre o envolvimento efetivo desse casal nos crimes de que são acusados.
Já Vitor Garcia Verano e Aline Nunes Prado, por suas vezes, atuavam em Curitiba/PR também como longa manus de Juan Carlos, cuidando da reforma e aluguel de residências luxuosas a serem ocupadas por ele e Yessica, além de Aline ser sócia de duas empresas "de fachada" destinadas a lavagem de ativos em favor de Abadia.
Vitor, embora negando os fatos que lhe foram imputados (fls. 454/456 e 2.126/2.159), confirmou que o imóvel situado na Rua dos Robaletes - Jurerê Internacional, em Florianópolis/SC (registrado em nome da empresa Euro Investimentos Imobiliários), foi emprestado para Juan Carlos e Yessica.
É dos autos que Vitor e Aline eram "donos" de imóvel estimado em R$ 1.400.000,00, mas o bem era na verdade de Juan Carlos, o que salta aos olhos quando se vê que o casal efetuou uma "doação" em favor de Juan Carlos de todos os móveis da casa, sob a alegação de que não mais os queriam, alegação esdrúxula somente ofertada para dissimular o verdadeiro proprietário dos bens, Abadia; até mesmo porque com os rendimentos reais que possuiriam, Vitor e Aline não poderiam comprar um imóvel naquele local.
Ademais, na residência de Victor Garcia Verano e Aline Nunes Prado a investigação policial encontrou objetos claramente demonstrativos de que ambos participavam de ilícitos, como se vê de fls. 1.558/1.559.
Enfim, Vitor, apesar de negar os fatos que lhe foram imputados, confirmou que o imóvel situado na Rua dos Robaletes - Jurerê Internacional, em Florianópolis/SC foi emprestado para Juan Carlos e Yessica.
Também não conseguiu desvencilhar a ligação feita entre "seu amigo" Juan Carlos Ramirez Abadia e o fato de seu irmão Jaime guardar mais de US$ 1.000.000,00 em sua casa a pedido de Abadia.
Impõe-se destacar que durante um de seus interrogatórios policiais Abadia informou que do dinheiro que trouxe para o Brasil uma parte foi gasta na aquisição de bens, outra parte estava guardada em sua própria residência em São Paulo - apreendida pela Polícia - outra estava na casa de uma pessoa de nome Jaime em Campinas/SP, e por fim, a última parte estava numa casa de sua propriedade na cidade de Florianópolis, mais especificadamente situada na praia de Jurerê Internacional; ou seja: a casa de alto luxo que Vitor e Aline diziam ser "deles", na verdade pertencia a Abadia, de modo que o casal nada mais era do que "laranjas" intencionais do narcotraficante.
É impossível afastar a responsabilidade penal desses dois, como acertadamente procedeu a r. sentença.
Jaime Hernando Martinez Verano passou a integrar o bando em 2006, como reconhecido na r. sentença. Foi cooptado em maio daquele ano por seu irmão, o corréu Vitor, ficando incumbido de guardar dinheiro de Abadia o que fazia escondendo perto de U$ 1.400.000,00 no teto da residência dele na cidade de Campinas/SP, situada no Condomínio Vila Verbenas, onde em 7/8/2007 a Polícia apreendeu bolívares, dólares e R$.73.000,00.
Mais tarde, o corréu Jaime desenterrou U$ 952.100,00 e 420.000 Euros e os entregou para seu motorista Eliseo Almeida Machado incumbindo-o de ocultar esses valores. Em 9/8/2007 esse dinheiro estrangeiro foi descoberto e apreendido na casa do pai de Eliseo, ainda na cidade de Campinas.
Óbvia a vinculação de ambos com a quadrilha, ainda mais que ninguém inocente guarda dinheiro estrangeiro no teto da casa e menos ainda enterra quase um milhão de dólares e quase meio milhão de Euros. Essa dinâmica conduz plenamente ao reconhecimento de que Jaime e Eliseo pertenciam ao grupo mantido e orquestrado por Abadia, sendo tarefa de ambos ocultar valores obviamente ilícitos em espécie.
Antonio Marcos Ayres Fonseca não pode se ver livre da acusação pela qual restou condenado. Colaborou com o grupo através de André Luiz Telles Barcellos, concordando em vender veículos que eram colocados em nome de terceiros, especialmente a srª Ophelia Maria de Camargo, uma funcionária de Antonio Marcos. Aliás, o conluio de Antonio Marcos com o bando e a lavagem de ativos através de aquisição de carros em nome de "laranjas" tem eco numa agenda de couro de André, objeto do auto de apreensão n° 07/2007, onde André registrou pagamentos feitos a Antonio Marcos.
A propósito das ações de Antonio Marcos, tem-se o depoimento de Ophelia Maria de Camargo, ajudante geral e funcionária desse réu há 20 anos; essa senhora declarou que a pedido de Antonio permitiu que fossem colocados uma moto e um carro em seu nome, apesar de não lhes pertencerem. Afirmou que a justificativa para tal pedido de Antonio Marcos foi a alegação de que, se assim ela não fizesse, a venda seria perdida pois a pessoa que os adquiriu, André Luiz Telles Barcellos, não estava em São Paulo (fls. 3048/3055).
Dessa forma, restou comprovado que Antonio Marcos Ayres Fonseca cuidava do procedimento para a transferência de veículos por ele comercializados ao grupo criminoso para nome de terceiros, consciente de que se tratava de operações clandestinas, pois não se cercava do mínimo de garantias para efetuar as transações notadamente obscuras feitas a pedido de André, contribuindo para o êxito do crime de lavagem do dinheiro internado por Juan Carlos.
