Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 10/07/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0406854-12.1997.4.03.6181/SP
2008.03.99.035999-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : IRINEU DE FARIA NEVES
ADVOGADO : MARIA CONCEICAO DOS SANTOS e outro
: JOSE LUIZ FILHO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 97.04.06854-9 2P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E ESTELIONATO. ARTIGO 16 DA LEI N.7.492/86 E 171 DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. DOLO CONFIGURADO. ERRO DE PROIBIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PENA-BASE. SENTENÇA MANTIDA.
1.A materialidade do crime descrito no artigo 16 da Lei nº 7.492/86 restou demonstrada, à saciedade, pelos acordos firmados sob a denominação " contrato de mútuo de constituição de conta de sistema de entrega programada" , acordos mediante os quais eram formados grupos visando à aquisição de linhas telefônicas e antenas parabólicas, com a previsão de cobrança de comissão de 15% ( quinze por cento) sobre os valores das prestações pagas pelos consorciados à empresa ASCON LTDA, bem como pelas informações encaminhadas pelo Banco Central esclarecendo que a empresa não tinha autorização para operar como instituição financeira.
2. A materialidade do crime descrito no artigo 171 do Código Penal ficou comprovada pelos depoimentos dos consorciados, lesados com o esquema fraudulento.
3. Autoria que restou sobejamente demonstrada pelo conjunto probatório.
4. Os dados probatórios demonstram que o réu agira de forma livre e consciente no cometimento dos crimes narrados na denúncia, caindo por terra alegação de ausência de dolo.
5. Os elementos de prova coligidos no transcorrer da instrução não indicam a baixa escolaridade do acusado, mas demonstram que o réu tinha conhecimento das regras de mercado antes de passar a operar consórcios sem autorização legal e, portanto, plena consciência a ilicitude de sua conduta, não havendo falar em erro de proibição.
6. As penas-base foram acertadamente aplicadas acima do mínimo legal, em decorrência das circunstâncias judiciais desfavoráveis que ostenta o denunciado.
7. Ausência de comprovação da condição de pobreza do acusado. O estado de miserabilidade não implica, por si só, a reavaliação da pena de multa, fixada de acordo com os ditames legais e em observância ao critério de proporcionalidade com a pena privativa de liberdade.
8. Recurso desprovido.






ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 26 de junho de 2012.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0406854-12.1997.4.03.6181/SP
2008.03.99.035999-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : IRINEU DE FARIA NEVES
ADVOGADO : MARIA CONCEICAO DOS SANTOS e outro
: JOSE LUIZ FILHO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 97.04.06854-9 2P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação criminal interposta por IRINEU DE FARIA NEVES contra a sentença proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de São Paulo/SP que o condenou pela prática dos crimes descritos nos artigos 171 do Código Penal e 16 da Lei nº 7.492/86 c.c. os artigos 70 e 71, ambos do Código Penal.

Consta da denúncia que IRINEU DE FARIA NEVES constituiu sociedade civil por quotas de responsabilidade limitada "ASCON- Comercial de Sistemas Ltda", anteriormente denominada "Watanabe Componentes Eletrônicos e Sistemas Ltda", com objetivo social, dentre outros, de explorar o ramo de comércio varejista de componentes e sistemas elétricos, produtos de telefonia e telecomunicações, etc.

Narra a peça acusatória que, além das atividades acima descritas, o denunciado formalizava verdadeiros grupos de admissão para ingresso em consórcio, sob as denominações esdrúxulas de "proposta de conta de sistema de entrega programada e contrato de mútuo e constituição de conta de entrega programada", visando a aquisição de linhas telefônicas, captando e aplicando recursos financeiros de terceiros, consoante comprovam vários documentos acostados nos autos apensados.

Relata que pelos serviços de administração do "condomínio" que tinha por única finalidade a formação de um fundo para a aquisição de telefones, o denunciado cobrava comissões de 15% sobre todos os valores pagos, consoante cláusula IV do contrato.

Descreve que a empresa ASCON não possui autorização do Banco Central para proceder à captação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, configurando-se, por conseguinte, a materialidade do crime descrito no artigo 16 da Lei nº 7.492/86.

Além da referida conduta delitiva, o denunciado praticara o crime de estelionato, posto que, nos anos de 1993 a 1996, obteve, para si, vantagem patrimonial indevida, mediante fraude, em prejuízo de mais de vinte vítimas do golpe do consórcio de telefones.

A denúncia foi recebida, em 24 de agosto de 1998 (fl.61).

