D.E. Publicado em 08/05/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares arguidas e, no mérito, negar provimento aos recursos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de Apelações Criminais interpostas por Daniel Matheus e Isabel Mejias Rosales contra a r. sentença (fls. 1886/1936) que, julgando procedente a denúncia, condenou:
Daniel Matheus, ao cumprimento das penas de 7 (sete) anos de reclusão, em regime inicial fechado e 700 (setecentos) dias-multa, à razão de um trigésimo do salário mínimo, corrigido monetariamente;
Isabel Mejias Rosales, ao cumprimento das penas de 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial fechado e 1.166 (um mil, cento e sessenta e seis) dias-multa, à razão de cinco vezes o salário mínimo, corrigido monetariamente.
Os réus foram condenados como incursos nos arts. 35, c.c. 40, I, da Lei nº 11.343/06, porquanto se associaram, de maneira estável e permanente, para o fim de praticar o crime de tráfico internacional de entorpecente.
Em razões recursais (fls. 1990/2000), Daniel Matheus pugna por absolvição, sob os seguintes argumentos:
- Não há suporte no inquérito policial em relação à participação do apelante no delito;
- O depoimento prestado por Heverth Alejandro não é imparcial, devendo ser valorado com cautelas, uma vez presente sentimento de vingança;
- Inexiste prova quanto à materialidade do crime de associação para o tráfico, não passando de conjectura a prova acusatória;
- O simples fato de fazer manutenção em aeronaves não se presta à comprovação da autoria do crime;
- Durante o período de sete meses que permaneceu no Uruguai, sendo monitorado, nada de anormal foi observado em seu comportamento;
Subsidiariamente, requer reforma na dosimetria da pena, a seu ver, excessivamente imposta sob os seguintes argumentos:
- O apelante estava no Brasil quando apreendida a mercadoria no Uruguai;
- O Magistrado não considerou a ausência de vantagem econômica relativamente ao crime descrito na denúncia;
- A imprescindibilidade de reduzir-se a pena base fixada em seis anos de reclusão, para o mínimo legal, ou seja, 3 (três) anos, em regime inicial aberto.
Contrarrazões às fls. 2012/2026, pelo improvimento do recurso.
Em razões recursais (fls. 2039/2099), Isabel Mejias Rosales requer:
Preliminarmente, sejam reconhecidas:
- A nulidade das interceptações telefônicas e de todas as provas delas advindas;
- A nulidade pela inépcia da denúncia;
- A nulidade decorrente da violação do art. 400 do Código de Processo Penal.
Alternativamente, requer a conversão do julgamento em diligência para que a apelante possa ser reinterrogada;
- A nulidade por violação ao princípio da ampla defesa, em razão da ausência da recorrente na audiência em que foi ouvida a principal testemunha dos autos;
No mérito, requer:
Absolvição, por insubsistência da prova acusatória;
Na remota hipótese de condenação, revisão da pena imposta, afastando-se a causa de aumento de pena prevista no art. 40, I, da Lei nº 11.343/06.
Contrarrazões, pelo improvimento do recurso (fls. 2102/2134).
Parecer do Ministério Público Federal opina pelo desprovimento dos recursos (fls.2136/2200).
Às fls. 2213, juntada aos autos cópia da decisão que deferiu pedido de progressão de regime.
Às fls. 2225, Isabel Mejias Rosales peticionou no sentido de que fosse oficiado ao DETRAN, para cancelamento dos pontos existentes em seu nome, referentes a multas aplicadas pelo uso do seu veículo enquanto esteve presa, as quais teriam ocorrido em decorrência do uso do automóvel, provavelmente por membros integrantes da Polícia Federal.
Juntou os documentos de fls. 2229 e segs, inclusive cópia das multas emitidas enquanto esteve presa.
Determinei fosse dada vista dos autos ao Ministério Público Federal que se manifestou às fls. 2258 pelo deferimento parcial de pedido, apenas para que fossem cancelados os pontos referentes às notificações de fls. 2237/2151, uma vez que, em virtude de a acusada estar presa e o carro apreendido, é evidente que não praticou as infrações.
Às fls. 2260, deferi o referido pedido de expedição de ofício ao DETRAN e remessa dos documentos solicitados pelo Ministério Público Federal à Procuradoria da República em São Paulo para eventuais providências.
Às fls. 2269/2272, novamente peticionou a defesa no sentido de que fossem canceladas todas as multas aplicadas enquanto o veículo estava apreendido e de posse da Polícia Federal, desde a data da busca e apreensão, em 20 de agosto de 2007, o que a impossibilita de efetuar licenciamento e renovação da carteira de habilitação, requerendo, ainda, a devolução dos bens apreendidos por não mais interessarem ao processo, estando em estado de deterioração.
Subsidiariamente, pugna por ser nomeada depositária fiel dos bens apreendidos, até o julgamento do recurso.
Ofício expedido pelo DETRAN informa que após a data da apreensão foram aplicadas 50 (cinqüenta) multas, sendo apenas uma anterior àquela data (fls. 2275).A pesquisa referente aos pontos veio juntada às fls. 2276/2282.
A defesa voltou a peticionar nos autos no tocante ao cancelamento de multas de todos os três veículos apreendidos e que pertencem à apelante (fls. 2284/2285). Juntou documentos de multas.
Às fls. 2301/2302v., o Ministério Público Federal manifestou-se no sentido de que seja reconsiderada a decisão por meio da qual foi expedido ofício ao DETRAN para que fossem cancelados os pontos referentes às notificações copiadas às fls. 2237/2251, uma vez que as multas são sanções de caráter administrativo, que só podem ser revogadas por autoridade administrativa competente, ou Poder Judiciário em sede de processo destinado à anulação, com aplicação do princípio do devido processo legal.
No mais, é pelo indeferimento dos pedidos restantes, ressalvada comunicação ao DETRAN quanto ao período em que Isabel esteve presa e a data a partir da qual os três veículos passaram a ser utilizados pela Polícia Federal, de molde a possibilitar ao órgão adotar as medidas administrativas cabíveis.
Opina, ainda, pelo indeferimento do pedido de restituição dos veículos apreendidos, porquanto podem ser objeto de perdimento. Pondera que persiste o interesse na apreensão dos veículos, devendo ser aguardado o desfecho da ação penal nº 0013182-71.2007.4.03.6181 (autos desmembrados destes), em que está sendo processado Gustavo Duran Bautista, companheiro de Isabel.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Gustavo Duran Bautista, Isabel Mejias Rosales, Krishna Koemar Khoenkhoen, Maurício Heriberto Figueroa Agurto, Angel Andrés Duran Parra, Ingrid Jaimes Salazar, Daniel Matheus, Orlando Rodriguez Castrillon, Júlio César Duran Parra, Luis Francisco Espitia Salazar, Joaquin Andrés Duran Penalosa, Nielson Mongelos e Plínio Lopes Ribeiro, como incursos, à exceção de Gustavo Duran Bautista, no art. 35, c.c. art.40, I, da Lei nº 11.343/06.