Para demonstrar, ainda mais, o envolvimento dos corréus na prática do crime de lavagem de valores e de quadrilha (este último com exceção dos réus Eliseo e Antonio Marcos, não acusados disso), veja-se o depoimento de Claudinei Aparecido Rodrigues, agente da Polícia Federal encarregado do processamento das interceptações telefônicas levados a efeito na "Operação Farrapos", que confirmou os termos da denúncia, notadamente o envolvimento de André na prorrogação da estada de Abadia junto a Ângelo Cassol; os documentos falsos utilizados por Abadia e Yessica; as transações de compra e venda de imóveis, veículos e telefones por Vitor, Aline, Daniel, Ana Maria e André; o repasse de valores de Jaime para Eliseo; os valores encontrados na casa de Jaime e no imóvel de Jurerê Internacional/Florianópolis, contatos telefônicos entre Yessica, André, Ana Maria, Aline e Vitor, a atuação de Yessica como interlocutora de Abadia e cuidadora da parte financeira da organização (pois, em contatos mantidos com a Colômbia, fornecia dados contábeis das empresas), comissões recebidas por Ana Maria e Daniel, a venda de diversos carros por Antonio Marcos a André (os quais eram colocados em nomes de terceiros) e, por fim, que Ana Maria e Daniel auxiliavam Juan Carlos em São Paulo, Jaime em Campinas, Aline e Vitor em Curitiba, e André no Estado do Rio Grande do Sul (fls.2.730/2.737).
Da mesma forma segue o testemunho de Mario Fernando Rotta Nagano, agente da Polícia Federal que confirmou ter sido a casa situada em Aldeia da Serra/SP comprada para servir de residência de Juan Carlos, bem como que a reforma e o registro do imóvel foram providenciados pelo casal Daniel e Ana Maria; a compra de um iate e uma casa em Angra dos Reis/RJ por Daniel para Abadia; locação providenciada pelo casal Aline e Vitor de uma casa em Curitiba/PR e compra de outra em Jurerê Internacional/Florianópolis, tudo para Abadia; a localização de dinheiro pertencente a Abadia na casa de Jaime; o repasse a Eliseo de grande parte do dinheiro para que fosse escondido e a posterior localização desse dinheiro em poder desse corréu; a providência adotada por Antonio Marcos em colocar em nome de terceiros carros que eram vendidos para André; o contato de André com Ângelo Cassol para providenciar os carimbos de imigração nos passaportes falsos do Abadia; as tratativas de pagamento de U$ 200,00 ao agente da Polícia Federal Adilson para "bater os carimbos" nos passaportes, nas tarjetas e no cartão de entrada e saída de Abadia (fls.s 2.862/2.843).
A testemunha drª Loriti Ferreira de Faria Breuel, médica responsável pelas cirurgias plásticas realizadas em Juan Carlos, por sua vez, afirmou ter esse corréu se apresentado em sua clínica com o nome de Javier Moura, acompanhado de Ana Maria Stein que servia como sua tradutora. Afirmou que também realizou cirurgias plásticas e tratamentos estéticos em Yessica (que se apresentava como Ana Mela), Ana Maria Stein e Luiza Spinosa, tendo observado que os números de telefones fornecidos pelas três mulheres eram sequência uns dos outros. Observou, também, que aparentemente não havia uma relação de subordinação entre Juan Carlos e Yessica. Mostravam-se como um casal apaixonado, com Juan Carlos fazendo todas as vontades de Yessica, que demonstrou ser "geniosa" (fls. 1.106/1.107 e 2.423/2.457).
Pois bem.
Diante do robusto e sério acervo probatório recolhido na investigação policial e chancelado na instrução criminal (artigo 155, do CPP) resta impossível a absolvição dos acusados em face dos fatos a eles atribuídos.
Com exceção da emendatio libelli já referida, todas as imputações devem ser mantidas.
A propósito, é impossível a pretendida desclassificação do crime do art. 1º, da Lei 9.613/98 para o delito de favorecimento real (art. 349, do CP), solicitada por Yessica, Vitor e Aline, diante do princípio da especialidade que, conforme a lição de Gunther Jacobs, resolve todos os casos de concurso aparente de normas penais.
Assim, lex specialis derogat generali, ou ainda, semper specialia generalibus insunt. Em vernáculo: a lei especial, aquela que contém elementos típicos especializadores, derroga ou substitui a norma geral, no caso concretamente examinado. Ou ainda: havendo um plus especializante que estabelece uma relação de genus ad speciem entre duas ou mais normas (no dizer de Eugênio Mougenot, Direito Penal, pág. 233), prevalece a norma incriminadora que contém os elementos mais específicos.
Portanto, a nítida percepção da especialidade dos termos incriminadores da Lei 9.613/98 - vigente ao tempo da chegada de Abadia ao Brasil e da formação de sua quadrilha destinada a lavar ativos conseguidos com a narcotraficância que perdurou pelo menos até 2004 - conduz ao afastamento do mero delito de favorecimento.
Devidamente analisadas a materialidade dos fatos e as autorias e participações dos réus, examino a dosimetria das penas, ainda atento aos pleitos formulados nas apelações.
O Juízo a quo aumentou a pena base de todos os réus (com exceção de Eliseo e Antonio Marcos) considerando as circunstâncias judiciais que eram desfavoráveis dentre as previstas no art. 59, do CP, sem perder de vista a primariedade técnica dos acusados.
Não entrevejo qualquer violação dos princípios da proporcionalidade e nem da realidade dos fatos.
Mantenho aqui, porque completamente pertinentes, todas as considerações postas na sentença quando da dosimetria das penas dos apelantes na 1ª fase.
