Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 27/09/2012
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0001176-03.2005.4.03.6181/SP
2005.61.81.001176-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : HELOISA DE FARIA CARDOSO CURIONE
ADVOGADO : JOAQUIM BENEDITO FONTES RICO e outro
RECORRIDO : LAMARTINE ALVES DOS SANTOS
: MARCOS DONIZETTI ROSSI

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO TIRADO CONTRA DECISÃO QUE REJEITOU A DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA - ART. 171, CAPUT E § 3º, DO CÓDIGO PENAL - DENÚNCIA QUE APRESENTA INDÍCIOS SUFICIENTES DE MATERIALIDADE E AUTORIA - VIABILIDADE DA ACUSAÇÃO - PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE - RECURSO PROVIDO.
1. Trata-se de recurso em sentido estrito interposto contra a decisão que rejeitou denúncia com fundamento no art. 43, III, do Código de Processo Penal, considerando inexistir justa causa para a ação penal.
2. A denúncia atribuiu aos recorridos a prática do crime previsto no artigo 171, §3º do Código Penal ao relatar que dois servidores públicos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, obtiveram vantagem ilícita para terceiro (segurado do INSS), induzindo e mantendo em erro - mediante fraude - o Instituto Nacional do Seguro Social, quando do requerimento do benefício previdenciário da aposentadoria por tempo de serviço.
3. Se a exordial acusatória descreve fatos que em tese constituem delito e aponta indícios, ainda que mínimos, de que o acusado é responsável pela conduta criminosa a ele imputada, o recebimento da denúncia com o conseqüente prosseguimento da persecutio criminis é de rigor. Isso porque nessa fase processual prevalece o princípio do in dubio pro societate, sendo suficiente para o recebimento da peça vestibular a mera probabilidade de procedência da ação penal, não estando o magistrado obrigado a verificar os elementos probatórios da conduta, mas sim e tão somente, os elementos indiciários.
4. No caso dos autos, a denúncia imputa aos réus a prática de atos dolosos consistentes na indução e manutenção do INSS em erro (concessão e pagamento de benefício previdenciário indevido a terceiro), mediante meio fraudulento (deferimento de conversão de tempo de serviço comum em especial sem lastro em documentação capaz de atender as exigências previstas em lei). Tal conduta, em tese, subsume-se àquela prevista no artigo 171, caput e § 3º, do Código Penal.
5. A determinação quanto à existência do intuito de fraude na conduta analisada ou se a mesma decorreu de mero erro funcional (até mesmo com eventual punição reservada apenas à esfera administrativa) é matéria de prova que deverá ser esclarecida no regular curso da ação penal, basta para a configuração da justa causa apta ao recebimento da denúncia a existência de indícios de autoria e de materialidade, os quais estão minimamente presentes.
6. Recurso provido para o fim de reformar a r. decisão recorrida e receber a denúncia ofertada, devendo ser dado regular prosseguimento a ação penal proposta.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 18 de setembro de 2012.
Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0001176-03.2005.4.03.6181/SP
2005.61.81.001176-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : HELOISA DE FARIA CARDOSO CURIONE
ADVOGADO : JOAQUIM BENEDITO FONTES RICO e outro
RECORRIDO : LAMARTINE ALVES DOS SANTOS
: MARCOS DONIZETTI ROSSI

RELATÓRIO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:

Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal (fls. 352 e 355/361) contra a decisão de fls. 345/350, proferida pelo Juízo da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo que rejeitou a denúncia com fundamento no artigo 43, inciso III, do Código de Processo Penal (na redação anterior à conferida pela Lei 11.719/2008).


Em síntese, a denúncia atribuiu aos recorridos a prática do crime previsto no artigo 171, §3º do Código Penal ao relatar que Marcos e Heloísa, servidores públicos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, obtiveram vantagem ilícita para Lamartine, induzindo e mantendo em erro - mediante fraude - o Instituto Nacional do Seguro Social, quando do requerimento do benefício previdenciário da aposentadoria por tempo de serviço.


