Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 29/05/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000526-20.2006.4.03.6116/SP
2006.61.16.000526-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : APARECIDO DE OLIVEIRA
ADVOGADO : MARCELO ALESSANDRO GALINDO
APELADO : Justica Publica

EMENTA

PENAL - ARTIGO 171, PARÁGRAFO 3º DO CP NA FORMA TENTADA - INGRESSO EM JUÍZO PARA OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - PRELIMINARES SUSCITADAS PELO APELANTE REJEITADAS - AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO DEMONSTRADAS - DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA NÃO CARACTERIZADA - POTENCIALIDADE LESIVA CORRETAMENTE DEMONSTRADA - CRIME POSSÍVEL - ARTIGO 59 CÓDIGO PENAL - CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL - PENA BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - POSSIBILIDADE - ARTIGO 14, II DO CÓDIGO PENAL - PERCENTUAL DE DIMINUIÇÃO PELA TENTATIVA FIXADA NO MÍNIMO LEGAL - ARTIGO 33, § 3º CP - RECONHECIMENTO DE CONTINUIDADE DELITIVA A SER ANALISADA PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES PENAIS - NÃO OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO - RECURSO DA DEFESA IMPROVIDO - SENTENÇA MANTIDA.
1. Cerceamento de defesa. O instituto da "emendatio libelli" não foi aplicado nestes autos, não havendo como falar-se em cerceamento de defesa.
2. Inépcia da inicial. Exordial acusatória se mostrou detalhada na descrição do fato delituoso imputado ao acusado, preenchendo os pressupostos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal, não padecendo da eiva apontada pelo apelante. Preliminares rejeitadas.
3. A autoria e a materialidade do delito restaram devidamente comprovadas pelo Laudo do Exame Mecanográfico (fls. 53/56). Também conclui-se, com clareza, tratar-se de falsificação quando da simples análise comparativa do documento original e da cópia utilizada para perpetrar o delito (fls. 57/58).
4. Possibilidade real de obtenção de vantagem ilícita. Certidão adulterada, que foi apresentada ao Juízo para interposição da ação e poderia ter sido, também, considerada pelo INSS para concessão do benefício.
5. Atipicidade do fato criminoso não configurada. Réu que atua como advogado da vítima no processo previdenciário que deu origem ao feito ora em comento, tendo sido a documentação da autora por ele analisada pessoalmente.
6. Desistência voluntária não caracterizada. O agente não interrompeu a execução do delito voluntariamente, não se caracterizando o instituto.
7. Inocorrência de crime impossível. INSS e Juízo sem a ciência de que a certidão adulterada não tinha informação sobre os pais da requerente, contrariamente ao que constou no documento adulterado.
8. Circunstância judicial prevista no artigo 59, do Código Penal, desfavorável ao apelante. Agiu com acerto o juiz ao fixar a pena em patamar acima do mínimo legal, em razão de uma culpabilidade mais grave por ser o réu advogado, até porque, sendo advogado militante na comarca onde perpetrou a conduta criminosa, com muito mais vigor lhe seria exigível, no exercício da advocacia, uma atuação conforme as regras sociais de boa conduta e os ditames legais, dado conhecer a legislação, tendo ele violado dever ético-moral inerente à sua profissão.
9. Tratando-se de crime na modalidade tentada, deve ser aplicada a regra contida no artigo 14, II, parágrafo único do CP, diminuindo a pena em 1/3 (redução mínima), pois somente o último passo do "iter criminis" percorrido pelo acusado, a consumação, não foi atingido.
10. A pena deve ser fixada em patamar que retribua de forma adequada a ofensa ao bem jurídico tutelado, bem como possibilite a ressocialização do acusado.
11. Pedido de reconhecimento da continuidade delitiva entre outros delitos que foram processados e julgados em feitos diversos deverá ser direcionado ao Juízo das Execuções Penais, após o trânsito em julgado das ações penais.
12. No que diz respeito a prescrição da pretensão punitiva estatal, não ocorreu. É que a pena concretizada na sentença, de 02 anos, 02 meses e 20 dias de reclusão, prescreve em 08 anos, a teor do artigo 109, inciso IV do Código Penal, e tal lapso de tempo não se ultimou entre a data do fato (08/07/2003 - fl.02) e a data do recebimento da denúncia (10/04/2006 - fl. 141), nem entre esta data e a da publicação da sentença (21/08/2008- fl.475), e, muito menos, entre esta última data até o presente momento.
13. Preliminares rejeitadas. Recurso improvido. Sentença mantida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes os acima indicados, ACORDAM os Desembargadores da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, nos termos do relatório e voto da Senhora Relatora, constantes dos autos, e na conformidade da ata de julgamento, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, por unanimidade, em rejeitar as preliminares suscitadas e negar provimento ao recurso de APARECIDO DE OLIVEIRA, mantida na íntegra a decisão de primeiro grau.



São Paulo, 21 de maio de 2012.
RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000526-20.2006.4.03.6116/SP
2006.61.16.000526-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : APARECIDO DE OLIVEIRA
ADVOGADO : MARCELO ALESSANDRO GALINDO
APELADO : Justica Publica

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE:

Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta por APARECIDO DE OLIVEIRA em face de decisão proferida pelo MM. Juiz Federal da 1a Vara de Assis/SP, que o condenou como incurso no artigo 171, § 3º c.c. artigo 14, inciso II, do Código Penal, a pena de 02 (dois) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a ser cumprida no regime inicial aberto, além do pagamento de 30 (trinta) dias-multa, fixando cada dia-multa no valor de 1/20 (um vigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, atualizados monetariamente quando do efetivo pagamento, com a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária mensal no valor de R$ 100,00 (cem reais), pelo mesmo período da pena corporal substituída e na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo período da pena corporal substituída, em regime de oito horas semanais, a ser cumprida em entidade pública ou privada, a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais (fls. 461/471).

