Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 10/07/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1300021-12.1996.4.03.6108/SP
2005.03.99.005191-9/SP
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : RUBENS SACARDO
ADVOGADO : NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES e outro
APELANTE : PEDRO SACARDO
: VALDEMAR SACARDO
ADVOGADO : ADRIANO PUCINELLI e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 96.13.00021-6 2 Vr BAURU/SP

EMENTA

PENAL. ESTELIONATO. ARTIGO 171, §3º DO CÓDIGO PENAL. RECEBIMENTO DE SEGURO-DESEMPREGO E SAQUE INDEVIDO DO SALDO DO FGTS. PRESCRIÇÃO RETROATIVA E PRESCRIÇÃO "IN ABSTRATO". NÃO OCORRÊNCIA. INTEMPESTIVIDADE RECURSAL AFASTADA. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. RECURSOS IMPROVIDOS.
1.Os réus foram denunciados como incurso nas sanções do artigo 171, §3º, do Código Penal, em concurso material com os artigos 299, 304 e 203 cc o artigo 29, todos do Código Penal.
2. Intempestividade do recurso de dois corréus afastada, diante dos eventos processuais ocorridos e em homenagem ao princípio da ampla defesa. Prescrição retroativa. Inexistência de trânsito em julgado para acusação. Não ocorrência. Prescrição "in abstrato". Não decorrido lapso temporal superior a 12 (doze) anos entre os marcos interruptivos da prescrição. Preliminares rejeitadas.
3. Autoria, materialidade e dolo comprovados.
4. Mantida a condenação.
5. Princípio da consunção. Discussão superada na jurisprudência pátria, a qual é uníssona quanto à aplicação do princípio da consunção quando resta evidenciado que delitos autônomos foram praticados como meios necessários para a consecução de um delito fim, como é o caso dos autos. Súmula n.º 17 do Superior Tribunal de Justiça.
6. Dosimetria da pena. Mantido o quantum fixado de pena-base na r. sentença à medida que a severidade das condutas dos réus é ínsita ao tipo penal em comento. Pena privativa de liberdade definitiva mantida em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão.
7. Mantidos a pena de multa, o regime inicial de cumprimento de pena no aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos termos fixados na r. sentença.
8. Revertida, de ofício, a prestação pecuniária em favor da União Federal.
9. Apelações as quais se nega provimento.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares arguidas, negar provimento aos recursos e, de ofício, reverter a prestação pecuniária em favor da União Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 26 de junho de 2012.
Vesna Kolmar
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1300021-12.1996.4.03.6108/SP
2005.03.99.005191-9/SP
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : RUBENS SACARDO
ADVOGADO : NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES e outro
APELANTE : PEDRO SACARDO
: VALDEMAR SACARDO
ADVOGADO : ADRIANO PUCINELLI e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 96.13.00021-6 2 Vr BAURU/SP

RELATÓRIO

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR: Trata-se de Apelações Criminais interpostas por Rubens Sacardo, Pedro Sacardo e Valdemar Sacardo e pelo Ministério Público Federal, contra a r. sentença (fls. 435/443), proferida pelo MM. Juiz da 2ª Vara Federal de Bauru - SP, que os condenou à pena de 01 (um) ano, 04 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito previsto no artigo 171, §3º, do Código Penal e declarou extinta a punibilidade, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, em relação ao delito do artigo 203 do Código Penal.


A pena privativa de liberdade foi substituída por uma pena restritiva de direitos e multa, consistentes em prestação pecuniária no valor de um salário mínimo em favor de entidade privada de filantropia de Bauru, reconhecida como de utilidade pública, e multa de 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.


O Ministério Público Federal, nas razões acostadas às fls. 450/457, requer, por não se aplicar à espécie o princípio da consunção, a condenação dos réus pelos delitos previstos nos artigos 299 e 304 cc. artigo 29, todos do Código Penal, em concurso material, com o delito de estelionato.


Alternativamente, pleiteia que os réus sejam condenados por todos os delitos descritos na denúncia, em concurso formal, com a incidência da circunstância agravante do artigo 61, II, "b", do Código Penal.