A exordial foi alicerçada em inquérito policial e procedimento criminal diverso, nos quais se apurou que, no período compreendido entre dezembro de 2003 e agosto de 2007, estariam os réus associados, de maneira estável e permanente, para o fim de praticar crime de tráfico internacional de entorpecentes (cocaína) que determina dependência física/psíquica, sem autorização legal ou regulamentar.
Fatos foram desvendados no âmbito da denominada "Operação São Francisco", na qual revelou-se a existência de poderosa organização criminosa, formada, principalmente por estrangeiros e voltada à prática do tráfico internacional de substâncias entorpecentes.
No decorrer das investigações, a partir de interceptações telefônicas e telemáticas, autorizadas judicialmente, bem como com a colaboração internacional via DEA - Drug Enfornement Administration e de buscas e apreensões em diversos endereços no país, restou demonstrada a existência de complexa organização criminosa, formada por grupo de narcotraficantes estrangeiros que utilizam o território nacional como base para a coordenação do tráfico, compreendendo a aquisição de cocaína na Colômbia, o transporte e depósito em países intermediários como Paraguai e Bolívia, a internação no Brasil, Argentina ou Uruguai, para, finalmente, depois de dissimulada a droga em caixas de frutas, objeto de exportações legais, cruzar o Oceano Atlântico com destino à Holanda, país onde estariam sediadas duas empresas do grupo, responsável pela importação legal das frutas.
O ponto de partida da investigação concentrou-se em outubro de 2001, na Fazenda Mariad, situada no Município de Juazeiro, na Bahia. Naquela ocasião, policiais realizaram busca e apreensão na propriedade rural, apreendendo 108gs. de cocaína, 225 caixas de papelão modificadas, 2 balanças digitais, 2 prensas com capacidade de 30 toneladas, 2 seladoras térmicas e uma a vácuo, armas e munições nacionais e importadas, entre outros materiais. Ainda, na mesma oportunidade, restaram desvendados os nomes, alcunhas e características pessoais dos envolvidos no esquema e modus operandi da organização, bem como identificação das empresas usadas na logística do transporte da cocaína dissimulada nas exportações à Holanda.
Na citada fazenda havia uma estrutura montada para embalar a cocaína internada no território nacional, visando ocultá-la nos espaços criados nas caixas de papelão e embalagens de frutas exportadas.
Os 108gs. de cocaína apreendidos estavam distribuídos em 3 porções com pesos e invólucros semelhantes e se ajustavam perfeitamente nos sulcos (depressões na superfície) existentes no papelão das caixas de embalagens para mangas produzidas e exportadas pela empresa Mariad Importação e Exportação de Gêneros Alimentícios Ltda.
Em que pesem as evidências do delito de tráfico internacional de entorpecentes, o processo criminal resultou na condenação apenas do réu Roberto Mardones Gonzáles que, em manifesto acordo, admitiu ser usuário de drogas e ter agido isoladamente, desonerando os demais integrantes do grupo. À exceção de Roberto, todos os demais foram absolvidos pelo Juízo da Vara do Júri, Execuções Penais e Menores da Comarca de Juazeiro/Bahia, segundo o Ministério Público, em contestável sentença.
Contudo, outros eventos conhecidos da Polícia Federal demonstravam e existência e funcionamento do grupo, no esquema de tráfico internacional de drogas.
Posteriormente, no dia 8 de fevereiro de 2003, foram apreendidos no Supermercado Metro, na cidade de Trier, na Alemanha, 556gs. de cocaína em embalagem da empresa Natal Frutas, onde passou a funcionar a empresa Mariad, sendo que a embalagem e estrutura da caixa de papelão apreendida na Alemanha e que originalmente continha melões, seria igual àquela verificada em 225 caixas encontradas na Fazenda Mariad. A Natal Frutas era controlada por Gustavo Duran Bautista, mas registrada em nome de "testa-de-ferro". Onde funcionava a empresa Natal Frutas, atualmente funciona a empresa Mariad Importação e Exportação de Gêneros Alimentícios Ltda.
As investigações realizadas na Alemanha concluíram que a empresa Görger & Zorn GmbH, fornecedora de melões para a empresa Mercato, que por sua vez fornece para o Supermercado Metro, na cidade de Trier, na Alemanha, não trabalhava com produtos da firma Natal Frutas, mas somente com melões da empresa Mariad. Constatou-se que o importador dos produtos da Natal Frutas é a empresa South American Fruit B.V. Vlaasdungeweg, em Rotterdam, Holanda, também de propriedade de Gustavo Duran Bautista, porém registrada em nome de terceiro.
Aliada a tal coincidência, a comparação das modificações existentes na estrutura da caixa de papelão apreendida na Alemanha com aquelas verificadas nas 225 caixas encontradas na Fazenda Mariad, em 08/10/2001, demonstra que se trata do mesmo método de ocultação e, consequentemente, confirma que a cocaína apreendida naquele país, sem dúvida havia sido enviada por meio da empresa Mariad em nome da empresa Natal Frutas, sendo que os pacotes de cocaína apreendidos na Fazenda Mariad e os encontrados na Alemanha têm as mesmas características.
A partir de tais dados, a autoridade policial federal representou à Justiça Federal de São Paulo com vistas ao afastamento do sigilo das comunicações dos terminais telefônicos utilizados pelos investigados (procedimento nº 2003.61.81.008558-8) o que foi deferido pelo Juízo. Através de interceptação das comunicações do grupo (telefones e e.mails) realizadas entre 2003 e 2007, foi possível detectar a dinâmica da organização criminosa.
A partir do primeiro semestre de 2006, pôde-se acompanhar toda a preparação para a aquisição, depósito e transporte de 495 quilos de cocaína, apreendidos em 18/8/2007 no Uruguai e que resultou na prisão em flagrante de Gustavo Duran Bautista, Angel Andrés Duran Parra, Neilson Mongelos, Plínio Lopes Ribeiro, Júlio César Duran Parra, Juan Carlos Villamil Parra e Fredy Angel Reina.
Em divisão de tarefas, os denunciados, sob o firme comando de Gustavo Duran Bautista, minuciosamente planejaram e executaram, a partir da cidade de São Paulo, todas as etapas para o tráfico de cocaína apreendida em solo uruguaio.
As investigações revelaram que Gustavo Duran Bautista negociou na cidade de São Paulo, em abril de 2006, a compra da droga com o fornecedor colombiano Orlando Rodriguez Castrillon. Para o armazenamento dos 495 quilos de cocaína foi adquirida uma propriedade rural em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. De lá, a droga partiria para a Argentina, onde seria camuflada em caixas de frutas comercializadas pela empresa Marimpex, que pertence ao grupo, e seguida para a Holanda, país que sedia duas empresas importadoras também da organização e que integram o esquema criminoso.
Em razão de uma medida de combate ao narcotráfico adotada pela polícia portenha que determinou a investigação de todos os contêineres daquela empresa, o grupo alterou os planos. A droga, então, seria transferida para o Uruguai, país onde foi adquirida uma propriedade rural (Estância Valentin) para pouso da aeronave e recepção da mercadoria ilegal, e na qual foi providenciada instalação da empresa Basevin (packing), onde seriam embaladas as frutas e camufladas as drogas em caixas de papelão. De lá, a droga seguiria para a Holanda juntamente com as frutas exportadas, para ser introduzida no mercado europeu.