O processo, inicialmente distribuído ao Juízo Federal da 3ª Vara Federal de São José dos Campos, com a criação de Varas federais Criminais Especializadas em São Paulo, foi redistribuído ao Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de São Paulo/SP (fl.423).

Após regular instrução sobreveio sentença (fls.487/507e 512/513) que condenou o acusado IRINEU DE FARIA NEVES pela prática dos crimes descritos nos artigos 16 da Lei nº 7.492/86 e 171, do Código Penal, mediante o concurso formal e continuidade delitiva às seguintes penas:

a) 06 (seis) anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto e pagamento de 40 ( quarenta) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática do crime descrito no artigo 171 do Código Penal;

b) 02 (dois) anos e 06 ( seis) meses de reclusão e pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pelo cometimento do crime definido no artigo 16 da Lei nº 7.492/86.


Inconformado, apela o acusado ( fls.519, 522/526) postulando, em síntese:

a)reconhecimento da ausência de dolo nas condutas delitivas;

b)admissão de erro de proibição;

c)redução das penas-base e reavaliação da pena de multa.


Contrarrazões do representante do Ministério Público Federal pelo desprovimento ao apelo ( fls.534/540).

Parecer da Procuradoria Regional da República apontando, preliminarmente, a não ocorrência do advento prescricional e, no mérito, em prol de ser desprovido o recurso (fls.545/560).

É o relatório.

À revisão.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0406854-12.1997.4.03.6181/SP
2008.03.99.035999-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : IRINEU DE FARIA NEVES
ADVOGADO : MARIA CONCEICAO DOS SANTOS e outro
: JOSE LUIZ FILHO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 97.04.06854-9 2P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: o recurso não prospera.

1. Da materialidade.

1.1. Do crime descrito no artigo 16 da Lei nº 7.492/86.

Dispõe o artigo 16 da Lei nº 7.492/86:

"Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores ou de câmbio:
Pena. reclusão, de 1(um) a 4(quatro) anos, e multa".

A materialidade restou demonstrada, à saciedade:

a) pelos acordos firmados sob a denominação "contrato de mútuo de constituição de conta de sistema de entrega programada" acostados às fls.11/12 destes autos; fls.08/09 dos autos nº 97.040.6855-7; fls.06/07 dos autos nº 97.040685857-3; fls.06/07 dos autos nº 97.0406858-1; fls. 06/07 dos autos nº 98.0400066-0; fls.09/10 dos autos nº 98.0400067-9; fls.04/05 dos autos nº 98.040069-5; fls.11/12 dos autos nº 98.0400072-5 e fls.04/05 dos autos nº 98.0401146-8, todos apensados a esta ação penal, acordos mediante os quais eram formados grupos visando à aquisição de linhas telefônicas e antenas parabólicas, com a previsão de cobrança de comissão de 15% ( quinze por cento) sobre os valores das prestações pagas pelos consorciados à empresa ASCON LTDA.

b) pelas informações encaminhadas pelo Banco Central (fl.39) esclarecendo que a empresa não tinha autorização para operar como instituição financeira.

O contrato de mútuo de constituição de conta de sistema de entrega programada, cujo modelo encontra-se juntado às fls.11/12, objetivava:

"1. Objetivo da conta de sistema de entrega programada:
1.a. A primeira denominada ADMINISTRADORA é especializada com larga experiência nas áreas de prestação de serviços, de realização de negócios, de promotora de empreendimentos e em particular na negociação de concessão de linhas telefônicas.
1.b. O segundo, conjuntamente com os demais com o mesmo objetivo, denominados Participantes da CSEP são potencialmente adquirentes de concessões de linhas telefônicas e possuidores de recursos financeiros, que ao longo de determinado prazo estabelecido, lhes permitirão adquiri-las, junto ao mercado secundário em número significativo de acordo com a quantidade de participante, aquisições estas que serão realizadas de acordo com os valores arrecadados pela integralização do capital social que subscreve na CSEP mensalmente, atendendo assim as necessidades coletivas e os objetivos contratuais.
1.c. Entendem que, juntando seus esforços em benefício próprio e conseqüentemente em coletivo, poderão levar a bom termo a final do prazo programado após cumpridos os fundamentos iniciais, possam, todos os Participantes da CSEP que optarem, obter sua concessão de linha telefônica até o término da sociedade, doravante denominada simplesmente de Concessão.
1.d. Os recursos com o qual a sociedade pretende alcançar o seu objetivo corresponderão ao pagamento das parcelas mensais pela integralização do capital na CONTA de SISTEMA de ENTREGA PROGRAMADA dos Participantes da CSEP que a ADMINISTRADORA se compromete à negociação de linhas telefônicas junto ao mercado secundário, proporcionando aos Participantes facilidade da aquisição de concessões nas Regiões com disponibilidade e que tenham condições técnicas, sempre obedecendo as Normas e Regulamentos das Companhias Telefônicas".