Consta da denúncia que:

"(...) no dia 08 de julho de 2003, em Paraguaçu Paulista/SP, o denunciado ajuizou ação visando a concessão de benefício previdenciário de Aposentadoria por Idade, mediante o cômputo de trabalho rural, ou benefício assistencial de prestação continuada, instruindo-a com documento falso, tentado obter, para outrem, vantagem indevida, por meio da indução do Juízo a erro, em prejuízo do patrimônio do Instituto Nacional do Seguro Social.
Segundo se apurou, no ano de 2003, Maria José de Oliveira Santos procurou o denunciado, advogado militante no âmbito desta Subseção Judiciária, objetivando conseguir se aposentar. Para tanto, Maria José forneceu ao denunciado a sua Certidão de Casamento, documento em que consta a profissão de seu marido como 'Operário', com vistas a subsidiar o pedido de aposentadoria a ser efetuado (conf. Auto de Exibição e Apreensão de fl. 128 e Certidão de Casamento Original encartada à fl. 129).
Fato é que, na ação previdenciária retrocitada, que tramitou perante a 2ª Vara Judicial da Comarca de Paraguaçu Paulista/SP, fora constatado que a cópia reprográfica da Certidão de Casamento da autora do pleito, Maria José de Oliveira, encontrava-se adulterada no campo em que consta a profissão de seu marido, Gumercindo Santos, estando consignado 'Lavrador', enquanto na Certidão original consta 'Operário' (fls. 24 e 129).
O denunciado utilizou-se do documento falso para instruir a ação, com o fito de atestar que Maria José havia exercido labor na zona rural, de molde a preencher o requisito de carência legal para o deferimento do benefício previdenciário de Aposentadoria por Idade em favor da autora, visando induzir o Juízo a erro, o qual somente não se operou por circunstâncias alheias à sua vontade, tendo em vista o despacho exarado pelo d. Juiz de Direito da sobredita Vara Judicial requisitando a Certidão de Casamento original ao Serviço de Registro Civil (fl.70).
Do exposto, o Ministério Público Federal denuncia APARECIDO DE OLIVEIRA como incurso no art. 171, § 3º c.c. o art. 14, II, ambos do Código Penal (...) (fls. 02/03) (os destaques são no original)."

Decisão do Juízo da 1ª Vara da Comarca de Paraguaçu Paulista/SP, declarando a incompetência absoluta do Juízo Estadual e remetendo os autos à Justiça Federal da Comarca de Assis (fls. 134/135).

A denúncia foi recebida em 10/04/2006 (fl. 141).

O réu, ora apelante, foi interrogado (fls. 223/229). Apresentou defesa prévia e arrolou testemunhas (fls. 231/238).

Manifestação do Ministério Público Federal às fls. 242/244, propugnando pela superação das matérias lançadas em defesa prévia com o prosseguimento da ação penal.

Decisão da MM. Juíza "a qua", acolhendo a manifestação ministerial suso citada, para superar as matérias suscitadas em defesa prévia e determinar o prosseguimento do feito (fl. 246)

Foram ouvidas as testemunhas de acusação (fls. 279/282).

As testemunhas de defesa foram ouvidas às fls. 307/310.

A MM. Juíza "a qua" homologou o pedido de desistência da oitiva de uma testemunha de defesa e deu por encerrada a instrução dos autos, conforme decisão acostada à fl. 313.

A defesa requereu a realização de nova perícia ou que fosse levado a efeito nos autos o laudo pericial, bem como a intimação dos peritos para responderem aos quesitos formulados às fls. 318/320. Em sua resposta de fls. 323/324, o Ministério Público Federal propugnou pelo indeferimento do pedido.

A MM. Juíza de primeiro grau indeferiu o pedido formulado pela defesa do réu (fls. 325/326).

Em alegações finais, a acusação pediu a condenação do réu nos termos da denúncia (fls. 427/435), enquanto a defesa do réu pugnou pela sua absolvição (fls. 439/458).

A sentença condenatória foi prolatada às fls. 461/471, e publicada em 21/08/2008 (fl.475).

Em razões de apelação (fls. 490/509), a defesa pretende, preliminarmente:

a)- nulidade do processo por cerceamento de defesa em virtude da emendatio libelli , uma vez que foi condenado pela prática do crime de estelionato previdenciário, sendo que lhe foi dado oportunidade somente de defender-se do crime de uso de documento falso narrado na peça acusatória de fls. 02/03;

b)- nulidade do processo por inépcia da peça acusatória, por não descrever pormenorizadamente a conduta imputada ao acusado;

Já, no mérito, alega a defesa, em apertada síntese:

1. a inexistência de possibilidade de obtenção de vantagem ilícita, o que afasta a aplicação do artigo 171, § 3º;

2. a ocorrência da desistência voluntária (artigo 15 do CP), uma vez que houve desistência do pedido de benefício previdenciário;

3. a ocorrência de crime impossível (art. 17 do CP), por absoluta ineficácia do meio empregado, pois o próprio juiz da causa tinha dúvida, desde o início do feito, quanto a utilização de cópia adulterada nos autos, e prova disso é o fato de ele ter requisitado o documento original, junto ao Cartório de Registro Civil;

4. a atipicidade material da conduta, por não constituir o fato imputado ao réu infração penal, por não terem sido causados lesão ou perigo concreto de lesão a vítima (não houve prejuízo aos cofres do INSS).

Caso mantida a condenação, alternativamente requer:

1. a redução da pena-base aplicada, por se tratar o réu de pessoa primária e de bons antecedentes;

2. a elevação do quantum de diminuição da pena pela tentativa, de 1/3 (um terço) para 2/3 (dois terços);

3. a unificação dos vários processos contra ele promovidos, com o reconhecimento da continuidade delitiva, havendo um histórico de continuidade delitiva entre as condutas idênticas imputadas nas denúncias deste e dos demais feitos a que responde, elencados a fl. 502.

Com as contra-razões (fls. 520/528), subiram os autos a esta Egrégia Corte Regional, onde a Procuradoria Regional da República opinou pelo improvimento do recurso (fls. 561/568).

O feito foi submetido à revisão, na forma regimental.

É O RELATÓRIO.


RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000526-20.2006.4.03.6116/SP
2006.61.16.000526-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : APARECIDO DE OLIVEIRA
ADVOGADO : MARCELO ALESSANDRO GALINDO
APELADO : Justica Publica

VOTO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE:


Inicialmente verifico que as alegações de cerceamento de defesa e de inépcia da denúncia são matérias preliminares ao mérito e assim serão analisadas.

Primeiramente, no que tange a preliminar de cerceamento de defesa, é de ser repelida de plano.

Como bem asseverado pelo Douto Juízo de 1ª Instância, o réu não se defende da capitulação legal, mas dos fatos narrados na denúncia. De fato, a "emendatio libelli" citada não ocorreu nos presentes autos. E ainda que tivesse ocorrido, o instituto citado pressupõe que não se traga aos autos nenhum elemento novo, motivo pelo qual não se justificaria a repetição de toda a instrução penal, se fosse o caso. Importante ressaltar, ainda, que o apelante é formado em Direito, não podendo alegar desconhecimento desta regra de Processo Penal.