No mais, verifico a apenação de cada um.
a) Juan Carlos Ramirez Abadia:
- Art. 288, do CP: 01 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão;
- Art. 304, c/c art. 297, na forma do art. 71, todos do CP: 5 anos, 2 meses e 6 dias de reclusão e 240 dias-multa;
- Art. 333 e parágrafo único, na forma do art. 69, todos do CP (por 3 vezes): 15 anos, 6 meses e 18 dias de reclusão e 312 dias-multa;
- Art. 1º, caput e incisos I e VII, da Lei 9.613/98 , c/c §4º, todos em concurso material: 7 anos, 9 meses e 10 dias de reclusão e 206 dias-multa;
- Valor unitário do dia-multa: 15 salários-mínimos levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 (R$ 380,00);
- Total: 30 anos, 5 meses e 14 dias de reclusão e 758 dias-multa (11.370 salários mínimos equivalentes a R$ 4.320.600,00 na época dos fatos);
- Regime inicial de cumprimento da pena fechado.
Nada há que se alterar na pena aplicada a este réu para todos os crimes em que foi condenado.
Incabível a pretensão de se diminuir as reprimendas por força das duas atenuantes aplicadas em favor dele, posto que agiu o d. Juiz dentro do seu âmbito de discricionariedade elegendo o redutor de 1/6. Igualmente andou bem Sua Excelência em acrescer a pena na 2ª fase em 1/6 diante da evidente agravante do art. 62, I, do estatuto repressivo, pois salta aos olhos que Abadia era o "cappo" da quadrilha e a comandava eficazmente.
Na 3ª fase, para o crime do art. 304, do CP, a pena foi aumentada em 1/3 pela configuração do crime continuado; para o crime do artigo 1º, incisos I e VII, da Lei 9613/98 a pena foi aumentada em 1/3 pelo advento da causa de aumento de pena prevista no §4º desse artigo; e para o crime do artigo 333, do CP, foi reconhecido, além da causa de aumento prevista no parágrafo único do mesmo artigo, também o concurso material entre as três condutas perpetradas.
No que diz respeito ao crime do art. 333, do CP, Juan Carlos alega que como o crime de corrupção ativa e de uso de documento falso foram praticados exatamente pelos mesmos motivos, e que como para o crime de uso foi concedido a continuidade delitiva, tal entendimento deve ser também estendido para o crime de corrupção, devendo ser afastado o concurso material.
Sem razão o apelante.
O concurso material para o crime de corrupção ativa configurou-se nos termos das datas dos carimbos apostos nos passaportes de Juan Carlos, quais sejam, 02/02/2007, 23/04/2007 e 18/07/2007, três vezes, portanto.
Cada conduta é independente da outra e foram concretizadas num considerável espaço de tempo, a cada expiração do prazo para permanência legal de Juan Carlos no Brasil, não havendo que se falar em continuidade delitiva.
Dessa forma, para o crime do art. 333, do CP, na terceira fase da pena, após a aplicação da indiscutível causa de aumento da pena prevista no parágrafo único (05 anos, 02 meses, 06 dias de reclusão e 104, dias multa), a pena deve ser somada três vezes, nos termos do artigo 69, do CP, resultando ao final em 15 anos, 06 meses, 18 dias e 312 dias-multa, conforme constou da sentença.
A pena de multa deve ser mantida nos moldes em que fixada para todos os crimes. Além de ostentar milionária situação econômica somente com o dinheiro internado no Brasil, não é verdade que o réu entregou todo o dinheiro que possuía, já que, em pretenso acordo de delação, demonstrou possuir ainda ocultos outros tantos milhões de dólares.
Por fim, incabível o pleito de reconhecimento da delação premiável com a conseqüente redução da reprimenda.
Foi correto o uso das informações prestadas por Juan Carlos Ramirez Abadia para efeito da atenuante da confissão.
Mas não possuem a densidade para alçá-las à condição de suficientes para "premiar" uma delação. Os elementos fornecidos por Abadia não foram imprescindíveis para o desbaratamento da quadrilha e demais atos investigatórios; é que a ação policial já existia desde o acidente de avião, as identidades dos quadrilheiros e do próprio Abadia já tinham sido levantadas e o grupo vinha sendo "monitorado" pela Polícia Federal.
Ademais, a "colaboração" de Abadia foi limitada, pois o narcotraficante recusou-se a fornecer maiores dados dos comparsas que o ajudavam em outros países, e, na verdade, ao tentar "negociar" maiores informações com a entrega de milhões de dólares, confirmou que de fato sonegava informações da Polícia e do Judiciário.
Vale ressaltar, ainda, como bem consignado pela Procuradoria Regional da República, que as revelações sobre dinheiro escondido no teto da casa de Jurerê Internacional e na residência de Aldeia da Serra/SP, bem como sobre a existência de passaportes com carimbos de "entrada e saída" da Venezuela e Paraguai, mostraram-se irrelevantes dentro do contexto dos fatos, pluralidade das condutas criminosas e grandiosidade dos valores espúrios envolvidos.
No caso, a intensa investigação policial foi responsável pelo desmantelamento da quadrilha, trabalho policial iniciado muito anteriormente à prisão dos réus.
Dessa maneira, mantenho as penas impostas a Juan Carlos Ramirez Abadia, nos exatos termos da sentença, que somadas equivalem 30 anos, 05 meses e 14 dias de reclusão e 758 dias-multa.
b) Yéssica Paola Rojas Morales:
- Art. 288, do CP: 1 ano e 6 meses de reclusão;
- Art. 304, c/c art. 297, na forma do art. 71, todos do CP: 4 anos de reclusão e 129 dias-multa;
- Art. 1º, caput e incisos I e VII, da Lei 9.613/98, c/c §4º, todos em concurso material: 6 anos de reclusão e 113 dias-multa;
- Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
- Total: 11 anos e 6 meses de reclusão e 242 dias-multa (3630 salários mínimos equivalentes a R$ 1.379.400,00 na época dos fatos);
- Regime inicial de cumprimento da pena fechado.
Nada foi oposto às fases iniciais da dosimetria, mas Yessica se rebela contra a majoração em 1/3 da pena aplicada nos termos do § 4º do art. 1º da Lei 9.613/98.
