Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001544-31.2009.4.03.6000/MS
2009.60.00.001544-3/MS
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
APELANTE : AMADOR ROJAS QUINONES reu preso
ADVOGADO : CARLOS EDUARDO CALS DE VASCONCELOS (Int.Pessoal)
: ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica

VOTO CONDUTOR

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo:


Trata-se de apelação criminal interposta por AMADOR ROJAS QUINONES (boliviano), contra a r. sentença que o condenou pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, c/c artigo 40, incisos I e III, da Lei 11.343/2006, à pena de 07 anos, 04 meses e 26 dias de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado, e ao pagamento de 740 dias multa, no valor unitário mínimo.

Narra a denúncia (recebida em 20/04/2009) que o réu, no dia 10/02/2009, foi surpreendido quando estava a bordo de um ônibus da Viação Motta, com destino a cidade de São Paulo/SP, trazendo consigo 6.206 gramas de cocaína, escondidos em sua bagagem e adquiridos na Bolívia.

Nas razões de apelação, AMADOR ROJAS QUINONES requer a fixação da pena base no mínimo legal; a exclusão da majorante referente à transnacionalidade do tráfico; a não incidência da causa de aumento do artigo 40, inciso III, da Lei 11.343/2006 (transporte público); e a aplicação da causa de diminuição de pena do artigo 33, §4º, da Lei de Drogas no patamar máximo.

O presente feito foi levado a julgamento na E. Primeira Turma deste Tribunal na sessão do dia 10/04/2012.

Na ocasião o relator, Juiz Federal Convocado Alessandro Diaféria, negou provimento ao recurso da defesa, mantendo a condenação e a pena corporal do réu apelante em 7 anos, 4 meses e 26 dias de reclusão e, corrigiu, de ofício, a pena pecuniária fixada, estabelecendo-a em 733 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo, corrigido monetariamente, sem substituição ou suspensão condicional da pena.

Divergi do voto do relator, no que fui acompanhado pelo e. Juiz Federal Convocado Marcio Mesquita, tão somente no tocante a aplicação da causa de aumento de pena prevista no artigo 40, inciso III, da Lei 11.343/2006, e no valor da pena pecuniária.

Primeiramente, observo que a majorante somente tem cabimento se o tráfico de drogas for cometido dentro do meio de transporte, envolvendo o acusado e outros presentes no local, aproveitando-se o agente do aglomerado de pessoas para entregar a consumo a droga que trazia e/ou transportava.

Se o transporte público serve apenas de meio de locomoção mais conveniente para o deslocamento físico do carregador das drogas - excluída completamente a hipótese de traficância envolvendo as pessoas ali presentes - porque o meio de transporte apenas fez parte do modus operandi destinado a fazer chegar a substância ao seu verdadeiro destino (é parte da dinâmica criminosa), afasta-se a aplicação do inciso III do artigo 40 da Lei nº 11.343/2006; essa majorante se justifica apenas em função do locus onde há maior possibilidade de espargimento do narcótico e, portanto, de maior perigo para a saúde pública em face do número mais acentuado de possíveis vítimas do narcotraficante. Não tem sentido imprimir maior severidade ao delito só porque o agente valeu-se - para o transporte da droga até um derradeiro local - de um veículo coletivo. Chega-se a essa inteligência observando-se o discurso do inc. III do art. 40, que coloca os "transportes públicos" ao cabo de um extenso rol de outros locais ou recintos onde (a) necessariamente encontram-se várias pessoas reunidas e que poderiam ser atingidas pela narcotraficância, ou (b) além disso, a conduta do agente desafia as autoridades públicas (unidades militares ou policiais).

Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - RECURSO DO M.P.F. VISANDO EXCLUSIVAMENTE A INCIDÊNCIA DA MAJORANTE DO INC. V DO ARTIGO 40 DA LEI DE DROGAS - INTERESTADUALIDADE DO TRÁFICO NÃO CONFIGURADA - POSSIBILIDADE DA REVISÃO "EX OFFICIO" DA DOSIMETRIA (MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA) - EXCLUSÃO, DE OFÍCIO, DA MAJORANTE PREVISTA NO INCISO III DO ARTIGO 40 DA LEI Nº 11.343/06, COM REDUÇÃO DO PERCENTUAL PARA 1/6 - READEQUAÇÃO DA SANÇÃO PENAL, MANTENDO-SE A INCIDÊNCIA DO § 4° DO ARTIGO 33 DA LEI Nº 11.343/2006 À MÍNGUA DE RECURSO MINISTERIAL ESPECÍFICO - APELAÇÃO MINISTERIAL IMPROVIDA. 1. Ré condenada pela prática de tráfico internacional de entorpecentes porque transportava, trazia consigo e guardava 1.100g (um mil e cem gramas) de "haxixe", adquirido e importado do Paraguai, em ônibus da Viação Expresso Nacional que perfazia o itinerário Assunção/PY - Brasília/DF, sendo que o entorpecente seria por ela levado até a cidade de Uberlândia/MG. 2. A causa de aumento relativa à interestadualidade do tráfico é restrita ao caso em que a origem da droga é pontuada num determinado Estado da Federação ou no Distrito Federal, e o agente faz ou tenciona fazer a migração interna da substância, levando-a para local posto noutra unidade federativa; não se cogita dessa causa especial de aumento (inciso V do artigo 40 da Lei nº 11.343/06) quando a transposição de mais de uma unidade federativa é parte do "iter criminis" da traficância transnacional, isto é, no caso de internação de tóxico recebido noutro país ou que deve ser remetido para o estrangeiro (o dolo do agente é voltado à importação ou a exportação internacional da substância). 3. Na singularidade do caso a ré adquiriu a substância entorpecente ("haxixe") no Paraguai, ingressou no Estado de Mato Grosso do Sul - onde acabou sendo presa - como parte necessária de seu itinerário para que chegasse ao destino final inicialmente planejado, o Estado de Minas Gerais, onde a droga seria comercializada. A transposição de fronteiras estaduais incluiu-se na dinâmica da traficância transnacional - objetivo da acusada, plenamente consumado na realidade de um delito de "tipo misto alternativo" (artigo 33) - constituindo-se no "modus operandi" que não autoriza a incidência da majorante. 4. A majorante do crime cometido em transporte público só pode incidir quando a narcotraficância, na forma de entrega gratuita ou onerosa a consumo, ocorre dentro do veículo (ônibus/trem/avião/metrô/carro de lotação permitido) a usuário ainda que não identificado; não incide quando o veículo de transporte público é meio de deslocamento do agente e da droga, ou apenas da droga. Essa é a melhor inteligência do inc. III do artigo 40 da Lei nº 11.343/06, pelo que de ofício se afasta a aplicação dessa majorante - posta na sentença em concurso com a transnacionalidade, para fixar o percentual em 2/3 - com diminuição do percentual para 1/6. 5. Aplicação indevida da causa especial de diminuição de pena do § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 (patamar de 2/3), mas sem recurso ministerial específico. 6. Apelação ministerial improvida. Reprimenda revista de ofício - já que a dosimetria da pena é matéria de ordem pública - e reduzida para 1 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 195 (cento e noventa e cinco) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo, mas sem substituição por pena alternativa porque a ré não teve a seu favor as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal (circunstâncias do crime - artigo 44, III, Código Penal).(ACR 200860050006421, DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:25/08/2011 PÁGINA: 123.)
PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. MAJORANTES. UTILIZAÇÃO DE TRANSPORTE PÚBLICO . MEIO DO COMETIMENTO DO DELITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. MINORANTE. ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06. REDUÇÃO EM GRAU MÁXIMO. DESCABIMENTO.
1. Materialidade e autoria do delito do artigo 33 da Lei nº 11.343/06 comprovadas de acordo com as provas dos autos, que demonstram ter sido a ré flagrada quando transportava entorpecente ("cocaína"), provindo do exterior.
2. Não é suficiente que o crime de tráfico seja cometido com a utilização de transporte público para aplicar-se a causa de aumento do inc. III do art. 40 da Lei nº 11.343/06, necessário é que o delito tenha por destinatárias, como público consumidor, as pessoas dos recintos mencionados para a incidência da majorante. 3. Quando o transporte público é meio de cometimento do delito e não sua finalidade, não há falar em aplicar-se a majorante prevista no inciso III do art. 40 da Lei n º 11.343/06.
4. Na hipótese de configurar-se o tráfico internacional e o interestadual, deve ser aplicada a majorante do inciso I do art. 40 da Lei nº 11.343/06, por ser a interestadualidade mero desdobramento do desígnio delitivo. 5. A ação como "mula" de quadrilha organizada, embora sem comprovada inserção do agente no grupo, autoriza a incidência da minorante do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, na fração de metade da pena.
(TRF 4ª. Região, ACR 200970020034008. Rel. Juiz Carlos Canalli, DE 10.03.2010).prevista no artigo 40, inciso III, da Lei de drogas.