Quanto à preliminar de inépcia da inicial, melhor sorte não aguarda o recorrente.

Na verdade, a exordial acusatória se mostrou detalhada na descrição do fato delituoso imputado ao acusado, preenchendo os pressupostos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal, não padecendo da eiva apontada pelo apelante. De fato, ali restou consignado que o réu solicitou à neta de sua patrocinada diversos documentos que lhe foram entregues, inclusive a certidão de casamento. Narra, ainda, a denúncia que, de posse de referidos documentos, utilizou-os para ingressar em Juízo com ação na qual os acostou, só que agora em sua forma adulterada.

Houve, portanto, a descrição de fatos que tipificam as infrações penais, com todas as suas circunstâncias, não sendo necessário que haja menção minuciosa da conduta do agente.

Como se observa, a conduta do acusado foi descrita na denúncia de forma clara e suficiente, o que lhe propiciou exercer, com plenitude, a sua defesa.

É evidente, portanto, que a denúncia preenche os requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal, vez que descreve claramente a conduta imputada ao réu, o nexo causal entre essa conduta e a infração penal, não padecendo de qualquer eiva de nulidade.

Como demonstração da aptidão da peça acusatória, está a presença de defesa eficiente produzida pelo acusado nos autos, de elementos que permitiram ao julgador a formação de sua convicção sobre a ocorrência do delito - o que "in casu" se verifica - além de propiciar ao acusado, como acima já se aludiu, o conhecimento prévio das condutas delituosas a ele imputadas e as circunstâncias em que elas se realizaram, possibilitando-lhe o exercício da ampla defesa.

E, sob esse aspecto, viu-se que, em nenhum momento, restaram violados os princípios da ampla defesa ou de seu corolário, qual seja, o do respeito ao contraditório, haja vista os argumentos substanciosos ofertados pela defesa nos autos.

Como bem assinalado na sentença, a fl. 422:

"(...) A defesa do réu, em suas alegações finais (439/458), requereu a improcedência da acusação, sustentando preliminarmente que a conduta do acusado é atípica, uma vez que alega que fotocópia sem autenticação não pode ser objeto material de crime de uso de documento falso. Alegou, ainda, se tratar de crime impossível, uma vez que havia a ineficácia absoluta do meio utilizado, pois alega que em nenhum momento o representante da autarquia federal foi levado a incorrer ou manter-se em erro. Sustentou impossibilidade do concurso material entre os crimes do artigo 304 e 171, § 3º c.c. artigo 14, II, todos do Código Penal. Alegou nulidade da sentença, uma vez que feriu-se o princípio da ampla defesa quando não se ofertou prazo para a defesa arrolar testemunhas e juntasse provas diversas, quando do aditamento da denúncia com nova capitulação de tentativa de estelionato. Alegou falta de potencialidade de causar dano. Alegou ainda que todas as condutas caracterizam continuidade delitiva, requerendo a unificação de todos os processos que possuem a mesma matéria. Alegou ainda que o laudo pericial foi inconclusivo, não comprovando a existência do dolo, assim como nenhuma outra prova o fez. Alegou inexistência de perícia técnica. Alegou ainda falta de autenticação dos documentos, falta de prova e que o crime menos grave deve ser absorvido pelo mais grave. Sustentou inexistência de dolo. Requereu, ainda, em caso de eventual condenação, a redução da pena de um a dois terços. Requereu a absolvição do advogado. (...)"

Resta rejeitada, portanto, tal preliminar.

Rejeitadas as preliminares argüidas pelo apelante, passo a análise do mérito recursal da defesa.

Consta dos autos que o réu Aparecido de Oliveira, em 08 de julho de 2003, na Comarca de Paraguaçu Paulista, perante a 2ª Vara Estadual, fez uso de documento falso. Segundo se apurou, o acusado é advogado militante na citada comarca, sendo que, antes do ajuizamento da ação, a patrocinada entregou diversos documentos a ele, inclusive sua certidão de casamento. Quando o acusado ingressou em Juízo, instruiu os autos daquele processo com cópia da certidão de casamento de sua patrocinada já adulterada, já que o recebera sem qualquer falsificação.

Verifica-se que a autoria e a materialidade do delito restaram devidamente comprovadas pelo Laudo do Exame Pericial Documentoscópico (fls. 121/125), que conclui "... a) O documento descrito no Capítulo 'Peça de Exame' - cópia reprográfica de Certidão de Casamento (fls. 24 do IP), não é cópia autêntica do documento descrito no Capítulo 'Padrão de Confronto' - original de Certidão de Casamento. b) Os citados documentos são Certidões de Casamentos de Gumercindo Santos e Maria José de Oliveira, que foram emitidos em épocas diferentes, constatando-se alteração na cópia reprográfica às fls. 24, mais precisamente na 'profissão' do cônjuge varão 'Lavrador' e no original doc. fls. 115 'Operário'...", ou seja, o documento foi adulterado. Também conclui-se com clareza tratar-se de falsificação quando se procede a uma simples análise comparativa do documento original com as cópias utilizadas para perpetrar o delito (fls. 27, 81 e 118).

Com efeito, os depoimentos colhidos durante a instrução processual, aliados aos demais elementos de prova, confirmam, de forma precisa e harmônica, a ocorrência dos fatos e a responsabilidade do apelante. É o que se observa, por exemplo, do testemunho de Maria José de Oliveira Santos, constante a fls. 279 dos autos, in verbis :

"(...) Conheço o acusado desde moleque. Fiquei sabendo da acusação. Na ocasião em que o réu entraria com a ação para mim exibi ao réu meu RG, CPF e Certidão de Casamento. Entreguei a segunda via da certidão de casamento ao acusado, uma vez que o original estava muito rasgado. Na certidão de casamento constava a profissão de meu marido como sendo 'operário' e a minha 'doméstica'. ÀS REPERGUNTAS DA ACUSAÇÃO, RESPONDEU: O réu não me informou quando entregaria meus documentos. (...)"