Alega a apelante que referida causa de aumento de pena é inconcebível, uma vez que não há no Brasil uma definição legal do que seja organização criminosa.
A assertiva é equivocada.
A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, a qual o Brasil aderiu e internalizou, com o Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004, no seu artigo 2º, alínea "a", adotou como conceito de grupo criminoso organizado o grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.
Assim, não se pode dizer que inexiste um conceito de organização criminosa entre nós.
No presente caso, não há como negar que o grupo criminoso do qual Yessica participava, comandado por Juan Carlos, era uma verdadeira organização criminosa, a qual empreendeu esforços, recursos financeiros, inteligências, habilidades de qualidade superior, em uma empreitada criminosa ousada e milionária. O grupo dispunha de uma clara hierarquia entre seus membros, com nítida separação de funções, abundante patrimônio e um bem definido esquema para branqueamento dos capitais auridos por Abadia com a atividade criminosa antecedente. Enfim, o grupo criminoso em questão reunia todas as qualificações necessárias para configuração de uma organização criminosa, constituindo-se também na configuração típica de quadrilha.
De qualquer modo o acréscimo se justifica, posto que a lavagem de capitais perdurou de 2004 até 2007, portanto, de modo "habitual", circunstância posta no § 4° do art. 1° da Lei 9.316/98 que igualmente impõe a exacerbação.
Por tais motivos a causa de aumento prevista no § 4º, do art. 1º, da Lei 9.613/1998, é de rigor e no percentual em que aplicada (1/3), restando a pena definitivamente fixada em 06 anos de reclusão e 113 dias-multa.
Por fim, no que diz respeito a 3ª fase da dosimetria da pena referente ao crime do art. 304, do CP, a pena foi corretamente aumentada em 1/3 pela configuração do crime continuado, já que a ré fez uso de modo sucessivo e continuo de seu passaporte falso, uma das vezes, inclusive, perante agentes públicos federais. Assim, para o crime do art. 304, c/c art. 297, na forma do art. 71, todos do CP, sua pena resta definitivamente fixada em 04 anos de reclusão e 129 dias-multa.
O valor do dia-multa, arbitrado em 15 salários-mínimos, também deve ser mantido, diante do elevado padrão de vida que mantinha e da existência de outros milhões de dólares ocultos à disposição do companheiro da apelante, com quem ela colaborava.
Por fim, e pelos mesmo fundamentos já considerados quando da análise de igual pleito formulado por Juan Carlos Ramirez Abadia, é incabível o pedido de reconhecimento da "delação premiável".
Ademais, esse particular pedido feito por Yessica é absurdo já que em nenhum momento ela colaborou com a Justiça, pois alegou a todo momento o desconhecimento dos fatos.
Dessa forma, mantenho as penas impostas na sentença a Yessica Paola Rojas Morales, que somadas equivalem a 11 anos e 06 meses de reclusão e 242 dias-multa.
Diante da pena imposta e da gravidade dos crimes cometidos, o regime inicial de cumprimento da pena deve ser o fechado, sendo impossível a substituição da pena privativa de liberdade pelas restritivas de direito, nos termos do art. 44, incisos I e III, do CP.
c) André Luiz Telles Barcellos:
- Art. 288, do CP: 1 ano e 6 meses de reclusão;
- Art. 297, na forma do art. 71, ambos do CP: 4 anos de reclusão e 129 dias-multa;
- Art. 333 e parágrafo único, na forma do art. 69, ambos do CP (por 3 vezes): 12 anos de reclusão e 180 dias-multa;
- Art. 1º, caput e incisos I e VII, da Lei 9.613/98, c/c §4º, todos em concurso material: 6 anos de reclusão e 113 dias-multa;
- Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos - levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
- Total: 23 anos e 6 meses de reclusão e 422 dias-multa (6330 salários mínimos equivalentes a R$ 2.405.400,00 na época dos fatos);
- Regime inicial de cumprimento da pena: regime fechado.
André era "braço direito" e ostentava confiabilidade diferenciada de Juan Carlos, já que era o piloto do grupo e alegou ter salvado a vida de alguns de seus membros em um acidente aéreo. Sua má conduta social é também exacerbada por não ter hesitado em envolver seu filho e sua esposa na empreitada criminosa, e, como os demais, fazia da criminalidade seu meio de vida.
Enfim, nos termos das considerações já expostas anteriormente, André apresentou conduta repulsiva, pautada por motivos desprezíveis e consequências desastrosas para o país, devendo a pena base de todos os crimes em que foi condenado, com exceção do art. 297, do CP, ser mantida nos termos da sentença, ou seja, aumentada da metade como foi bem feito na sentença.
No que diz respeito ao fato tipificado no art. 297, do CP, pelo qual André foi condenado, conforme já fundamentado quando da análise de sua conduta, deve ser desclassificado para o tipo penal do art. 299, do CP.
Assim, seguindo a mesma metodologia do cálculo acolhida na sentença, fixo a pena base desse crime em 01 ano 06 meses e 50 dias multa.
De outro lado, a meu ver, não há como deixar de reconhecer que André confessou a prática de seus crimes, sendo de rigor a aplicação da atenuante da confissão prevista no artigo 65, III, "d", do CP, o que faço de ofício.
Assim, na 2ª fase, pelo reconhecimento da confissão, reduzo as penas bases de todos os crimes em que André foi condenado em 1/6, restando as penas provisoriamente fixadas em:
a) para o crime de quadrilha: 01 ano e 03 meses;
b) para o crime de falsidade ideológica: 01 ano, 03 meses e 41 dias-multa;
c) para o crime de corrupção ativa: 02 anos, 06 meses e 37 dias-multa;
d) para o crime de lavagem de valores: 03 anos, 09 meses e 70 dias-multa.
Na 3ª fase nada há que ser considerado para o crime de quadrilha que restou definitivamente fixado em 01 ano e 03 meses de reclusão.
