Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 10/07/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000631-24.2001.4.03.6002/MS
2001.60.02.000631-0/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : JOSE FERREIRA FILHO
ADVOGADO : SILVANO LUIZ RECH e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00006312420014036002 1 Vr DOURADOS/MS

EMENTA

DIREITO PENAL . APELAÇÃO CRIMINAL. ARMA DE FOGO. USO RESTRITO. POLICIAL MILITAR. ART. 10, "CAPUT", §§ 2º E 4º DA LEI 9.437/97. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADOS. VALIDADE DOS DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS PRESTADOS POR POLICIAIS FEDERAIS. VIOLAÇÃO AO BEM JURÍDICO. CRIME DE MERA CONDUTA OU DE PERIGO ABSTRATO. NÃO CARACTERIZADAS AS EXCLUDENTES DE OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA E ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. BIS IN IDEM NÃO VERIFICADO. INCOMUNICABILIDADE DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E PENAL. PERDA DO CARGO PÚBLICO. PRESCRIÇÃO APENAS QUANTO AO CRIME DE DESOBEDIÊNCIA.
I. Os fatos datam de 08/04/2001, a denúncia foi recebida em 20/08/2004 e a sentença foi publicada em 15/10/2009. Declara-se extinta a punibilidade pela prescrição somente em relação ao crime de desobediência, cuja pena-base foi fixada em 02 (dois) meses, com fundamento no artigo 107, IV, c. c. o artigo 109, VI, e 110, todos do Código Penal, pelo decurso do lapso prescricional. Já no que concerne ao porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, que teve como pena-base em 03 (três) anos, não se verificou o transcurso do lapso prescricional de 08 (oito) anos, a teor do inciso IV do artigo 109 do Código Penal.
II. A materialidade do delito está comprovada através de Auto de Apresentação e Apreensão, que revela terem sido encontrados com o acusado 1 (uma) pistola semi-automática, calibre 9mm, Parabellum, marca Beretta, de fabricação italiana, 01 (um) carregador e 13 (treze) projéteis calibre 9 mm, de uso restrito, o que foi confirmado pelo Exame em Arma de Fogo e Munição que atestou sua potencialidade lesiva.
III. A autoria foi demonstrada através da prisão em flagrante, interrogatório e confissão do réu e depoimentos testemunhais.
IV. Válido o testemunho prestado por policiais federais que procederam à abordagem, eis que reiterado em Juízo, com observância do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Não se demonstrou, ademais, qualquer vício nos relatos das testemunhas, tampouco interesse em prejudicar o réu, sendo corroborados perante os demais elementos probatórios constantes dos autos.
V. Inaplicáveis as excludentes do artigo 22 (obediência hierárquica) e 23 (estrito cumprimento do dever legal), pois demonstrado que o porte da arma colhida não foi autorizado pela companhia militar.
VI. Presente a violação ao bem jurídico tutelado, já que a potencialidade lesiva da arma constitui ameaça tanto à a paz social quanto à incolumidade física individual, por se tratar de crime de mera conduta ou de perigo abstrato, o qual não exige a ocorrência de nenhum resultado naturalístico, consumando-se com a mera subsunção da conduta delitiva ao tipo penal o que, por si só, já vulnera o bem jurídico tutelado.
VII. Não se verifica o alegado bis in idem por ser o porte de arma de uso restrito previsto como infração na legislação própria, que regulamenta a atividade dos policiais militares do Estado do Mato Grosso do Sul, pois esta se trata de norma interna corporis, atinente ao processo administrativo a que se sujeitam os policiais militares do estado, sendo independentes as esferas criminal e administrativa.
VIII. Aplicada a perda do cargo público como efeito da condenação, sendo irrelevante fundar-se a sentença no artigo 92, I "b" do Código Penal, enquanto que a acusação baseou o pedido com base na alínea "a", não estando o julgador adstrito à capitulação legal formulada pela acusação.
IX. Apelação parcialmente provida apenas para se declarar extinta a punibilidade quanto ao crime de desobediência em decorrência de prescrição da pretensão punitiva.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação para declarar extinta a punibilidade do réu quanto ao crime de desobediência em razão da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 26 de junho de 2012.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000631-24.2001.4.03.6002/MS
2001.60.02.000631-0/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : JOSE FERREIRA FILHO
ADVOGADO : SILVANO LUIZ RECH e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00006312420014036002 1 Vr DOURADOS/MS

RELATÓRIO

O Exmo. Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação criminal interposta por JOSÉ FERREIRA FILHO contra sentença que o condenou pela prática dos crimes descritos no artigo 10, "caput" e §§ 2º e 4º da Lei nº 9.437/97 c.c. o artigo 16, III do Regulamento 105, em concurso material com o crime previsto no artigo 330 do Código Penal.