No mesmo sentido e corroborando o quanto descrito na denúncia, vale trazer à colação o testemunho levado a efeito por Gumercindo Santos, às fls. 280 in verbis:

"(...) Conheço o réu desde moleque. Conheço Maria José, que é minha esposa. Fiquei sabendo da acusação, mas não comentei sobre os fatos com o réu. Minha esposa procurou o acusado porque queria se aposentar. Na ocasião foram exibidos documentos como RG, Certidão de Casamento, dentre outros.
Na minha certidão de casamento constava a profissão como sendo 'operário'. Isso porque, na época eu trabalhava numa fábrica de óleo. Cheguei a trabalhar também no meio rural. No fim minha esposa não se aposentou. O acusado disse que entraria com a ação, mas eu nunca recebi qualquer comunicado nesse sentido. ÀS REPERGUNTAS DA ACUSAÇÃO, RESPONDEU: Minha esposa entregou ao réu a certidão de casamento original. Sei que o réu trabalha com seus filhos e não posso afirmar exatamente para quem minha esposa entregou o documento. ÀS REPERGUNTAS DA DEFESA, RESPONDEU: Quando do casamento minha esposa trabalhava como costureira e sempre morou no sítio. (...)"

O próprio apelante, em seu interrogatório durante o procedimento inquisitorial (fls. 111/112), confirma, de forma inconteste, a materialidade e autoria do delito, in verbis:

"(...) Segundo o artigo 293 do Código Penal Brasileiro que trata-se de Falsificação de Papéis Públicos, os documentos que podem ser considerados como tais estão estampados neste artigo e, não está inserido Certidão de Casamento ou Nascimento ou Certificado de Reservista. É que o artigo 384 do CPC dispõe que as Certidões obtidas por outros processos de repetição, dos documentos particulares, valem como Certidões, porém, sempre que o escrivão portar por fé a sua conformidade com o original. O artigo 296 do Código Penal exige que para que a conduta seja típica, prova inconsteste do dolo por inexistência de forma culposa ou seja não se pune por forma culposa, e por outro lado é inconteste o prejuízo sofrido pelo agente passivo, e no presente caso seria impossível isto ocorrer. É que após a juntada dos documentos num processo igual a este seria necessário além da prova documental a oitiva de testemunhas sem contar que antes, na fase de contestação, o INSS já teria que ter se manifestado acerca dos documentos juntados. Superado tal fase o processo ainda seria remetido do Tribunal Regional Federal por ser obrigatório a revisão o que tornaria impossível à autora ou autor obter êxito num processo de aposentadoria. Por outro lado existe diversas súmulas que demonstram que é impossível a Concessão de qualquer benefício quando não estejam presentes: início de prova material e depoimentos seguros de que a autora ou autor exercer atividade na qualidade de rurícola 'Súmula 149 do STJ'. A eventual utilização de cópia reprográfica de documento, não autenticada não configura Ação Penal com potencial de causar danos a fé pública, objeto tutelado pelo artigo 304 do Código Penal. Por outro lado trata-se de crime impossível segundo a Doutrina e Jurisprudência que nos ensina que o falso, se não for apto a ludibriar o homem médio, configura-se crime impossível, em razão de o meio utilizado ser absolutamente inidôneo. Assim, as fotocópias e outras reproduções mecânicas quando não autenticadas, não são documentos por sua inaptidão probatória. Assim sendo, tendo em vista tudo que foi exposto espera e requer trancamento do inquérito policial por tratar-se de crime impossível. (...)"

Vê-se, da prova aqui reproduzida, que a autoria do delito restou totalmente comprovada, até porque, em seu interrogatório colhido na fase policial, em momento algum tentou o acusado furtar-se da acusação do cometimento dos fatos que lhe são imputados. Apresenta apenas argumentos jurídicos, segundo os quais, em sua opinião, não teria cometido crime. Frise-se, novamente, que em momento algum o réu refuta o cometimento do delito.

É certo que o réu ofereceu versão diferente em sede de interrogatório judicial. Todavia, a prova técnica produzida nos autos, aliada aos depoimentos colhidos, confirma, de forma precisa e harmônica, a ocorrência dos fatos e a responsabilidade do ora apelante.

Do exame de tais provas, que formam um conjunto coeso, chega-se à conclusão inexorável de que o apelante agiu com dolo em sua conduta, não sendo crível qualquer alegação em sentido contrário.

Ressalte-se que o depoimento do réu em Juízo está em contradição com as demais provas dos autos, como se demonstra a seguir. Em seu depoimento judicial (fls. 223/229), o acusado afirma o seguinte:


