Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 09/05/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003833-20.2002.4.03.6181/SP
2002.61.81.003833-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : ROBERTO VILLANI SANTIAGO
: INES CELEGHINI VILLANI SANTIAGO
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : Justica Publica
APELADO : JOSE SANTIAGO PAVAO
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. DECLARAÇÃO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO TOTAL E PARCIAL DA PRETENSÃO PUNITIVA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONSUMAÇÃO COM A MERA AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO. CONTINUIDADE DELITIVA. CONDENAÇÕES MANTIDAS. DOSIMETRIA DA PENA. PENAS-BASE MAJORADAS. CONSEQÜÊNCIAS DO CRIME.
1- Materialidade delitiva e autoria comprovadas pelos documentos que instruíram o procedimento administrativo, devidamente corroborados por prova testemunhal.
2- Apesar do acusado Roberto Villani Santiago, em alegações finais, trazer aos autos vários exames clínicos, sustentando que estava enfermo, não são hábeis a comprovar que se afastou de suas atividades empresariais, pois eventual prova teria que ser produzida de maneira robusta e incontestável de maneira a afastar a sua responsabilidade.
3- O tipo penal da apropriação indébita previdenciária é de natureza formal, e exige apenas o dolo genérico consistente na conduta omissiva de deixar de recolher, no prazo legal, contribuição destinada à Previdência Social que tenha sido descontada de pagamentos efetuados aos empregados. Não se exige do agente o animus rem sibi habendi dos valores descontados e não repassados, uma vez que a consumação do delito se dá com a mera ausência de recolhimento da contribuição.
4- A defesa não conseguiu comprovar que as dificuldades financeiras vivenciadas pela empresa tenham sido diferentes daquelas comuns a qualquer atividade de risco de modo a caracterizar a inexigibilidade de conduta diversa.
4- A continuidade delitiva (artigo 71, do Código Penal) deve ser reconhecida, considerando-se a ofensa ao mesmo bem jurídico, e as mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução.
5- Condenações mantidas.
6- As penas-base devem ser fixadas em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 68 (sessenta e oito) dias-multa para cada réu, em razão do grande prejuízo causado aos cofres previdenciários.
7- Sem circunstâncias agravantes ou atenuantes.
8- As penas devem ser definitivamente fixadas em 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 113 (cento e treze) dias-multa para o réu Roberto Villani Santiago e 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 79 (setenta e nove) dias-multa para a ré Inês Celeghini Villani Santiago, pois o aumento decorrente da continuidade delitiva está de acordo com o entendimento desta Corte (TRF 3ª Região, Segunda Turma, ACR nº 11780, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos).
9- O regime inicial de cumprimento de pena e a substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos e multa devem ser mantidos tão somente em relação à acusada Inês, pois de acordo com as regras previstas no artigo 44, § 2º, do Código Penal.
10- O regime inicial de cumprimento de pena passa a ser o semi-aberto, nos termos do artigo 33, § 2º, "b", do Código Penal, não cabendo a substituição por penas restritivas de direitos, ante a ausência do requisito do artigo 44, inciso I, do Código Penal, quanto ao acusado Roberto.
11- Ex officio, declaração de extinção da punibilidade, pela prática do crime previsto no artigo 168-A, c.c. artigo 71, ambos do Código Penal, do réu José Santiago Pavão, com fundamento nos artigos 107, IV, 109, III e 115, todos do Código Penal e artigo 61, caput, do Código de Processo Penal; bem como dos demais réus tão somente em relação às competências anteriores à julho de 1992, inclusive, pela ocorrência da prescrição punitiva estatal, na modalidade retroativa, com fundamento nos artigos 107, IV, 109, III e 110, § 2º (na redação anterior à Lei nº 12.234/10), todos do Código Penal e artigo 61, caput, do Código de Processo Penal; apelação da defesa a que se nega provimento e apelação da acusação a que se dá parcial provimento para majorar as penas-base dos réus, as quais restam definitivamente fixadas em 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 113 (cento e treze) dias-multa para o réu Roberto Villani Santiago, e 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 79 (setenta e nove) dias-multa para a ré Inês Celeghini Villani Santiago, devendo aquele cumprir a pena em regime inicial semi-aberto, não cabendo a substituição por penas restritivas de direito, devendo ser mantida a substituição, nos termos da sentença, para a corré Inês, pelo tempo de duração da pena ora aplicada em relação a prestação de serviços à comunidade, na forma do artigo 44 do Código Penal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, declarar, ex officio, extinta a punibilidade pela prática do crime previsto no artigo 168-A, c.c. artigo 71, amos do Código Penal, do réu José Santiago Pavão, com fundamento nos artigos 107, IV, 109, III e 115, todos do Código Penal e artigo 61, caput, do Código de Processo Penal, bem como dos demais réus tão somente em relação às competências anteriores à julho de 1992, inclusive, pela ocorrência da prescrição punitiva estatal, na modalidade retroativa, com fundamento nos artigos 107, IV, 109, III e 110, §2º (na redação anterior à Lei nº 12.234/10), todos do Código Penal e artigo 61, caput, do Código de Processo Penal; negar provimento à apelação da defesa e dar parcial provimento à apelação da acusação para majorar as penas-base dos réus, as quais restam definitivamente fixadas em 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 113 (cento e treze) dias-multa para o réu Roberto Villani Santiago, e 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 79 (setenta e nove) dias-multa para a ré Inês Celeghini Villani Santiago, devendo aquele cumprir a pena em regime inicial semi-aberto , não cabendo a substituição por penas restritivas de direitos em face da pena aplicada, mantendo-se a substituição nos termos da sentença para a corre Inês, pelo tempo de duração da pena ora aplicada em relação a prestação de serviços á comunidade, na forma do artigo 44 do Código Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 23 de abril de 2012.
LOUISE FILGUEIRAS
Desembargadora Federal Relatora