Consta na denúncia que no dia 08 de abril de 2001, por volta das 15:30 horas, em uma barreira de fiscalização próxima a Caarapó-MS, uma equipe de Policiais Federais abordou o veículo GM/Pick Up Corsa, cor preta, placas MRI-2740, ocupado por JOSÉ FERREIRA FILHO (motorista) e José Alamir Rocha, tendo o denunciado desobedecido à ordem legal de funcionário público, agente da Polícia Federal, para que entregasse sua Pistola calibre 9mm.

Relata a exordial que o réu possuía, portava, detinha, trazia consigo e transportava 01 (uma) pistola semi-automática, calibre 9mm, Parabellum, marca Pietro Beretta, de fabricação italiana, de uso restrito, e 01 (um) carregador e 13 (treze) projéteis calibre 9 mm.

A inicial salienta que JOSÉ FERREIRA FILHO transportava em proveito próprio, para uso e segurança, referida pistola, que sabia ser produto de crime, pois sua entrada em território nacional ocorreu com ilusão de tributo sem autorização da Receita Federal e do Ministério do Exército.

Por fim, o réu também é denunciado por ter desobedecido a ordem legal de funcionário público, agente federal, para que entregasse a arma.

A denúncia foi recebida em 20 de agosto de 2004 (fl.69).

Regulamente processado o feito, sobreveio sentença (fls.330/338) que julgou parcialmente procedente a ação penal para:

1. absolver o acusado, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, do crime do artigo 180, caput do Código Penal;

2. condená-lo a 04 (quatro) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime semi-aberto, e 20 (vinte) dias-multa no mínimo legal pela prática do crime previsto no artigo 10, "caput", e §§ 2º e 4º da Lei nº 9.437/97 c.c. o artigo 16, III do Regulamento 105, e a 02 (dois) meses de detenção, em regime aberto, e 15 (quinze) dias-multa, no valor mínimo, pelo crime de desobediência, em concurso material.

Inconformado, apela o acusado (fls.370/381) postulando:

a) preliminarmente, o reconhecimento da prescrição,

b) no mérito, a absolvição diante da atipicidade da conduta, por ausência de lesividade à segurança pública, bem jurídico tutelado;

c) atipicidade dos fatos tidos como crime de desobediência;

d) absolvição pela inexistêndia de prova da meterialidade;

d) ausência de culpabilidade diante das excludente de ilicitude de estrito cumprimento do dever legal e obediência hierárquica

e) absolvição por insuficiência probatória, sendo carecedores de credibilidade os depoimentos dos policiais federais;

f) inaplicabilidade do artigo 92, I, "b" do Código Penal, por possuir o réu regulamento próprio na condição de policial militar e não constar do reqerimento da acusação;

g) inaplicabilidade do artigo 92, I, "b" do Código Penal e do aumento de pena previsto no artigo 10, §4º da lei 9437/97, consistindo em bis in idem;

h) aplicação dos artigos 77 e 44 do Código Penal e regime aberto.

Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls.383/387) em prol de ser mantida a sentença condenatória, exceto quanto à prescrição do crime de desobediência, que deve ser reconhecida.

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República, em seu parecer (fls.389/395) opinou pelo parcial provimento do apelo defensivo para que se reconheça a prescrição do delito de desobediência.

É o relatório.

À revisão.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000631-24.2001.4.03.6002/MS
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RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : JOSE FERREIRA FILHO
ADVOGADO : SILVANO LUIZ RECH e outro
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VOTO

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

1. Da prescrição.

O réu foi condenado à pena-base de 03 (três) anos de reclusão pela prática do crime previsto no artigo 10, "caput" e §§ 2º e 4º da Lei n. 9.437/97, e 02 (dois) meses de detenção pela prática do delito do artigo 330 do Código Penal.

Houve o trânsito em julgado para a acusação (fl.339-verso).

Os fatos datam de 08/04/2001.

A denúncia foi recebida em 20/08/2004.

A sentença foi publicada em cartório em 15/10/2009.

Em relação ao crime de desobediência, acolho manifestação do Ministério Público Federal, tanto em contrarrazões quanto em parecer, e declaro extinta a punibilidade pela prescrição, com fundamento no artigo 107, IV, c. c. o artigo 109, VI, e 110, todos do Código Penal, pelo decurso do lapso prescricional.