A denúncia foi rejeitada pelo MM. Juiz a quo em virtude da falta de justa causa para a ação penal por considerar ausente hipótese de fraude para a concessão do benefício previdenciário e, no que diz respeito aos denunciados Marcos e Heloísa, por entender que a inicial acusatória não trouxe descrição suficiente quanto ao elemento subjetivo do tipo.


Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs Recurso em Sentido Estrito pugnando pela reforma da r. decisão para viabilizar o recebimento da denúncia. Afirma que peça acusatória descreveu suficientemente a conduta criminosa atribuída aos recorridos, competindo ao Julgador, por ocasião do recebimento, apenas examiná-la à luz das exigências formais contidas no artigo 41 do Código de Processo Penal, sem adentrar em questões relativas ao mérito da causa.


Não houve retratação da decisão recorrida (fl. 363).


Os recorridos apresentaram contrarrazões às fls. 347/407 e 419/426.


No parecer acostado a fls. 412/414 a Procuradoria Regional da República opinou pelo improvimento do recurso.


É o relatório.


Feito não sujeito à revisão.



Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0001176-03.2005.4.03.6181/SP
2005.61.81.001176-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : HELOISA DE FARIA CARDOSO CURIONE
ADVOGADO : JOAQUIM BENEDITO FONTES RICO e outro
RECORRIDO : LAMARTINE ALVES DOS SANTOS
: MARCOS DONIZETTI ROSSI

VOTO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:

A decisão impugnada refere-se ao não recebimento da denúncia, sendo cabível o Recurso em Sentido Estrito para impugná-la nos termos do artigo 581, I, do Código de Processo Penal. O recurso é tempestivo pois o Ministério Público Federal teve vista do feito em 15 de agosto de 2008 e interpôs o recurso em 22 de agosto de 2008. A decisão a qua foi ratificada.


Segundo consta dos autos os recorridos foram denunciados pela suposta prática do delito de estelionato contra a Previdência Social (artigo 171, § 3º do Código Penal), extraindo-se da peça acusatória os seguintes trechos:


"Consta dos inclusos autos que, no período de 13 de janeiro de 1998 até 31 de maio de 2004, os denunciados MARCOS DONIZETE e HELOISA DE FARIA, nesta Capital, previamente ajustados e em identidade de propósitos, obtiveram vantagem ilícita para LAMARTINE DOS SANTOS, induzindo e mantendo em erro o Instituto Nacional do Seguro Social, através de meio fraudulento, quando do requerimento do benefício previdenciário da aposentadoria por tempo de serviço.

Em 17 de novembro de 1997, o denunciado LAMARTINE protocolou requerimento da aposentadoria por tempo de serviço, na agência da Previdência Social da Vila Mariana, nesta Capital, São Paulo. Para comprovar o preenchimento do requisito de tempo de serviço, o segurado acostou inúmeros documentos, os quais demonstrariam o vínculo empregatício com várias empresas, bem como laudos periciais e formulários SB-40, com a finalidade de comprovar tempo de serviço especial, com vistas a transformá-lo em tempo comum.

Posteriormente, por meio da auditoria do INSS (fls. 220/224) constatou-se que o segurado utilizou documento fictício para demonstrar a existência de vínculo laborativo com a empresa "Indústria e Comércio Artera Ltda", no que se refere ao período de 23/04/1968 a 06/01/1969 (fls. 210/211). Isso se comprova, ainda, em razão do fato de que na cópia do registro de empregados da empresa "Artera" entregue pelo beneficiário (fl. 13), não havia data de demissão, no entanto, no curso da investigação foi acostada outra cópia do citado registro, no qual, de forma inexplicável, consta a data da demissão.

Por fim, alguns dos laudos periciais entregues pelo segurado sequer continham os requisitos mínimos para que houvesse a conversão do tempo especial em comum (fl. 195). Assim, fica claro que o ex-beneficiário tinha consciência de que não possuía direito à aposentadoria requerida.

