D.E. Publicado em 27/09/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal (fls. 352 e 355/361) contra a decisão de fls. 345/350, proferida pelo Juízo da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo que rejeitou a denúncia com fundamento no artigo 43, inciso III, do Código de Processo Penal (na redação anterior à conferida pela Lei 11.719/2008).
Em síntese, a denúncia atribuiu aos recorridos a prática do crime previsto no artigo 171, §3º do Código Penal ao relatar que Marcos e Heloísa, servidores públicos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, obtiveram vantagem ilícita para Lamartine, induzindo e mantendo em erro - mediante fraude - o Instituto Nacional do Seguro Social, quando do requerimento do benefício previdenciário da aposentadoria por tempo de serviço.
A denúncia foi rejeitada pelo MM. Juiz a quo em virtude da falta de justa causa para a ação penal por considerar ausente hipótese de fraude para a concessão do benefício previdenciário e, no que diz respeito aos denunciados Marcos e Heloísa, por entender que a inicial acusatória não trouxe descrição suficiente quanto ao elemento subjetivo do tipo.
Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs Recurso em Sentido Estrito pugnando pela reforma da r. decisão para viabilizar o recebimento da denúncia. Afirma que peça acusatória descreveu suficientemente a conduta criminosa atribuída aos recorridos, competindo ao Julgador, por ocasião do recebimento, apenas examiná-la à luz das exigências formais contidas no artigo 41 do Código de Processo Penal, sem adentrar em questões relativas ao mérito da causa.
Não houve retratação da decisão recorrida (fl. 363).
Os recorridos apresentaram contrarrazões às fls. 347/407 e 419/426.
No parecer acostado a fls. 412/414 a Procuradoria Regional da República opinou pelo improvimento do recurso.
É o relatório.
Feito não sujeito à revisão.
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VOTO
A decisão impugnada refere-se ao não recebimento da denúncia, sendo cabível o Recurso em Sentido Estrito para impugná-la nos termos do artigo 581, I, do Código de Processo Penal. O recurso é tempestivo pois o Ministério Público Federal teve vista do feito em 15 de agosto de 2008 e interpôs o recurso em 22 de agosto de 2008. A decisão a qua foi ratificada.
Segundo consta dos autos os recorridos foram denunciados pela suposta prática do delito de estelionato contra a Previdência Social (artigo 171, § 3º do Código Penal), extraindo-se da peça acusatória os seguintes trechos:
"Consta dos inclusos autos que, no período de 13 de janeiro de 1998 até 31 de maio de 2004, os denunciados MARCOS DONIZETE e HELOISA DE FARIA, nesta Capital, previamente ajustados e em identidade de propósitos, obtiveram vantagem ilícita para LAMARTINE DOS SANTOS, induzindo e mantendo em erro o Instituto Nacional do Seguro Social, através de meio fraudulento, quando do requerimento do benefício previdenciário da aposentadoria por tempo de serviço.
Em 17 de novembro de 1997, o denunciado LAMARTINE protocolou requerimento da aposentadoria por tempo de serviço, na agência da Previdência Social da Vila Mariana, nesta Capital, São Paulo. Para comprovar o preenchimento do requisito de tempo de serviço, o segurado acostou inúmeros documentos, os quais demonstrariam o vínculo empregatício com várias empresas, bem como laudos periciais e formulários SB-40, com a finalidade de comprovar tempo de serviço especial, com vistas a transformá-lo em tempo comum.
Posteriormente, por meio da auditoria do INSS (fls. 220/224) constatou-se que o segurado utilizou documento fictício para demonstrar a existência de vínculo laborativo com a empresa "Indústria e Comércio Artera Ltda", no que se refere ao período de 23/04/1968 a 06/01/1969 (fls. 210/211). Isso se comprova, ainda, em razão do fato de que na cópia do registro de empregados da empresa "Artera" entregue pelo beneficiário (fl. 13), não havia data de demissão, no entanto, no curso da investigação foi acostada outra cópia do citado registro, no qual, de forma inexplicável, consta a data da demissão.
Por fim, alguns dos laudos periciais entregues pelo segurado sequer continham os requisitos mínimos para que houvesse a conversão do tempo especial em comum (fl. 195). Assim, fica claro que o ex-beneficiário tinha consciência de que não possuía direito à aposentadoria requerida.
No que concerne aos servidores MARCOS e HELOÍSA, ambos participaram do processo concessório do benefício (fls. 128/129) e, mesmo tendo consciência de que o segurado não preenchia os requisitos necessários para a percepção da aposentadoria, eles concederam o benefício. Há de se considerar que MARCOS e HELOÍSA estão envolvidos em inúmeros casos de fraudes em aposentadorias em detrimento do INSS. Ficou apurado que tais indiciados não agiram com a cautela devida para a concessão do benefício aqui tratado, perfazendo-se uma somatória de esforços com a conduta do também denunciado LAMARTINE para a consecução de vantagem indevida.