E, subsidiariamente, pugna pela majoração da pena base fixada para o delito do artigo 171, §3º, do Código Penal, por serem desfavoráveis aos réus as circunstâncias do artigo 59, do mesmo diploma legal.


Rubens Sacardo, nas razões de fls. 476/479, alega, preliminarmente, a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva retroativa e, no mérito, pleiteia absolvição, por ausência de dolo.


Valdemar Sacardo e Pedro Sacardo, às fls. 542/547, pedem, também, o reconhecimento da prescrição retroativa e pleiteiam a absolvição, sob fundamento da ausência de materialidade, bem como da falta de provas da autoria do delito.


Contrarrazões dos réus acostadas às fls. 485/490, fls. 491/498, fls. 504/510 e da acusação, às fls. 521/526 e fls. 549/554.


A Procuradoria Regional da República, por sua ilustre representante, Dra. Luiza Cristrina Fonseca Frischeisen, opinou pelo não provimento dos recursos interpostos pelos réus e pelo provimento parcial do recurso ministerial, para que seja majorada a pena fixada na r. sentença (fls. 561/576).


É o relatório.


À revisão.




Vesna Kolmar
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1300021-12.1996.4.03.6108/SP
2005.03.99.005191-9/SP
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : RUBENS SACARDO
ADVOGADO : NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES e outro
APELANTE : PEDRO SACARDO
: VALDEMAR SACARDO
ADVOGADO : ADRIANO PUCINELLI e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 96.13.00021-6 2 Vr BAURU/SP

VOTO

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR: Rubens Sacardo foi denunciado como incurso no artigo 171, §3º, em concurso material com os artigos 299 e 304 cc o artigo 29, todos do Código Penal, e Pedro Sacardo e Valdemar Sacardo, como incursos no artigo 171, §3º, em concurso material com os artigos 299, 304 e 203 cc o artigo 29, todos do Código Penal.


Consta da denúncia (fls. 02/04) que:


(...) Foi noticiado pela 2ª Junta de Conciliação e Julgamento, pelos documentos de fls. 06/11, o eventual recebimento fraudulento do seguro desemprego, pelo ora denunciado RUBENS SACARDO, ex-empregado da empresa "FERRAMENTARIA TERRA BRANCA LTDA".
03. A Caixa Econômica Federal negou informação acerca do pagamento de seguro desemprego e do saque do FGTS, fls. 26 e 34, sob alegação do sigilo bancário. Foi informado pelo Subdelegado do Trabalho de Bauru, fls. 37/38, que o denunciado recebeu o seguro desemprego em 5 parcelas. Tal informação se encontra também na carteira de trabalho do denunciado, fl.20.
04. RUBENS SACARDO, fls. 16 e 56/57, afirma que foi admitido na referida empresa, de propriedade de seus irmãos, também denunciados, VALDEMAR SACARDO e PEDRO SACARDO, no dia 01/09/88. A rescisão do contrato de trabalho ocorreu em 31/05/93, época em que houve demissão de alguns funcionários, após "acordo" feito entre RUBENS e seus irmãos. Consoante tal acordo, RUBENS continuaria trabalhando na empresa, sem registro, após a fictícia rescisão; em contrapartida, seria liberado para ele o FGTS e a guia para o seguro desemprego, tendo RUBENS que devolver os 40% de multa do FGTS para a empresa. RUBENS faz constar que após a rescisão, a empresa deixou de recolher o FGTS do empregado. Fazia ainda parte do acordo a abertura, pelos irmãos, de uma firma individual em nome de RUBENS, o que realmente aconteceu, tendo eles arcado com as despesas desta abertura de firma, mas depois não pagaram mais nada, o que foi motivo de muitas brigas, que resultaram na reclamação trabalhista interposta contra a empresa. Certificado da reclamação, PEDRO SACARDO demitiu, agora efetivamente, o irmão em 31/05/95.
05. É o próprio denunciado RUBENS SACARDO quem admite que recebeu o seguro desemprego (em 5 parcelas) e o FGTS no período em que estava empregado, apesar de não ser registrado, o que se confirma pelos documentos de fls. 2, /37/38. Afirmou também que seu irmão PEDRO SACARDO, também denunciado, foi a pessoa que liberou o FGTS e a comunicação para receber o seguro desemprego.
06. O também denunciado, PEDRO SACARDO, afirma às fls. 46/47 que formalizou a dispensa "em comum acordo com seu sócio e irmão VALDEMAR e tudo conversado entre os três, o interrogado, VALDEMAR e RUBENS" (grifo nossos).