No que concerne aos servidores MARCOS e HELOÍSA, ambos participaram do processo concessório do benefício (fls. 128/129) e, mesmo tendo consciência de que o segurado não preenchia os requisitos necessários para a percepção da aposentadoria, eles concederam o benefício. Há de se considerar que MARCOS e HELOÍSA estão envolvidos em inúmeros casos de fraudes em aposentadorias em detrimento do INSS. Ficou apurado que tais indiciados não agiram com a cautela devida para a concessão do benefício aqui tratado, perfazendo-se uma somatória de esforços com a conduta do também denunciado LAMARTINE para a consecução de vantagem indevida.

Ademais, para demonstrar a participação de ambos na fraude aqui constatada, há nos documentos de fls. 107/113 anotações deles, nos seguintes dizeres: "Conferido", com a subseqüente identificação e autenticação pelo referido funcionário, na medida em que consta o seu carimbo e sua rubrica.

Ou seja, MARCOS e HELOISA não apenas converteram indevidamente o tempo de serviço do segurado LAMARTINE em tempo especial, como também concederam o benefício previdenciário, que pelos requisitos legais, não poderia ser deferido, visto que o beneficiário não possuía a totalidade do tempo necessário para se aposentar por tempo de serviço."


O MM. Juiz a quo entendeu ausente a justa causa para ação penal e rejeitou a denúncia, conforme disposto no artigo 43, III, do Código de Processo Penal. Merece destaque a fundamentação da decisão recorrida, que cito (fls. 345/350):


"Rejeito a denúncia em relação a todos os denunciados pelas razões a seguir expendidas.

Quanto ao segurado LAMARTINE, a afirmação da denúncia de que o segurado utilizou documento fictício para demonstrar a existência de vínculo laboral com a pessoa jurídica Indústria e Comércio de Bebidas ARTERA Ltda., relativamente ao período de 23/04/1968 a 06/01/1969, não se sustenta.

É certo que, como alega o Ministério Público Federal, na cópia do registro de empregados da referida empresa, que instruiu o pedido de benefício de LAMARTINE (fls. 19), não constava data de demissão e, na outra cópia do citado registro, juntada pelo segurado no curso do inquérito policial (fls. 283), consta a data de demissão, como tendo ocorrido em 22-04.1968.

Entretanto, cumpre observar que, na Carteira de Trabalho nº 65508, que também instruiu o pedido do benefício (fls. 180), já constava a data de demissão, como sendo 22-04-1968, em consonância com a declaração de fls. 18, firmada por Ricardo Borini Artero, filho de Pedro Artero Ortega, sócio proprietário da ARTERA.

Observe-se que Pedro Artero Ortega, ouvido pela Polícia Federal, declarou de reconhece como autênticas as impressões e carimbos apostadas na página 7 da referida Carteira de Trabalho (fls. 239).

Ora, segundo declarou LAMARTINE (fls. 259/260),

"(...) foi o próprio declarante que obteve toda a documentação que instruiu o pedido de seu benefício" (...) "não verifica nenhuma adulteração em sua carteira de trabalho" (...) "todos os vínculos trabalhistas nela consignados não verídicos" (...) "efetivamente trabalhou nas empresas INDÚSTRIA COMÉRCIO DE BEBIDAS ARTERA LTDA, onde permaneceu até janeiro de 1969 (...)" (...) "obteve pessoalmente o documento a fls. 12 perante a empresa, onde mantinha contato com o funcionário DIRCEU"

Nesse contexto, entendo que, muito provavelmente, LAMARTINE solicitou à ARTERA regularização do registro de empregados, com a inserção da data de demissão, até então omissa, consoante consignado na sua Carteira de Trabalho. Assim, é de se dar credibilidade à seguinte afirmação de LAMARTINE: "não tem culpa pelo fato da empresa INDÚSTRIA DE BEBIDAS ARTERA não ter registrado em seus documentos a saída do declarante" (fls. 260), mesmo por que, em relação aos outros vínculos, LAMARTINE conseguiu comprovar documentalmente a veracidade de todos eles.