No que concerne ao porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, a pena-base a ser considerada para fins de prescrição é aquela fixada na sentença, em 03 (três) anos, cujo prazo prescricional é de 08 (oito) anos, a teor do inciso IV do artigo 109 do Código Penal.

Entre a data dos fatos e a do recebimento da denúncia, bem como entre o recebimento da denúncia e a sentença condenatória, ou entre esta última e o presente aresto não se vislumbra o decurso da pretensão punitiva do Estado.

De tal forma, acolho a preliminar arguida para declarar extinta a punibilidade do réu pela ocorrência da prescrição apenas em relação ao crime de desobediência.

2. Da materialidade.

Foi amplamente comprovada a materialidade do delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no artigo 10, §§ 2º e 4º da Lei n. 9.437/97, conforme decorre do Auto de Apresentação e Apreensão, que revela terem sido encontrados com o acusado 01 (uma) pistola semi-automática, calibre 9mm, Parabellum, marca Beretta, de fabricação italiana, 01 (um) carregador e 13 (treze) projéteis calibre 9 mm, de uso restrito (fl. 16), o que foi confirmado pelo Exame em Arma de Fogo e Munição (fls. 42/44), que atestou sua potencialidade lesiva.

Insta salientar que o artigo 16, I e III, do Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105), aprovado pelo Decreto n. 2.998/99, classifica alguns dos projéteis e a arma encontrados com o acusado como "de uso restrito".

Assim, restou amplamente demonstrada a materialidade delitiva.

3. Da autoria.

Encontra-se satisfatoriamente comprovada a autoria da conduta criminosa.

O acusado foi preso em flagrante delito, oportunidade em que confessou o porte ilegal da arma de fogo, assim explanando (fl.11).:

"(...) a pistola que portava no momento de sua prisão não está registrada e não pertence ao acervo da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul; que a pistola apreendida ganhou de presente de um fazendeiro da região de Maracaju, chamado Mário Márcio, na época em que ainda integrava o Departamento de Operações de Fronteira - DOF;"

Em suas declarações em Juízo o réu reiterou as assertivas apresentadas na denúncia, relatando que realmente portava a pistola descrita, que havia ganho de um fazendeiro (fl.150/151).

Restou comprovada a autoria do acusado, pois admitiu que portava a arma descrita, de uso restrito, sem autorização, o que foi corroborado pelas declarações das testemunhas de acusação.

A testemunha de acusação Paulo César Martins, agente da Polícia Federal que conduziu o flagrante, declarou em Juízo que (fls. 202):

"(...) Como seguia viagem em companhia do acusado a pessoa de José Alamir Rocha, que já havia se envolvido em ocorrências criminais, como tráfico ou mesmo uso de documento falsos, a Polícia entendeu por bem fiscalizar o veículo. Nada foi encontrado. Entretanto, como o acusado portava uma pistola calibre 9 milímetros, a Polícia Federal solicitou a ele que entregasse a arma".

Corrobora seus dizeres a outra testemunha ouvida na fase inquisitorial, que também participou da abordagem (fl.09).

Insurge-se a defesa contra tais depoimentos, imputando-lhes falta de valor probatório, por serem carecedores de credibilidade os depoimentos dos policiais federais.

Todavia, perfeitamente válida a prova testemunhal, eis que reiterada em Juízo, com observância do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Não se demonstrou, ademais, qualquer vício nos relatos das testemunhas, tampouco interesse em prejudicar o réu, sendo corroborados perante os demais elementos probatórios constantes dos autos.

Nesse sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHAS. MATÉRIA NÃO-ANALISADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PROVA COLHIDA NA FASE INQUISITORIAL. RATIFICAÇÃO EM JUÍZO. REGULARIDADE. DEPOIMENTO DE POLICIAIS. MEIO PROBATÓRIO VÁLIDO. REVOLVIMENTO DA MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA. (...) 3. O depoimento de policiais pode servir de referência ao juiz na verificação da materialidade e autoria delitivas, podendo funcionar como meio probatório válido para fundamentar a condenação, mormente quando colhido em juízo, com a observância do contraditório, e em harmonia com os demais elementos de prova. (...)5. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.
(HC 200801539534, ARNALDO ESTEVES LIMA - QUINTA TURMA, DJE DATA:14/12/2009.)
HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. EMPREGO DE CHAVE FALSA. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. CONDENAÇÃO COM BASE NA PROVA TESTEMUNHAL. LIVRE CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. (...) CORRUPÇÃO ATIVA. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. ÉDITO CONDENATÓRIO FUNDAMENTADO COM BASE NO DEPOIMENTO DE POLICIAIS MILITARES. MEIO DE PROVA IDÔNEO. FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO NÃO DEMONSTRADA. ORDEM DENEGADA. (...) 2. Ademais, conforme entendimento desta Corte, o depoimento de policiais responsáveis pela prisão em flagrante do acusado constitui meio de prova idôneo a embasar o édito condenatório, mormente quando corroborado em Juízo, no âmbito do devido processo legal. 3. Ordem denegada.
(HC 200702974881, JORGE MUSSI - QUINTA TURMA, DJE DATA:13/10/2009.)