Consta, ainda, do aditamento à denúncia (fls. 176/177) que:


2) Depreende-se da narrativa da exordial, com suporte fático nos documentos integrantes do inquérito policial, que a obtenção da vantagem indevida somente foi possível mediante a prática da falsidade das anotações constantes da CTPS n. 55281, série 119, 2ª via expedida em continuação, de RUBENS SACARDO (fl. 23), em 31/05/1993, e Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho existente entre este mesmo empregado e a empresa Ferramentaria Terra Branca Ltda. (fl. 171), cujos sócios-próprios são os denunciados PEDRO SACARDO e VALDEMAR SACARDO.
3) Desta forma, a conduta delituosa dos denunciados consistiu ainda, em inserir declaração falsa nos documentos públicos especificados no item supra, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante e usá-los , em 08/06/93, perante a Caixa Econômica Federal no intuito de levantar os depósitos correspondentes ao FGTS da conta vinculada nº 7018-0/1133-8/1-80, relativa ao contrato de trabalho de RUBENS SACARDO e a empresa Ferramentaria Terra Branca Ltda. (fl. 159 e 165), o que efetivamente ocorreu, em 13/07/1993, consoante comprovante de pagamento do FGTS (fl. 172).
(...)

Após regular processamento do feito, sobreveio sentença que condenou Rubens Sacardo, Pedro Sacardo e Valdemar Sacardo à pena de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito previsto no artigo 171, §3º, do Código Penal e declarou extinta a punibilidade, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, em relação ao delito do artigo 203 do Código Penal, o que ensejou a interposição dos presentes recursos.


Por primeiro, analiso a preliminar arguida pela acusação, em contrarrazões, acerca da intempestividade do recurso interposto por Pedro Sacardo e Valdemar Sacardo.


Como sabido, o prazo para a interposição do recurso de apelação contra a r. sentença condenatória proferida por juiz singular é de 05 (cinco) dias, nos termos do artigo 593, caput, do Código de Processo Penal.


Outrossim, a luz do artigo 798 e §1º do mesmo diploma legal, os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou feriado. E, ainda, não se computará o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento.


Transcrevo, por oportuno, o teor da Súmula 710 do Supremo Tribunal Federal:


No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem.

Prossigo.


Do exame dos autos, verifico que a r. sentença foi preferida pelo d. magistrado "a quo" em 20 de março de 2002 (fls. 435/443).


Em face da renúncia dos advogados constituídos e diante da inércia dos réus em constituir novos advogados, foi nomeada defensora dativa em 26 de agosto de 2002.


A intimação pessoal da defensora foi realizada em 18 de dezembro de 2002 (fl. 468).


Em 13 de janeiro de 2003, a advogada dativa apresentou contrarrazões em nome de Pedro e Valdemar (fls. 483/502).


À fl. 473, encontra-se cópia da publicação da sentença no Diário Oficial do dia 05 de fevereiro de 2003, na qual consta, erroneamente, que os réus Pedro Sacardo e Valdemar Sacardo não possuem advogado.


Apenas, em 23 de abril de 2004, foi expedido mandado de intimação para os réus Pedro Sacardo e Valdemar Sacardo tomar ciência da r. sentença.


Consoante mostra a certidão acostada à fl. 536, os mesmos foram devidamente intimados da sentença condenatória em 07 de maio de 2004.


Em 19 de maio de 2004, veio aos autos informação sobre a constituição de advogado por parte dos referidos réus com pedido de juntada dos instrumentos de procuração (fls. 531/532).


O defensor constituído protocolizou a petição de interposição de recurso em 21 de maio de 2004.