E com relação à conversão de tempo especial em comum, as declarações de Solange Croce Killer, servidora do INSS prestadas no bojo de inquérito policial, que, segundo declarou, sempre trabalhou, e ainda trabalha, na área de concessão de benefício (fls. 286/287), confirmam que não houve irregularidade nessa conversão:

"(...) tomando contato com o procedimento administrativo relativo ao benefício objeto deste apuratório, esclarece que o servidor fez o enquadramento da atividade de cobrador no item 2.42 do anexo II, no entanto, este anexo traz apenas a atividade de motorista; apesar do enquadramento ter sido incorreto, a atividade, ainda assim, seria considerada como especial, pois se enquadra no item 2.44 do Anexo III do CAMSB, não havendo qualquer diferença no cálculo do tempo de serviço, pois o período seria convertido mediante a aplicação do coeficiente 1.4, assim como no caso de motorista; no caso da atividade de cobrador, já que possuía enquadramento próprio como especial, não era necessária a apresentação de laudo pericial (...)"

Diante disso, a afirmação da denúncia de que "alguns dos laudos periciais entregues pelo segurado sequer continham os requisitos mínimos para que houvesse a conversão do tempo especial em comum (fl. 195)" torna-se irrelevante, já que tais laudos eram desnecessários.

Portanto, não havendo qualquer "indícios de fraude na obtenção ou concessão do benefício" previdenciário de aposentadoria por tempo de serviço a LAMARTINE, consoante anotou a Delegada da Polícia Federal em seu Relatório (fls. 298), não vislumbro justa causa para a instauração de ação penal em relação ao todos os aqui denunciados.

Ainda que assim não fosse, em relação a MARCOS e HELOÍSA, cumpre registrar que o crime de estelionato requisita, como tipo subjetivo, a presença de dolo específico, isto é, o especial fim de agir consistente em o agente praticar o fato para apoderar-se de vantagem ilícita, para si ou para outrem. Não há forma culposa. A denúncia apresentada está omissa em descrever qualquer o especial fim com que HELOÍSA e MARCOS agiram para obter, para o segurado LAMARTINE, a aposentadoria por tempo de serviço, mediante fraude.

É importante ressaltar: o dolo não se presume e a denúncia há de descrever elementos objetivos que caracterizem o dolo de HELOÍSA e MARCOS, ao conceder a LAMARTINE, mediante suposta fraude (que, como se viu, não existiu), benefício previdenciário indevido, apontando, como exemplo, a existência de relação concursal entre eles e LAMARTINE e obtenção, por MARCOS e HELOÍSA, de vantagem indevida, em razão do benefício concedido a LAMARTINE. Na denúncia, não há menção a tal relação entre eles, nem tampouco informa se houve, ou não, obtenção de vantagem ilícita por parte de MARCOS e HELOÍSA.

Também sob tal ângulo, a presente denúncia não merece ser acatada por este Juízo em relação a MARCOS e HELOÍSA, em que pesem os seus antecedentes que, por si sós, não autorizam seja dado início à ação penal.

Diante do exposto, ausente a justa causa, REJEITO a denúncia, com fundamento no art. 43, III, do CPP, ressalvado o disposto no seu parágrafo único."


Razão assiste ao Ministério Público Federal, sendo injustificáveis os argumentos alinhavados pelo MM. Juiz para obstar a acusação.


Tenho me posicionado, filiando-me a entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, no sentido de que, se a exordial acusatória descreve fatos que em tese constituem delito e aponta indícios, ainda que mínimos, de que o acusado é responsável pela conduta criminosa a ele imputada, o recebimento da denúncia com o conseqüente prosseguimento da persecutio criminis é de rigor. Isso porque nessa fase processual prevalece o princípio do in dubio pro societate, sendo suficiente para o recebimento da peça vestibular a mera probabilidade de procedência da ação penal, não estando o magistrado obrigado a verificar os elementos probatórios da conduta, mas sim e tão somente, os elementos indiciários.


