Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 29/05/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006861-27.2002.4.03.6106/SP
2002.61.06.006861-7/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : Justica Publica
APELADO : MARIA DE LURDES OLIVEIRA BORGES
: ARLEI NOGUEIRA BORGES
ADVOGADO : VIDAL ROSSI e outro

EMENTA

PENAL - PROCESSUAL PENAL - CRIME CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL - APLICABILIDADE DA LEI Nº 8.212/91 - PRINCÍPIO DO "TEMPUS REGIT ACTUM" - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - DOLO GENÉRICO - CRIME OMISSIVO - EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE NÃO CONFIGURADA - APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. No caso em apreço, deve ser aplicado o artigo 95 "d", da Lei nº 8.212/91, até porque há que se ter em mente que esta lei, que vigia ao tempo da prática do delito, é mais benéfica para os réus. Diante do advento de lei posterior mais gravosa, incumbe ao magistrado aplicar lei anterior, eis que sob seu império deu-se o fato criminoso. Aplicabilidade do princípio "tempus regit actum".
2. A materialidade delitiva restou demonstrada por intermédio do Lançamento de Débito Confessado (LCD) de nº 35.174.168-2, referente ao débito de R$ 1.991,54 (um mil, novecentos e noventa e um reais e cinqüenta e quatro centavos) (fl. 13), bem como pelos documentos de fls. 17/24, os quais discriminam os valores resultantes das retenções dos empregados.
3. A autoria delitiva também está amplamente demonstrada nos autos, pelo contrato social da empresa e suas alterações (fls. 29/34), aliados aos interrogatórios dos réus, a indicarem que os corréus eram os únicos componentes da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, cuja administração cabia ao apelado Arlei Nogueira Borges, o qual tinha o dever legal de proceder aos recolhimentos das contribuições previdenciárias descontadas das folhas de pagamento de seus funcionários.
4. Não há elementos seguros de que Maria de Lurdes Oliveira Borges participasse efetivamente de administração da empresa, aliás, consta do contrato social que ela detém menor parcela do capital social, ou seja, 25 % das quotas (fl. 34), e não há cláusula expressa relativa a quem caberia exercer a função de sócio-gerente ou administrador (fls. 29/34).
5. O tipo previsto no artigo 95 da Lei 8212/91 é de crime de natureza formal, que se consuma quando o agente deixa de recolher, na época própria, os valores das contribuições previdenciárias descontados de seus empregados, ou seja, trata-se de um crime omissivo próprio. Para a configuração do delito, basta que o agente não recolha as importâncias retidas dos empregados, que deveriam ser repassadas ao órgão previdenciário.
6. Excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa não comprovada pela defesa. A dificuldade financeira da empresa poderia ter sido demonstrada com a juntada aos autos de balanços patrimoniais ou Declaração de Imposto de Renda-Pessoa Física, relativos aos exercícios financeiros aludidos na inicial acusatória.
7. Dosimetria da pena-base estabelecida no mínimo legal. Ausência de agravantes e de atenuantes. Presente a causa de aumento prevista no artigo 71 do CPB. Pena corporal definitiva estabelecida em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto, além do pagamento de 11 (onze) dias-multa, arbitrados em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Pena corporal substituída por restritivas de direitos.
8. A reforma da sentença absolutória e a condenação do apelado Arlei Nogueira Borges são medidas que se impõem.
9. Recurso parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, para condenar o acusado Arlei Nogueira Borges, bem como manter a sentença absolutória em relação à corré Maria de Lurdes Oliveira Borges, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 21 de maio de 2012.
RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006861-27.2002.4.03.6106/SP
2002.61.06.006861-7/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
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RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 3ª Vara Federal em São José do Rio Preto - SP, que julgou improcedente a denúncia oferecida em desfavor de Maria de Lurdes Oliveira Borges e Arlei Nogueira Borges, absolvendo-os nos termos do artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, da imputação do crime previsto no artigo 168-A, § 1º, inciso I, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal (fls. 232/234).

Consta da exordial que os acusados, na qualidade de sócios-gerentes da empresa "Arlei Nogueira Borges & Cia Ltda.", deixaram de repassar à Previdência Social a quantia de R$ 1.951,54, relativa às contribuições descontadas de seus empregados nos períodos de 11/99 a 12/99, razão pela qual foi elaborado o lançamento de débito confessado nº 35.174.168-2 (fls.02/03).

Recebimento da denúncia, em 26.11.2004 (fl. 137).