Aduz a defesa ter agido o réu sob o manto das excludentes do estrito cumprimento do dever legal e obediência hierárquica, previstas nos artigos 22 e 23, III do Código Penal, tendo sido a própria corporação que o autorizara a portar a arma.

A tese defensiva não prospera, pois não encontra qualquer respaldo no conjunto probatório.

As testemunhas de defesa, policiais militares, relataram:

"(...) os policiais que atuam no DOF comumente utilizam armas de calibre superior ao previsto nas normas internas. Que sabia que o réu possuía uma pistola calibre 9 milímetros; que no ano de 2001, a Corporação da Polícia Militar cedia aos policiais armas de vários calibres, dentre eles, as de 9 milímetros; que não sabe dizer qual arma foi fornecida ao acusado, na época dos fatos"- fl.290

E também:

"(...) que o réu trabalhou no DOF, sendo que lá eram fornecidas armas de vários calibres pela instituição, inclusive as de calibre 9 milímetros". - fl. 291

No entanto, suas declarações não se prestam a comprovar a origem lícita da arma e da munição apreendidas, pois verifica-se que tais testemunhas não afirmaram, em nenhum momento, que a arma objeto dos autos tenha sido fornecida ao réu pela companhia. Apenas relataram, de forma genérica, que armas de grosso calibre poderiam ser fornecidas pela instituição aos policiais.

O próprio réu, tanto na fase inquisitorial, quanto em Juízo, declarou expressamente que a pistola que portava no momento de sua prisão não está registrada e não pertence ao acervo da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul (fls.11 e 150).

A testemunha de acusação Joel Martins dos Santos, major da Polícia Militar e comandante da companhia em que o réu estava lotado, esclareceu (fl.220):

"(...) na época a 8ª Cia da ON de Naviraí/MS não tinha em seu acervo pistolas 9 mm. Que pelo fato do acusado na época ser soldado da PM, ele não tinha autorização do seu comando para portar pistola 9mm."

Por ocasião da lavratura do flagrante, a mesma testemunha detalhou (fl.11):

"(...) esclarece que armas de uso restrito são utilizadas legalmente pela Polícia Militar do Estado do Mato Grosso do Sul, entretanto seus integrantes somente estão autorizados a portar armas desta espécie, pertencentes ao acervo da corporação; que a Polícia Militar do Mato Grosso do Sul não possui pistolas 9mm."

Dessa forma, as provas dos autos infirmam a tese de que o réu agiu sob o manto das excludentes propaladas.

Também é pleiteada a absolvição diante da atipicidade da conduta, por ausência de lesividade à segurança pública.

A potencialidade lesiva do porte ilegal da arma de fogo de uso restrito constitui ameaça tanto a paz social como a incolumidade física individual. Trata-se, na verdade, de crime de mera conduta ou de perigo abstrato, o qual não exige a ocorrência de nenhum resultado naturalístico, consumando-se com a mera subsunção da conduta delitiva ao tipo penal o que, por si só, já vulnera o bem jurídico tutelado.