"(...) que está sendo processado criminalmente por outras demandas criminais envolvendo fatos similares aos descritos na denúncia; que não se recorda das testemunhas arroladas pela acusação; que os fatos narrados na denúncia não são verdadeiros; que nas ações previdenciárias não tem como fraudá-las se não for com a participação do agente público, no caso do INSS; que não tinha intenção de fraudar o INSS; que para conseguir um benefício previdenciário em Juízo tem audiências, tem que apresentar a documentação, depois ainda passa pelo Tribunal e quando vai implantar o benefício do INSS ainda exige que o autor apresente toda a documentação, novamente, e no original; que na verdade tudo aconteceu por uma falha do interrogando, que confiou em duas pessoas que trabalhavam para ele; que disse para estas duas pessoas que precisavam apressar as ações para acabar logo, porque cada dia mais apareciam mais pessoas procurando seus serviços; que tinha e tem até hoje escritório nas cidades de Yepê, Rancharia e Paraguaçu Paulista, sendo que na época também tinha em João Ramalho, Lutécia, Borá e Oscar Bréssane; que disse para estas duas pessoas que o ajudavam que além do salário também pagaria uma gorjeta; que eles preparavam as petições iniciais e a documentação; que a noite o interrogando dava uma olhada e só assinava a primeira e a última folha da petição inicial; que reconhece como falha sua o fato de que não conferia a documentação; que desconfiou que alguma coisa estava errada quando os dois disseram que iam embora; que quando desconfiou e descobriu o que eles andaram fazendo com os documentos relatou o fato para o juízes e promotores de Yepê e Rancharia e desistiu das ações previdenciárias; que inclusive chegou a desistir de ações previdenciárias que nem precisaria de tal desistência porque estava desconfiado de que todas elas estavam com problemas; que também no período de 21 de junho a 28 de junho de 2002 ficou internado no Hospital e Maternidade de Assis, porque é diabético e na época tinha feito uma cirurgia no pé que não sarava; que demorou um ano para sarar completamente; que nesse período ficou um pouco afastado do serviço, pois ficou um bom tempo sem poder dirigir; que seu médico era o Dr. Manfio, com consultório na Avenida Otto Ribeiro; que nenhum processo continuou e nunca recebeu nada por eles; que teve que tirar o dinheiro do bolso para pagamento de xérox, autenticações, expedição de segunda via de certidão, etc., mas nada recebeu; que sua falha foi pegar pessoas de má índole para trabalhar com ele; que uma dessas pessoas foi embora para o Mato Grosso ou São Paulo, de nome Everaldo Mendonça; que inclusive esta pessoa, antes de sair do escritório do depoente, pegou algumas folhas de cheque da conta bancária do depoente, de um banco aqui na Avenida Rui Barbosa, cujo nome não se recorda no momento e falsificando a assinatura do correntista pagou despesas de viagens, dívidas que tinha na cidade, etc.; que as pessoas que receberam tais cheques procuraram o depoente para receber o valor do cheque e o depoente efetuou pagamento para limpar o seu nome; que os cheques não foram depositados pelos credores, sendo que parece que só tinha um carimbo; que tem os cheques consigo; que Everaldo escreveu o nome do depoente igualzinho ele costumava assinar; que só percebeu que Everaldo tinha pego tais cheques quando o juiz o alertou sobre a adulteração de documento em uma ação previdenciária, na primeira, ocorrido em setembro de 2002, que tramitava na segunda Vara da cidade de Paraguaçu Paulista; que então foi dar uma olhada e percebeu que ele tinha levado as folhas de cheque; que a outra pessoa é Alessandro José Brasão, sendo que ele foi embora mas voltou e atualmente está morando em Paraguaçu Paulista; que estas duas pessoas não eram advogados, mas ficavam nos escritórios do depoente, localizados naquelas cidades já nominadas, ajudando-o; que em Oscar Bréssane e em todas aquelas cidades em que o interrogando tinha escritório - as quintas, sextas e sábados e em revezamento entre eles - iam Everaldo e o Alessandro arrecadar os documentos dos trabalhadores; que eles iam uma semana antes e orientavam quais documentos eram necessários para a propositura da ação; que eles entregavam para os trabalhadores uma relação de quais documentos eram necessários para a ação de aposentadoria por idade, por invalidez, por tempo de serviço, etc.; que na semana seguinte eles voltavam para arrecadar a documentação; que era por isso que dava para trabalhar com as duas pessoas acima referidas; que inclusive Alessandro Brasão foi ameaçado por uma pessoas desconhecida, dentro de um monza vermelho, sem placas, com três homens dentro, sendo que um deles disse à Alessandro para ele se cuidar porque sabem onde ele mora e Alessandro correu para ele se cuidar porque sabem onde ele mora e para que ele parasse de entregar o primo deles à Justiça; que Alessandro correu contar para o interrogando; que o interrogando não sofreu nenhuma ameaça; que especificamente em relação a Maria José de Oliveira Santos, não se lembra de tal pessoa, não lembra se a atendeu e nem lembra que tipo de ação foi proposta; que nem lembra se esteve na audiência relativa ao processo da mesma; que não se recorda de Gumercindo Santos, também não se lembrando se o atendeu; que normalmente quem ia até o escritório, em geral, eram os filhos e a mãe; que não sabe informar qual das duas pessoas, Everaldo ou Alessandro, arrecadou os documentos de Maria José; que não sabe informar nada sobre a ação de tal segurada; que no começo conseguia acompanhar as ações, mas depois começou a se perder e hoje já na lembra mais de nada; que chegou a contratar o Dr. Orlando para ajuda-lo mas ele mudou-se para São Paulo; que não teve como ver nada acerca da ação de Maria José de Oliveira Santos; até porque chegou atrasado à esta audiência; que aqui em Assis estão tramitando as ações criminais envolvendo trabalhadores de Oscar Bressane e Paraguaçu Paulista, pois as ações criminais envolvendo fatos ocorridos em Lutécia e Oscar Bressane estão indo para Marília; que é certeza que não recebeu a documentação de Maria José; que na época estava com quase 300 ações para montar, todas documentos em envelopes; que as pessoas interessadas levavam os documentos já em cópia e entregava para os meninos; que colocavam tais documentos em envelopes; que as pessoas interessadas compareciam no local onde o interrogando atendia, sendo que em todas àquelas cidades acima referidas tinham um local onde efetuavam o atendimento aos segurados; que a Prefeitura de Oscar Bressane cedeu uma sala dentro do prédio da prefeitura para que o interrogando atendesse os segurados; que em Lutécia foi o Vereador Laudemir Leate que cedeu um sala no escritório de representação política; que em João Ramalho tinha um 'escritorinho'; que também em Rancharia e Iepê tinha um pequeno escritório; que em Nantes teve uma família que cedeu sua casas por um sábado e um domingo para que o interrogando atendesse os segurados; que em Nantes trabalhou durante uma semana visitando Sindicatos; às vezes batendo de porta em porta, informando que estava ali para propor ações previdenciárias de todos os tipos e que voltaria na semana seguinte para arrecadar os documentos dos interessados e que estivessem dentro das características apresentadas pelo interrogando; que então marcou para o sábado e domingo no local cedido pela família; que visitou inclusive outras cidades para conhecer a realidade das mesmas e então, se estivessem dentro das sua expectativa procurava um local para atender os segurados ou montava um escritório; que geralmente chegava até a montar um escritório por um mês para cumprir o estatuto da ordem; que em Iepê fez um trabalho com 4 ou 5 pessoas, visitando as pessoas de porta em porta, durante mais ou menos 5 dias; que depois montou um escritório na Avenida São Paulo, onde chegava a formar filas com 100, 80 ou 60 pessoas até diminuir; que o interrogando realizava o atendimento dos interessados, mas como eram muitos não dava para explicar longamente os benefícios; que as pessoas levavam os documentos que tinham e também o RG, onde dava uma olhada por cima, verificava a idade e então