Para o crime de lavagem de dinheiro, a pena acertadamente foi majorada em 1/3, nos termos do §4º do art. 1º da Lei 9.613/98, o que mantenho conforme fundamentação já apresentada para a situação da corré Yéssica, restando a pena fixada em 05 anos e 93 dias-multa.
Com relação ao crime do art. 299, do CP, mantenho o aumento da pena em 1/3 pelo advento do crime continuado já que por várias vezes André concorreu para que Juan Carlos permanecesse incólume no Brasil, mediante falsificação de seu passaporte, restando a pena para este crime definitivamente fixada em 01 ano, 08 meses e 54 dias-multa.
Por fim, com relação ao crime do art. 333, a pena acertadamente foi aumentada em 1/3 pela configuração da causa de aumento de pena prevista no parágrafo único desse artigo, e, posteriormente, pelo concurso material, conforme já fundamentado na análise da pena desse crime para o corréu Juan Carlos.
Dessa forma, para esse crime, na 3ª fase, após a aplicação da causa de aumento prevista na parte especial (03 anos, 04 meses e 49 dias-multa), a pena deve ser somada 3 vezes, já que 3 foram os eventos, restando definitivamente fixada para esse crime em 10 anos e 147 dias-multa.
O valor do dia-multa, arbitrado em 15 salários-mínimos, deve ser mantido nos termos em já fundamentado para os demais réus.
Finalmente, analiso o pedido de reconhecimento da "delação premiável".
Recordando-se das declarações de André feitas na investigação e no processo, embora tenha reconhecido a incidência de confissão, tenho-as como incabíveis para justificar o benefício perseguido, pois André limitou-se a fornecer nomes dos integrantes da quadrilha que já vinham sendo monitorados pela Polícia Federal, que trabalhou sem cessar no desbaratamento do grupo criminoso. Entendo que, muito mais do que as declarações prestadas por André depois de descoberto como quadrilheiro, foi a eficácia da ação policial que o mantinha sob vigilância é que favoreceu a identificação de outras pessoas que integravam a quadrilha, cujas atuações restaram sobejamente definidas no decorrer do transcurso da instrução processual.
Vale dizer que as alegas extorsões mediante seqüestro sofridas e praticas pelos policiais da GAECO dizem respeito a processo diverso, além do que a própria Corregedoria da Polícia Civil concluiu que os relatos prestados por André não foram satisfatórios para o perfeito esclarecimento dos fatos (fls. 167 - Apenso 2008.61.81.001533-0).
Dessa forma, as penas impostas a André Luiz Telles Barcellos somadas equivalem a 17 anos e 11 meses de reclusão e 294 dias-multa.
Diante da pena imposta e da gravidade dos crimes cometidos, o regime inicial de cumprimento da pena corretamente foi o regime fechado, sendo impossível a substituição da pena privativa de liberdade pelas restritivas de direito, nos termos do art. 44, incisos I e III, do CP.
d) Vitor Garcia Verano (Peter) e Aline Nunes Prado:
- Art. 288, do CP: 1 ano e 6 meses de reclusão;
- Art. 1º, caput e incisos I e VII, da Lei 9.613/98, c/c § 4º, todos em concurso material: 6 anos de reclusão e 113 dias-multa;
- Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos - levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
- Total: 7 anos e 6 meses de reclusão e 113 dias-multa (1695 salários mínimos equivalentes a R$ 644.100,00 na época dos fatos);
- Regime inicial de cumprimento da pena semi-aberto.
Da mesma forma que para os demais réus, como já me manifestei anteriormente, nada há que alterar na 1ª fase da dosimetria da pena, restando aqui expressamente mantido o juízo formulado a respeito pelo MM. Juiz Federal a quo. Foi justo e deve ser prestigiado o acréscimo nas penas base diante da acendrada elevada reprovabilidade das ações dos apelantes.
Na 2ª fase, não foram reconhecidas quaisquer atenuantes ou agravantes.
Na 3ª fase, nada há que ser considerado para o crime de quadrilha que restou definitivamente fixado em 01 ano e 06 meses de reclusão.
Para o crime de lavagem de dinheiro, nos termos da mesma fundamentação consignada quando da análise da dosimetria da pena para a corré Yéssica, mantenho a majoração em 1/3, nos termos do §4º do artigo 1º da Lei 9.613/98, restando definitivamente fixada em 06 anos de reclusão e 113 dias-multa.
O valor do dia-multa, arbitrado em 15 salários-mínimos, nos termos dos fundamentos anteriores, deve ser mantido.
Dessa forma, mantenho as penas impostas na r. sentença a Vitor Garcia Verano e Aline Nunes Prado, que somadas equivalem a 7 anos e 06 meses de reclusão e 113 dias-multa.
Diante da pena imposta e da gravidade dos crimes cometidos, nem de longe seria possível estipular o regime aberto para cumprimento de pena, tampouco a substituição da pena privativa de liberdade pelas restritivas de direito, nos termos do art. 44, incisos I e III, do CP. Deve ser mantido o benevolente regime determinado na sentença pelo Juízo a quo.
e) Jaime Hernando Martinez Verano:
- Art. 288, do CP: 1 ano e 6 meses de reclusão;
- Art. 1º, caput e incisos I e VII, da Lei 9.613/98, c/c § 4º, todos em concurso material: 6 anos de reclusão e 113 dias-multa;
- Valor do dia-multa: 1 salário-mínimo levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
- Total: 7 anos e 6 meses de reclusão e 113 dias-multa (113 salários mínimos equivalentes a R$ 42.940,00 na época dos fatos);
- Regime inicial de cumprimento da pena semi-aberto.