Os réus foram interrogados (fls. 183/186), e apresentaram defesa prévia (fls. 192/193).

Não foram ouvidas testemunhas.

Folhas de antecedentes, às fls. 156/161, 163/167, 170/172, 188/189, 191, 194/196, 202/203, 207/208 e 224/225.

Alegações finais do Parquet, às fls. 215/221, e da defesa, às fls. 228/231.

Sentença absolutória, às fls. 232/234.

O órgão acusatório afirmou que:

a) restaram devidamente comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, em relação à infração penal prevista no artigo 168-A, §1°, inciso I, do Código Penal;

b) os recorridos agiram com dolo no tocante ao não repasse dos valores descontados de seus funcionários;

c) não se exige o propósito de apropriação dos valores descontados dos empregados e não repassados para a Autarquia Previdenciária para a configuração do delito, o que constitui mero exaurimento do crime;

d) a ausência de dolo genérico ou específico não é argumento suficiente para descaracterizar o ilícito, bem como eventuais dificuldades financeiras da empresa, vez que o numerário sequer pertence aos acusados, mas aos empregados;

e) a consumação ocorre com o simples não recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados;

f) não se exige o animus rem sibi habendi, e, portanto, é descabida a exigência de se demonstrar o especial fim de agir ou o dolo específico de fraudar a Previdência Social, como elemento essencial do tipo penal;

g) os apelados não produziram nenhuma prova tendente a demonstrar as alegadas dificuldades financeiras, ou qualquer outro motivo que justificasse a prática da conduta delitiva a eles imputada, o que afasta a alegação de inexigibilidade de conduta diversa;

h) os riscos da atividade econômica devem ser suportados pelos empreendedores e não pelo INSS e, conseqüentemente, por toda a população.

Em contra-razões, os apelados pleitearam a manutenção da sentença, sob o fundamento de que o conjunto probatório é insuficiente para comprovar a prática delitiva pelos recorridos (fls. 254/255).

Nesta Corte, o parecer ministerial foi pelo provimento do recurso para condenar os réus (fls. 258/260).

O feito foi submetido à revisão, na forma regimental.

É O RELATÓRIO.



RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006861-27.2002.4.03.6106/SP
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: ARLEI NOGUEIRA BORGES
ADVOGADO : VIDAL ROSSI e outro

VOTO

Antes de analisar o mérito do recurso, é imperiosa a análise acerca da legislação aplicável ao presente caso, eis que, com a entrada em vigor da Lei 9.983 de 14/07/2000 - que veio modificar a parte especial do Código Penal - deve-se questionar sobre a extensão da aplicabilidade de referida norma, especialmente no que diz respeito ao seu artigo 168-A, haja vista que a redação de tal dispositivo enseja aparente conflito com o disposto no artigo 95, alínea "d" da Lei 8.212/91.

Embora o artigo 3º da Lei 9.983/00 traga em sua redação a revogação expressa do artigo 95 e alíneas da Lei 8.212/91, há que se ter em mente que esta lei, que vigia ao tempo dos delitos (11/1999 a 12/1999), é mais benéfica para os réus.

Sem sombra de dúvidas, o artigo 168-A do Código Penal com a redação adotada pela Lei 9.983/00, veio disciplinar de forma mais rígida a conduta de que aqui se cogita, passando a impor maior restrição quanto à possibilidade da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo devido.

A figura típica prevista na alínea "d" do artigo 95 da Lei 8.212/91 permitia a extinção da punibilidade do agente no caso de a contribuição ser recolhida até o recebimento da denúncia, conforme firme entendimento jurisprudencial no sentido da aplicabilidade do artigo 34 da Lei 9.249/95 aos crimes praticados contra a Previdência.

Entretanto, com a entrada em vigor da Lei 9.983/00 a hipótese da extinção da punibilidade do agente pelo pagamento do tributo teve seu campo de incidência sensivelmente diminuído, pois, o § 2º do art. 168-A do CP, agora apenas permite a extinção da punibilidade no caso de ser recolhido anteriormente ao início da ação fiscal. Nesse sentido, o magistério do Professor Guilherme de Souza Nucci:

"O Supremo Tribunal Federal considerava aplicável à hipótese do não recolhimento de contribuições previdenciárias a causa de extinção da punibilidade prevista na referida lei. Entretanto, naquela hipótese, era preciso pagar toda a dívida antes do oferecimento da denúncia. Ora, existindo causa específica para o crime previdenciário, não mais tem cabimento a aplicação do mencionado art. 34. Portanto, deixando de pagar o devido até a ação fiscal ter início, já não se deve considerar extinta a punibilidade caso o recolhimento seja efetuado antes da denúncia."
(in, Código Penal Comentado, 1º edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2000, p. 483).