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003833-20.2002.4.03.6181/SP
2002.61.81.003833-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : ROBERTO VILLANI SANTIAGO
: INES CELEGHINI VILLANI SANTIAGO
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APELANTE : Justica Publica
APELADO : JOSE SANTIAGO PAVAO
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS

RELATÓRIO

A EXCELENTÍSSIMA JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LOUISE FILGUEIRAS:


Trata-se de apelações criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pelos réus ROBERTO VILLANI SANTIAGO e INÊS CELEGHINI VILLANI SANTIAGO em face da sentença (fls. 718/726) que os condenou pela prática do delito previsto no artigo 168-A, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal e absolveu o réu José Santiago Pavão, com base no artigo 386, inciso IV, do Código de Processo Penal.


Consta da denúncia (fls. 02/04) que Roberto Villani Santiago e José Santiago Pavão, na qualidade de sócios-gerentes e responsáveis pela administração da empresa "Cartonagem São Pedro LTDA", deixaram de recolher, no prazo legal, contribuições destinadas à Previdência Social, descontadas dos salários de seus empregados, referentes às competências de janeiro de 1991 a novembro de 1999.


A denúncia foi recebida em 11 de novembro de 2002 (fl. 253).


Foi decretada extinção da punibilidade dos acusados em relação aos fatos que lhe foram atribuídos no período compreendido entre fevereiro a julho de 1991, em face da prescrição da pretensão punitiva estatal, nos termos dos artigos 107, inciso IV e 109, inciso IV, ambos do Código Penal e artigo 61 do Código de Processo Penal (fls. 268/269).


Os acusados Roberto Villani Santiago e José Santiago Pavão foram citados (fls. 294 e 295) e interrogados (fls. 301/302 e 303/304).

O Ministério Público Federal, em face das peças informativas nº 1.34.001.002493/2003-20, aditou a denúncia para incluir Inês Celeghini Villani Santiago no pólo passivo da ação, bem como o período compreendido entre dezembro de 1999 a julho de 2001 (fls. 305/306).


O aditamento à denúncia foi recebido em 14 de julho de 2004 (fl. 328).


Os denunciados Roberto Villani Santiago, José Santiago Pavão e Inês Celeghini Villani Santiago foram citados (fls. 365, 366 e 367) e interrogados (fls. 369/370, 397/398 e 309/400).


Foram ouvidas as testemunhas de defesa (fls. 453 e 455).


As alegações finais foram apresentadas pela acusação (fls. 503/512) e pelas defesas (fls. 521/525).


Em 23 de agosto de 2007, foi proferida sentença (fls. 718/726) que decretou a extinção da punibilidade do fato atribuído a José Santiago Pavão, em relação ao período de julho de 1991 a novembro de 1996, com base nos artigos 107, inciso IV, 109, inciso III e 115, todos do Código Penal e artigo 61 do Código de Processo Penal e julgou parcialmente procedente a ação penal, absolvendo o réu José Santiago Pavão, nos termos do artigo 386, inciso IV, do Código de Processo Penal e condenando os réus Roberto Villani Santiago e Inês Celeghini Villani Santiago pela prática do crime descrito no artigo 168-A, c.c. artigo 71, ambos do Código Penal, ao cumprimento das respectivas penas: 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. O regime inicial fixado para o cumprimento de ambas as penas foi o aberto. O valor unitário de cada dia-multa foi arbitrado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente. A pena privativa de liberdade, de cada réu, foi substituída por uma pena restritiva de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade, em instituição e na forma a ser determinada pelo Juízo da Execução, na razão de uma hora trabalhada por dia da pena cominada e multa, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para o corréu Roberto Villani Santiago, e R$ 4.000,00 (quatro mil reais), para a corré Inês Celeghini Villani Santiago, ambas destinadas a entidades públicas beneficentes.


A Justiça Pública, em razões recursais (fls. 730/737), requer a condenação do denunciado José Santiago Pavão, pois as provas juntadas aos autos demonstram que foi responsável pela empresa durante dezembro de 1996 a maio de 2000 e majoração das penas-base dos denunciados Roberto Villani Santiago e Inês Celeghini Villani Santiago, em razão da conduta social e personalidade indicarem que possuem personalidades voltadas à violação das normas em face do longo período em que deixaram de recolher as contribuições previdenciárias e dos motivos e das conseqüências do crime, pois cometeram o delito visando lucro fácil e os valores que deixaram de ser recolhidos à Previdência Social foram expressivos.


Por sua vez, Roberto Villani Santiago e Inês Celeghini Villani Santiago apelam (fls. 752/755), sustentando a absolvição, pois esta ré não participou da administração ou da gerência da empresa, bem como em razão daquele réu sofrer, desde o final do ano de 1998, de problemas de saúde, o que o impossibilitou de participar efetivamente da administração da empresa. Ademais, alegam que a empresa passou por problemas financeiros, o que caracterizaria estado necessidade e a inexigibilidade de conduta diversa.


As contrarrazões foram apresentadas (fls. 746/750 e 760/768).


A Procuradoria Regional da República opina pelo parcial provimento do recurso da acusação e pelo desprovimento do recurso da defesa (fls. 794/801).


É o relatório.


À revisão.