Ademais, para demonstrar a participação de ambos na fraude aqui constatada, há nos documentos de fls. 107/113 anotações deles, nos seguintes dizeres: "Conferido", com a subseqüente identificação e autenticação pelo referido funcionário, na medida em que consta o seu carimbo e sua rubrica.
Ou seja, MARCOS e HELOISA não apenas converteram indevidamente o tempo de serviço do segurado LAMARTINE em tempo especial, como também concederam o benefício previdenciário, que pelos requisitos legais, não poderia ser deferido, visto que o beneficiário não possuía a totalidade do tempo necessário para se aposentar por tempo de serviço."
O MM. Juiz a quo entendeu ausente a justa causa para ação penal e rejeitou a denúncia, conforme disposto no artigo 43, III, do Código de Processo Penal. Merece destaque a fundamentação da decisão recorrida, que cito (fls. 345/350):
"Rejeito a denúncia em relação a todos os denunciados pelas razões a seguir expendidas.
Quanto ao segurado LAMARTINE, a afirmação da denúncia de que o segurado utilizou documento fictício para demonstrar a existência de vínculo laboral com a pessoa jurídica Indústria e Comércio de Bebidas ARTERA Ltda., relativamente ao período de 23/04/1968 a 06/01/1969, não se sustenta.
É certo que, como alega o Ministério Público Federal, na cópia do registro de empregados da referida empresa, que instruiu o pedido de benefício de LAMARTINE (fls. 19), não constava data de demissão e, na outra cópia do citado registro, juntada pelo segurado no curso do inquérito policial (fls. 283), consta a data de demissão, como tendo ocorrido em 22-04.1968.
Entretanto, cumpre observar que, na Carteira de Trabalho nº 65508, que também instruiu o pedido do benefício (fls. 180), já constava a data de demissão, como sendo 22-04-1968, em consonância com a declaração de fls. 18, firmada por Ricardo Borini Artero, filho de Pedro Artero Ortega, sócio proprietário da ARTERA.
Observe-se que Pedro Artero Ortega, ouvido pela Polícia Federal, declarou de reconhece como autênticas as impressões e carimbos apostadas na página 7 da referida Carteira de Trabalho (fls. 239).
Ora, segundo declarou LAMARTINE (fls. 259/260),
"(...) foi o próprio declarante que obteve toda a documentação que instruiu o pedido de seu benefício" (...) "não verifica nenhuma adulteração em sua carteira de trabalho" (...) "todos os vínculos trabalhistas nela consignados não verídicos" (...) "efetivamente trabalhou nas empresas INDÚSTRIA COMÉRCIO DE BEBIDAS ARTERA LTDA, onde permaneceu até janeiro de 1969 (...)" (...) "obteve pessoalmente o documento a fls. 12 perante a empresa, onde mantinha contato com o funcionário DIRCEU"
Nesse contexto, entendo que, muito provavelmente, LAMARTINE solicitou à ARTERA regularização do registro de empregados, com a inserção da data de demissão, até então omissa, consoante consignado na sua Carteira de Trabalho. Assim, é de se dar credibilidade à seguinte afirmação de LAMARTINE: "não tem culpa pelo fato da empresa INDÚSTRIA DE BEBIDAS ARTERA não ter registrado em seus documentos a saída do declarante" (fls. 260), mesmo por que, em relação aos outros vínculos, LAMARTINE conseguiu comprovar documentalmente a veracidade de todos eles.
E com relação à conversão de tempo especial em comum, as declarações de Solange Croce Killer, servidora do INSS prestadas no bojo de inquérito policial, que, segundo declarou, sempre trabalhou, e ainda trabalha, na área de concessão de benefício (fls. 286/287), confirmam que não houve irregularidade nessa conversão:
"(...) tomando contato com o procedimento administrativo relativo ao benefício objeto deste apuratório, esclarece que o servidor fez o enquadramento da atividade de cobrador no item 2.42 do anexo II, no entanto, este anexo traz apenas a atividade de motorista; apesar do enquadramento ter sido incorreto, a atividade, ainda assim, seria considerada como especial, pois se enquadra no item 2.44 do Anexo III do CAMSB, não havendo qualquer diferença no cálculo do tempo de serviço, pois o período seria convertido mediante a aplicação do coeficiente 1.4, assim como no caso de motorista; no caso da atividade de cobrador, já que possuía enquadramento próprio como especial, não era necessária a apresentação de laudo pericial (...)"
Diante disso, a afirmação da denúncia de que "alguns dos laudos periciais entregues pelo segurado sequer continham os requisitos mínimos para que houvesse a conversão do tempo especial em comum (fl. 195)" torna-se irrelevante, já que tais laudos eram desnecessários.
Portanto, não havendo qualquer "indícios de fraude na obtenção ou concessão do benefício" previdenciário de aposentadoria por tempo de serviço a LAMARTINE, consoante anotou a Delegada da Polícia Federal em seu Relatório (fls. 298), não vislumbro justa causa para a instauração de ação penal em relação ao todos os aqui denunciados.