Dessa forma, excluída a causa de aumento de pena do artigo 40, inciso III, mantida, a transnacionalidade do tráfico (artigo 40, inciso I), reduzo o índice de aumento para 1/6, restando a pena privativa de liberdade doravante fixada em 06 anos, 05 meses e 23 dias de reclusão.

Com relação a pena pecuniária, em observância ao critério bifásico eleito no artigo 43, da Lei nº 11.343/06, segundo o qual na primeira fase hão de ser marcados os números de dias-multa (aqui levando-se em conta os mesmos critérios eleitos para a fixação trifásica da pena reclusiva) e na segunda fase deve ser escolhido o quantum unitário de cada um deles consoante a situação econômica do réu, fixo a reprimenda pecuniária em 641 dias multa, mantido o valor unitário no mínimo.

No mais, acompanhei o voto relator.

Com essas considerações, dou parcial provimento ao recurso de AMADOR ROJAS QUINONES, para afastar a causa de aumento do artigo 40, inciso III, da Lei 11.343/2006, reajustando-se a pena privativa de liberdade para 06 anos, 05 meses e 23 dias de reclusão, e, de ofício, reduzo a pena pecuniária para 641 dias, nos termos do artigo 43, da mesma Lei. Comunique-se ao Juízo das Execuções Penais e ao Ministério da Justiça para fins de oportuna expulsão.

É o voto.


Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


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D.E.

Publicado em 07/05/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001544-31.2009.4.03.6000/MS
2009.60.00.001544-3/MS
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EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. PENA BASE MANTIDA. NÃO CABIMENTO DO ARTIGO 33, §4º, DA LEI Nº 11.343/2006. TRANSNACIONALIDADE COMPROVADA. CAUSA DE AUMENTO DO ARTIGO 40, INCISO III, (TRANSPORTE PÚBLICO) NÃO CONFIGURADA.
1. Réu condenado porque no dia 10/02/2009 foi surpreendido quando estava a bordo de um ônibus da Viação Motta, com destino a cidade de São Paulo/SP, trazendo consigo 6.206 gramas de cocaína, escondidos em sua bagagem e adquiridos na Bolívia.
2. Materialidade e autoria comprovadas e não contestadas.
3. Pena base mantida, uma vez que pela quantidade e natureza da droga, reprimiu de forma suficiente a conduta do réu.
4. Transnacionalidade comprovada uma vez que as drogas eram provenientes da Bolívia.
5. Se o transporte público serve apenas de meio de locomoção mais conveniente para o deslocamento físico do carregador das drogas - excluída completamente a hipótese de traficância envolvendo as pessoas ali presentes - porque o meio de transporte apenas fez parte do modus operandi destinado a fazer chegar a substância ao seu verdadeiro destino (é parte da dinâmica criminosa), afasta-se a aplicação do inciso III do artigo 40 da Lei nº 11.343/2006; essa majorante se justifica apenas em função do locus onde há maior possibilidade de espargimento do narcótico e, portanto, de maior perigo para a saúde pública em face do número mais acentuado de possíveis vítimas do narcotraficante. Não tem sentido imprimir maior severidade ao delito só porque o agente valeu-se - para o transporte da droga até um derradeiro local - de um veículo coletivo. Chega-se a essa inteligência observando-se o discurso do inc. III do art. 40, que coloca os "transportes públicos" ao cabo de um extenso rol de outros locais ou recintos onde (a) necessariamente encontram-se várias pessoas reunidas e que poderiam ser atingidas pela narcotraficância, ou (b) além disso, a conduta do agente desafia as autoridades públicas (unidades militares ou policiais). Precedentes.
6. As provas produzidas revelam a inequívoca prática do narcotráfico transnacional patrocinada por organização criminosa a que o réu apelante aderiu, integrando-a, unicamente para realizar o transporte da droga que foi apreendida consigo, o que impede o reconhecimento da causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006.
7. Excluída a causa de aumento de pena do artigo 40, inciso III, mantida, a transnacionalidade do tráfico (artigo 40, inciso I), determina-se o índice de aumento para 1/6, restando a pena privativa de liberdade doravante fixada em 06 anos, 05 meses e 23 dias de reclusão.
8. Pena pecuniária alterada para 641 dias multa, nos termos do critério bifásico previsto no artigo 43, da Lei 11.343/2006.
9. Mantidas as demais disposições da sentença.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento ao recurso da defesa, para afastar a causa de aumento do artigo 40, inciso III, da Lei 11.343/2006, reajustando-se a pena privativa de liberdade para 06 anos, 05 meses e 23 dias de reclusão, nos termos do voto do Desembargador Federal Johonsom di Salvo, acompanhado pelo voto do Juiz Federal Convocado Marcio Mesquita, vencido o Relator que negava provimento ao recurso da defesa e mantinha a pena aplica na sentença. A Turma, também, por unanimidade, corrigiu de ofício a pena pecuniária, sendo que o Desembargador Federal Johonsom di Salvo, acompanhado do voto do Juiz Federal Convocado Marcio Mesquita, o fizeram para fixá-la em 641 dias multa, vencido neste ponto o Relator que a fixava em 733 dias multa, tudo nos termos do relatório e votos que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Comunique-se ao Juízo das Execuções Penais e ao Ministério da Justiça para fins de oportuna expulsão.