LOUISE FILGUEIRAS
Desembargadora Federal Relatora


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 10/04/2012 15:37:55



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003833-20.2002.4.03.6181/SP
2002.61.81.003833-8/SP
RELATORA : Juíza Federal Convocada LOUISE FILGUEIRAS
APELANTE : ROBERTO VILLANI SANTIAGO
: INES CELEGHINI VILLANI SANTIAGO
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : Justica Publica
APELADO : JOSE SANTIAGO PAVAO
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS

VOTO

A EXCELENTÍSSIMA JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LOUISE FILGUEIRAS:


Inicialmente, deve ser declarada ex officio a prescrição da pretensão punitiva pela prática do delito, relativamente ao réu José Santiago Pavão.


Considerando que a pena máxima em abstrato cominada para o delito previsto no artigo 168-A, do Código Penal é de 5 (cinco) anos de reclusão, não devendo ser computado no cálculo da prescrição o aumento decorrente da continuidade delitiva, o prazo prescricional é de 12 (doze) anos, nos termos do artigo 109, inciso III, do Código Penal.


Ocorre, porém, que José Santiago Pavão nasceu no dia 4 de dezembro de 1933 (fls. 303 e 369), sendo, portanto, maior de 70 (setenta) anos, devendo ser reduzido pela metade o prazo prescricional.


Desta forma, conforme entendimento consagrado pelo E. Superior Tribunal de Justiça, aplica-se a redução do prazo prescricional contida no artigo 115, do Código Penal, antes mesmo da prolação de eventual sentença condenatória:


"CRIMINAL. RESP. PREFEITO MUNICIPAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. RÉU COM 70 ANOS EM DATA ANTERIOR À SENTENÇA. REDUÇÃO DO PRAZO. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
I - Hipótese em que o recorrido, denunciado como incurso no art. 299, parágrafo único, do Código Penal e no art. 1º, III e VIII, do Decreto-lei 201/67, completou 70 anos de idade, tendo-lhe sido decretada a extinção da sua punibilidade pela prescrição.
II - Esta Corte já se manifestou no sentido da possibilidade do reconhecimento da prescrição pela incidência da redução prevista no art. 115 do Código Penal, antes mesmo da prolação da sentença condenatória.
III - A faculdade do Ministério Público de aditar a denúncia não impede o decreto de extinção da punibilidade do denunciado, se os fatos apresentados pelo órgão ministerial, sugerindo a existência de outro delito, dependem de investigação própria, podendo ser alvo de denúncia autônoma.
IV - Recurso desprovido."
(STJ RESP 200400907491/SP, QUINTA TURMA, DJ DATA:28/02/2005 PG:00360 RT VOL.:00836 PG:00499, Relator(a) GILSON DIPP)
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. DESVIO DE INCENTIVOS FISCAIS DA SUDAM. ESTELIONATO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR. FALSIDADE IDEOLÓGICA. USO DE DOCUMENTO FALSO. CONCUSSÃO. CONCURSO DE CRIMES. MAIOR DE SETENTA ANOS. PRESCRIÇÃO DA PENA EM ABSTRATO ANTES DA SENTENÇA. REDUÇÃO PELA METADE. POSSIBILIDADE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DECLARADA. INQUÉRITO POLICIAL. PENDÊNCIA DE DILIGÊNCIA PARA O ENCERRAMENTO DA FASE INQUISITORIAL. EVENTUAL DELITO AINDA PENDENTE DE CAPITULAÇÃO JURÍDICA. POSSIBILIDADE DE TIPIFICAÇÃO DE DELITO MAIS GRAVOSO. TRANCAMENTO. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA PARA DECLARAR A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM RELAÇÃO AOS DELITOS APURADOS ATÉ O PRESENTE MOMENTO NO INQUÉRITO POLICIAL.
(...)
2. Sendo o réu ou o investigado maior de setenta anos, o prazo prescricional pode ser reduzido pela metade, mesmo antes da prolação da sentença, possibilitando o reconhecimento da extinção da punibilidade da pena em abstrato, considerada a punição máxima cominada ao delito. Precedentes do STF e do STJ.
3. Se desde a data do último fato tido como delituoso até o presente momento não ocorreu qualquer marco interruptivo, bem como transcorreu o lapso de tempo suficiente à configuração da prescrição, deve ser declarada a extinção da punibilidade do paciente.
(...)"
(STJ HC 103926, Processo: 200800756543/TO, SEXTA TURMA, DJE DATA:13/10/2008, Relatora DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG JANE SILVA)

Verifica-se, portanto, que transcorreram mais de 6 (seis) anos entre a data do recebimento do aditamento à denúncia (14 de julho de 2004) e a presente data.


Nesse sentido:


"CRIMINAL. RESP. PRAZO PRESCRICIONAL. ADITAMENTO À DENÚNCIA PARA INCLUSÃO DE CO-RÉUS. RECEBIMENTO. CAUSA INTERRUPTIVA DA PRESCRIÇÃO. RECURSO PROVIDO. I. Hipótese em que o recorrido restou denunciado em sede de aditamento à denúncia ofertada contra outros co-réus. II. Se anteriormente ao aditamento da inicial não havia qualquer acusação contra o recorrido, o recebimento da denúncia, em sua versão original - sem o referido aditamento - não poderia ser considerado termo inicial para efeito de contagem de prazo prescricional relativamente a ele. III. O recebimento do aditamento da exordial acusatória, neste caso, configura-se causa interruptiva do curso da prescrição. IV. Afasta-se a hipótese de extinção da punibilidade pela prescrição, pois entre a data do recebimento do aditamento da denúncia e a data da prolação da sentença condenatória não decorreu o lapso temporal necessário para tanto. V. Recurso provido, nos termos do voto do Relator."(RESP 200500178177, GILSON DIPP, STJ - QUINTA TURMA, 13/06/2005)

Em relação aos demais réus, verifica-se que transcorreram mais de 12 (doze) anos entre a data dos fatos praticados até a competência de julho de 1992, inclusive, e a data do recebimento do aditamento à denúncia (14 de julho de 2004).