Jaime era pessoa de extrema confiança de Juan Carlos, já que era o responsável pela guarda e transporte de vultosa quantia em dinheiro. Veio com sua família do estrangeiro apenas para auxiliar Juan Carlos em seus feitos criminosos, além de ser o responsável por aliciar Eliseo na empreitada criminosa. Isso somada às demais circunstâncias já mencionadas para os anteriores réus, reconheço culpabilidade exacerbada, devendo as penas base permanecerem aumentadas da metade, nos justos termos da sentença.
Na 2ª fase não há quaisquer atenuantes ou agravantes para serem reconhecidas.
Na 3ª fase, diante da ausência de causas de aumento ou diminuição para o crime de quadrilha, a reprimenda restou definitivamente fixada em 1 ano e 6 meses de reclusão.
Para o crime de lavagem de ativos, nos mesmos termos da fundamentação consignada quando da análise da dosimetria da pena para a corré Yessica, mantenho a majoração em 1/3, nos termos do § 4º do art. 1º da Lei 9.613/98, restando a pena para esse crime definitivamente fixada em 06 anos de reclusão e 113 dias-multa.
O valor do dia-multa, arbitrado em 01 salário-mínimo deve ser mantido, diante da vultosa quantia envolvida e ausência de maiores informações sobre a capacidade econômica.
A pena total de Jaime Hernando Martinez Verano resta determinada em 7 anos e 06 meses de reclusão a serem cumpridos inicialmente em regime semi-aberto e 113 dias-multa.
Diante da pena imposta e da gravidade dos crimes cometidos, impossível estipular regime de pena menos gravoso, tampouco substituir a pena privativa de liberdade pelas restritivas de direito, nos termos do art. 44, incisos I e III, do CP. Deve ser mantido o regime determinado na sentença pelo Juízo a quo.
f) Daniel Brás Maróstica e Ana Maria Stein:
- Art. 288, do CP: 1 ano e 3 meses de reclusão;
- Art. 1º, caput e incisos I e VII, da Lei 9.613/98, c/c §4º, todos em concurso material: 5 anos de reclusão e 94 dias-multa;
- Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
- Total: 6 anos e 3 meses de reclusão e 94 dias-multa (1.410 salários mínimos equivalentes a R$ 535.800,00 na época dos fatos);
- Regime inicial de cumprimento da pena semi-aberto.
Ainda aqui, assim como ocorreu com outros corréus, a justificativa para majoração das penas base em metade foi correta, consoante a motivação expedida e a que já me referi, tudo à luz da ampla e profunda participação desses acusados nas tarefas da quadrilha e na lavagem dos ativos de Abadia.
Na 2ª fase, o Juízo a quo reconheceu a atenuante prevista no art. 65, III, "b", do CP ("ter o agente procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências") e reduziu as penas em 1/6. Nada há que se considerar a respeito.
Com referência ao pleito de "delação premiável" formulado pela operosa defesa desses acusados, tenho que não é o caso de concessão de qualquer favor já que os depoimentos de Daniel e Ana Maria não tiveram densidade suficiente para justificar "prêmio". Daniel procurou se esquivar de qualquer responsabilidade penal, nada colaborou com as investigações e com o processo criminal, tampouco seus depoimentos serviram para identificar demais co-autores ou quadrilheiros, os quais, inclusive, já estavam devidamente identificados.
Com relação a Ana Maria Stein as declarações foram complementações das exaustivas provas já colhidas na investigação policial.
Enfim, investigações criminais que apuraram as alegadas extorsões mediante seqüestro perpetradas por Policiais Civis do DENARC não se inserem no espaço legal de aproveitamento para fins de "delação premiável", mesmo porque in casu Ana Maria e Daniel figuram, em tese, como vítimas.
Apesar disso, considero possível o reconhecimento da atenuante da confissão apenas em favor de Ana Maria Stein diante do teor das suas declarações onde a mesma aceitou a autoria, embora insistisse em dizer que não tinha Tonho como criminoso narcotraficante.
Posto isso, pela configuração da atenuante da confissão apenas para Ana Maria, na 2ª fase, somada a atenuante já concedida pelo Juízo a quo, reduzo a pena da ré em ¼, fixando-a em 03 anos, 04 meses, 15 dias e 63 dias-multa para o crime de lavagem de dinheiro, e em 01 ano, 01 mês e 15 dias para o crime de quadrilha.
Ausentes causas de aumento ou diminuição para o crime de quadrilha, a pena desse crime resta definitivamente fixada em 01 ano e 03 meses de reclusão para Daniel Brás Maróstica e 01 ano, 01 mês e 15 dias de reclusão para Ana Maria Stein.
Para o crime de lavagem de capitais, nos termos da fundamentação consignada quando da análise da dosimetria da pena para a corré Yessica e outros acusados, a pena deve permanecer majorada em 1/3, nos termos do § 4º do art. 1º da Lei 9613/98, restando definitivamente fixada em 05 anos de reclusão e 94 dias-multa para Daniel Brás Maróstica e em 04 anos, 06 meses e 84 dias-multa para Ana Maria Stein.
O valor do dia-multa, arbitrado em 15 salários-mínimos, nos termos dos fundamentos anteriores, deve ser mantido.
Dessa forma, mantenho as penas impostas na r. sentença para Daniel Braz Maróstica, que, somadas equivalem a 06 anos e 03 meses de reclusão e 94 dias-multa, e reduzo as penas de Ana Maria Stein que, somadas, alcançam 05 anos, 07 meses e 15 dias de reclusão e 84 dias-multa.
Diante da pena imposta o regime semi-aberto para início de cumprimento de pena deve ser mantido, sendo impossível a substituição nos termos do art. 44, incisos I e III, do CP.
g) Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol:
- Art. 299, na forma do art. 71, ambos do CP: 01 ano e 02 meses de reclusão e 11 dias-multa;
- Art. 333 e parágrafo único do CP em concurso material (por 3 vezes): 08 anos de reclusão e 39 dias multa;
- Valor do dia-multa: 01 salário-mínimo - levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
- Total: 09 anos e 02 meses de reclusão e 50 dias-multa (50 salários mínimos equivalentes a R$ 19.000,00 na época dos fatos);
- Regime inicial de cumprimento da pena semi-aberto.