Tal é o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E DE USO RESTRITO. FATO JÁ DESCRITO NA DENÚNCIA, MAS NÃO IMPUTADO AO RÉU. ADITAMENTO. OCORRÊNCIA DA EMENDATIO LIBELLI. ADOÇÃO DO PROCEDIMENTO DO ART. 384, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP. AMPLA DEFESA. INTIMAÇÃO. OFENSA NÃO CARACTERIZADA. CRIMES DOS ARTS. 12 E 16 DA LEI 10.826/03. POTENCIALIDADE LESIVA. CRIMES DE MERA CONDUTA. PERÍCIA. DISPENSABILIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PAZ PÚBLICA. ORDEM DENEGADA. (...). 2. A caracterização dos crimes previstos nos arts. 12 e 16 da Lei 10.826/03 não está condicionada a perícia sobre a potencialidade lesiva das munições apreendidas, pois se trata de crimes de mera conduta, de perigo abstrato, que se perfazem com a simples posse ou guarda da munição, sem a devida autorização pela autoridade administrativa competente. 3. A adoção do princípio da insignificância há de se cercar de algum rigor técnico, tendente à demonstração da efetiva irrelevância da conduta do agente, precavendo-se, assim, das valorações subjetivas por parte do aplicador da lei. 4. É inviável a aplicação do princípio da insignificância na posse irregular de munição de arma de foto, e de uso restrito, tendo em vista que o projétil reúne todas as condições para se caracterizar como munição hábil para utilização em arma de fogo, ainda que em somente um disparo. 5. A munição de uso restrito contém potencialidade de perigo abstrato e genérico, vulnerando o bem juridicamente protegido - a paz pública - e, consequentemente, tem significância penal. 6. Ordem denegada.
(HC 200702903303, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:21/06/2010.)

4. Dosimetria.

A sentença adequadamente fixou a pena-base em 03 (anos) anos de reclusão. Embora não se possa considerar como maus antecedentes as absolvições alcançadas pelo réu nos processos que respondeu por tráfico de entorpecente e homicídio, como vez o magistrado de primeiro grau, visto que tal juízo choca-se com o princípio da presunção de inocência, certo é que outros critérios previstos no artigo 59 do Código Penal também foram utilizados, como a culpabilidade, a personalidade, os motivos determinantes e as circunstâncias objetivas do delito (fls.335).

Reconhecida a atenuante da confissão, reduziu-se a pena em 02 (dois) meses. Presente a causa de aumento do artigo 10, §4º da lei 9.437/97, a pena foi tornada definitiva em 04 (quatro) anos e 03 (três) meses de reclusão e 20 (vinte) dias-multa, no piso legal.

Mantido o regime semi-aberto, conforme prevê o artigo 33, §2º, "b" do Código Penal.

Ausentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal, incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Não prospera o alegado bis in idem por estar previsto como infração na legislação própria, que regulamenta a atividade dos policiais militares do Estado do Mato Grosso do Sul, a utilização de arma de fogo de uso restrito por servidor público integrante da corporação, com a conseqüente perda do cargo.

Igualmente é rechaçada a pretensa inaplicabilidade do aumento de pena previsto no artigo 10, §4º da lei 9437/97, em conjunto com a agravante genérica estatuída no artigo 92, I, "b" do Código Penal e as sanções administrativas previstas nas normas próprias referentes aos policiais militares do estado.

Cabe ressaltar que se trata de norma interna corporis, atinente ao processo administrativo a que se sujeitam os policiais militares do estado, sendo independentes as esferas criminal e administrativa.

Nesse sentido:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO DENOMINADO DE APELAÇÃO. FUNGIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO EM PROCESSO PENAL - INCOMUNICABILIDADE DAS INSTÂNCIAS. POLICIAL MILITAR. ENVOLVIMENTO EM FATOS CRIMINOSOS. EXCLUSÃO DA CORPORAÇÃO. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. (...) II - "Em conformidade com o princípio da incomunicabilidade das instâncias, a sentença penal só afasta a sanção administrativa, quando absolver o réu por negativa de fato ou por negativa de autoria." (Precedentes). III - A decisão final em processo administrativo disciplinar não está vinculada à conclusão da Comissão que conduziu esse processo, desde que devidamente fundamentada, como, de fato, ocorreu na espécie. IV - Recurso desprovido.
(ROMS 200501490194, FELIX FISCHER, STJ - QUINTA TURMA, DJ DATA:20/03/2006 PG:00311.)

Não há que se falar, por conseqüência, em duplicidade de punição.

Não obstante a acusação ter formulado, em alegações finais, o pedido de perda do cargo público para o réu com fulcro no artigo 92, I "a" do Código Penal (violação de dever para com a Administração Pública), a sentença condenatória aplicou tal efeito da condenação baseando-se no inciso II do mesmo dispositivo (quando aplicada pena privativa de liberdade superior a 04 (quatro) anos).

O julgador não está adstrito à capitulação legal formulada pela acusação, não havendo qualquer mácula em tal cominação. A perda do cargo público é prevista como efeito específico da condenação, sendo possível em ambas as hipóteses, já que preenchidos todos os seus requisitos.

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação apenas para declarar extinta a punibilidade do réu quanto ao crime de desobediência em razão da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva. No mais resta mantida a sentença condenatória.

É o voto.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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Signatário (a): JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064
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Data e Hora: 28/06/2012 14:41:49