Igualmente, também não ocorreu qualquer modificação em benefício dos apelados no que tange ao prazo prescricional, eis que a nova redação do artigo 168-A apenas promoveu uma diminuição de 06 (seis) para 05 (cinco) anos no montante da pena máxima, não resultando em qualquer alteração sobre o lapso prescricional.

Assim, diante do advento de lei posterior mais gravosa, incumbe ao magistrado aplicar a lei anterior, eis que sob seu império deu-se o fato criminoso. Aplicabilidade do princípio geral do tempus regit actum.

Portanto, aplicável ao caso em apreço o disposto no artigo 95, alínea "d", da Lei 8.212/91.

Uma vez estabelecido o competente regramento legal a incidir sobre a conduta desenvolvida pelos apelados, passo a análise do recurso ministerial.

Merecem parcial acolhimento as razões do recurso interposto pelo Ministério Público Federal.

A materialidade delitiva restou demonstrada por intermédio do Lançamento de Débito Confessado (LCD) de nº 35.174.168-2, referente ao débito de R$ 1.991,54 (um mil, novecentos e noventa e um reais e cinqüenta e quatro centavos) (fl. 13), bem como pelos documentos de fls. 17/24, os quais discriminam os valores resultantes das retenções dos empregados.

A autoria delitiva também está amplamente demonstrada nos autos, pelo contrato social da empresa e suas alterações (fls. 29/34), aliados aos interrogatórios dos réus, a indicarem que os corréus eram os únicos componentes da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, cuja administração cabia ao apelado Arlei Nogueira Borges, o qual tinha o dever legal de proceder aos recolhimentos das contribuições previdenciárias descontadas das folhas de pagamento de seus funcionários.

Não obstante o contrato social indicar ambos os sócios como responsáveis pela empresa, não há elementos seguros de que Maria de Lurdes Oliveira Borges participasse efetivamente de sua administração. Aliás, consta do documento que ela detém menor parcela do capital social, ou seja, 25 % das quotas (fl. 34), e não há cláusula expressa relativa a quem caberia exercer a função de sócio-gerente ou administrador (fls. 29/34). Por outro lado, os depoimentos dos réus foram harmônicos em apontar Arlei Nogueira Borges como a pessoa incumbida da gestão, ao passo que cabia à esposa, Maria de Lurdes Oliveira Borges, auxiliar nas atividades de balcão e de cozinha.

Nos crimes desta espécie, é necessária a apuração da pessoa que, realmente, exercia a administração da empresa, sobretudo neste caso em que os réus definiram entre si os papéis específicos para a sua administração e para a produção.

No interrogatório, o corréu Arlei Nogueira Borges admitiu os fatos delitivos e afirmou que era o responsável pela administração da sociedade, in verbis:

"iniciou o curso superior de administração de empresas, o qual abandonou no terceiro ano. Há 26 anos trabalha no ramo de restaurante e panificadora. Nunca foi preso. Além do presente feito, contudo, respondeu a outro processo por fatos semelhantes, estando, atualmente, cumprindo a pena de prestação de serviços no Centro Comunitário Paroquial da Vila Maceno. Cumpre duas horas de serviço por dia, ajudando na manutenção da farmácia. É verdadeira a acusação narrada na denúncia. Conhece superficialmente as provas já apuradas. Admite plenamente os débitos narrados, pois, em razão de dificuldades financeiras que começaram a partir de 1995, a empresa não mais conseguiu honrar seus compromissos. Dos 48 (quarenta e oito) funcionários que possuía, demitiu 30 (trinta). A empresa continua em atividade, mas com muita dificuldade. Está incluída no SERASA, SPC, além de inúmeros títulos protestados. Trabalham apenas para sobreviver. Os débitos continuam em aberto, pois não tem a menor condição de pagá-los. Chegou a vender dois terrenos para manter a empresa em atividade. Chegou a ser incluído no REFIS, mas também não conseguiu continuar pagando o parcelamento. Esclarece que a administração da empresa ficava exclusivamente por sua conta. Sua esposa ajudava na parte do balcão e da cozinha. Apesar de figurar no contrato como responsável pela empresa, a esposa do interrogando não assinava papéis de banco, INSS ou impostos. Esporadicamente, apenas em momentos de ausência do interrogando, que eram muitos poucos, é que sua esposa assinava algum documento. Indagado(a) O(a) advogado(a) do(a) acusado(a) sobre eventual esclarecimento ainda necessário, diante das disposições do art. 188 do CPP, nada requereu." (fls. 183/184)

