D.E. Publicado em 10/07/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Trata-se de apelação criminal interposta por IRINEU DE FARIA NEVES contra a sentença proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de São Paulo/SP que o condenou pela prática dos crimes descritos nos artigos 171 do Código Penal e 16 da Lei nº 7.492/86 c.c. os artigos 70 e 71, ambos do Código Penal.
Consta da denúncia que IRINEU DE FARIA NEVES constituiu sociedade civil por quotas de responsabilidade limitada "ASCON- Comercial de Sistemas Ltda", anteriormente denominada "Watanabe Componentes Eletrônicos e Sistemas Ltda", com objetivo social, dentre outros, de explorar o ramo de comércio varejista de componentes e sistemas elétricos, produtos de telefonia e telecomunicações, etc.
Narra a peça acusatória que, além das atividades acima descritas, o denunciado formalizava verdadeiros grupos de admissão para ingresso em consórcio, sob as denominações esdrúxulas de "proposta de conta de sistema de entrega programada e contrato de mútuo e constituição de conta de entrega programada", visando a aquisição de linhas telefônicas, captando e aplicando recursos financeiros de terceiros, consoante comprovam vários documentos acostados nos autos apensados.
Relata que pelos serviços de administração do "condomínio" que tinha por única finalidade a formação de um fundo para a aquisição de telefones, o denunciado cobrava comissões de 15% sobre todos os valores pagos, consoante cláusula IV do contrato.
Descreve que a empresa ASCON não possui autorização do Banco Central para proceder à captação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, configurando-se, por conseguinte, a materialidade do crime descrito no artigo 16 da Lei nº 7.492/86.
Além da referida conduta delitiva, o denunciado praticara o crime de estelionato, posto que, nos anos de 1993 a 1996, obteve, para si, vantagem patrimonial indevida, mediante fraude, em prejuízo de mais de vinte vítimas do golpe do consórcio de telefones.
A denúncia foi recebida, em 24 de agosto de 1998 (fl.61).
O processo, inicialmente distribuído ao Juízo Federal da 3ª Vara Federal de São José dos Campos, com a criação de Varas federais Criminais Especializadas em São Paulo, foi redistribuído ao Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de São Paulo/SP (fl.423).
Após regular instrução sobreveio sentença (fls.487/507e 512/513) que condenou o acusado IRINEU DE FARIA NEVES pela prática dos crimes descritos nos artigos 16 da Lei nº 7.492/86 e 171, do Código Penal, mediante o concurso formal e continuidade delitiva às seguintes penas:
a) 06 (seis) anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto e pagamento de 40 ( quarenta) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática do crime descrito no artigo 171 do Código Penal;
b) 02 (dois) anos e 06 ( seis) meses de reclusão e pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pelo cometimento do crime definido no artigo 16 da Lei nº 7.492/86.
Inconformado, apela o acusado ( fls.519, 522/526) postulando, em síntese:
a)reconhecimento da ausência de dolo nas condutas delitivas;
b)admissão de erro de proibição;
c)redução das penas-base e reavaliação da pena de multa.
Contrarrazões do representante do Ministério Público Federal pelo desprovimento ao apelo ( fls.534/540).
Parecer da Procuradoria Regional da República apontando, preliminarmente, a não ocorrência do advento prescricional e, no mérito, em prol de ser desprovido o recurso (fls.545/560).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: o recurso não prospera.
1. Da materialidade.
1.1. Do crime descrito no artigo 16 da Lei nº 7.492/86.
Dispõe o artigo 16 da Lei nº 7.492/86:
A materialidade restou demonstrada, à saciedade:
a) pelos acordos firmados sob a denominação "contrato de mútuo de constituição de conta de sistema de entrega programada" acostados às fls.11/12 destes autos; fls.08/09 dos autos nº 97.040.6855-7; fls.06/07 dos autos nº 97.040685857-3; fls.06/07 dos autos nº 97.0406858-1; fls. 06/07 dos autos nº 98.0400066-0; fls.09/10 dos autos nº 98.0400067-9; fls.04/05 dos autos nº 98.040069-5; fls.11/12 dos autos nº 98.0400072-5 e fls.04/05 dos autos nº 98.0401146-8, todos apensados a esta ação penal, acordos mediante os quais eram formados grupos visando à aquisição de linhas telefônicas e antenas parabólicas, com a previsão de cobrança de comissão de 15% ( quinze por cento) sobre os valores das prestações pagas pelos consorciados à empresa ASCON LTDA.
b) pelas informações encaminhadas pelo Banco Central (fl.39) esclarecendo que a empresa não tinha autorização para operar como instituição financeira.
O contrato de mútuo de constituição de conta de sistema de entrega programada, cujo modelo encontra-se juntado às fls.11/12, objetivava:
Os elementos coligidos aos autos atestam que as atividades encetadas pela empresa se subsumem ao conceito de consórcio insculpido, ao tempo dos fatos, no artigo 1º da Circular nº 2.766/97 do BACEN:
Hodiernamente, tal conceito se encontra inserto no artigo 2º da Lei nº 11.795/2008:
O denunciado admitiu, em Juízo, a celebração de contratos desse gênero:
As declarações das testemunhas de acusação apontam a atividade como sendo a de consórcio:
1.2. Do crime descrito no artigo 171 do Código Penal.
1.2.1. Da materialidade delitiva. A materialidade delitiva ficou cabalmente demonstrada pelos depoimentos dos consorciados, lesados com o esquema fraudulento, os quais atestam que o denunciado obteve vantagens ilícitas de diversos consorciados, mantendo-os em erro com a falsa promessa de instalação de linhas telefônicas - que, na verdade, pertenciam a terceiro- após a quitação das prestações acordadas:
Andou bem o Juízo de 1º grau ao consignar que a "(...) constituição dos grupos de consórcio, que era vedada a uma empresa sem autorização prévia do BACEN, com o posterior encerramento da empresa sem quaisquer formalidades, tendo o acusado ' sumido no meio da noite', constitui fraude (...)".