À vista do exposto, ex officio, declaro extinta a punibilidade, pela prática do crime previsto no artigo 168-A, c.c. artigo 71, ambos do Código Penal, do réu José Santiago Pavão, com fundamento nos artigos 107, IV, 109, III e 115, todos do Código Penal e artigo 61, caput, do Código de Processo Penal; bem como dos demais réus em relação tão somente em relação às competências anteriores à julho de 1992, inclusive, pela ocorrência da prescrição punitiva estatal, na modalidade retroativa, com fundamento nos artigos 107, IV, 109, III e 110, § 2º (na redação anterior à Lei nº 12.234/10), todos do Código Penal e artigo 61, caput, do Código de Processo Penal.


As pretendidas absolvições são inviáveis, tendo em vista que o crime pelo qual foram condenados está comprovado em todos os aspectos.


A materialidade delitiva está cabalmente comprovada por vários documentos constantes do procedimento administrativo, tais como Notificações Fiscais de Lançamento de Débito - NFLD (fls. 14, 79 e 847), discriminativos analíticos e sintéticos de débitos (fls. 17/40, 82/85 e 850/854; 41/43, 86 e 855/857) e folhas de pagamento (fls. 113/186). Ademais, a defesa não se insurgiu em relação aos valores descontados dos funcionários e não repassados ao INSS, de modo que a materialidade é questão incontroversa.


Igualmente comprovadas as autorias, atestadas pelos contratos sociais da empresa "Cartonagem São Pedro LTDA", sendo que na décima terceira alteração contratual (fls. 205/206), datada de maio de 1991, constam como únicos sócios da sociedade os acusados José Santiago Pavão e Roberto Villani Santiago, responsáveis pela totalidade do capital social, distribuído em quotas iguais a cada um dos sócios. Na décima quinta alteração contratual (fls. 207/208), datada de maio de 2000, José Santiago Pavão cedeu e transferiu todas as suas quotas à Inês Celeghini Villani Santiago, mantendo-se inalterado o capital social, restando distribuído em quotas iguais entre esta e Roberto Villani Santiago, únicos sócios componentes da sociedade desde então.


O corréu José Santiago Pavão afirmou, em interrogatório judicial (fls. 303/304 e 369/370), que quem administrava a empresa de fato era seu filho, o corréu Roberto Villani Santiago: "(...) durante os anos em que trabalhou cuidou da manutenção da empresa, salientando que a administração cabia ao seu filho. (...)".


O depoimento da testemunha de defesa Givanildo Santos de Oliveira, funcionário da empresa durante os anos de 1996 a 2003, além de confirmar que o denunciado Roberto Villani Santiago administrava a empresa, contrapõe a alegação de Inês Celeghini Villani Santiago, de que nunca chegou a participar da administração da empresa, confira-se:


"(...) O acusado Roberto administrava a empresa. O acusado José trabalhava na produção e a acusada Inês assumiu a administração da empresa por cerca de dois anos, uma vez que Roberto Santiago afastou-se por motivo de saúde.(...)"
(fl. 455)

Ademais, o acusado Roberto Villani Santiago, em alegações finais, trouxe aos autos vários exames clínicos, sustentando, inclusive em razões de apelação, que estava enfermo, razão pela qual ficou impossibilitado de administrar a empresa, porém tais documentos não são hábeis a comprovar que se afastou de suas atividades empresariais, no que pese o depoimento da testemunha de defesa Givanildo Santos de Oliveira (fl. 455), parcialmente transcrito acima, pois eventual prova teria que ser produzida de maneira robusta e incontestável de maneira a afastar a sua responsabilidade.


No caso, é irrelevante perquirir sobre a comprovação do elemento subjetivo, porquanto o tipo penal da apropriação indébita previdenciária é de natureza formal, e exige apenas o dolo genérico consistente na conduta omissiva de deixar de recolher, no prazo legal, contribuição destinada à Previdência Social que tenha sido descontada de pagamentos efetuados aos empregados. Não se exige do agente o animus rem sibi habendi dos valores descontados e não repassados, uma vez que a consumação do delito se dá com a mera ausência de recolhimento da contribuição, consoante entendimento jurisprudencial:


"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA: DESCRIÇÃO GENÉRICA. FALTA DE JUSTA CAUSA. EXIGÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO (ANIMUS REM SIBI HABENDI). OFENSA AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI. ALEGAÇÕES IMPROCEDENTES.
(...)
2. Ao contrário do crime de apropriação indébita comum, o delito de apropriação indébita previdenciária não exige, para sua configuração, o animus rem sibi habendi.
Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento."
(STF, RHC 88144, Relator Ministro Eros Grau, j. 04/04/2006, DJ 16/06/2006, p. 28).
"PENAL - CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS - NÃO RECOLHIMENTO - ART. 168-A - PRELIMINAR - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE - INCLUSÃO NO REFIS - AFASTAMENTO - AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO - COMPROVAÇÃO - ESTADO DE NECESSIDADE NÃO CARACTERIZADO - REDUÇÃO DA PENA - PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.
(...)
3.- Desnecessário o dolo específico consistente no animus rem sibi habendi, tratando-se de crime formal.
4.- As dificuldades financeiras acarretadoras de inexigibilidade de outra conduta devem ser cabalmente demonstradas pelo acusado. Art.156 do CPP.
5.- A inevitabilidade do perigo é requisito inafastável para o reconhecimento do estado de necessidade. Sem comprovação de se tratar de ação inevitável não se caracteriza o estado de necessidade.
(...)
(TRF 3, ACR 200061050073838, Relator(a) JUIZ LUIZ STEFANINI, QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:19/02/2010 PÁGINA: 367)

Outrossim, alega a defesa que deixou de recolher as contribuições financeiras devido ao estado de necessidade derivado de dificuldades financeiras, o que caracteriza a inexigibilidade de conduta diversa.