Toda a atividade do grupo foi monitorada pela Polícia Federal em São Paulo, em intensa cooperação internacional com as autoridades uruguaias e holandesas. A execução do plano da transferência da droga da Bolívia para o território uruguaio engendrado durante os anos de 2006 e 2007, foi postergado por diversas vezes em razão das condições meteorológicas favoráveis ao vôo, da finalização da estrutura legal de exportação de frutas no Uruguai, de operações policiais realizadas na Bolívia, nas proximidades do local em que a droga estava guardada e da necessidade de transporte e entrega, em território nacional, do valor de um milhão de euros (ou dólares), para Gustavo Duran Bautista, quantia por ele exigida para os compradores da droga na Europa, como condição prévia da entrega da mercadoria proibida.
No dia 18.08.2007 foi finalmente executado o plano de transferência da droga. O avião Baron B-55, prefixo PT-JQW que a transportava saiu da Fazenda Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, e ao chegar na pista de pouso na Estância Valentin, situada aproximadamente 80 quilômetros a leste da cidade de Salto, no Uruguai, foi abordado pela polícia uruguaia que prendeu em flagrante os denunciados e apreendeu 13 (treze) fardos, contendo aproximadamente 495 quilogramas de cloridrato de cocaína, conforme imagens de fls.7576.
No Brasil, no dia 20/8/2007, em operação simultânea nos Estados da Bahia, Ceará, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, São Paulo e Santa Catarina, foram cumpridos mandados de prisão de outros integrantes da associação criminosa, e de busca e apreensão em 23 (vinte e três) endereços residenciais e comerciais vinculados ao grupo.
A denúncia tem por objeto a associação e financiamento para o tráfico internacional de substância entorpecente, crimes que ocorreram no território nacional, precipuamente na cidade de São Paulo, onde se concentravam grande parte de reuniões, negociações e atividades do agrupamento criminoso.
Os membros da organização comunicavam-se preferencialmente por skype, o messager do provedor MSN, correio eletrônico e telefones celulares, valendo-se de diversas alcunhas, códigos e de incessantes trocas de números, tudo a demonstrar a patente preocupação em não serem detectados por autoridades.
Além disso, realizavam reuniões, habitualmente em quartos de hotéis em São Paulo, onde residem Gustavo Duran Bautista e a apelante Isabel Mejias Morales, bem como outros integrantes do grupo. Os denunciados faziam constantes e numerosas viagens entre o Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia e Holanda, geralmente de curta duração, para tratar dos negócios ilícitos.
O dinheiro amealhado com a atividade criminosa circulava por meio de operações de 'doleiros', com a 'off-shore' Varcell Investiment S.A, estabelecida no Uruguai e sócia da empresa Marysol Empreendimentos e Participações Ltda, de Gustavo Duran Bautista, e, também, por meio de transportes feitos por 'mulas', como revelam as grandes quantias em espécies apreendidas na Espanha (fls. 5841), na França (fls. 5827 e 5841) e no Brasil (fls. 5806 e segs), todas comprovadamente ligadas ao esquema de tráfico comandado por Gustavo.
Gustavo dispunha de aeronaves (Baron e Navajo), pertencentes à empresa Mariad, utilizadas para o transporte de cocaína no Brasil e países da América do Sul, cuja manutenção era realizada no Hangar Marreco Comércio Administração e Serviços Ltda, de sua propriedade.
Aponta a denúncia que a associação entre os denunciados deu-se de forma estável e permanente, com a finalidade de cometimento reiterado de crime de tráfico internacional de entorpecentes, camuflada por atividade lícita de comércio e exportação de frutas.
A divisão de tarefas entre os membros da organização mostrou-se marcante, com funções definidas dentro de uma hierarquia entre seus integrantes. O comando da organização estava nas mãos de Gustavo Duran e se concentrava nessa cidade de São Paulo.
Feita a necessária narrativa dos fatos, a denúncia individualiza a conduta dos ora apelantes do seguinte modo:
ISABEL MEJIAS ROSALES
A acusada é venezuelana e esposa de Gustavo Duran Bautista, conhecedora profunda do esquema de tráfico internacional de entorpecentes coordenado pelo marido, colaborava e participava ativamente dos negócios ilícitos, contribuindo para sua manutenção e proteção.
Isabel atuava como intermediária entre os membros do grupo, estabelecendo contatos, repassando recados aos integrantes, informando datas de viagens e empresas aéreas; recebia e repassava valores em espécie, preocupava-se com a segurança das comunicações via telefone, utilizava tecnologia Skipe, imune à interceptação.
Muitas reuniões do grupo eram realizadas na sua residência, local onde os negócios eram tratados.
Apurou-se que Isabel empreendeu esforços para instruir advogado venezuelano a liberar dinheiro e soltura de pessoas presas com as quais foram apreendidos 1.002.505 euros em espécie, cuja parte foi por ela entregue a Pacho no Shopping Eldorado que se destinaria à compra da fazenda boliviana.
Em outra ocasião, apurou-se que Isabel intermediou entrega de dólares por doleiro indicado na denúncia, tendo informado a ele e ao corréu Khishna o local e forma da entrega da quantia na cidade de São Paulo.
As conversas por ela entabuladas com o contador do grupo, Wilson Pereira da Silva deixam claro que Isabel tinha plena ciência e participação nos negócios de Gustavo. Na ligação, o contador presta contas de seu trabalho a Isabel, demonstrando preocupação em ajustar a receita e investimentos nos negócios, questionando, em certa ocasião, se continuaria a trabalhar para ambos.
DANIEL MATHEUS - (VULGO 'GIGI')
Natural da Venezuela, pessoa que também usa o nome Ricardo David Costelo, em virtude de problemas que teve com as Farc's, no período em que residiu na Colômbia na década de 90.
Era o responsável pela preparação e manutenção das aeronaves de Gustavo Duran Bautista, para a realização de vôos de transporte de drogas e, após seu retorno ao Brasil, no início de 2007, também seria o responsável pela administração e operação do Hangar Marreco.
Dentre suas atividades na organização criminosa, no início de 2006 foi responsável pela instalação da empresa Basevin, no Uruguai, financiado por Gustavo e de onde seria exportada a cocaína acondicionada em caixas de frutas, disfarçadamente.
A empresa era mantida com dinheiro de Gustavo, que era administrado e utilizado por 'GIGI' e um 'packing' estava sendo construído em Salto, Uruguai.
Em depoimento prestado na Polícia Federal, Daniel Matheus admitiu ter viajado de Montevidéu a São Paulo, ao menos três vezes, para buscar dinheiro com Gustavo, em espécie, que foi aplicado no investimento da montagem da empresa uruguaia. Há registros de suas viagens em 25/11/2006, 04/01/2007 e 06/01/2007, 25/01/2007 e 29/01/2007.
Entretanto, por não ter correspondido às expectativas de Gustavo, foi substituído, em tal mister, pelo denunciado Júlio César Duran Parra, sobrinho daquele e foi trazido da Colômbia especificamente para concretizar a instalação da empresa Basevin. Após isso, 'GIGI' foi contactado por Gustavo para administrar a Hangar Marreco e para continuar a cuidar da manutenção das aeronaves da organização, em São Paulo. Passou, então, a residir em um imóvel de propriedade de Gustavo, localizado nesta capital.