entregava uma lista de documentos para que o interessado entregasse no próximo dia; que quando olhava os documentos apresentados pelos interessados o interrogando já tinha uma idéia de qual o benefício o interessado fazia jus e então entregava uma lista dos documentos que eles teriam que apresentar; que o interrogando ficava mais assinando as iniciais e vendo se faltava algum documento para a propositura das ações; que nem sempre era o interrogando que realizava o atendimento, contando com a ajuda de outras pessoas, que os dois rapazes mencionados eram experientes e atenciosos com os segurados, ajudando o interrogando neste atendimento; que além dos dois rapazes também ajudavam a filha do depoente e outra moça do seu escritório, de nome Patrícia; que sua filha se chama Shandia; que o mesmo procedimento adotou na cidade de João Ramalho e Rancharia; que toda sexta e sábado o interrogando comparecia na cidade de Rancharia e Iepê, o que ainda faz até hoje; que João Ramalho não visita mais, mas na época chegou a ir uma ou duas vezes no máximo, naquela cidade, de sexta e sábado; que lá em João Ramalho é uma cidade pequena e só tem 20 processos 'correndo'; que o juiz de João Ramalho, Iepê e Rancharia, por conta destes problemas narrados na denúncia passaram a exigir que fosse feito primeiramente o pedido administrativo, e depois o judiciário; que recorreu destas sentenças e agora é que o tribunal está começando a julgar; que ainda tramitam 250 ações em Rancharia e 150 em Iepê; que houve a desistência do processo de Maria José, pois desistiu de todas as ações nas quais teve problema com a documentação; que aquelas ações que chegaram a ir para audiência, com problemas na documentação, pediu desculpas ao Juiz e pediu desistência antes de ser denunciado; que houve casos em que o INSS não concordou com o pedido de desistência e a ação andou um pouco e depois o juiz extinguiu sem julgamento de mérito; que começou a desconfiar dos dois, Everaldo e Alessandro, quando disseram que iam sair do escritório e ir embora, então, o interrogando começou a prestar mais atenção na documentação e em tudo que tinha no escritório, pois começou a sumir coisas como livros; que o interrogando também ficou preocupado, achando que eles iam entrar com uma ação trabalhista; que eles não chegaram a entrar com a ação, mas o interrogando pagou um dinheiro para os dois, de acordo com o tempo de serviço que eles tinha; que Alessandro era registrado em carteira com a função de auxiliar de escritório. Que chegou a chamar alguns segurados para que eles levassem os documentos originais; que chamou os segurados, em geral, sendo que alguns já estavam bravos porque já estavam sendo chamados na delegacia; que naqueles que encontrou problemas, especialmente nas cidades de Iepê e Rancharia, deu tempo de desistir da ação na hora certa, antes de citar o INSS, e por isso nem chegou a ser denunciado; que os maiores problemas se davam nas certidões de casamento e nos certificados de reservista; que neste último documento, quando o trabalhador falava que era lavrador, os dois ajudantes do interrogando colocavam a mão ou a máquina a profissão de lavrador, que como a petição inicial era padronizada não dava para perceber quando eles alteravam a documentação; que nenhuma dos segurados recebeu benefício previdenciário. Após prosseguir ao interrogatório. A MM.ª Juíza, na forma do art. 188, do Código de Processo Penal, indagou do interrogando se restou algum fato para ser esclarecido, disse: 'que quer acrescentar que nunca teve intenção de ganhar dinheiro sem ser com seu próprio suor; que nunca pensou que ia acontecer um fato desses na sua vida, que pode inclusive leva-lo a perder a sua carteira da OAB; que como pessoa perdeu inclusive a alegria de viver; que era uma pessoa respeitada entre os colegas e hoje não tem mais nada, sendo que tem, inclusive, vergonha de ir ao Fórum; que tem dois filhos que fazem direito e eles dizem que têm vergonha do pai'. Às reperguntas pelo MPF, disse: 'que as cópias dos documentos eram entregues pelos próprios segurados, sendo que a procuração também já era devolvida assinada; que teve casos que a documentação já foi entregue pelo segurado adulterada, inclusive, com a autenticação do cartório; que não se recorda o nome destes segurados que entregaram a documentação já adulterada; que em nenhuma ocasião chegou a reter documentos originais dos segurados em seu escritório; que em algumas vezes ficaria com o documento original do segurado para poder extrair cópias, mas logo no dia seguinte devolvia os documentos originais; que as cidades de Borá e João Ramalho não tinham cartório, então trazia os documentos para Paraguaçu Paulista para tirar as cópias e autenticar; que isso normalmente acontecia quando os documentos eram muito velhos, como certidões de casamento e certificado de reservista, pois eram muito dobrados; que o Everaldo e o Alessandro também não retiveram documentos originais porque o escritório não permitia, pois se entregassem um documento hoje amanhã o segurado já ia procurar; que inclusive a polícia foi ao seu escritório de Paraguaçu e não achou nada; que em Paraguaçu tinha uma equipe, aliás a mesma equipe já mencionada, que ia nas favelas e nos bairros mais simples, de porta em porta, conversar com os moradores, munidos de uma prancheta com fichas de triagem, onde anotavam todas as informações para um eventual pedido de benefício; que se fosse a hipótese de LOAS já vinha na ficha de triagem as anotações sobre quem morava na casa, quem trabalhava, qual a renda per capita; que lembra até que tinha a seguinte pergunta: 'como é a casa do entrevistado?'; e sua equipe de maneira bem simples anotava a descrição da casa, dos móveis, veículos, etc.; que para o benefício de idade rural, constavam nesta ficha de entrevista: 'Trabalhou na lavoura? Desde quando? Trabalhou com o marido na lavoura ou só? Quais os documentos que possui comprovando o trabalho rural? O marido possui algum documento comprovando trabalho rural?'; que aí o entrevistador anotava todas as informações e dizia quais os documentos que o interessado possuía; que tal ficha de entrevista ia para o interrogando dava uma analisada na ficha e então emitia uma cartinha para o interessado comparecer ao escritório e apresentar a documentação; que aí é que ficou uma 'brechinha', pois às vezes constava que no passado o marido tinha trabalhado de 'lavrador' na carteira reservista; que acredita que foi assim que aconteceu; que não havia o pagamento prévio para a propositura das ações; que na verdade, quando promovia uma ação declaratório de tempo de serviço, por exemplo, de um professor, funcionário público, entre outras pessoas que podiam arcar com os honorários, fixava um valor de honorários em contrato e normalmente o pagamento de dava com 30% na propositura da ação, 30% na sentença e 40% no acórdão, sendo que essa última parcela normalmente só era cobrada quando a ação fosse procedente; que em nenhum desses casos de ação declaratória aconteceu problemas com a documentação, porque o interrogando elaborava a inicial e olhava com detalhes a documentação apresentada; que o dinheiro que despendia do próprio bolso para pagamento de cópias de RG, CPF, certidões referidas e demais documentos apresentados pelos segurados, como carteira de trabalho, declarações; que quando percebeu que advogados de Assis, Marília, Palmital, estavam indo à Paraguaçu Paulista para captar clientes daquela cidade, indo diretamente às Associações de bairro, percebeu que ficavam o dia todo parado e que, se eles faziam o interrogando também poderia fazer; que não recebeu nenhuma advertência da OAB das cidades acima mencionadas, a não ser em Rancharia, quando foi orientado a abrir uma ficha na prefeitura daquela cidade para regularizar a questão do imposto sobre serviço; que recolhia o ISS e recolhe até hoje; que a Subseção da OAB de Paraguaçu promoveu abertura de mais ou menos 20 processos disciplinares, relativos aos fatos narrados na denúncia; que em relação as outras subsecções não foi intimado ainda de nenhuma processo disciplinar; que em Paraguaçu os processos disciplinares estão na fase de oitiva de testemunhas.!". (...) (destaquei)."