O depoimento da corré Maria de Lurdes Oliveira Borges é no mesmo sentido. Confira-se:

"cursou a graduação de letras na UNIRP, até o penúltimo semestre. Em razão do excesso de trabalho, abandonou o curso. Há vinte e seis anos trabalha no ramo de panificação e restaurante, sendo sócia da Panificadora e Restaurante Beira Rio. Nunca foi presa. Respondeu, contudo, a processo semelhante, estando cumprindo a pena de prestação de serviço comunitário, na Casa de Raquel, mantida pela Igreja Missão Atos, onde trabalha sete horas por semana, ajudando na cozinha. É verdadeira a acusação que lhe é feita. Conhece as provas apuradas. Esclarece que os débitos ainda não foram pagos, em razão do declínio financeiro da empresa, que começou por volta de 1997. O número de empregados foi consideravelmente reduzido, tendo a interroganda e seu marido vendido terrenos e carros para tentar salvar a situação. Todavia, a empresa continua em crise. Esclarece, por fim, que toda a parte financeira e administrativa, à época dos fatos, ficava a cargo de seu marido. A interroganda cuidava do balcão e da cozinha. Somente na ausência de seu marido, o que era raro, assinava papéis da empresa. Chegaram a ser incluídos no REFIS, mas não conseguiram pagar o parcelamento. Estão fazendo o possível para não fechar a empresa." (fls. 185/186)

Sobre o tema, colaciono os ensinamentos de José Paulo Baltazar Júnior, in verbis:

"É preciso determinar quem efetivamente detinha o poder de mando na empresa, decidindo pelo recolhimento ou não das contribuições descontadas dos empregados. Em outras palavras, deve ser responsabilizado o réu ou réus que detinham o domínio do fato, com poderes para fazer com que a omissão ocorresse ou não."
(in, Direito Previdenciário - aspectos materiais, processuais e penais, 2º edição, Editora Livraria do Advogado, PoA, 1998, p. 287)

Assim, restou demonstrado nos autos, e não há qualquer dúvida a respeito, que o réu Arlei Nogueira Borges era administrador da empresa, com concentração dos poderes de gerência, situação suficiente a demonstrar o dolo, ao menos genérico, que imbuiu sua conduta, quando da retenção das importâncias recolhidas dos empregados e não repassadas à Previdência, o mesmo não sendo possível afirmar em relação à corré Maria de Lurdes Oliveira Borges, de modo que, não havendo provas sólidas para se formar um convencimento, a dúvida milita em seu favor e deve prevalecer o brocardo in dubio pro reo.

Todavia, discordo do entendimento esposado pelo magistrado, no sentido de não existir prova, nos autos, do elemento subjetivo do tipo penal, ou seja, de ter o réu Arlei agido com o propósito de se apropriar das importâncias. Com efeito, a conduta típica prevista no artigo 95, alínea "d" da Lei 8.212/91, não cuida da apropriação indébita do Código Penal, mas sim de um tipo penal diverso, que apenas recebeu, indevidamente, o nomem iuris de apropriação indébita previdenciária. Trata-se de crime de natureza formal, que se consuma quando o agente deixa de recolher, na época própria, os valores das contribuições previdenciárias descontados de seus empregados, ou seja, trata-se de um crime omissivo próprio . Assim, para a configuração do delito, basta que o agente não recolha as importâncias retidas dos empregados, que deveriam ser repassadas ao órgão previdenciário. Além disso, não possui nenhuma relevância jurídica o fato de o apelante não ter tomado em proveito próprio o numerário devido à autarquia, eis que mero exaurimento do crime, não sendo exigida a presença do animus rem sibi habendi para a caracterização do delito. Desta forma, observo que as provas contidas nos autos conduzem, de forma lógica e harmônica, à existência do ilícito penal, e à autoria do delito, imputada ao apelado Arlei.

Ademais, as alegadas dificuldades enfrentadas pela empresa também não constituem causa supralegal de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa ou estado de necessidade. Verifica-se que o perigo sofrido pelo agente não é atual ou iminente (como se depreende da leitura do artigo 24 do C.P.), mas se protraiu ao longo do tempo, culminando com a omissão no recolhimento das contribuições, consoante admitiu o acusado, ao consignar que as dificuldades financeiras começaram a partir de 1995, de modo que a empresa não mais conseguiu honrar seus compromissos.