Participou de diversas reuniões com os demais membros da organização, tanto no Brasil como no exterior, para a concretização do projeto no Uruguai, arrolando a denúncia essas reuniões em datas indicadas, locais e membros da organização encontrados nas oportunidades.
Apurou-se que a associação com Gustavo não era recente. No ano de 2003, 'GIGI' assinou contrato fictício celebrado entre ele e a empresa Mariad, pelo qual seria o comprador de frutas no valor de R$ 34.200.000,00 (trinta e quatro milhões e duzentos mil) reais, conforme apenso XV do inquérito policial. Em depoimento à autoridade policial, disse que não se recordava de tê-lo assinado, embora reconhecesse como sua a assinatura.
No dia 16/04/2004, Daniel foi à Holanda, na companhia de Gustavo e, a pedido deste, assinou um falso contrato de fornecimento de frutas celebrado também entre ele e a empresa Mariad, no qual figura como comprador de frutas no valor de um milhão e seiscentos mil euros (fls. 54/56, apenso XV do inquérito policial). O objetivo do falso contrato era conseguir a liberação de dinheiro pertencente a Gustavo e apreendido na Espanha.
Daniel afirmou à polícia que mantinha diálogos com Maurício e Gustavo sobre o andamento da instalação do packing no Uruguai.
Uma vez individualizada as condutas dos apelantes, passo ao exame das razões de apelo, iniciando pelo recurso interposto por Isabel Mejias Rosales.
DAS PRELIMINARES DE NULIDADE, prejudiciais à análise do mérito.
- Preliminar de nulidade das interceptações telefônicas e de todas as provas delas advindas.
Essa modalidade de prova autorizada judicialmente é aceita como válida, o que apontam julgados relativos ao tema, constituindo importante meio de prova e investigação.
Veja-se, a exemplo:
"CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO. PROVA. ESCUTA TELEFÔNICA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LEI Nº 9.296/96.
-Não contamina de nulidade o processo penal instaurado com base em prova obtida por meio de interceptação de linha telefônica realizada com autorização judicial deferida após a edição da Lei nº 9.296/96, que regulamentou o inciso XII, do art. 5º, da Carta Magna.
-Em sede de investigação de crime de tráfico de entorpecentes, em face da imensa dificuldade de sua apuração, é de se admitir a escuta telefônica como meio de prova para identificação da autoria.
Habeas-corpus denegado."
(STJ HC 20859, Sexta Turma, Rel. Vicente Leal, dec. unânime em 6/6/2002, DJ 1/7/2002 PÁG. 408).
Quanto ao prazo legal que, segundo a defesa, teria sido extrapolado, a interceptação telefônica se realiza de acordo com a necessidade de investigação dos fatos delituosos e será avaliada pelo juiz da causa, considerando-se os relatórios de investigação.
Nesse diapasão, colaciono jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal, em feito da relatoria do Eminente Ministro Nelson Jobim, no Tribunal Pleno, em Habeas Corpus nº 83.515-5/Rio Grande do Sul, no DJ de 04 de março de 2005:
"HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRAZO DE VALIDADE. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE OUTRO MEIO DE INVESTIGAÇÃO. FALTA DE TRANSCRIÇÃO DE CONVERSAS INTERCEPTADAS NOS RELATÓRIOS APRESENTADOS AO JUIZ. AUSÊNCIA DE CIÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ACERCA DOS PEDIDOS DE PRORROGAÇÃO. APURAÇÃO DE CRIME PUNIDO COM PENA DE DETENÇÃO.
1. É possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da L. 9.296/96.
A interceptação telefônica foi decretada após longa e minuciosa apuração dos fatos por CPI estadual, na qual houve coleta de documentos, oitiva de testemunhas e audiências, além do procedimento investigatório normal da polícia.
Ademais, a interceptação telefônica é perfeitamente viável sempre que somente por meio dela se puder investigar determinados fatos ou circunstâncias que envolverem os denunciados.
3.Para fundamentar o pedido de interceptação, a lei apenas exige relatório circunstanciado da polícia com a explicação das conversas e da necessidade da continuação das investigações. Não é exigida a transcrição total dessas conversas o que, em alguns casos, poderia prejudicar a celeridade da investigação e a obtenção de provas necessárias (art. 6º, parágrafo 2º, da L. 9.296/96).
4.Na linha do art. 6º, caput, da L. 9.296/96, a obrigação de cientificar o Ministério Público das diligências efetuadas é prioritariamente da polícia.
O argumento da falta de ciência do MP é superado pelo fato de que a denúncia não sugere surpresa, novidade ou desconhecimento do procurador, mas sim envolvimento próximo com as investigações e conhecimento pleno das providências tomadas.
5.Uma vez realizada a interceptação telefônica de forma fundamentada, legal e legítima, as informações e provas coletas dessa diligência podem subsidiar denúncia com base em crimes puníveis com pena de detenção, desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a interceptação.
Do contrário, a interpretação do art. 2º, III, da L. 9296/96 levaria ao absurdo de concluir pela impossibilidade de interceptação para investigar crimes apenados com reclusão quando forem estes conexos com crimes punidos com detenção.
Habeas Corpus indeferido".
Também no mesmo sentido, veja-se a ementa em caso similar no RHC 13.274, de Relatoria do Eminente Ministro do E. Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp, publicada no DJ de 29/09/03, pág. 276:
".....
A interceptação telefônica deve perdurar pelo tempo necessário à completa investigação dos fatos delituosos.
II. O prazo de duração da interceptação deve ser avaliado pelo Juiz da causa, considerando os relatórios apresentados pela Polícia.
III.O habeas corpus é meio impróprio para a análise das alegações que não encontram pronto respaldo nos documentos carreados ao feito, quais sejam, de que as interceptações teriam sido deferidas sem que a polícia procedesse anteriormente a qualquer ato investigatório dos delitos, de que a prova dos crimes de que foram acusados os pacientes poderia ter sido obtida por outros meios, e da confiabilidade questionável das degravações juntadas aos autos.
IV.Não se pode exigir que o deferimento das prorrogações (ou renovações) seja sempre precedido da completa transcrição das conversas, sob pena de frustrar-se a rapidez na obtenção da prova.
V.Não se faz necessária a transcrição das conversas a cada pedido de renovação da escuta telefônica, pois o que importa, para a renovação, é que o Juiz tenha conhecimento do que está sendo investigado, justificando a continuidade das interceptações, mediante a demonstração de sua necessidade.
VI.A lei exige que seja feita a transcrição das gravações ao final da escuta, a fim de que o conteúdo das conversas seja juntado ao processo criminal.
VII. Não procede a alegação de nulidade nas interceptações pelo fato de o Ministério Público não ter sido cientificado do deferimento das medidas investigatórias, se sobressai que o parquet acompanhou toda a investigação dos fatos, inclusive a interceptação das comunicações telefônicas dos pacientes não sendo necessário que fosse formalmente intimado de cada prorrogação das escutas.
VIII.O Juiz, ao determinar a escuta telefônica, o faz com relação às pessoas envolvidas, referindo os números de telefones, não cabendo à autoridade policial fazer qualquer tipo de "filtragem".