Dessa forma, não se impõe para o recebimento da denúncia a mesma certeza necessária exigida para a condenação, quando então vige o princípio do in dubio pro reo. Ora, não cabe ao Juiz dizer que o fato é atípico ou que o denunciado é inocente, antes mesmo de se dar ao autor da ação penal a oportunidade de carrear provas no decorrer da fase instrutória, sob pena de transformar-se a decisão de rejeição da denúncia em verdadeira antecipação do julgamento do mérito da imputação nela contida, com violação dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.


Nesse sentido, colacionam-se os seguintes julgados:


"PROCESSUAL PENAL. MOEDA FALSA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ATO JUDICIAL QUE REVOGA DE OFÍCIO DESPACHO ANTERIOR QUE HAVIA RECEBIDO A DENÚNCIA. NULIDADE. POSSIBILIDADE DE NOVAS PROVAS. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETA. RECURSO PROVIDO.
1. (...)
2. Havendo a possibilidade de se comprovar a autoria do delito narrado na inicial acusatória durante a instrução do feito, a rejeição da denúncia, por falta de indícios de autoria, revela-se prematura e retira do órgão acusador a possibilidade de produzir novas provas.
3. (...)
(TRF - 1ª Região, 3ª Turma, RCCR nº 200038020019247/MG, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, j. em 21/09/2004, DJ 01/10/2004, pág. 28)".
"CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. PECULATO. DENÚNCIA. REJEIÇÃO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.
(...) Para o recebimento da denúncia é desnecessária a prova completa e taxativa da ocorrência do crime e de seu autor, suficientes a fundada suspeita de autoria e a prova de materialidade. O reconhecimento da inocência ou não da recorrida somente poderá ser aferida após realização de provas a serem produzidas na instrução.
(...)
(STJ, 5ª Turma, Resp nº 242048/RJ, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, j. em 18/12/2003, DJ 16/02/2004, pág. 284)".

No caso dos autos a denúncia imputa aos réus a prática de atos dolosos consistentes na indução e manutenção do INSS em erro (concessão e pagamento de benefício previdenciário indevido a terceiro), mediante meio fraudulento (deferimento de conversão de tempo de serviço comum em especial sem lastro em documentação capaz de atender às exigências previstas em lei).


Entendo que a conduta narrada na denúncia, em tese, subsume-se àquela prevista no artigo 171, caput e § 3º, do Código Penal.


Ora, saber se houve o intuito de fraude na conduta analisada ou se a mesma decorreu de mero erro funcional (até mesmo com eventual punição reservada apenas à esfera administrativa) é matéria de prova que deverá ser esclarecida no regular curso da ação penal, basta para a configuração da justa causa apta ao recebimento da denúncia a existência de indícios de autoria e de materialidade, os quais estão minimamente presentes.


Assim, em um juízo de probabilidade, é plenamente admissível que os fatos articulados na vestibular acusatória tenham ocorrido exatamente como foram descritos, sendo mister a elucidação dos acontecimentos em tese delituosos à luz do contraditório e da ampla defesa, durante o regular curso da instrução criminal, de modo a permitir que o julgador decida, ao término da instrução e consoante as provas coligidas, pela condenação ou absolvição da agente.


Neste mesmo sentido, merecem menção os julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:


PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. DENÚNCIA QUE ATENDE AO COMANDO DO ART. 41 DO CPP. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO. NECESSIDADE DE EXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.
1. Diversamente do que sustentam os impetrantes, a descrição dos fatos cumpriu, rigorosamente, o comando normativo contido no art. 41, do Código de Processo Penal, estabelecendo a correlação entre as condutas dos pacientes e a imputação da prática do crime de estelionato.
2. Ademais, há substrato fático-probatório suficiente para o início e desenvolvimento da ação penal de forma legítima, afastando a alegação de atipicidade das condutas imputadas aos pacientes.
3. A alegação de ausência de dolo requer, necessariamente, a análise de fatos e provas e ultrapassa os estreitos limites do habeas corpus.
4. A jurisprudência desta Suprema Corte é firme no sentido da denegação do writ quando houver necessidade do exame aprofundado dos elementos probantes (entre outros: HC 64.999-SP, rel. Min. Moreira Alves, DJ 11.09.1987; HC 67.342-RJ, rel. Min. Sidney Sanches, DJ 11.09.1987; HC 67.955-RJ, rel. Min. Celso de Mello, DJ 15.05.1990; HC 70.980-SP, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 08.02.1994; HC 72.858-RS, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 26.09.1995).
5. Habeas corpus denegado.
(HC 98319, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 29/09/2009, DJe-195 DIVULG 15-10-2009 PUBLIC 16-10-2009 EMENT VOL-02378-03 PP-00511 LEXSTF v. 31, n. 371, 2009, p. 444-450)
HABEAS CORPUS. ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL (ARTIGO 171, CAPUT E § 3º, DO CÓDIGO PENAL). ALEGAÇÃO DE FALTA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA DA PACIENTE. PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS E DESCREVE CRIME EM TESE. AMPLA DEFESA GARANTIDA. INÉPCIA NÃO EVIDENCIADA.
1. Não pode ser acoimada de inepta a denúncia formulada em obediência aos requisitos traçados no artigo 41 do Código de Processo Penal, descrevendo perfeitamente a conduta típica, cuja autoria é atribuída à paciente devidamente qualificada, circunstâncias que permitem o exercício da ampla defesa no seio da persecução penal, na qual se observará o devido processo legal.
2. Nos chamados crimes de autoria coletiva, embora a vestibular acusatória não possa ser de todo genérica, é válida quando, apesar de não descrever minuciosamente as atuações individuais dos acusados, demonstra um liame entre o agir da paciente e a suposta prática delituosa, estabelecendo a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa, caso em que se entende preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal.
Precedentes.
3. No caso dos autos, a peça inaugural explicita que a paciente e o outro corréu, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, requereram benefício previdenciário de auxílio doença em nome de terceira pessoa com base em documentos adulterados, indicando, ainda, que a paciente seria a responsável por protocolar o pedido junto ao INSS, razão pela qual não há que se falar em defeito na inicial acusatória.
APONTADA FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE DOLO POR PARTE DA PACIENTE. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO MANDAMUS. DENEGAÇÃO DA ORDEM.
1. Para se examinar a alegada ausência de dolo da acusada seria necessária o aprofundado revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é vedado na via eleita em razão das peculiaridades do seu rito.
2. Como é cediço, o trancamento de ação penal é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito, circunstâncias não evidenciadas na hipótese em exame.
3. No caso, a falta de justa causa para a persecução criminal não é evidente, já que o titular da ação penal, diante dos elementos indiciários colhidos durante o inquérito policial, considerou que a acareção então realizada teria revelado que a paciente trabalhava para o corréu, o que indicaria que não teria como deixar de saber da existência das fraudes perpetradas.
4. Diante da falta de elementos de informação que atestem, de plano, que a paciente efetivamente não sabia dos ilícitos praticados pelo corréu, apontado como seu empregador, mostra-se prematuro o trancamento da ação penal em comento.
5. Ordem denegada.
(HC 145.439/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 08/02/2011, DJe 26/04/2011)

A propósito, com relação ao segurado Lamartine, há ofício do INSS/Auditoria datado de fevereiro de 2007 que informa que o benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição encontrava-se suspenso por motivo de "indício de irregularidade". Essa informação diverge daquela sustentada pela Servidora Chefe da Agência do INSS, e por isso mesmo serve de indício da imputação contra ele dirigida.

Face ao exposto, presentes indícios de materialidade e autoria do delito previsto no artigo 171, caput e § 3º, do Código Penal e atendendo a denúncia aos requisitos elencados no artigo 41 do Código de Processo Penal, com a exposição do fato criminoso com todas as circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução, bem como a correta qualificação da acusado e classificação do delito, não se vislumbra razão plausível a ensejar a rejeição da peça acusatória.


Por esse fundamento, dou provimento ao recurso em sentido estrito para receber a denúncia e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para regular prosseguimento do feito.


É como voto.



Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


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Signatário (a): LUIZ ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042
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Data e Hora: 20/09/2012 10:19:06