Em outra hipótese, a justificar o estado de necessidade, deveria a defesa demonstrar que não havia outra maneira a afastar a situação apontada como de perigo inevitável, ou seja, que o agente não podia usar de outro meio para afastar o perigo, de modo a demonstrar que sua conduta ilícita era imprescindível para afastar o perigo que o ameaçava.

Nas declarações dos apelados consta que os proprietários da empresa alienaram bens particulares para o pagamento dos débitos da empresa.

Contudo, em nenhum momento a defesa trouxe aos autos os balanços patrimoniais da sociedade, nem a Declaração de Imposto de Renda - Pessoa Física, relativos aos exercícios financeiros referentes aos períodos apontados como de crise financeira (1995/1999). Por outro lado, nada há nos autos a atestar que os valores auferidos pelo acusado, por atos de disposição de seu patrimônio particular, tenham sido revertidos à empresa, na tentativa de saldar as dívidas.

Ressalte-se que, nos casos de crimes que não envolvam diretamente bens jurídicos relacionados à pessoa natural, faz-se necessária uma maior comprovação da inexigibilidade de conduta diversa, o que deveras não ocorreu nestes autos.

Com efeito, impossível desconsiderar que muitos estabelecimentos empresariais, bem como pessoas físicas, passem por dificuldades financeiras, principalmente em nosso país. Porém, não é dado justificar a prática de crimes, como o tratado nestes autos, cometido contra a Previdência Social, em face dessas situações críticas por que passam todos os cidadãos.

Exceto em situações extremas, tal realidade não caracteriza excludente da culpabilidade, cujos limites e pressupostos são de grande relevância para evitar que se abra definitivamente uma porta para a impunidade.

Conclui-se, portanto, que as alegadas dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa não foram suficientes a excluir a ilicitude do fato ou a culpabilidade do agente, devendo ser reformada a sentença absolutória.

Assim, a sua condenação é medida que se impõe, devendo ser provido parcialmente o recurso da acusação para reformar a r. sentença absolutória e condenar o réu, ora apelado.

Passo a dosimetria da pena do apelado Arlei Nogueira Borges.

Por primeiro, é preciso analisar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, para a fixação da pena-base.

No caso, há outros feitos criminais instaurados contra o acusado, (fls. 157/161, 163/165, 191, 194/196 e 207/208), inclusive um com trânsito em julgado, datado de 02.10.2003, relativamente à informação de fl. 196, alusiva a delito idêntico ao destes autos e, de acordo com o posicionamento recente do STJ, tais registros não podem ser considerados como antecedentes criminais a desfavorecê-lo, não podendo, portanto, ensejar a exacerbação da sua pena-base, a teor do que estatui a Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça. Confira-se:

HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CONDUTA SOCIAL DESFAVORÁVEL E PERSONALIDADE VOLTADA A PRÁTICA DELITIVA. AÇÕES PENAIS NÃO DEFINITIVAS E PROCESSO COM TRÂNSITO EM JULGADO POSTERIOR AO FATO CRIMINOSO. SOPESAMENTO NA PRIMEIRA ETAPA DA DOSIMETRIA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SÚMULA 444/STJ. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO NESSE PONTO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Da análise dos autos, nota-se a flagrante ilegalidade ocorrida na dosimetria, que merece ser reconhecida de ofício, nos termos do art. 654, § 2º, do CPP, visto que descabido seria o exame do regime inicial dissociado da correta aplicação da pena. 2. Consoante orientação já sedimentada nesta Corte Superior, inquéritos policiais ou ações penais sem certificação do trânsito em julgado ou mesmo transitadas em julgado após o cometimento do fato delituoso analisado, não podem ser levados à consideração de maus antecedentes, má conduta social ou personalidade desabonadora para a elevação da pena-base, em obediência ao princípio da presunção de não-culpabilidade. Exegese da Súmula 444 deste STJ. REGIME PRISIONAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. FAVORABILIDADE. PENA INFERIOR A QUATRO ANOS. REGIME INICIAL ABERTO QUE SE MOSTRA DEVIDO. INTELIGÊNCIA DO ART. 33, § 2º, ALÍNEA C, E § 3º, DO CP. COAÇÃO ILEGAL EVIDENCIADA. 1. Considerando a favorabilidade de todas as circunstâncias judiciais, bem como a quantidade de pena irrogada ao paciente, perfeitamente cabível, na espécie, a fixação do regime aberto para o início do cumprimento da sanção reclusiva, a teor do disposto no art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do CP. 2. Habeas corpus concedido de ofício para redimensionar a sanção corporal para 3 anos de reclusão e pagamento de 10 dias-multa, fixando-se o modo inicial aberto ao paciente.(HC 200900993783, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:13/12/2010.-grifei)