IX.A avaliação dos diálogos que serão usados como prova cabe ao Julgador, quando da sentença.
X. Hipótese em que não foi determinada a quebra do sigilo do advogado em nenhum momento, ocorrendo apenas gravações e transcrições automáticas de algumas ligações recebidas do advogado pelos investigados.
XII. Se, no curso da escuta telefônica - deferida para a apuração de delitos punidos exclusivamente com reclusão - são descobertos outros crimes conexos com aqueles, punidos com detenção, não há porque excluí-los da denúncia, diante da possibilidade de existirem outras provas hábeis a embasar eventual condenação.
XIII.Não se pode aceitar a precipitada exclusão desses crimes, pois cabe ao Juiz da causa, ao prolatar a sentença, avaliar a existência dessas provas e decidir sobre condenação, se for o caso, sob pena de configurar-se uma absolvição sumária do acusado, sem motivação para tanto.
É lícita a interceptação telefônica deferida por Autoridade Judicial, atendendo representação feita pela Polícia, de maneira fundamentada e em observância às exigências legais.
Recurso desprovido".
De ser lembrado ainda, no tocante à interceptação telefônica, em face da alegação defensiva, haver ressaltado o MM.Juízo a quo que as investigações não redundaram novas ou autônomas, mas sim provieram de um aprofundamento das investigações já existentes em reforço à suspeita de vínculos entre os envolvidos.
O pedido foi deferido pelo MM. Juízo de primeiro grau, por se tratar de fatos de extrema gravidade. Durante o período de interceptação, constatou-se que os investigados mantinham contato em comum para operações envolvendo tráfico em exportações para o exterior.
Por fim, anoto que a decisão que deferiu a interceptação está devidamente fundamentada, a teor dos requisitos previstos na Lei nº 9.296/96 com prorrogações justificadas diante da complexidade dos fatos com vários envolvidos, tendo sido conduzida a medida excepcional dentro dos princípios de razoabilidade e proporcionalidade, diante da grandeza da estrutura criminosa objeto de cooperação técnica internacional da polícia, em face de suposto cometimento de outros tipos de crime, dentre eles, lavagem de dinheiro em euros proveniente do tráfico (fls. 225) e conforme a todo o arcabouço de elementos indiciários indicado nos autos do procedimento nº 2003.61.81.008558-8.
Não vislumbro, pois, ilegalidade a ensejar nulidade.
NULIDADE POR FALTA DE TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DAS CONVERSAS
O art. 6º, § 2º, da Lei nº 9296/96, regula a matéria, prevendo que sejam transcritas as conversas que dão lastro à busca da verdade real, respeitando o direito de intimidade das pessoas investigadas, sendo de todo despicienda a juntada do teor integral das conversas.
A respeito, trago à colação:
"PROCESSUAL PENAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIA PROBATÓRIA. OFENSA REFLEXA. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS JUDICIALMENTE AUTORIZADAS. DEGRAVAÇÃO INTEGRAL. DESNECESSIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
I - Este Tribunal tem decidido no sentido de que o indeferimento de diligência probatória, tida por desnecessária pelo juízo a quo, não viola os princípios do contraditório e da ampla defesa. Precedentes.
II - No julgamento do HC 91.207-MC/RJ, Rel. para o acórdão Min. Cármen Lúcia, esta Corte assentou ser desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas, sendo bastante que se tenham degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida.
III - Impossibilidade de reexame do conjunto fático probatório. Súmula 279 do STF. IV - Agravo regimental improvido".
(STF, AI-AgR 685878 AI-AgR - AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Relator(a) RICARDO LEWANDOWSKI) - grifo nosso.
DA ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA
Sustenta a defesa que não houve descrição mínima dos fatos e suas circunstâncias a eivar de nulidade a ação penal.
Não vislumbro a mencionada nulidade. Conforme descrito na individualização da conduta acima narrada, presentes estão os requisitos legais da peça acusatória regidos pelo disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, o que possibilitou a resposta da acusada à imputação que lhe foi impingida, ensejando a fruência do direito de contraditório e ampla defesa.
Nesse sentido:
"RECURSO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. COAUTORIA. PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS. INICIAL ACUSATÓRIA QUE DESCREVE CRIME EM TESE. AMPLA DEFESA GARANTIDA. INÉPCIA NÃO EVIDENCIADA.
1. Não pode ser acoimada de inepta a denúncia formulada em obediência aos requisitos traçados no art. 41 do CPP, descrevendo perfeitamente os fatos típicos imputados, crimes em tese, com todas as suas circunstâncias, atribuindo-os ao paciente, terminando por classificá-los, ao indicar os ilícitos supostamente infringidos.
2. Se a vestibular acusatória narra em que consistiu a ação criminosa do paciente e dos demais agentes nos delitos em que lhes incursionou, permitindo o exercício da ampla defesa, é inviável acolher-se a pretensão de invalidade da peça vestibular. [...]".
(STJ - HC 200802689290 HC - HABEAS CORPUS - 122728 Relator(a) JORGE MUSSI QUINTA TURMA Fonte DJE DATA:30/11/2009).
"PENAL - APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO PRATICADO CONTRA A ECT- ART. 157 DO CP - DENUNCIA - PREENCHIDOS OS REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CPP - GARANTIDA A AMPLA DEFESA E O CONTRADITÓRIO - PRELIMINAR REJEITADA - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS - ARTIGO 59 DO CP - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - REGIME PRISIONAL INICIAL - FECHADO - RECURSO DO RÉU IMPROVIDO - RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROVIDO.
1. Preliminarmente, verifico que constam da denúncia todos os requisitos previstos do artigo 41 do Código de Processo Penal, não havendo que se falar em sua inépcia. 2. Por outro lado, a inépcia da denúncia só deverá ser decretada, se ausentes os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, ou houver alguma restrição ao contraditório e à ampla defesa. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Preliminar rejeitada" (TRF3 - ACR 200403990055702 ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 16446 Relator(a) Des. Fed. RAMZA TARTUCE Órgão julgador QUINTA TURMA Fonte DJU DATA:20/09/2005 PÁGINA: 347).
"PROCESSO PENAL - HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL - CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA: DENÚNCIA GENÉRICA E RESPONSABILIDADE OBJETIVA - AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO - ORDEM DENEGADA.
[...]
Denúncia com a imputação regular de fato criminoso. Tratando-se de crime societário, urdido às ocultas em gabinetes fechados, pode ser tratado genericamente na denúncia sem que seja necessário nesse momento especificar com detalhes a conduta de cada partícipe.
Desde que a peça acusatória trate o fato delituoso de forma clara, desvelando os eventos essenciais componentes da conduta que assume tipicidade sem maiores dificuldades de intelecção, descabe falar-se em inépcia por falta de maior minudência na especialização do comportamento criminoso de cada imputado. Precedentes dos Tribunais Superiores.
[...]"
(TRF - TERCEIRA REGIÃO Classe: HC - HABEAS CORPUS - 19707 Processo: 2004.03.00.012822-6 Des. Fed. Rel. Johonsom Di Salvo).
Lembro, por fim, que uma vez proferida a sentença, resta a matéria superada pela preclusão.