São Paulo, 10 de abril de 2012.
Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001544-31.2009.4.03.6000/MS
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RELATÓRIO

O Senhor Juiz Federal Convocado ALESSANDRO DIAFÉRIA, nos termos do Ato nº 10.822, de 19 de dezembro de 2011, da E. Presidência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

Os autos trazem apelação criminal interposta pela defesa do réu AMADOR ROJAS QUINONES, contra a sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal Campo Grande/MS, a qual, julgando parcialmente procedente a denúncia, condenou o réu pela prática do crime tipificado no artigo 33, caput, combinado com artigo 40, inciso I e III, da Lei n.º 11.343/2006, devendo cumprir 7 (sete) anos, 04 (quatro) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, no regime inicial fechado, e pagar 740 (setecentos e quarenta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 avos do salário mínimo; foi, ainda, indeferida a substituição da pena privativa de liberdade e denegada a possibilidade de recorrer em liberdade.

Recorre a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO (fls. 189/200), pugnando em síntese, preliminarmente pelo direito de recorrer em liberdade e no mérito: (i)"reduzir a pena-base aplicada para o mínimo legal combinado" (ii) "para que não sejam aplicadas as causas de aumento dos incisos I e III do artigo 40, da Lei 11.343/2006"; (iii) "aplicar a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4°, da Lei 11.343/2006, em seu parâmetro máximo, qual seja, 2/3 (dois terços)".

As razões recursais da defesa foram contra-arrazoadas pelo Ministério Público Federal, consoante peça de folhas 203/231, na qual requer que seja concedido parcial provimento ao recurso apresentado, visando à correção da dosimetria da pena no tocante à causa de diminuição do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, para que seja aplicada em 1/6.

A Procuradoria Regional da República por sua ilustre representante, Dra. MONICA NICIDA GARCIA, no parecer de fls. 237/241, opinou pelo total desprovimento da apelação criminal interposta pelo réu, pugnando a manutenção da sentença condenatória. Sustenta que a pena-base tinha mesmo de ser elevada, diante da quantidade de entorpecente apreendido (6.206 gramas); que a hipótese trata de tráfico transnacional, pois ficou comprovado que a droga veio da Bolívia; que o aumento pelo uso de transporte público permanece, pois o só fato da utilização do ônibus já é bastante para o acréscimo, citando precedente desta 1ª Turma, relatora a Desembargadora VESNA KOLMAR; por fim, que o apelante não merece a redução do § 4º do artigo 33, pois realizar o transporte do entorpecente organização criminosa configura sua integração a esta.

É o relatório.

À revisão.