No que toca às conseqüências do crime, consoante se verifica, à fl. 16, o débito decorrente do não recolhimento das contribuições alcançava valor atualizado de R$ 1.991,54 (um mil, novecentos e noventa e um reais e cinqüenta e quatro centavos), em 28.06.2000, que, acrescido de multa e juros, totalizou R$ 2.402,38 (dois mil, quatrocentos e dois reais e trinta e oito centavos), valor que não se afigura de elevada monta na data em que foi lavrado o Lançamento de Débito Confessado, de modo a não ser considerado como circunstância judicial negativa.

Por tais motivos, fixo a pena-base para o apelado Arlei Nogueira Borges no mínimo legal, ou seja, 02 (dois) anos de reclusão, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos (artigo 44, § 2º - última parte, do Código Penal), corrigidos até a data do pagamento.

No que toca a elevação da pena em razão da continuidade delitiva, entendo que o percentual de aumento deve ser fixado em seu mínimo legal, ou seja, em 1/6 (um sexto).

No que concerne à pena de multa, consigno que, no caso de crime continuado, vinha entendendo no sentido de se aplicar todas as multas cabíveis somadas, inteligência do artigo 72 do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 7.209/84, que reformou a parte geral da lei penal. Todavia, adotando os ensinamentos do Ilustre Professor Guilherme de Souza Nucci, acabei por concluir que se trata de um único crime em continuação, pelo que não é aplicável o referido artigo 72 do Código Penal.

Diz o ilustre mestre:

"Ensina Paulo José da Costa Júnior que o art. 72 é inaplicável ao crime continuado pois nessa hipótese não há concurso de crimes mas crime único, e, desta forma, em paralelismo com a pena privativa de liberdade, a unificação deve atingir também a pena de multa" (Comentários ao Código Penal, p.248) E, ainda TACRIM/SP, atual TJSP: "Deferida a unificação de penas, deve ser aplicado à sanção pecuniária o disposto no art.71 do CP., pois a incidência do art.72, do mesmo Diploma, constituiria flagrante contradição e injustiça" (RJTACRIM 45/440). Segundo nos parece, melhor refletindo sobre o tema, a razão está com Paulo José da Costa Júnior, uma vez que, valendo-se da teoria da ficção, criou o legislador um verdadeiro crime único no caso do delito continuado. Assim, não há concurso de crimes, mas um só delito em continuação, motivo pelo qual a pena de multa também será única com o acréscimo legal" ("in" Código Penal Comentado, Editora Revista dos Tribunais, 7a. Edição, p. 425/426).

Portanto, procedo ao aumento de 1/6 (um sexto) na pena-base impingida ao réu, ora apelado, perfazendo o montante de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprido no regime inicial aberto, e o pagamento de 11 (onze) dias multa, no valor acima indicado.

Tal pena torna-se definitiva, à ausência de outras causas de aumento ou diminuição.

Por fim, observo que a pena fixada é inferior a 04 (quatro) anos e o delito não foi cometido com utilização de violência ou grave ameaça. Por outro lado, o réu não é reincidente e as circunstâncias previstas no artigo 44, inciso III, do Código Penal indicam que a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos será suficiente.

Assim sendo, substituo a pena privativa de liberdade acima fixada por duas penas restritivas de direito, ou seja, prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo e prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos, em favor de instituições de caridade ou famílias carentes, com a indicação e sob a fiscalização do Juízo das Execuções Criminais, além de manter a pena pecuniária acima fixada.

Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso da JUSTIÇA PÚBLICA, para condenar o apelado ARLEI NOGUEIRA BORGES, como incurso no artigo 95, "d" da Lei 8.212/91 c.c. artigo 71, todos do Código Penal, às penas de 02 (anos) e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, além do pagamento de 11 (onze) dias-multa, no valor mínimo, substituindo a pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos como acima explicitado, bem como mantenho a sentença absolutória em relação a corre Maria de Lurdes Oliveira Borges.

É COMO VOTO.

RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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Data e Hora: 23/04/2012 18:32:04