As penas bases dos dois crimes foram fixadas no mínimo legal.
Na 2ª fase não há agravantes ou atenuantes a considerar.
Na 3ª fase o crime do art. 299, do CP, foi indiscutivelmente acrescido de 1/6 pelo advento da continuidade delitiva, restando a pena definitivamente fixada em 01 ano e 02 meses de reclusão e 11 dias-multa.
Na 3ª fase do crime do art. 333, do CP, houve um acréscimo de 1/3 pela configuração da causa de aumento de pena prevista em seu parágrafo único, restando a pena estipulada em 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa.
Ângelo protesta, sem razão, pela inaplicabilidade do parágrafo único desse art. 333 insistindo em que Adilson já não era mais funcionário público quando dos fatos ocorridos nos dias 24/04/2007 e 18/07/2007.
No entanto, conforme já fundamentado quando da análise do cometimento desse crime, é indiscutível que Adilson, em todas as oportunidades (02/02/2007, 23/04/2007 e 18/07/2007), agiu na qualidade de servidor público atuante no setor de imigração.
Os carimbos apostos nos passaportes de fato permitiram que Juan Carlos permanecesse no Brasil clandestinamente, sendo de rigor a causa de aumento de pena prevista no parágrafo único do art. 333, do CP.
Ademais, ressalto que não restou comprovada com suficiência a data em que Adilson se aposentou, de modo que é de ser tido como funcionário público (agente de Polícia Federal) nas datas em que se dispôs a aceitar o suborno para atestar in falsum a "entrada e saída" de Abadia nos passaportes.
Ainda nesta fase, mantenho o reconhecimento do cúmulo material ocorrido em decorrência dos três eventos praticados, nos termos dos fundamentos expostos quando da análise da pena desse crime para Juan Carlos e André, devendo a pena ser triplicada, restando ao final estipulada em 08 anos e 39 dias-multa.
O valor do dia-multa, arbitrado em 01 salário-mínimo, deve ser mantido nos termos dos fundamentos anteriores.
Dessa forma, mantenho as penas impostas na sentença em desfavor de Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol que, somadas equivalem a 09 anos e 02 meses de reclusão e 50 dias-multa.
Diante da pena imposta e da gravidade dos crimes cometidos, o regime semi-aberto para início de cumprimento de pena deve ser mantido, sendo impossível a substituição da pena privativa de liberdade pelas restritivas de direito, nos termos do art. 44, incisos I e III, do CP.
Por fim, foi declarada a perda do cargo público de Ângelo, nos termos do art. 92, I, "a", do CP, o que é correto.
A perda do cargo é efeito extrapenal da condenação, devendo ser decretada em virtude de condenação a pena superior a 1 (um) ano de reclusão, por crime praticado com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública (CP, art. 92, I, "a"), ou então, quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 04 anos (CP, art. 92, I, b).
Como se sabe, a aplicação da dita pena acessória não é automática, não decorre unicamente da prática do delito, mas de circunstâncias particulares que a justifiquem; nesse âmbito agiu bem o MM. Juiz Federal a quo porquanto o efeito extrapenal se justifica.
Acolho aqui as ponderações do douto parecer da Procuradoria Regional da República: "Ângelo Cassol integrava, na época, a ANAC, e ocupava cargo de chefe da seção de aviação civil, tendo como endereço comercial o aeroporto de Foz do Iguaçu/PR (local onde recebeu André Luiz Telles Barcellos). Adilson, na qualidade de agente da Polícia Federal, exercia suas funções também no aeroporto de Foz do Iguaçu/PR, no setor de imigração" (fl. 5.877).
Assim, ambos eram servidores públicos e obviamente cometeram crimes ofendendo o dever para com a Administração Pública, posto que dos funcionários públicos a Constituição Federal exige obediência estrita a legalidade e a moralidade (art. 37, caput), sendo que a Lei 8.112/90, em seu art. 116, afirma ser dever dos servidores públicos "exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo", coisa que nenhum dos dois fez ao favorecerem o narcotraficante Abadia, atendendo aos pleitos ilícitos de André.
Nada mais é preciso dizer para que se constate a perfeita adequação do art. 92, I, "a", do CP na situação criminosa em que se envolveram os corréus Ângelo e Adilson.
h) Adilson Soares da Silva:
- Art. 299, na forma do art. 71, ambos do CP: 01 ano e 04 meses e 10 dias de reclusão e 12 dias-multa;
- Art. 317, §1º, do CP em concurso material (por 3 vezes): 08 anos de reclusão e 39 dias multa;
- Valor do dia-multa: 1 salário-mínimo - levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 - data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
- Total: 09 anos e 04 meses e 10 dias de reclusão e 51 dias-multa (51 salários mínimos equivalentes a R$ 19.380,00 na época dos fatos);
- Regime inicial de cumprimento da pena: regime semi-aberto.
As penas bases dos dois crimes foram fixadas no mínimo legal.
Na 2ª fase não há agravantes ou atenuantes a considerar.
Na 3ª fase o crime do art. 299, do CP, foi acrescido de 1/6 pelo advento da causa de aumento prevista no parágrafo único desse artigo (se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ..., aumenta-se a pena de sexta parte), e, posteriormente, em mais 1/6 pela continuidade delitiva, restando a pena definitivamente fixada em 01 ano, 04 meses e 10 dias de reclusão e 12 dias-multa.
Na 3ª fase da dosimetria para o crime do art. 317, do CP, houve um acréscimo de 1/3 pela configuração da causa de aumento de pena prevista em seu § 1º (A pena é aumentada de 1/3 (um terço), se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional), restando a pena então estipulada em 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa.