Ainda que assim não fosse, em relação a MARCOS e HELOÍSA, cumpre registrar que o crime de estelionato requisita, como tipo subjetivo, a presença de dolo específico, isto é, o especial fim de agir consistente em o agente praticar o fato para apoderar-se de vantagem ilícita, para si ou para outrem. Não há forma culposa. A denúncia apresentada está omissa em descrever qualquer o especial fim com que HELOÍSA e MARCOS agiram para obter, para o segurado LAMARTINE, a aposentadoria por tempo de serviço, mediante fraude.
É importante ressaltar: o dolo não se presume e a denúncia há de descrever elementos objetivos que caracterizem o dolo de HELOÍSA e MARCOS, ao conceder a LAMARTINE, mediante suposta fraude (que, como se viu, não existiu), benefício previdenciário indevido, apontando, como exemplo, a existência de relação concursal entre eles e LAMARTINE e obtenção, por MARCOS e HELOÍSA, de vantagem indevida, em razão do benefício concedido a LAMARTINE. Na denúncia, não há menção a tal relação entre eles, nem tampouco informa se houve, ou não, obtenção de vantagem ilícita por parte de MARCOS e HELOÍSA.
Também sob tal ângulo, a presente denúncia não merece ser acatada por este Juízo em relação a MARCOS e HELOÍSA, em que pesem os seus antecedentes que, por si sós, não autorizam seja dado início à ação penal.
Diante do exposto, ausente a justa causa, REJEITO a denúncia, com fundamento no art. 43, III, do CPP, ressalvado o disposto no seu parágrafo único."
Razão assiste ao Ministério Público Federal, sendo injustificáveis os argumentos alinhavados pelo MM. Juiz para obstar a acusação.
Tenho me posicionado, filiando-me a entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, no sentido de que, se a exordial acusatória descreve fatos que em tese constituem delito e aponta indícios, ainda que mínimos, de que o acusado é responsável pela conduta criminosa a ele imputada, o recebimento da denúncia com o conseqüente prosseguimento da persecutio criminis é de rigor. Isso porque nessa fase processual prevalece o princípio do in dubio pro societate, sendo suficiente para o recebimento da peça vestibular a mera probabilidade de procedência da ação penal, não estando o magistrado obrigado a verificar os elementos probatórios da conduta, mas sim e tão somente, os elementos indiciários.
Dessa forma, não se impõe para o recebimento da denúncia a mesma certeza necessária exigida para a condenação, quando então vige o princípio do in dubio pro reo. Ora, não cabe ao Juiz dizer que o fato é atípico ou que o denunciado é inocente, antes mesmo de se dar ao autor da ação penal a oportunidade de carrear provas no decorrer da fase instrutória, sob pena de transformar-se a decisão de rejeição da denúncia em verdadeira antecipação do julgamento do mérito da imputação nela contida, com violação dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Nesse sentido, colacionam-se os seguintes julgados:
No caso dos autos a denúncia imputa aos réus a prática de atos dolosos consistentes na indução e manutenção do INSS em erro (concessão e pagamento de benefício previdenciário indevido a terceiro), mediante meio fraudulento (deferimento de conversão de tempo de serviço comum em especial sem lastro em documentação capaz de atender às exigências previstas em lei).
Entendo que a conduta narrada na denúncia, em tese, subsume-se àquela prevista no artigo 171, caput e § 3º, do Código Penal.
Ora, saber se houve o intuito de fraude na conduta analisada ou se a mesma decorreu de mero erro funcional (até mesmo com eventual punição reservada apenas à esfera administrativa) é matéria de prova que deverá ser esclarecida no regular curso da ação penal, basta para a configuração da justa causa apta ao recebimento da denúncia a existência de indícios de autoria e de materialidade, os quais estão minimamente presentes.
Assim, em um juízo de probabilidade, é plenamente admissível que os fatos articulados na vestibular acusatória tenham ocorrido exatamente como foram descritos, sendo mister a elucidação dos acontecimentos em tese delituosos à luz do contraditório e da ampla defesa, durante o regular curso da instrução criminal, de modo a permitir que o julgador decida, ao término da instrução e consoante as provas coligidas, pela condenação ou absolvição da agente.
Neste mesmo sentido, merecem menção os julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:
A propósito, com relação ao segurado Lamartine, há ofício do INSS/Auditoria datado de fevereiro de 2007 que informa que o benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição encontrava-se suspenso por motivo de "indício de irregularidade". Essa informação diverge daquela sustentada pela Servidora Chefe da Agência do INSS, e por isso mesmo serve de indício da imputação contra ele dirigida.
Face ao exposto, presentes indícios de materialidade e autoria do delito previsto no artigo 171, caput e § 3º, do Código Penal e atendendo a denúncia aos requisitos elencados no artigo 41 do Código de Processo Penal, com a exposição do fato criminoso com todas as circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução, bem como a correta qualificação da acusado e classificação do delito, não se vislumbra razão plausível a ensejar a rejeição da peça acusatória.
Por esse fundamento, dou provimento ao recurso em sentido estrito para receber a denúncia e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para regular prosseguimento do feito.
É como voto.
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