Os elementos coligidos aos autos atestam que as atividades encetadas pela empresa se subsumem ao conceito de consórcio insculpido, ao tempo dos fatos, no artigo 1º da Circular nº 2.766/97 do BACEN:

"Art.1º. Consórcio é a reunião de pessoas físicas e/ou jurídicas, em grupo fechado, promovida pela administradora, com a finalidade de propiciar aos seus integrantes a aquisição de bem, conjunto de bens ou serviço turístico por meio de autofinanciamento".

Hodiernamente, tal conceito se encontra inserto no artigo 2º da Lei nº 11.795/2008:


"Art.2º. Consórcio é a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento".

O denunciado admitiu, em Juízo, a celebração de contratos desse gênero:

(...) quanto ao consórcio, na época dos fatos estava com problemas de saúde, devido às dívidas da empresa. Determinadas pessoas, de cujos nomes não se lembra, propuseram esse sistema de consórcio como solução para os problemas financeiros da empresa (...)"(fl.323).

As declarações das testemunhas de acusação apontam a atividade como sendo a de consórcio:


"(...) o depoente era um dos participantes do ' consórcio' de linhas telefônicas promovidas pela empresa do denunciado (...) o depoente era pedreiro e certa feita quando fazia um serviço para o vizinho, por este lhe foi oferecido uma cota que possuía e o depoente aceitou, no ano de 1997, sendo que a parcela correspondia cerca de R$ 97,00 ( noventa e sete reais), tendo pago três parcelas que estavam em atraso, prosseguindo nas demais (...) os pagamentos eram feitos no escritório do denunciado (...) a linha telefônica não lhe foi entregue (...) não terminou de pagar o plano em razão do estabelecimento permanecer fechado durante seguidos dias, ao argumento de estar de luto (...) não foi ressarcido dos pagamentos efetuados (...) que estima o prejuízo em R$ 3.000,00 ( Três mil reais)" (declarações de Antonio Venâncio Lima, fl.142).

"(...) a depoente no ano de 1993 adquiriu um plano para aquisição de linha telefônica, através de vendedores ambulantes da ASCON sendo que pagou por três anos, tendo sido instalado uma linha telefônica que permaneceu na residência da depoente por um ano (...) a depoente tratava diretamente com o denunciado e o filho dele Roney, sendo que diversas vezes efetuou o pagamento das parcelas diretamente ao Sr.Irineu (...) o negócio era formalizado através de contrato escrito, sendo que os vendedores o denominavam como plano de expansão, tendo o plano ao qual aderiu a duração de trinta e seis meses (...) a linha telefônica somente era entregue após o pagamento de cem por cento do plano ou mediante sorteio mensal (...) todos os meses lhe era apresentado um papel com a sua posição no grupo, em razão do percentual quitado (...)'( depoimento de Doraci Auxiliadora Prado, fls.145/146).
"(...) a depoente ingressou no plano de 'consórcio' de linhas telefônicas no ano de 1997, por intermédio de informações de uma amiga de escola que já havia adquirido três linhas do Sr. Irineu, pelo mesmo sistema, uma vez que no início o negócio estava dando certo (...) uma vez interessada no negócio a amiga da depoente fez com que uma vendedora da ASCON fosse até o trabalho da depoente, onde foi assinado o contrato (...) o negócio foi apresentado como sendo um 'consórcio programado', onde aquele que mais pagava as parcelas, obteria a linha mais rapidamente, como se fosse uma 'pirâmide' (...)" ( assertivas de Lucinéia Miriam da Silva, fl.148).
"(...) na época dos fatos estava precisando adquirir uma linha telefônica. Uma colega de serviço contou que tinha adquirido uma linha telefônica da firma 'ASCON', através de um consórcio (...) pedi a presença de um representante da firma e acabou-me vendendo uma cota para que eu pagasse em prestações mensais para ser sorteada com uma Lina telefônica.Chamava o sistema de entrega programada pois a medida que as parcelas eram pagas o nome do cotista era colocado na prioridade maior (...)" ( depoimento de Maria Aparecida de Castro Carvalho, fl.165).
"(...) Adquiri na época uma cota do referido consórcio, para aquisição de uma linha telefônica na forma de entrega programada conforme constou do contrato (...)"(declarações de Carlos Costa da Silva, fl.167).
"(...) O depoente recebeu a visita de um vendedor de consórcio em casa. Aderiu ao grupo e iniciou os pagamentos mais ou menos em 1995 (...)"( depoimento de José Caraça, fl.177).
"(...) há cerca de seis/sete anos atrás, a obtenção de uma linha telefônica era um bom investimento, e tendo em vista que já possuía um telefone instalado em sua residência, resolveu participar do 'consórcio' realizado pelo acusado (...) tratava-se de uma modalidade de 'consórcio programado' e aquele que pagasse uma porcentagem maior ou cujo nome figurasse em primeiro lugar da lista, obteria uma linha telefônica (...)" (depoimento de Hatsue Utike Tomita, fl. 192).