Assim sendo, diante de tais eventos processuais e em homenagem ao princípio da ampla defesa, não há como acolher a preliminar de intempestividade do recurso dos réus Pedro e Valdemar Sacardo suscitada pelo Ministério Público Federal em contrarrazões.


Na sequência, examino a preliminar suscitada pelas defesas.


Afasto a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva Estatal pela pena em concreto.


Explico.

Para que se configure da prescrição da pretensão punitiva Estatal com base na pena concretamente aplicada, a chamada prescrição retroativa, faz-se necessário o trânsito em julgado para acusação, o que não é o caso dos autos, tendo em vista o recurso interposto pelo Ministério Público Federal à fl. 449.


Igualmente, não merece prosperar a alegação acerca da ocorrência prescrição da pretensão punitiva Estatal "in abstrato".


Vejamos.


In casu, a pena a ser analisada para efeito da referida prescrição é a máxima abstratamente cominada ao delito, vale dizer, de 5 (cinco) anos, sendo de 12 (doze) anos o prazo prescricional, nos termos do artigo 109, inciso III, do Código Penal.


Compulsando os autos, verifico que os fatos imputados aos réus ocorreram entre 07/1993 e 04/1994 (fls. 41/42 e fl. 160), a denúncia foi recebida em 17/01/1997 (fl. 78), o aditamento à denúncia em 30/04/1998 (fl. 178) e a sentença publicada em 25/03/2002 (fl. 444).


Cotejando-se os marcos interruptivos da prescrição, constata-se que não decorreu lapso temporal superior a 12 (doze) anos entre eles, como bem ressaltou, em parecer, o Ministério Público Federal.


Passo ao exame do mérito.


Do exame dos autos, verifico que a materialidade e autoria do delito, ao contrário do alegado pelas defesas, restaram comprovadas.


Os documentos de fls. 41/42 atestam o efetivo recebimento, por parte de Rubens Sacardo, das parcelas do seguro-desemprego em 25/08/1993; 15/09/1993; 06/10/1993 e 20/04/1994, e o saque do FGTS em 13/07/1993 (fl. 160), durante o período em que trabalhou na empresa FERRAMENTARIA TERRA BRANCA LTDA., ainda que não registrado.


As cópias dos autos da reclamatória trabalhista nº 00.127/95-2 (fls. 11/15) mostram que Rubens Sacardo ajuizou a referida ação, perante a Justiça do Trabalho de Bauru/SP, contra a empresa FERRAMENTARIA TERRA BRANCA LTDA., de propriedade dos seus irmãos Pedro Sacardo e Valdemar Sacardo, ao argumento de que, mesmo depois da rescisão contratual, continuou a laborar normalmente na mesma empresa, razão pela qual pleiteava direitos trabalhistas.


Confira-se o depoimento do então reclamante, Rubens Sacardo, em audiência trabalhista (fls. 11/12):


(...) que foi feita uma rescisão contratual com o reclamado em 31/05/93; que com a rescisão o depoente recebeu o fundo de garantia; que, no entanto, apesar de no termo de rescisão constar o pagamento de multa de 40%, sobre os depósitos do FGTS, o depoente teve que devolver essa importância; que apesar da rescisão do contrato, o depoente continuou trabalhando normalmente, logo no dia seguinte; que a prestação de serviços continuou idêntica, sendo certo que o depoente anotava sua jornada no cartão de ponto (...)

No mesmo sentido a reclamada (fl. 11):


(...) que depois da rescisão de contrato, o reclamante, que é irmão do depoente, continuou prestando serviços na reclamada, mas o ajuste foi de que esta prestação de trabalho seria como autônomo (...) que o reclamante estava em situação financeira difícil e como o depoente é seu irmão, resolveu entrar num acordo com o autor, liberando, digo, dispensando-o e liberando os depósitos do FGTS; que em virtude da "dispensa imotivada", forneceu comunicação de dispensa para o autor poder receber o Seguro-desemprego; que mesmo como autônomo, o reclamante fazia os mesmos horários dos empregados (...)