Ainda nesta fase, diante do reconhecimento do concurso material ocorrido em decorrência dos três eventos praticados, a pena foi triplicada, restando ao final estipulada em 08 anos e 39 dias-multa.
Nos mesmos termos dos fundamentos expostos quando da análise da pena dos corréus Juan Carlos, André e Ângelo, nada há que se alterar.
Com relação a perda do cargo, não há que se falar que a função pública de Adilson era coisa do passado. Conforme já consignado neste voto, nos 03 eventos em que Adilson se deixou corromper, sua conduta ilícita deu-se em função da qualidade de agente da Polícia Federal do setor de imigração, não sendo certo, nos autos, se o mesmo se aposentou ou não naquele tempo. Ainda, da mesma forma como exposto anteriormente na análise da dosimetria da pena de Ângelo, deve ser mantida a perda do cargo público que ostentava, nos termos do artigo 92, I, letra "a", do CP.
O valor do dia-multa, arbitrado em 01 salário-mínimo, deve ser mantido nos termos dos fundamentos anteriores.
Dessa forma, mantenho as penas impostas na sentença para Adilson Soares da Silva, que, somadas equivalem a 09 anos, 04 meses e 10 dias de reclusão e 51 dias-multa.
Diante da pena imposta e da gravidade dos crimes cometidos, o regime semi-aberto para início de cumprimento de pena deve ser mantido, sendo impossível a substituição por reprimendas restritivas de direito, nos termos do art. 44, incisos I e III, do CP.
i) Eliseo Almeida Machado:
- Art. 1º, caput e incisos I e VII, da Lei 9.613/98: 3 anos de reclusão e 10 dias-multa;
- Valor do dia-multa: 1 salário-mínimo - levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 - data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
- Total: 3 anos de reclusão e 10 dias-multa (10 salários mínimos equivalentes a R$ 3.800,00 na época dos fatos);
- Pena privativa de liberdade substituída por restritivas de direito.
- Regime inicial de cumprimento da pena aberto.
Para esse réu a pena base foi fixada no mínimo legal. Ausentes agravantes, atenuantes, causas de aumento ou diminuição, sua pena foi definitivamente fixada em 3 anos de reclusão a ser cumprida no regime aberto, e 10 dias-multa, no valor unitário de 01 salário mínimo, que deve ser mantido nos termos dos fundamentos anteriores.
j) Antonio Marcos Ayres Fonseca:
- Art. 1º, caput e incisos I e VII, da Lei 9.613/98, c/c §4º: 4 anos de reclusão e 13 dias-multa;
- Valor do dia-multa: 1 salário-mínimo - levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2007 data da prisão dos acusados (R$ 380,00);
- Total: 4 anos de reclusão e 13 dias-multa (13 salários mínimos equivalentes a R$ 4.940,00 na época dos fatos);
- Pena privativa de liberdade substituída por restritivas de direito.
- Regime inicial de cumprimento da pena aberto.
Para Antonio Marcos a pena base também foi fixada no mínimo legal. Não foram consideradas agravantes ou atenuantes. Na terceira fase, diante da indiscutível causa de aumento de pena prevista no §4º do artigo 1º da Lei 9.613/98, a pena foi aumentada em 1/3, restando definitivamente fixada em 04 anos de reclusão, a ser cumprida no regime aberto, e 13 dias multa, no valor unitário de 01 salário mínimo que deve ser mantido nos termos dos fundamentos anteriores.
Enfim, deve ser mantido o perdimento de bens na forma como decretado na r. sentença condenatória, inclusive daqueles que Daniel Brás Maróstica e Ana Maria Stein pretendiam recuperar por meio de apelação.
Não se pode esquecer que no âmbito da tipificação brasileira dos crimes de lavagem de ativos a lex specialis consagra o princípio da inversão do ônus da prova em face dos bens apreendidos na condição de objetos materiais do branqueamento; é o que expressamente consta do art. 4º da Lei 9.316/96.
Na verdade essa regra advém do art. 5º, nº 7, da Convenção de Viena e acha-se de acordo com a norma constitucional do devido processo legal até porque o art. 156 do CPP atribui ao réu o encargo de provar o quanto alega.
Tratando-se de profunda investigação e processamento de crimes de lavagem de ativos, onde múltiplos bens foram apreendidos como produtos do branqueamento, há presunção relativa de que os mesmos foram obtidos com as receitas do delito antecedente - no caso, narcotraficância internacional - e por isso cabe a defesa desmontar a presunção com as provas suficientes, o que não ocorreu.
Noutro dizer: cabia aos interessados demonstrar que os bens constritos, apreendidos por força da investigação sobre lavagem de ativos do narcotráfico transnacional desempenhado por Abadia, que internou no Brasil quase U$ 9.000.000,00 e desejava "lavá-los", foram adquiridos de modo lícito.
Isso não ocorreu.
Deve persistir o perdimento.
Diante do exposto, rejeito o pedido de André Luiz Telles Barcellos para aguardar solto o julgamento do processo, rejeito toda a matéria deduzida como "preliminares", no mérito dou parcial provimento ao recurso de André Luiz Telles Barcellos para desclassificar o crime do artigo 297, do CP, para o crime previsto no artigo 299, do CP, readequando a pena imposta, nego provimento a todas as demais apelações, e de ofício reconheço a atenuante prevista no artigo 65, III, "d", do CP, em favor de Ana Maria Stein e André Luiz Telles Barcellos reajustando-lhes as penas.
Comunique-se o resultado deste julgamento aos Juízos para onde foram encaminhadas guias de execuções provisórias.
Após o trânsito em julgado, expeçam-se mandados de prisão contra Ângelo Reinaldo Fernandes Cassol e Adilson Soares da Silva.
É o voto.
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