A inexigibilidade de conduta diversa em razão de dificuldades financeiras, para que se caracterize como causa supralegal de exclusão da culpabilidade, exige que as dificuldades sejam de tal ordem que coloquem em risco a própria existência da empresa. Portanto, apenas a impossibilidade financeira devidamente comprovada nos autos poderia justificar a omissão nos recolhimentos devidos à Previdência Social, devendo ainda ser esporádica, momentânea, e não uma situação habitual e prolongada indefinidamente por anos a fio. A empresa deve se utilizar de todos os meios legalmente possíveis para tentar saldar sua dívida para com a Previdência Social.


No caso, comprovadamente a falta de recolhimento se deu nos períodos de fevereiro de 1991 a julho de 2001, o que demonstra que a conduta de não recolher as contribuições devidas à Previdência Social constituiu simplesmente um modo normal de funcionamento da empresa do apelante.


Entende-se, em tese, ser possível excluir a culpabilidade dos agentes por inexigibilidade de conduta diversa, desde que certos requisitos sejam provados, dentre eles, por exemplo, a comprovação, por parte do acusado, nos termos do artigo 156 do Código de Processo Penal, a da efetiva existência das dificuldades financeiras, o que deve ser feito por meio de prova documental; de que estas dificuldades foram causadas por motivos não relacionados a eventual má administração; que elas punham em risco a própria sobrevivência da entidade, não bastando meras dificuldade circunstanciais; que era caótica a situação da pessoa jurídica e que não existia outra opção aos seus sócios e administradores, de que o dinheiro não repassado à Previdência Social foi efetivamente utilizado na tentativa de preservação da empresa, especialmente no pagamento dos salários, e não no enriquecimento de sócios e administradores e, no caso das pessoas jurídicas com fins lucrativos, como o dos autos, do sacrifício dos bens pessoais dos sócios em benefício da empresa.


A prova da excludente da culpabilidade deve ser documental e robusta, inclusive com a realização de perícia nos livros contábeis, notas fiscais, registros de movimentação bancária e financeira, dentre outros documentos pertencentes à pessoa jurídica.


No caso, a defesa não conseguiu comprovar que as dificuldades financeiras vivenciadas pela empresa foram diferentes daquelas comuns a qualquer atividade de risco, de modo a caracterizar a inexigibilidade de conduta diversa como excludente de culpabilidade, como por exemplo, a venda de patrimônio pessoal do empresário para quitar as dívidas da empresa.


Assim sendo, a mera existência de dívidas não pode servir como presunção de que as dificuldades financeiras impossibilitassem o repasse das contribuições já descontadas dos salários dos empregados, pois não são hábeis a eximir a empresa de suas obrigações para com os terceiros. Evidente, pois, que seria cabível se exigir dos apelantes condutas lícitas e diversas, já que, como empresários, é de rigor suas responsabilizações pelos ônus legais decorrentes da atividade exercida, bem como pelos riscos inerentes à empresa deles, que não podem ser oponíveis ao Judiciário como excludente de culpabilidade no âmbito penal, por ser inadmissível a submissão da punibilidade dos delitos contra a Previdência Social à mercê de vicissitudes do empregador em seus negócios, transferindo a esta os prejuízos advindos de dificuldades financeiras.


Não há também que se admitir que a sociedade arque com os ônus da má administração de um empreendimento, já que, nos casos de não recolhimento das contribuições previdenciárias, quem se prejudica é a Previdência Social, que existe para proporcionar o pagamento de benefícios sociais.


Portanto, a conduta que se espera do empresário que enfrenta dificuldades financeiras momentâneas para cumprir suas obrigações fiscais e previdenciárias é a de que promova a venda de ativos (seja da empresa, sejam pessoais), ao invés de simplesmente desfalcar a Previdência Social e prejudicar, de forma indireta, interesses difusos de natureza sócio-econômica.


Assim sendo, as justificativas utilizadas pelos apelantes para a omissão de recolhimento das contribuições não foram suficientes para provar que não havia outro modo da empresa continuar funcionando, não incidindo no caso a tese de inexigibilidade de conduta diversa.


A esse respeito, confira-se os seguintes julgados:


"PENAL - PROCESSUAL PENAL - CRIME CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL - ARTIGO 168-A DO CÓDIGO PENAL - AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES DESCONTADAS DOS EMPREGADOS - APARENTE CONFLITO DE NORMAS - APLICABILIDADE DA LEI 8.212/91 PARA OS DELITOS COMETIDOS ATÉ 7/00 - PRINCÍPIO DO "TEMPUS REGIT ACTUM" - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS AMPLAMENTE COMPROVADAS - CRIME FORMAL - "ANIMUS REM SIBI HABENDI" - DESNECESSIDADE - INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO CARACTERIZADA - CONDENAÇÃO MANTIDA - SUSPENSÃO DA PUNIBILIDADE OU EXTINÇÃO PELO PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO - INOCORRÊNCIA - RECURSO DA DEFESA DESPROVIDO - ERRO MATERIAL CONTIDO NO DISPOSITIVO DA SENTENÇA CORRIGIDO, DE OFÍCIO.
(...)
9. Quanto à afirmação da ausência de dolo na conduta dos réus, não tendo os réus se apropriado das quantias não recolhidas, bem como a de que não obtiveram qualquer benefício com as condutas delituosas, nenhuma guarida merece tal alegação.
10. Com efeito, a conduta típica aqui tratada tem natureza formal e se consuma quando o agente deixa de recolher, na época própria, os valores das contribuições previdenciárias descontados de seus empregados, ou seja, trata-se de crime omissivo próprio. Assim, para a configuração do delito, basta que ele não recolha as importâncias retidas dos empregados, que deveriam ser repassadas ao órgão previdenciário.
11. Além disso, não possui nenhuma relevância jurídica o fato de os apelantes não terem tomado em proveito próprio o numerário devido à autarquia, eis que mero exaurimento do crime, não sendo exigida a presença do animus rem sibi habendi para a caracterização do delito.
(...)
13. Ressalte-se, como bem colocado pela douta Juíza sentenciante, que as declarações de imposto de renda - pessoa física, dos sócios da empresa juntada aos autos, referentes à época em que as contribuições deixaram de ser recolhidas, dão conta de que os administradores não sacrificaram seu próprio patrimônio durante o período em que as contribuições deixaram de ser recolhidas, com o intuito de salvar a empresa, estando em dissonância com a versão prestada pelos apelantes em Juízo de que venderam bens pessoais, desfazendo-se de parte do próprio patrimônio (fls.276/278 e 279/281) para quitar as dívidas da empresa que atravessava grave crise financeira.
(...)
15. E, somente caso se comprovasse a total insolvência no âmbito empresarial é que se poderia cogitar como configurada a aludida exculpante, desde que a insolvência fosse contemporânea ao não recolhimento das contribuições sociais.
16. Note-se que a existência de débitos, títulos protestados e processos de falência contra a empresa tanto pode indicar que ela passava por dificuldades, como pode demonstrar que seus administradores eram maus pagadores.
17. Acrescente-se que a alegação feita pelos acusados de que a empresa passava por uma crise financeira não tem o condão de justificar, por si só, a retenção dos valores relativos a contribuições dos empregados, que, diga-se de passagem, não lhes pertenciam.
18. Assim, nada há, nos autos, a autorizar qualquer interpretação que assegure a existência dos elementos necessários para a configuração da inexigibilidade de conduta diversa ou do estado de necessidade, não prosperando a argumentação deduzida pela defesa dos apelantes.
19. E, por fim, ressalte-se que, nos casos de crimes que não envolvam diretamente bens jurídicos relacionados à pessoa natural, faz-se necessária uma maior comprovação da causa supralegal de excludente de culpabilidade, o que deveras não ocorreu nestes autos.
20. Com efeito, impossível desconsiderar que muitos estabelecimentos empresariais, bem como pessoas físicas, passem por dificuldades financeiras, principalmente em nosso país. Porém, não é dado justificar a prática de crimes, como o tratado nestes autos, cometido contra a Previdência Social, em face dessas situações críticas por que passam todos os cidadãos. Exceto em situações extremas, tal realidade não caracteriza a figura da inexigibilidade de conduta diversa, cujos limites e pressupostos são de grande relevância para evitar que se abra definitivamente uma porta para a impunidade.
21. Conclui-se, portanto, que as eventuais dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa não foram suficientes a excluir a ilicitude do fato ou a culpabilidade dos agentes. 22. A aludida dificuldade financeira poderia ter sido facilmente demonstrada pela defesa, bastando, para tanto, que juntasse aos autos balanços patrimoniais relativos aos exercícios financeiros aludidos na inicial acusatória, ou seja, da época em que ocorreu a conduta criminosa. Ora, não tendo adotado tal providência, apesar de ter plenas condições de fazê-lo, não podem os réus ser beneficiados por uma situação que, a final, não foi por eles demonstrada.
23. Portanto, no caso em apreço, não há que se falar na causa dirimente da inexigibilidade de conduta diversa, posto que todos os réus agiram com deliberada intenção de não repassar à Previdência Social os valores descontados dos empregados, relativos às contribuições previdenciárias, agindo com consciência da ilicitude de suas condutas.
(...)'
(TRF 3, ACR 200261260117302, Relator(a) JUIZA RAMZA TARTUCE, QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:23/02/2011 PÁGINA: 1357)
"PENAL. APELAÇÃO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. NULIDADE INEXISTENTE DA DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE DA DENÚNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. ADESÃO AO REFIS. LEI 9.249/95. PARCELAMENTO POSTERIOR AO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ESTADO DE NECESSIDADE E INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. INAPLICABILIDADE. ART. 24, § 2º, DO CP. CRIME OMISSIVO PRÓPRIO. DELITO DO ART. 168-A, C/C ART. 71, CP. CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE AFASTADA. DOSIMETRIA CORRETAMENTE REALIZADA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CONTINUIDADE DELITIVA. FRAÇÃO ADEQUADA FACE AS INÚMERAS CONDUTAS PERPETRADAS. PENA ALTERNATIVA COMPATÍVEL COM O NÍVEL ECONÔMICO DOS RECORRENTES. PROVIMENTO DA APELAÇÃO MINISTERIAL.
(...)
Para a exclusão da ilicitude fundada no estado de necessidade, situação de fato em que o mal que se causa é menor ou igual àquele que se evita, certos requisitos, como a atualidade do perigo, involuntariedade na produção do perigo, razoabilidade do sacrifício do direito ameaçado e inevitabilidade da conduta, são indeclináveis.
(...)
A inexigibilidade de conduta diversa a excluir a culpabilidade é teoria aplicável não apenas às situações previstas no Código, tal como a coação moral irresistível, mas também a fatos que, por analogia, representam uma situação em que o comportamento lícito não era humanamente exigível (causas supralegais).
O recorrido não fez prova cabal das dificuldades financeiras da empresa, visto que em momento algum trouxe aos autos, mesmo sendo seu o ônus, documentação contábil idônea (balancetes, declarações de imposto de renda, contratos de compra e venda de bens próprios, protestos, empréstimos, créditos não pagos, concordata, falência, etc.). Não só deixou de comprovar a excepcional crise, como também não há indícios da involuntariedade na produção do perigo. Por ser o risco de insucesso do negócio uma circunstância indissociável da atividade empresarial, a mera existência de dívidas não enseja o reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa para a prática delitiva, pois bem pode demonstrar indiferença ao adimplemento das obrigações tributárias, ou propósito de inadimplir ou postergar o pagamento de dívidas, e não necessariamente impossibilidade de fazê-lo.
Não basta a existência de dívidas, é necessário que a insolvência ou falência da empresa não possa ser atribuída à má gestão dos administradores e, ainda, que não tenham estes dado causa, ou aproveitado, à crise, para aumentar o patrimônio pessoal em prejuízo dos credores, fisco e trabalhadores.
Há de se registrar que o recorrido responde a mais cinco processos, todos por apropriação indébita previdenciária. Assim, não é demasiado ponderar que a excludente pleiteada é incompatível com o extenso período durante o qual as condutas foram perpetradas, visto que a inexigibilidade de conduta diversa não se coaduna com situação fática que não seja excepcional e transitória.
A situação excepcional - dificuldades financeiras graves - não se caracteriza se, protraída no tempo, transforma a exceção em regra, porque, nesta hipótese, o intuito de locupletamento ilícito é evidente. O direito penal não se põe conivente com a existência de uma determinada empresa, em que seus dirigentes, para mantê-la em funcionamento, apropriam-se de valores pertencentes à Administração Pública, por longo período, com nítido propósito não de salvá-la de dificuldades circunstanciais, mas de fazê-la existir.
Não há que se falar ademais em crime impossível ou ausência de dolo específico. Classificando-se o delito em crime omissivo próprio, é despiciendo o efetivo desconto para a tipificação da conduta ou o animus rem sibi habendi. Precedentes.
XV. Eventual boa-fé em regularizar o débito, caso comprovada, também não teria o condão de excluir a tipicidade ou antijuridicidade do fato.
(...)"
(TRF 3ª Região, ACR 200703990132333, Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL BAPTISTA PEREIRA , QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:04/06/2009 PÁGINA: 777.)