O Juiz da 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de Bauru (fls. 13/15) consignou na sentença da reclamação que:


(...) Segundo se observa pela prova colhida, o autor, mesmo depois da rescisão contratual, levada a efeito em 31 de maio de 1993, continuou trabalhando para a reclamada, sob as mesmas condições de período em que era empregado. Anotava, inclusive, sua jornada de controle de presença, sujeitava-se as ordens que recebia salário por hora.
Evidente, portanto, que mesmo após 31 de maio de 1993, o reclamante continuou trabalhando para a reclamada, como empregado.
A rescisão contratual levada a efeito em 31 de maio de 1993, na verdade ser simulada entre as partes e, através dela o autor conseguiu vantagens indevidas de terceiro (levantamento de depósito de FGTS e recebimento do seguro-desemprego).(...)

Infere-se, portanto, que o acusado Rubens Sacardo não foi despedido sem justa causa, mas sim que houve um acordo entre ele os empregadores, Pedro Sacardo e Valdemar Sacardo, para que pudesse levantar o saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e recebesse parcelas do seguro-desemprego, a título de "recompensa" pela redução do salário.


À fls. 94/94-v, no primeiro interrogatório judicial, antes do aditamento da denúncia, Rubens Sacardo disse:


(...) à época dos fatos trabalhava na Ferramentaria Terra Branca Ltda. de propriedade de seus irmãos, Pedro e Valdemar Sacardo. Exercia as funções de torneiro mecânico, mas em função de dificuldades financeiras por que a empresa passava, foi demitido em 31.05.93, tendo recebido os documentos para saque de seguro desemprego e de saldo do fundo de garantia. Informa que efetivamente deu entrada em tais requerimentos na Caixa Econômica Federal, vindo a levantar o saldo do fundo, bem como receber as cinco parcelas do seguro desemprego. Quando de seu desligamento, seus irmãos prometeram-lhe tão logo regularizassem a situação da empresa, o readmitiriam, tal promessa não foi cumprida, o que motivou o acusado a ajuizar a reclamação trabalhista contra a empresa, orientado pelo Sindicato dos Metalúrgicos. A partir de janeiro de 1994, passou a prestar serviços (...)

Quando reinterrogado (fls. 195/195-v), Rubens negou ter trabalhado na empresa após a demissão, como afirmara no Juízo trabalhista, dizendo que apenas retornou à empresa em 02/1994, ou seja, após o recebimento da última parcela do seguro-desemprego.


Pedro Sacardo e Valdemar Sacardo, nos interrogatórios judiciais, disseram que deliberaram conjuntamente acerca da demissão do irmão Rubens, porém, negaram ter feito qualquer acordo no sentido de devolver o valor correspondente à multa de 40% (quarenta por cento) decorrente da demissão. Afirmaram que Rubens apenas voltou a trabalhar na empresa, esporadicamente, em 1994 (fls. 95/96 e fls. 193/194).


Em relação aos interrogatórios, consignou a Procuradoria Regional da República:


(...) tais afirmações destoam do conteúdo da representação enviada pelo MM. Juízo da 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de Bauru/SP ao Ministério Público Federal, vez que perante o Juízo Trabalhista, afirmou-se, com riqueza de detalhes, que houve acordos entre os réus, de modo a possibilitar o recebimento da vantagem indevida por Rubens.
É inconteste a participação delitiva de do réu Pedro, no teor das declarações de fls. 20/21vº, quando afirmou ser ele o responsável pelas decisões acerca da demissão de funcionários.
Ainda que assim não fosse, a condição de sócios proprietários ostentada pelos réus Pedro e Valdemar comprova a participação nos fatos narrados na denúncia. Isso porque ambos assinavam os termos de rescisões de contratos de trabalho e eram conhecedores das irregularidades que praticavam.
Assim, não há como sustentar a alegação da defesa, no sentido de que o réu Valdemar Sacardo, como encarregado da parte da produção, não participou da conduta delitiva de obter vantagem indevida para outrem mediante fraude.(...)

De fato, as alegações não passam de negativa de autoria.