2. Da autoria. A autoria dos crimes narrados na peça acusatória restou sobejamente comprovada pelo conjunto probatório. O acusado, em Juízo (fls.322/324), negou a prática delitiva.
No entanto, ao tempo dos fatos, o acusado era o principal quotista da empresa "ASCON", como se depreende de fl.43 dos autos n º 97.0406855-7. Irineu, ao ser interrogado, admitiu ter adquirido as quotas do capital social da empresa com o fito de assumir a administração da mesma.
A prova testemunhal é uníssona em apontar o acusado como sendo a pessoa que recebia os pagamentos das parcelas, bem assim os contratos de mútuos de constituição de conta de sistema de entrega programada foram firmados pelo denunciado, na qualidade de representante da empresa "ASCON".
3. Do dolo. O apelante aduz que não agiu de forma dolosa, ao passar a comercializar linhas telefonias, durante os anos de 1993 a 1996.
Ao revés do alegado, os dados probatórios demonstram que o réu agira de forma livre e consciente no cometimento dos crimes narrados na denúncia. Confira:
a) a divulgação do "consórcio" ocorrera de forma ampla, difundindo-se a idéia de que o integrante do consórcio que chegasse ao primeiro lugar na lista, organizada em conformidade com a situação dos investimentos de cada um dos consorciados, seria contemplado com a instalação da linha telefônica. Tratava-se de mais um engodo, à míngua de contemplação do consorciado;
b) o fechamento repentino da empresa, "na calada da noite" como consignado em depoimento testemunhal, de maneira a dificultar o acesso dos consorciados ao denunciado, que intencionava ver-se livre das exigências contratuais;
c) em todos os momentos em que fora instado pelos consorciados, o réu insistia na manutenção da fraude, alegando, inclusive, a venda de bens pessoais para ressarcir os prejuízos causados, o que não ocorrera.
Neste aspecto cumpre consignar excerto do parecer da Procuradoria Regional da República:
" (...) Evidente, assim, o aspecto volitivo da fraude, o que permite distingui-la, à perfeição, do mero inadimplemento contratual. Afinal, a disponibilização de linhas telefônicas a integrantes de consórcio, como se delas eles já fossem titulares, demonstra a indiscutível intenção de auferir vantagens sob o erro alheio, frustrando o interesse daqueles que por um longo tempo aguardavam o desfecho do consórcio e, quando, enfim, pensavam estar diante do resultado dos investimentos realizados, não demoravam a descobrir terem sido acintosamente enganados".
Nessa esteira, não se há falar em ausência de dolo.
4. Do erro de proibição. O erro de proibição se verifica quando o agente não tem possibilidade de saber que o fato é proibido, daí incidir sobre a ilicitude fática.
A defesa pleiteia o reconhecimento do erro de proibição relativamente ao delito descrito no artigo 16 da Lei nº 7.492/86, uma vez que o denunciado tem baixa instrução e não sabia da necessidade de autorização legal para operar consórcios.
Os elementos de prova coligidos no transcorrer da instrução não indicam a baixa escolaridade do acusado, mas esclarecem que o apelante já era comerciante antes de realizar operações de consórcio, indicativo de que tinha conhecimento das regras de mercado ao passar a operar consórcios sem autorização legal e, portanto, plena consciência a ilicitude de sua conduta.
5. Da dosimetria. A defesa aduz não haver elementos que possam ensejar o aumento da pena-base, tal como fixada pelo Juízo de 1º grau.
Conforme se depreende da leitura da decisão recorrida, o Juízo de 1º grau cumpriu o escopo constitucional inserto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, fundamentando, à saciedade, as circunstâncias judiciais consideradas no caso concreto para a majoração das penas-base acima do mínimo legal, nos moldes do artigo 59 do Código Penal, bem como indicou, de forma pormenorizada os motivos de fato e de direito que resultaram na condenação do denunciado.
De fato, o acusado demonstrou personalidade desviada, tendo se evadido da cidade onde cometera os crimes, na calada da noite. As conseqüências deletérias da empreitada criminosa são de grande monta, uma vez que várias pessoas foram atingidas e nenhuma delas teve os valores pagos ressarcidos pelo denunciado. As vítimas eram, em sua maioria, pessoas humildes e de pouca instrução.
A pena de multa - 40 (quarenta) dias-multa para o crime descrito no artigo 171 do Código Penal e 20 (vinte) dias-multa para o delito no artigo 16 da Lee nº 7.492/86- no valor unitário mínimo legal, fora bem dosada, não merecendo reparos.
A alegada precária situação financeira do apelante não induz reavaliação da pena de multa imposta. A uma, porque o réu não trouxe aos autos demonstração de sua condição de pobreza. A duas, porquanto o estado de miserabilidade não implica, de per se, a reavaliação da pena de multa, fixada de acordo com os ditames legais e em observância ao critério de proporcionalidade com a pena privativa de liberdade.
Por estas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso.
É o voto.
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