Afasto, pois, a argüição de nulidade.
DA NULIDADE DECORRENTE DA VIOLAÇÃO AO ART. 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Nulidade que seria decorrente da não realização de re-interrogatório ao final da instrução processual.
O preceito que assegura o interrogatório ao final da instrução processual adveio com a edição da Lei nº 11.719/08, vigente a partir de 22 de agosto de 2008, quando já havia sido encerrada a instrução processual no presente caso, encerramento datado de 26 de junho de 2008.
Portanto, foi aplicada a lei que vigia ao tempo dos atos processuais praticados e que não foram alcançados pela nova regulamentação processual. O art. 2º do Código de Processo Penal dispõe que a lei processual é de aplicação imediata, o que não se confunde com a retroatividade pretendida pela recorrente, ou seja, os atos consolidados sob a égide de lei anterior não são passíveis de aplicação obrigatória de disposições processuais posteriores, somente podendo ser alcançados nas instruções processuais ainda em andamento, o que não ocorreu in casu.
Não há, pois, qualquer nulidade em face de pretensa ocorrência de cerceamento de defesa.
DA NULIDADE EM FACE DA AUSÊNCIA DA RÉ PARA OITIVA DA TESTEMUNHA DO JUÍZO - APONTADO CERCEAMENTO DE DEFESA.
Apontada nulidade consubstanciada na falta de requisição da apelante, presa na Penitenciária Feminina da Capital/São Paulo, para audiência da testemunha Heverth Alejandro Duran Leal realizada na Subseção Judiciária de Juazeiro/Bahia.
Também aqui, não vejo nulidade.
A defesa da apelante Isabel foi devidamente intimada da realização do ato de expedição de carta precatória (fls. 1.015/1016), não olvidando o fato de que o Juízo de Juazeiro/Bahia comunicou ao Juízo deprecante, São Paulo a data da audiência a ser realizada para a oitiva da testemunha.
De todo o modo, o Juízo deprecado cuidou de nomear defensor ad hoc, em garantia dos direitos constitucionais da defesa, em face do não comparecimento voluntário do advogado da ré na comarca da outra cidade.
Não prospera a alegação de prejuízo em torno da valoração de importância do depoimento prestado pela testemunha juntado aos autos. A sentença condenatória não se baseou somente nas palavras daquela testemunha, e, sim, em todo o complexo probatório reproduzido.
No que se refere ao argumento de ocorrência de cerceamento de defesa, não há nulidade a ser sanada, quando não se trouxe prejuízo concreto às partes, mormente quando a defesa teve ciência da expedição da Carta Precatória para tal ato processual, tornando-se desnecessária intimação da data da audiência, nos termos do Enunciado da Súmula nº 273 do STJ), verbis.
"Intimada a defesa da expedição de carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado".
Lembro que o Direito Brasileiro adotou o princípio pas de nullité sans grief segundo o qual "no cenário das nulidades, atua o princípio geral de que, inexistindo prejuízo, não se proclama a nulidade do ato processual, embora produzido em desacordo com as formalidades legais" (Guilherme de Souza Nucci, Código de Processo Penal Comentado, ed. RT, 3ª edição, p. 830).
Ainda a respeito, preleciona o ilustre jurista que "ao longo da instrução, vários prazos para manifestações e produção de provas são concedidos às partes. Deixar de fazê-lo pode implicar em um cerceamento de acusação ou de defesa, resultando em nulidade relativa, ou seja, se houver prejuízo demonstrado" (Ob. cit., p. 838).
Ademais, importante ressaltar o preceituado no artigo 566 do Código de Processo Penal, verbis:
"Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa".
Não havendo falar-se, portanto, em causação de prejuízo à acusada, prejuízo este que, como é cediço, deve ser efetivamente demonstrado, nos termos da interpretação sistemática dos artigos 563 a 573 do CPP e da Súmula nº 523 do Colendo Supremo Tribunal Federal, verbis:
'No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu'.
Rechaço, pois, a nulidade.
DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO DOS RECURSOS EM RELAÇÃO A AMBOS OS RÉUS
As defesas asseveram a não comprovação da efetiva participação de ambos os apelantes na organização criminosa voltada ao tráfico transnacional de entorpecentes.
Contudo, nesse aspecto, a sentença há de ser mantida.
A materialidade delitiva está comprovada nos autos e vem demonstrada nas apreensões de entorpecentes realizadas nos anos de 2001, 2003 e 2007, associadas ao conteúdo do monitoramento telefônico, através do qual se desvendou os itinerários da rota da droga, as empresas envolvidas e propriedades utilizadas como local do entreposto e armazenagem do tóxico. O armazenamento inicial localizava-se na Colômbia, onde a droga era adquirida e posteriormente transportada para propriedades sediadas no Paraguai, Argentina, Uruguai e Brasil.O entorpecente era embalado nas empresas Marimpex, Mariad e Basevin e remetido ao exterior por meio das importadoras Eurosouth e Southamerican, situadas na Holanda.
A materialidade está ainda comprovada pela efetiva atividade desempenhada pelos apelantes a perseverar na manutenção da estrutura criminosa, em vínculo permanente e estável entre seus membros em suas especifidades de tarefas, o que assegurou os transportes das cargas, inclusive com o uso de aeronave e o êxito das condutas, voltadas para o tráfico em países da América Latina e Europa, como será abordado a seguir no exame da autoria delitiva.
Corroboram, ainda, à demonstração da materialidade delitiva, os laudos periciais realizados: Laudo de Exame Documentoscópico-Grafoscópico, Exame de Equipamento Computacional e de Armazenamento em Computador e Celular.
QUANTO À AUTORIA DELITIVA
ISABEL MEJIAS ROSALES
A negativa da ré no sentido de que não participava do crime não encontra respaldo nos autos, em face da robusta prova acusatória ali existente.
Os elementos colhidos evidenciam que Isabel tinha ciência da prática criminosa que era realizada, em parte, dentro do seu domicílio em consonância com a participação do corréu Gustavo Duran Bautista, com quem vive em união estável.
Ao contrário do que aduz a defesa no sentido de que foi ela incriminada apenas em razão dessa união, consigno que provado restou que Isabel agia visando facilitar o tráfico, comandando a entrega do dinheiro ilícito a seus integrantes, tendo travado diálogos acerca de um milhão de euros apreendidos no Aeroporto Internacional de Guarulhos/São Paulo, relacionados à libertação de pessoas presas, os venezuelanos Leda Clavijo Rondon, Janeth Clavijo Rondon, Jenny Karelis Ortis Nino e Rafael Bernardo Gutierrez, desempenhando papel importante na organização, ao empreender esforços para a liberação do dinheiro.
Ao ser interrogada em juízo, a respeito da apreensão ocorrida na fazenda, a ré disse que o dono da droga era ROBERTO, pessoa que não conhecia e que ali estava sem o seu conhecimento.
Todavia, a versão é inverossímil, considerando-se a apreensão, naquele local, de balanças digitais de alta precisão, seladoras térmicas e à vácuo, prensas com capacidade de 30 toneladas, materiais sabidamente relacionados ao tráfico de grande quantidade de drogas.