1.2. Do crime descrito no artigo 171 do Código Penal.

1.2.1. Da materialidade delitiva. A materialidade delitiva ficou cabalmente demonstrada pelos depoimentos dos consorciados, lesados com o esquema fraudulento, os quais atestam que o denunciado obteve vantagens ilícitas de diversos consorciados, mantendo-os em erro com a falsa promessa de instalação de linhas telefônicas - que, na verdade, pertenciam a terceiro- após a quitação das prestações acordadas:


"(...) não terminou de pagar o plano em razão do estabelecimento permanecer fechado durante seguidos dias, ao argumento de estar de luto (...) não foi ressarcido dos pagamentos efetuados (...) que estima o prejuízo em R$ 3.000,00 ( Três mil reais)" (declarações de Antonio Venâncio Lima, fl.142).
"(...) após pressionar sem sucesso o Sr.Irineu no sentido de que fosse transferida a linha telefônica para seu nome, uma vez que a conta telefônica não vinha em nome da ASCON, mas sim de Globo Comercial, a depoente dirigiu-se até a Globo e constatou que o Sr.Irineu havia comprado a linha, mas não havia pago (...) a Gloco Comércio lhe propôs o refinanciamento do telefone, uma vez que também lidava com esse ramo de atividade, porém a depoente não concordou, pois já havia pago a totalidade do plano, cerca de R$ 4.000,00 ( quatro mil reais) (...) não foi ressarcida de seus prejuízos (...)" (depoimento de Doraci Auxiliadora Prado, fls.145/146).
"(...) pagou a totalidade do plano (...) adiantou o pagamento de algumas parcelas e teve a linha instalada, que permaneceu em sua residência por uma ou duas semanas, tendo sido cortada pela 'Globo' (...) estima os prejuízos em R$ 4.200,00 ( quatro mil e duzentos reais)" (depoimento de Lucinéia Miriam da Silva, fl.148).
"(...) A firma Ascon prometeu que em dois meses a linha telefônica estaria instalada. Passaram este período não instalaram o telefone e por isso fui procurar os responsáveis. Chegando em São José, no local onde estava o escritório da firma, encontrei-o fechado e segundo a proprietária do imóvel, os responsáveis por tal firma mudaram-se durante a noite, inclusive deixando de pagar os alugueis (...)" (depoimento de Maria Aparecida de Castro Carvalho, fl.165).
"(...) paguei a totalidade das parcelas e não recebi a linha telefônica (...) No mês de novembro de 1.996, fiz acordo diretamente com o Irineu no sentido de que eu quitaria integralmente o contrato e ele me entregaria a linha telefônica no prazo de três meses. Passados cerca de dois meses eu estava desconfiado e resolvi passar na loja de São José mas o referido local já estava totalmente fechado (...)"(declarações de Carlos Costa da Silva, fl.167).
"(...) Ficou no prejuízo de R$ 1.500,00, e valores atualizados (...)" (depoimento de José Caraça, fl.177).
"(...) Esteve no escritório do acusado, contudo não conseguiu obter a instalação da linha telefônica, e em razão disso procurou o PROCON em São José dos Campos, todavia até hoje o telefone não foi instalado em sua residência. Não conseguiu obter a restituição do dinheiro utilizado no pagamento das prestações (...)" (depoimento de Hatsue Utike Tomita, fl. 192).

Andou bem o Juízo de 1º grau ao consignar que a "(...) constituição dos grupos de consórcio, que era vedada a uma empresa sem autorização prévia do BACEN, com o posterior encerramento da empresa sem quaisquer formalidades, tendo o acusado ' sumido no meio da noite', constitui fraude (...)".


2. Da autoria. A autoria dos crimes narrados na peça acusatória restou sobejamente comprovada pelo conjunto probatório. O acusado, em Juízo (fls.322/324), negou a prática delitiva.

No entanto, ao tempo dos fatos, o acusado era o principal quotista da empresa "ASCON", como se depreende de fl.43 dos autos n º 97.0406855-7. Irineu, ao ser interrogado, admitiu ter adquirido as quotas do capital social da empresa com o fito de assumir a administração da mesma.