Vê-se, da prova aqui reproduzida, que a autoria do delito restou totalmente comprovada. A prova técnica produzida nos autos, aliada aos depoimentos colhidos, confirmam a prática do delito.

Do exame de tais provas, que formam um conjunto coeso, chega-se à conclusão inexorável de que o apelante agiu com dolo em sua conduta, não sendo crível alegação em sentido contrário.

Ressalte-se que o depoimento do réu em Juízo está em contradição com as demais provas dos autos, como acima já se aludiu, além do que ele se mostrou contraditório em suas alegações, afirmando, em determinado momento, que se lembrava de ter recebido os documentos originais, e depois afirmando que se lembrava de ter recebido apenas cópias; ora afirmou que não se lembrava de Maria José de Oliveira Santos, e, em momento seguinte, disse se lembrar de que não pôde comparecer à sua audiência. Que segurança poderiam trazer ao juízo tais informações contraditórios?

O testemunho de Alessandro José Brazão (fl. 308), arrolado pela defesa, em verdade corrobora a versão da acusação, lançando por terra os argumentos apresentados pelo acusado a título de excludente de ilicitude em sua conduta, como se observa do depoimento transcrito abaixo, in verbis:

"(...) Não sabe dos fatos descritos na denúncia. Na época dos fatos, o depoente auxiliava na triagem dos casos a serem encaminhados ao Dr. Aparecido. O depoente sempre pegava cópia dos documentos necessários para a propositura da ação previdenciária. A maioria dos clientes pleiteava aposentadoria por invalidez ou por tempo de serviço rural. No começa, quem ensinou o depoente a fazer a triagem e pedir os documentos aos clientes foi Everaldo, que também trabalhava no escritório do réu. Às reperg. defesa: as cópias acima mencionadas, que eram entregues pelos clientes, eram autenticadas. Numa média, o escritório chegava a atender cerca de 20 pessoas por dia. De qualquer forma, em uma determinada ocasião, na cidade de Iepê, chegaram a atender 60 pessoas. Atuavam em outras cidades, tais como Oscar Bressante, João Ramalho, Iepê, Borá, Rancharia, Agisse, Lutécia, etc. (...) (destaquei)"

Como salientado, nem mesmo as testemunhas de defesa apresentam qualquer fato ou evidência que possa levar a outra conclusão que não a responsabilidade penal única do apelante, pelos fatos descritos na denúncia.

Por fim, reiterando o quanto já dito pelos outros depoentes e espancando qualquer dúvida quanto ao procedimento do acusado no caso em comento, em especial a potencialidade lesiva da conduta do réu quanto à possível implantação do benefício, caso não houvesse sido descoberto o falso, transcrevo, a seguir, o depoimento da testemunhas de defesa, CARLITO DA SILVA LIMA (307/308), in verbis:


"(...) Em relação aos fatos narrados na denúncia, soube deles por meio de em Procurador do INSS, que disse ao depoente que o acusado estava sendo averiguado em razão de alguns processos em que seria réu o INSS. Não soube informar, no entanto, se o acusado, de fato, adulterou a certidão de casamento da pessoa mencionada na denúncia. Às reperg. defesa: quando há concessão de benefícios previdenciários pelo TRF, o depoente, na agência do INSS costuma proceder somente à conferência do número do RG e da carteira de trabalho do beneficiário. Não há uma pesquisa profunda sobre o processo em si. Quando o procurador do INSS elabora defesa do Instituto, por meio de contestação, por vezes requisita a agência do INSS cópia do processo administrativo em que foi negado o benefício. Nesse processo administrativo, é feita uma análise conjunta de todos os documentos apresentados pela pessoa que pleiteia administrativamente o benefício. Não é analisado apenas um documento, como a certidão de casamento. Todos os documentos que possam atestar a qualificação do requerente do benefício são considerados: um contrato de arrendamento rural, nota do produtor, certidão de casamento, filiação ao sindicato rural, etc. Os indeferimentos administrativos de benefícios são feitos diante dos elementos constantes dos documentos apresentados pelo requerente à agência do INSS. Quando a agência do INSS recebe um documento que é cópia simples, solicita o original para que haja confrontação. Sendo a cópia igual ao original, o INSS bate um carimbo de conferência. Só com a cópia simples de um documento, a pessoa não pode dar entrada ao pedido de benefício. (...)(destaquei)"

Comprovadas e amplamente demonstradas a materialidade e a autoria do delito, passo agora a tratar das demais teses defensivas apresentadas pelo acusado.

Não procede a alegação de ocorrência de desistência voluntária do agente, como sustenta a defesa. Ocorre que o crime apenas não se consumou por motivos alheios à sua vontade. Em momento algum o autor desistiu de perpetrar o delito, sendo certo que só interrompeu os atos de execução após sua descoberta pelo Juízo.

Contrariamente ao quanto afirmado pelo acusado, a possibilidade de obtenção de vantagem ilícita era real. Tanto o era que a certidão adulterada foi considerada pelo Juízo para o ajuizamento da ação e poderia ter sido também considerada pelo INSS para a concessão do benefício, principalmente por não se tratar de falsificação grosseira.

Por este mesmo motivo, não prospera a argumentação do apelante de que não houve a tipificação do delito ou de que se tratava de crime impossível, pois, como bem asseverado pelo Juízo "a quo", o INSS e o próprio Juízo não tinham ciência de que na certidão verdadeira não havia informação sobre os pais da requerente, contrariamente ao que constou no documento adulterado.

A alegação de atipicidade do fato criminoso também não merece guarida. Inexiste fundamento para alegada atipicidade da conduta. O réu atuou como advogado no processo previdenciário que deu origem ao feito ora em comento, tendo, a documentação que lhe foi fornecida, sido por ele analisada pessoalmente. Daí por que é parte legítima para figurar no pólo passivo da ação penal. Ele atuava na condição de advogado, havendo, no limiar da ação penal, a comprovação no sentido de que ele, efetivamente, praticou a infração penal, tanto que, ao final da instrução criminal, adveio a sentença condenatória em seu desfavor.