Os diálogos interceptados pela Polícia Federal apontam a efetiva participação da ré na organização, figurando como sócia-proprietária das empresas Mariad Importação e Exportação de Gêneros Alimentícios, Marysol Emprendimentos e Participações Ltda, Hangar Marreco Comércio e Administração e Serviços Ltda, Aero Táxi Atual Ltda., Decisão Comercial de Veículos Ltda, conforme declaração de Imposto de Renda Pessoa Física. A Natal Frutas era comandada por 'laranjas' e pertencia a Isabel e Gustavo.
Em seu depoimento, Herveth Alejandro, afirmou que Isabel tinha participação nos negócios da fazenda, administração das operações e compra de insumos e embalagens, acompanhando toda a parte produtiva e administração de outros imóveis, não se dedicando exclusivamente às atividades do lar.
Acertadamente, arremata a sentença entendimento que toca à razão da aquisição dos inúmeros bens e elevados montantes em dinheiro postos em circulação pela organização:
"Conclui-se, portanto, que Isabel tinha participação de fato e pleno conhecimento dos negócios referentes à empresa e aos imóveis, em outras palavras, não se dedicava exclusivamente às atividades do lar e maternas. É certo, ainda que as atividades empresariais "lícitas" do casal não geraram qualquer lucro, ao revés, apenas prejuízos, uma vez que nem sequer se auto-sustentavam. Não por outro motivo, Oswaldo foi contratado justamente para tentar enxugar os gastos (fechar as torneiras, como ele mesmo disse) e torná-las minimamente lucrativas.
Disso decorre que todos os bens móveis e imóveis pertencentes a ISABEL e às empresas das quais é sócia-proprietária, seja formalmente, seja de fato, foram necessariamente adquiridos com dinheiro proveniente do tráfico de entorpecentes, este sim bastante lucrativo haja vista os grandes volumes de moeda brasileira e estrangeira que circulavam entre os membros da organização por 'mulas', aplicados no exterior, e que foram utilizados para o financiamento do plano Bolívia/Uruguai".
Assim, ficou provado que, na qualidade de companheira de Gustavo, por mais de dez anos, a ré tinha ciência dos crimes cometidos e participava ativamente dos mesmos, gerindo empresas e negócios voltados ao tráfico de entorpecentes cometido em grande escala.
Mantenho, pois, a decisão condenatória.
DANIEL MATHEUS
As provas trazidas aos autos demonstram que era ele o piloto das aeronaves do grupo, atuando na compra de peças e manutenção, ciente de que serviriam de transporte de grande quantidade de drogas entre os países citados, fato esclarecido nos depoimentos testemunhais colhidos.
A testemunha Oswaldo Sena disse que Daniel era encarregado de realizar a manutenção das aeronaves no Hangar Marreco e que tinha contatos com empresas de prestação de serviços mecânicos.
A testemunha Heverth Alejandro, sobrinho de Gustavo foi categórica ao afirmar que Daniel pilotava as aeronaves da organização e que, em diversas oportunidades, ele próprio, já havia viajado com Daniel como piloto.
A alegação de que suas palavras são provenientes de sentimento de vingança não encontra respaldo em provas, razão pela qual não pode ser admitida como verdadeira.
Ao oposto, desse depoimento extrai-se o seguinte texto:
"A primeira vez que veio a Juazeiro foi feita no avião modelo Navarro de propriedade de Gustavo, cujo piloto foi GIGI, que naquela oportunidade se apresentou como Daniel Costelo, que posteriormente teve oportunidade de ver os dois passaportes de GIGI, um com nome de Daniel Matheus e outro com nome de Richard Costelo, isso por ocasião de uma viagem posterior em que fizeram uma parada em Aracati/CE, para visitar a Fazenda Natal Frutas, que uma coisa sempre comentada, principalmente pela tia do depoente Isabel era o fato de que como o seu tio Gustavo ainda utilizava um piloto que não tinha autorização para voar no Brasil; que saiam de Campo de Marte até Jundiaí com a aeronave pilotada por RALPH ou PLÍNIO e em Jundiaí GIGI assumia o comando da aeronave; Daniel pilotou o avião para Juazeiro umas oito vezes, que normalmente era o Navajo e duas vezes era um modelo menor, salvo engano o modelo Baron; que nas viagens o depoente se encontrava com GIGI"(fls. 1439/1450).
Em interrogatório, Daniel disse que veio ao Brasil no ano de 2000, a convite de Gustavo para realizar trabalho de 'consultoria de avião' (fls.905). Desde então, vem trabalhando para a organização como responsável pela manutenção, vistoria, negociações de aeronaves utilizadas no tráfico.
Tal fato vem corroborado pela compra de aeronave por ele utilizada no transporte de droga apreendida pelos policiais federais, em reforço ao contido nos diálogos interceptados e mantidos entre Daniel e Gustavo, a exemplo do teor do relatório policial constante dos autos 2003.61.81.008558-8, ocasião na qual Gustavo reclama de falta de solução ao negócio, recomendando-o que venha até a São Paulo tratar do assunto.
Daniel negou a prática de atuar como piloto, mas verifica-se que tal se deu porque não possuía autorização para tanto, frente à legislação brasileira. Contudo, os diálogos interceptados bem clareiam a questão.
Com efeito, foi ele incumbido de comprar a aeronave Baron B-58 para o tráfico de cocaína que sairia da Argentina, conforme está no Procedimento nº 2003.8858-8, nos diálogos efetuados com Gustavo.
Daniel foi à Holanda com Gustavo e assinou contrato de financiamento de frutas celebrado com a empresa Mariad, no qual figura como comprador de frutas no valor de um mil e seiscentos euros (apenso XV do inquérito policial).
Foi ele responsável pela instalação da empresa Basevin, no Uruguai, a mando e expensas de Gustavo, de onde sairia a droga de forma dissimulada em caixas de frutas destinadas à Europa. Foi, ainda, incumbido por Gustavo de instalar e administrar a packing Basevin naquele país, tendo alugado um galpão que deveria ter muros altos, ser longe da cidade e ter capacidade para receber caminhão, conforme depoimento prestado pelo policial Hamilton Campos.
Toda a instalação foi custeada por Gustavo, através de depósitos feitos na conta de 'GIGI' que viajou várias vezes de São Paulo a Montevidéu, a fim de buscar dinheiro.
Impende consignar, pelo constante dos autos, que 'GIGI' não dispõe de fonte de renda conhecida no Brasil ou exterior para permanecer em outro país, a não ser que às custas e convite de Gustavo, mais um fator a demonstrar a ligação dos mesmos com a prática delitiva de tão alto lucro.
Apurou-se que quando da montagem da estratégia para remessa de drogas à Europa, Daniel realizou inúmeras viagens e participou de diversas reuniões com os demais membros do grupo, tanto no Brasi,l como no exterior, consoante se depreende dos encontros mantidos com Maurício, Angel, Gustavo e Luis Francisco em hotéis na cidade de São Paulo.
Tenho, pois, por dever ser mantida a condenação.