A prova testemunhal é uníssona em apontar o acusado como sendo a pessoa que recebia os pagamentos das parcelas, bem assim os contratos de mútuos de constituição de conta de sistema de entrega programada foram firmados pelo denunciado, na qualidade de representante da empresa "ASCON".

3. Do dolo. O apelante aduz que não agiu de forma dolosa, ao passar a comercializar linhas telefonias, durante os anos de 1993 a 1996.

Ao revés do alegado, os dados probatórios demonstram que o réu agira de forma livre e consciente no cometimento dos crimes narrados na denúncia. Confira:

a) a divulgação do "consórcio" ocorrera de forma ampla, difundindo-se a idéia de que o integrante do consórcio que chegasse ao primeiro lugar na lista, organizada em conformidade com a situação dos investimentos de cada um dos consorciados, seria contemplado com a instalação da linha telefônica. Tratava-se de mais um engodo, à míngua de contemplação do consorciado;

b) o fechamento repentino da empresa, "na calada da noite" como consignado em depoimento testemunhal, de maneira a dificultar o acesso dos consorciados ao denunciado, que intencionava ver-se livre das exigências contratuais;

c) em todos os momentos em que fora instado pelos consorciados, o réu insistia na manutenção da fraude, alegando, inclusive, a venda de bens pessoais para ressarcir os prejuízos causados, o que não ocorrera.


Neste aspecto cumpre consignar excerto do parecer da Procuradoria Regional da República:

" (...) Evidente, assim, o aspecto volitivo da fraude, o que permite distingui-la, à perfeição, do mero inadimplemento contratual. Afinal, a disponibilização de linhas telefônicas a integrantes de consórcio, como se delas eles já fossem titulares, demonstra a indiscutível intenção de auferir vantagens sob o erro alheio, frustrando o interesse daqueles que por um longo tempo aguardavam o desfecho do consórcio e, quando, enfim, pensavam estar diante do resultado dos investimentos realizados, não demoravam a descobrir terem sido acintosamente enganados".

Nessa esteira, não se há falar em ausência de dolo.

4. Do erro de proibição. O erro de proibição se verifica quando o agente não tem possibilidade de saber que o fato é proibido, daí incidir sobre a ilicitude fática.

A defesa pleiteia o reconhecimento do erro de proibição relativamente ao delito descrito no artigo 16 da Lei nº 7.492/86, uma vez que o denunciado tem baixa instrução e não sabia da necessidade de autorização legal para operar consórcios.

Os elementos de prova coligidos no transcorrer da instrução não indicam a baixa escolaridade do acusado, mas esclarecem que o apelante já era comerciante antes de realizar operações de consórcio, indicativo de que tinha conhecimento das regras de mercado ao passar a operar consórcios sem autorização legal e, portanto, plena consciência a ilicitude de sua conduta.

5. Da dosimetria. A defesa aduz não haver elementos que possam ensejar o aumento da pena-base, tal como fixada pelo Juízo de 1º grau.

Conforme se depreende da leitura da decisão recorrida, o Juízo de 1º grau cumpriu o escopo constitucional inserto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, fundamentando, à saciedade, as circunstâncias judiciais consideradas no caso concreto para a majoração das penas-base acima do mínimo legal, nos moldes do artigo 59 do Código Penal, bem como indicou, de forma pormenorizada os motivos de fato e de direito que resultaram na condenação do denunciado.

De fato, o acusado demonstrou personalidade desviada, tendo se evadido da cidade onde cometera os crimes, na calada da noite. As conseqüências deletérias da empreitada criminosa são de grande monta, uma vez que várias pessoas foram atingidas e nenhuma delas teve os valores pagos ressarcidos pelo denunciado. As vítimas eram, em sua maioria, pessoas humildes e de pouca instrução.

A pena de multa - 40 (quarenta) dias-multa para o crime descrito no artigo 171 do Código Penal e 20 (vinte) dias-multa para o delito no artigo 16 da Lee nº 7.492/86- no valor unitário mínimo legal, fora bem dosada, não merecendo reparos.

A alegada precária situação financeira do apelante não induz reavaliação da pena de multa imposta. A uma, porque o réu não trouxe aos autos demonstração de sua condição de pobreza. A duas, porquanto o estado de miserabilidade não implica, de per se, a reavaliação da pena de multa, fixada de acordo com os ditames legais e em observância ao critério de proporcionalidade com a pena privativa de liberdade.

Por estas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

É o voto.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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Data e Hora: 28/06/2012 14:40:54