Por esses motivos, mantenho a condenação dos apelantes.


A continuidade delitiva (artigo 71, do Código Penal) deve ser reconhecida, considerando-se a ofensa ao mesmo bem jurídico, e as mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução.


Passo à análise da dosimetria das penas.


As penas-base dos réus foram fixadas no mínimo legal, por ter entendido a MMª Juíza a quo que as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do Código Penal, eram favoráveis a eles.


Todavia, o Ministério Público Federal se insurge quanto ao quantum das penas-base fixadas para os acusados em razão de suas condutas sociais e personalidades indicarem que possuem personalidades voltadas à violação das normas, em face do longo período em que deixaram de recolher as contribuições previdenciárias; bem como dos motivos e das conseqüências do crime, pois cometeram o delito visando lucro fácil e os valores que deixaram de ser recolhidos à Previdência Social foram expressivos.


No tocante à conduta social e à personalidade serem desfavoráveis aos réus, em razão do longo período em que não foram repassadas as contribuições previdenciárias, não devem ser levadas em consideração para majorar as penas-base, a fim de se evitar bis in idem, pois tal período será levado em consideração quando do aumento da pena pela continuidade delitiva.


Em relação aos motivos do crime, sob o argumento de que os réus teriam praticado o delito visando auferir lucro fácil, não podem ser considerados para efeito de majoração da pena, pois são inerentes ao próprio tipo penal de apropriação indébita previdenciária, cujo bem jurídico protegido é o patrimônio.


Quanto às conseqüências do crime, com razão o parquet federal ao considerar que foram gravosas, pois os réus, ao deixaram de repassar as contribuições previdenciárias, descontadas dos salários de seus empregados, causaram grande prejuízo aos cofres previdenciários, num valor total atualizado de R$ 178.180,45 (cento e setenta e oito mil reais e quarenta e cinco centavos), excetuados os juros e multa, conforme NFLD´s nº 35.070.491-0, 35.070.493-7 e 35.420.970-1 (fls. 14, 79 e 847).


Nesse sentido:


"PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. DOSIMETRIA. EXASPERAÇÃO DE PENA-BASE. CONSEQÜÊNCIAS DO CRIME. MONTANTE DO PREJUÍZO ELEVADO. AUMENTO DO QUANTUM ARBITRADO PELA CONTINUIDADE DELITIVA. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. Não é possível conhecer da questão relativa ao quantum adicionado à pena pela sentença condenatória em razão do reconhecimento da continuidade delitiva, haja vista que essa matéria não foi apreciada pelo Tribunal a quo (Súmula 282/STF). 2. O elevado prejuízo causado à Previdência Social resultante das contribuições indevidamente apropriadas constitui circunstância judicial desfavorável que deve ser considerada a título de conseqüências do crime para a fixação da pena-base acima do mínimo legal, independentemente do reconhecimento da continuidade delitiva, porquanto esse instituto de política criminal, por representar mera ficção jurídica, destinado a atenuar a retribuição penal no caso de concurso de crimes, não pode ser utilizado para mitigar a avaliação dos reais efeitos decorrentes da empreitada criminosa. 3. Restabelecida a sentença condenatória que fixou a pena-base dos recorridos em 2 anos e 1 mês de reclusão, impõe-se o reconhecimento da prescrição, pois já transcorreram mais de 8 anos da publicação da sentença condenatória (14/2/00). 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para restabelecer a pena-base fixada na sentença. Habeas corpus concedido de ofício para declarar extinta a punibilidade dos recorridos pela prescrição."(RESP 200800109757, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:17/11/2008.)
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 168-A DO CÓDIGO PENAL. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. CONSEQÜÊNCIAS DO DELITO. CONTINUIDADE DELITIVA. PATAMAR. 1. Embargos infringentes em que se pretende fazer prevalecer o voto vencido que reduzia as penas e reconhecia a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva. 2. O montante do prejuízo causado à Previdência Social com a conduta delituosa interfere na primeira fase de fixação da pena, como consequência do delito. No caso, as consequências provocadas pelo delito são de grande vulto, uma vez que as contribuições descontadas dos segurados e não repassadas à Previdência Social atingiu o montante de R$ 185.607,72, em setembro de 1998, desconsiderados os valores de multa e juros. 3. O número de vezes em que o crime é praticado é fator preponderante para fixação da causa de aumento de pena em relação à continuidade delitiva, não obstante, a observância das peculiaridades da figura tipificada no artigo 168-A , §1º, I, do Código Penal, que, por sua própria natureza, dificilmente seria praticada uma única vez , revelando verdadeira unidade de desígnio e não apenas as circunstâncias meramente objetivas exigidas pela lei. 4. Embargos infringentes desprovidos."(EIFNU 199961050131603, JUIZA CONVOCADA SILVIA ROCHA, TRF3 - PRIMEIRA SEÇÃO, DJF3 CJ1 DATA:22/08/2011 PÁGINA: 158.)

Assim sendo, nos termos do artigo 59, do Código Penal, as penas-base devem ser exacerbadas para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 68 (sessenta e oito) dias-multa para cada réu, por me parecer medida suficiente para prevenção e repressão do crime.


Sem circunstâncias agravantes ou atenuantes.


Quanto à terceira fase, cabe trazer ao presente julgado acórdão relatado pelo Desembargador Federal Nelton dos Santos, que adotou o critério de aumento decorrente da continuidade delitiva segundo o número de parcelas não recolhidas, nos seguintes termos: "de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento". (TRF 3ª Região, Segunda Turma, ACR nº 11780, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos).


Sendo assim, considerando que o acusado Roberto Villani Santiago administrou a empresa durante os períodos de agosto de 1992 a julho de 2001, correto foi o entendimento do MMª Juíza a quo em aumentar a pena no patamar de 2/3, em razão da continuidade delitiva, pois está de acordo com o entendimento acima exposto.


Em relação à acusada Inês Celeghini Villani Santiago, que participou da administração da empresa durante maio de 2000 a julho de 2001, sua pena foi aumentada no mínimo de 1/6, pela continuidade delitiva, cujo patamar deve ser mantido, ante a ausência de inconformismo da acusação nesse ponto.


Desta forma, as penas restam definitivamente fixadas em: 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 113 (cento e treze) dias-multa para o réu Roberto Villani Santiago; e 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 79 (setenta e nove) dias-multa para a ré Inês Celeghini Villani Santiago.


Mantenho o valor unitário de cada dia-multa para ambos os réus.


O regime inicial de cumprimento de pena e a substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade pelo tempo de duração da pena ora aplicada, e multa devem ser mantidos tão somente em relação à acusada Inês Celeghini Villani Santiago, nos termos da sentença, haja vista que estão de acordo com as regras previstas no artigo 44, § 2º, do Código Penal.


Quanto ao acusado Roberto Villani Santiago, o regime inicial de cumprimento de pena passa a ser o semi-aberto, nos termos do artigo 33, § 2º, "b", do Código Penal, não cabendo a substituição por penas restritivas de direitos, ante a ausência do requisito do artigo 44, inciso I, do Código Penal.


Ante o exposto, declaro, ex officio, extinta a punibilidade, pela prática do crime previsto no artigo 168-A, c.c. artigo 71, ambos do Código Penal, do réu José Santiago Pavão, com fundamento nos artigos 107, IV, 109, III e 115, todos do Código Penal e artigo 61, caput, do Código de Processo Penal; bem como dos demais réus tão somente em relação às competências anteriores à julho de 1992, inclusive, pela ocorrência da prescrição punitiva estatal, na modalidade retroativa, com fundamento nos artigos 107, IV, 109, III e 110, § 2º (na redação anterior à Lei nº 12.234/10), todos do Código Penal e artigo 61, caput, do Código de Processo Penal; nego provimento à apelação da defesa e dou parcial provimento à apelação da acusação para majorar as penas-base dos réus, as quais restam definitivamente fixadas em 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 113 (cento e treze) dias-multa para o réu Roberto Villani Santiago, e 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 79 (setenta e nove) dias-multa para a ré Inês Celeghini Villani Santiago, devendo aquele cumprir a pena em regime inicial semi-aberto, não cabendo a substituição por penas restritivas de direito em face da pena aplicada, mantendo-se a substituição nos termos da sentença para a corré Inês, pelo tempo de duração da pena ora aplicada em relação a prestação de serviços à comunidade, na forma do artigo 44 do Código Penal.


É o voto.



LOUISE FILGUEIRAS
Desembargadora Federal Relatora


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