Não há dúvida que a extinção do contrato de trabalho celebrado decorreu de ato voluntário dos corréus e não de dispensa imotivada.


Além disso, restou claro que o objetivo dos réus era permitir que Rubens pudesse levantar os depósitos realizados em sua conta vinculada do FGTS e obter o seguro-desemprego em desacordo com os permissivos legais, pelo que não há que se falar em ausência de dolo.


Dessa forma, conforme sobejamente demonstrado nos autos, a conduta perpetrada pelos corréus subsume-se ao delito previsto no artigo 171, §3º, do Código Penal.


Insurge-se, ainda, o Ministério Público Federal contra a aplicação do princípio da consunção sob o fundamento de que ao fazê-lo, acaba-se incorrendo em grandes injustiças à medida que se pune o agente por um delito (estelionato) cominado com pena menor, em detrimento de delitos cujas penas são superiores, por exemplo, a falsificação de documento público, além do fato dos demais tipos penais tutelarem bens jurídicos diversos do patrimônio.


Contudo, não assiste razão à acusação, pois nada há nos autos a indicar que os documentos ideologicamente falsos tenham sido usados para fins diversos.


Tal discussão encontra-se superada na jurisprudência pátria, a qual é uníssona quanto à aplicação do princípio da consunção quando resta evidenciado que delitos autônomos foram praticados como meios necessários para a consecução de um delito fim, como é o caso dos autos.


Neste sentido é o teor da Súmula n.º 17 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:


Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade
lesiva, é por este absorvido.

Pelos mesmos motivos acima expostos, não merece ser acolhida a tese ministerial acerca da fixação da regra do concurso formal, com aplicação da agravante prevista no artigo 61, II, b, do Código Penal.


Deste modo, sendo incontestes a materialidade e a autoria do delito previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal, a manutenção da sentença condenatória é de rigor.


Passo à dosimetria da pena.


Pugna o Ministério Público Federal pela majoração da pena-base, ao argumento de que o magistrado sentenciante, embora tenha reconhecido a existência de circunstâncias desabonadoras, contradizendo seus próprios fundamentos, dosou a pena-base no mínimo legal.


Não lhe assiste razão.


Verifico que o MM Juiz a quo fixou a pena-base no mínimo legal de 01 (um) anos de reclusão, ao fundamento de que:


(...) Percorrendo o artigo 59 do Código Penal, considero severa a reprobabilidade às condutas dos réus, de quem era exigível o entendimento sobre a ilicitude do crime; a conduta social parece boa; sem antecedentes; a personalidade não apresentou nenhum traço digno de nota; os motivos estão jungidos à expectativa de ganho fácil; as circunstâncias foram ordinárias ao tipo penal, sem graves consequências. (...)

Considero suficiente o quantum fixado de pena-base na r. sentença à medida que a severidade das condutas dos réus é ínsita ao tipo penal em comento.


Assim, é de rigor a manutenção da pena-base no mínimo legal, ou seja, em 01 (um) ano de reclusão.


Ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes, na terceira fase, o magistrado sentenciante aumentou a pena-base em 1/3 (um terço), tendo em vista a causa de aumento prevista no § 3º do artigo 171 do Código Penal, em razão das lesões aos órgãos da Administração Pública Federal (Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, vinculado ao Ministério do Trabalho e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, gerido pela Caixa Econômica Federal), o que resultou na pena definitiva de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, a qual mantenho.


No que tange à pena de multa, observo que foi aplicado o mesmo critério legal para fixação da pena privativa de liberdade, que fica mantida nos termos da r.sentença.


Por fim, ficam mantidos o regime inicial de cumprimento da pena no aberto, nos termos do artigo 33, parágrafo 3º, do Código Penal, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos e multa, nos moldes da r. sentença de primeiro grau.


Todavia, de ofício, reverto o valor da prestação pecuniária à União Federal, nos termos do §1º do artigo 45 do Código Penal.


Por esses fundamentos, rejeito as preliminares arguidas, nego provimento aos recursos e, de ofício, reverto a prestação pecuniária em favor da União Federal.


É o voto.


Vesna Kolmar
Desembargadora Federal


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