Assim, provadas a autoria e a materialidade do delito e estando presente o elemento subjetivo do tipo (dolo), impõe-se a condenação do réu, nos termos do artigo 171, parágrafo 3º, c.c. art. 14, inciso II ambos do Código Penal.

A defesa do réu insurge-se, em caso de confirmação da condenação, quanto a aplicação da pena acima do mínimo legal, que, no seu entender, seria injusta, por se tratar de réu primário e sem antecedentes criminais.

É certo que o acusado Aparecido de Oliveira responde a vários inquéritos policiais e processos criminais, inclusive pela prática de crimes da mesma espécie. Todavia, não há condenação com trânsito em julgado em seu desfavor, motivo pelo qual o MM. Juiz não exacerbou a pena em razão de maus antecedentes.

Entendo correta a fixação da pena-base um pouco acima do mínimo legal, como fez o Juízo de 1ª Instância, em razão da circunstância judicial do caso concreto, desfavorável ao apelante, que se caracteriza por uma culpabilidade exacerbada, levando a uma maior reprovabilidade de sua conduta, pelo fato de ser advogado e ter utilizado a sua atividade de auxiliar na realização da justiça, junto ao Judiciário, para perpetrar o crime. Tais circunstâncias agravam a sua culpabilidade e a reprovabilidade de sua conduta, a ponto de autorizar a fixação da pena base acima do mínimo legal, como ocorreu na espécie.

A pena base do apelante foi fixada em primeiro grau, com base nos seguintes argumentos:

"(...) A) as circunstâncias judiciais (CP, artigo 59). As folhas de antecedentes carreadas aos autos demonstram que o réu é primário, embora tenha vários apontamentos por conta de fatos contemporâneos e análogos ao que motivou a presente ação penal. Tratando-se, entretanto, de fatos pertencentes a mesma cadeia de continuidade delitiva, ainda que processados separadamente, não há porque se fixar a pena acima do mínimo legal por conta desta circunstância (STF, HC 76.631-1/SP, Ministro Marco Aurélio, 2ª T., um, 24/03/98; TRF 4ª Região, HC, Rel. Gilson Dipp, RTJE 152/253, apud José Paulo Baltazar Junior, in Sentença Penal, 2ª edição, 2005, Verbo Jurídico: Porto Alegre, p. 96/97). O réu agiu com dolo normal para o tipo, mas com maior nível de reprovabilidade, pois se valeu de seus conhecimentos jurídicos para tentar induzir em erro o juízo estadual e o INSS. O réu demonstrou, entretanto, ter personalidade voltada para a prática de crimes contra a previdência social. Os motivos do crime são os comuns ao tipo penal, ou seja, a ambição de obter vantagem financeira em prejuízo alheio. Ponderadas as circunstância, fixo, portanto, a pena-base acima do mínimo legal, ou seja, em 02 anos e 06 (seis) meses de reclusão. (...)"

Destarte, a fundamentação contida na sentença para a imposição da pena acima do mínimo legal, a meu ver, é subsistente, não merecendo guarida a pretensão da defesa no sentido de reduzi-la ao mínimo legal.

Como acima se aludiu, urge frisar a correta exasperação da pena feita pelo juízo, em razão de uma culpabilidade mais grave por ser o réu advogado, até porque, sendo advogado militante na comarca onde perpetrou a conduta criminosa, com muito mais vigor lhe seria exigível, no exercício da advocacia, uma atuação conforme as regras sociais de boa conduta e os ditames legais, dado conhecer a legislação, tendo ele violado dever ético-moral inerente à sua profissão.

Além disso, o apelante se conduziu com total desrespeito e descaso para com o órgão da Justiça, ao requerer, judicialmente, de forma capciosa e mendaz, a concessão de benefício previdenciário para terceira pessoa, que não possuía, a priori, documentação comprobatória para tanto, não sendo por ele ignorado tal fato, o que, por si só, já faz instaurar uma situação de potencialidade lesiva maior, apta a comprometer a lisura, segurança, confiabilidade, regularidade e legitimidade de um dos serviços essenciais mais importantes prestados pela União, que é a administração da Justiça. E tal conduta se torna mais grave ainda por se tratar de advogado, que age também em desabono da nobre classe dos advogados, cuja função foi erigida ao status constitucional como essencial à administração da justiça, a teor do que preconiza o artigo 133 da Carta Magna, in verbis: "Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei."

Quanto à dosimetria da pena, verifico que esta foi imposta em patamar próximo ao mínimo legal, não havendo sentido em reduzir ainda mais a pena em razão do reconhecimento da tentativa. A fração de redução aplicada é compatível com o caso dos autos, em que toda a ação criminosa já estava concluída e só não obteve êxito porque, à época dos fatos, diligenciou o Juízo a fim de verificar a veracidade dos documentos, estando o iter criminis praticamente completo, não havendo justificativa para mudança do quantum determinado na sentença.

Uma vez confirmada a sentença condenatória e a correta dosagem na aplicação da pena, cumpre analisar os pedidos de decretação da prescrição da pretensão punitiva retroativa e o reconhecimento da continuidade delitiva entre este crime e os demais elencados às fls. 502, como pretende a combativa defesa do apelante.

Com relação ao pedido de reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes objetos dos processos citados às fls. 452 e o crime objeto dos presentes autos, saliento que, para seu reconhecimento, levando em conta outros delitos que foram processados e julgados em feitos diversos, tal pretensão deverá ser direcionada ao Juízo das Execuções Penais, após o trânsito em julgado das ações penais.

E, no que diz respeito a prescrição da pretensão punitiva estatal, consigno que não ocorreu. É que a pena concretizada na sentença, de 02 anos, 02 meses e 20 dias de reclusão, prescreve em 08 anos, a teor do artigo 109, inciso IV do Código Penal, e tal lapso de tempo não se ultimou entre a data do fato (08/07/2003 - fl.02) e a data do recebimento da denúncia (10/04/2006 - fl. 141), nem entre esta data e a da publicação da sentença (21/08/2008- fl.475), e, muito menos, entre esta última data até o presente momento.

Diante do exposto, rejeito as preliminares argüidas e nego provimento ao recurso de APARECIDO DE OLIVEIRA, mantendo na íntegra a decisão de primeiro grau.

É COMO VOTO.

RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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