DA DOSIMETRIA DAS PENAS
PARA DANIEL MATHEUS
Pena base fixada na sentença 6 (seis) anos de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa;
Deve ser mantida nesse patamar acima do mínimo legal, diante das circunstâncias do art. 59 do Código Penal e da norma prevista no art. 42, da Lei nº 11.343/06, quantidade e natureza da droga a prevalecer nessa fase.
Tais circunstâncias se apresentam desfavoráveis ao réu, em face da apreensão de 500 quilos de cocaína, de efeito altamente lesivo. São desfavoráveis a conduta social e personalidade, prestando-se, sem escrúpulos, a dedicar-se à grave atividade ilícita, por motivos injustificáveis. As conseqüências do crime são gravíssimas, em face das elevadas quantias em dinheiro fruto de ilícito que fomentou o narcotráfico, de efeitos altamente deletérios para a sociedade, sendo crime fator desencadeador de tantos outros crimes, tais como lavagem de dinheiro, evasão de divisas, a atingir pluralidade de objetividades jurídicas, como a saúde pública, o sistema financeiro nacional, além de outros crimes ramificados derivados do tráfico de entorpecentes.
Na terceira fase, reputo presente a comprovação da internacionalidade delitiva, o que claramente se depreende de todo o exposto nesse voto, causa reconhecida na sentença, a estabelecer a pena de 7 (sete) anos e 700 (setecentos) dias-multa, aumento operado no mínimo legal e à razão de um trigésimo do salário mínimo e que merece ser mantido.
Mantenho, igualmente, o regime inicial fechado fixado na sentença, nos termos do art. 33§ 3º do Código Penal, regime que mais se adequa ao caso dos autos, em face da amplitude delitiva, a justificar a segregação em conformidade com os fins da pena, a prevenção e repressão do crime.
PARA ISABEL MEJIAS ROSALES
Acertada a pena-base fixada em 8 (oito) anos de reclusão e 1000 (mil) dias-multa, considerando-se as vertentes preponderantes do art. 42 da Lei nº 11.343/06 e circunstâncias do art. 59 do Código Penal.
Essas circunstâncias lhes são desfavoráveis, levando-se em conta a colaboração prestada ao narcotráfico de grande envergadura (quase quinhentos quilos) destinado à Europa de maneira dissimulada de substância cocaína de alto poder lesivo à saúde pública, tendo sido condenada por cooperação para o tráfico na Venezuela. A culpabilidade é de grau intenso, em face da facilitação a assegurar a circulação de drogas de grandes quantias em dinheiro, tendo assumido papel importante e decisivo para a manutenção de toda a estrutura meticulosamente montada para a obtenção de êxito no desiderato delitivo.
A pena de multa há de ser mantida em razão da proporcionalidade à pena privativa de liberdade e em consonância com os critérios elencados no art. 59 do Código Penal.
Mantenho a causa de aumento pela internacionalidade, tal como para o corréu, a justificar o aumento de pena para 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial fechado e 1.166 (um mil, cento e sessenta e seis) dias-multa, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal, arbitrados os dias-multa em cinco vezes o valor do salário mínimo corrigido da data do fato, em face do elevado poder aquisitivo da ré que possui várias propriedades móveis e imóveis. O valor do dia-multa restou fixado com lastro no disposto no art. 43, da Lei nº 11.343/06.
Assim, merece ser mantida a pena que lhe foi imposta.
Por conseqüência, os recursos de ambos os réus não merecem provimento.
DA RESTITUIÇÃO DOS BENS E PEDIDO DE FIEL DEPÓSITO
Não merece guarida o pedido, uma vez que o perdimento não foi decretado nestes autos, tendo sido tal apreciação transferida para o feito desmembrado.
Veja-se decisão a respeito na sentença:
"Em que pesem as alegações apresentadas pela representante ministerial, entendo que a análise do cabimento ou não da decretação do perdimento de bens apreendidos na "Operação São Francisco" deve ocorrer quando da prolação da sentença com relação a Gustavo Duran Bautista, vez que os bens aqui relacionados, em razão da união estável entre ele e ISABEL, como inclusive salientou a representante ministerial, pertencem a ambos e seria prematura decisão com relação a referido perdimento nesse momento".
Correta a decisão, a evitar comandos legais dissonantes por Juízos diferentes a respeito da mesma matéria.
Ademais, os veículos em questão foram apreendidos com vistas à destinação de pena de perdimento, nos termos do art. 91, inc.II, alínea "b", do Código Penal, o que ainda está pendente no feito desmembrado em relação a Gstavo Duran Bautista e são bens que pertenceriam a Gustavo e Isabel em decorrência de união estável, ou seja, em tese, pertencentes a ambos, razão pela qual há de se interpretar a apreensão como retenção de bens que ainda interessam ao processo, conforme dispõe o art. 118 do Código de Processo Penal.
Por outro lado, não se justifica a nomeação de fiel depositário se o bem é produto de dinheiro provindo de crime, mais precisamente, de tráfico de entorpecentes, devendo ser postergada a apreciação do pleito ao final das ações penais principal e desmembrada.
DA DECISÃO SOBRE MULTAS EMITIDAS AO TEMPO EM QUE A RÉ ISABEL ESTAVA PRESA E OS VEÍCULOS APREENDIDOS - APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO QUE OFICIOU AO DETRAN PARA ANULAÇÃO DE MULTAS, PLEITO QUE NÃO ENFRENTOU OPOSICÃO POR PARTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
Entendo que o deferimento do pedido da cancelamento dos pontos referentes às multas correspondentes às notificações constantes de fls. 2237/2251, conforme anuído pelo Ministério Público Federal é decisão inviável de reconsideração, considerando-se que já expedido o ofício e consolidado o ato que teve por esteio a comprovação de que as infrações de trânsito não foram cometidas pela ré.
Quanto à extensão do pedido aos demais veículos apreendidos, assiste razão ao parquet, no tocante à natureza administrativa da dedução, cabendo à parte, ao final da ação, pleitear o que de direito, primeiramente, junto ao órgão que mantém a guarda dos bens, razão pela qual resta indeferido o pleito.
DO PEDIDO DE ABRANGÊNCIA DE EXCLUSÃO DE TODAS AS MULTAS LANÇADAS NO CADASTRO DOS VEÍCULOS DOS ANOS 2007 A 2011 QUE ESTÃO EM POSSE DA POLÍCIA FEDERAL.
Às fls. 2269, requisitei informações a respeito das multas aplicadas no período em que o veículo esteve apreendido, sobrevindo ofício do DETRAN, noticiando a existência de 50 multas atribuídas ao condutor do veículo de placa DOO - 7885 após a data de 20/8/2007, sendo que desse total de infrações de trânsito, apenas uma é anterior à data em questão.
A seguir, a defesa peticionou para que o pedido se estendesse a outros veículos, nas mesmas condições: Pajero de placa ECF 7878, Hyundai de placa DAE 4944, não se restringindo apenas ao Ford Ecosport DOO 7885 e juntou documentos.
Considerando-se que o pedido é de caráter administrativo, conforme acima esboçado, resulta indeferido.
PARTE DISPOSITIVA
Ante tais fundamentos, rejeito as preliminares arguidas e nego provimento aos recursos.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055 |
Nº de Série do Certificado: | 47D97696E22F60E3 |
Data e Hora: | 26/03/2012 16:53:06 |