Alessandro Diaferia
Juiz Federal Convocado


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Data e Hora: 22/03/2012 20:48:58



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001544-31.2009.4.03.6000/MS
2009.60.00.001544-3/MS
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
APELANTE : AMADOR ROJAS QUINONES reu preso
ADVOGADO : CARLOS EDUARDO CALS DE VASCONCELOS (Int.Pessoal)
: ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica

VOTO

O Senhor Juiz Federal Convocado ALESSANDRO DIAFÉRIA, nos termos do Ato nº 10.822, de 19 de dezembro de 2011, da E. Presidência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

1. Síntese do caso concreto

De acordo com a denúncia, o réu apelante AMADOR ROJAS QUINONES, nacional da Bolívia, foi preso em flagrante delito no dia 10/02/2009, na Estação Rodoviária de Campo Grande/MS.

No dia do flagrante, os policiais militares realizavam abordagem de rotina em ônibus que estavam em trânsito e ao verificar o ônibus da viação Motta que ia para São Paulo avistaram o acusado AMADOR ROJAS QUINONES, que estava embarcado, poucos momentos antes da saída do coletivo. Ao final da diligência foram apreendidos 6.206 gramas de cocaína, que estavam na bagagem do acusado, juntamente com seus pertences pessoais.

Instruída com o inquérito policial, inaugurado pelo auto de prisão em flagrante, a denúncia foi recebida em 20/045/2009 (folha 84).

Houve regular instrução, com oitiva de duas testemunhas e interrogatório do acusado (folhas 108/116).

A sentença foi prolatada em 12/06/2009 (folhas 159/173). Houve acolhimento parcial da pretensão punitiva, declarando-se a condenação do réu PATRÍCIO CAHUAYA MAMANI, como incurso nas penas do artigo 33, caput, combinado com artigo 40, incisos I e III, da Lei nº 11.343/2006.
A reprimenda definitiva fixada na sentença foi a seguinte: (i) pena privativa de liberdade de 7 anos, 4 meses e 26 dias de reclusão, no regime inicial fechado, e (ii) pena pecuniária de 740 dias-multa, com valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo.

A dosimetria ficou assim estabelecida: (i) 6 anos e 8 meses de pena-base, preponderando desfavoravelmente a natureza e a quantidade do entorpecente; (ii) pena reduzida a 5 anos, 6 meses e 20 dias, na segunda fase, pelo reconhecimento da atenuante da confissão espontânea; (iii) acréscimo de 1/3 a título de transnacionalidade e prática de fato em transporte público (artigo 40, I e III, da Lei), resultando em 7 anos, 4 meses e 26 dias de reclusão; e (iv) afastada a aplicação do benefício constante do artigo 33, § 4º da Lei, por se considerar que o acusado recebeu o entorpecente, altamente nocivo, de organização criminosa, integrando-a, portanto.
Pois bem.

Tendo examinado o caso ora em debate, bem assim as razões e contrarrazões recursais das partes, concluí que, rejeitada a matéria preliminar, não está a merecer reforma a sentença, permanecendo tal como prolatada, procedendo-se à correção de ofício da pena pecuniária, em proporcionalidade com a pena corporal.

Passo a examinar a matéria pendente de exame nesta oportunidade.

2. Materialidade do fato

Seguindo adiante, importa consignar que a materialidade dos fatos é inquestionável: a substância apreendida no dia 10/02/2009 no fundo falso da mala do réu era de fato entorpecente comumente conhecido como cocaína, na quantidade de 6.206 gramas.

Tal quantidade de entorpecente, que não pode ser considerada inexpressiva, bem como a forma de seu acondicionamento (camuflada na mala), revela tratar-se, inequivocamente, de tráfico de entorpecente e, nem de longe, porte para uso próprio.

Comprovam a materialidade do fato o inquérito policial relatado e que serviu de base à denúncia, no qual se destacam o laudo preliminar de constatação (folhas 10/11) e auto de apresentação e apreensão (folhas 12/13), bem como o laudo de exame de substância (folhas 35/37), tudo a confirmar a descrição feita na denúncia.
3. Autoria e dolo

Igualmente inquestionáveis são a autoria e o dolo, em desfavor do réu apelante, AMADOR ROJAS QUINONES.

Do auto de prisão em flagrante advêm os depoimentos do Policial Militar que figurou como condutor e dos demais policiais que participaram das diligências que levaram à prisão do réu apelante. Em juízo, ouvido o policial militar, restou confirmado seu depoimento anterior, revelando a autoria do fato por parte do réu apelante. As demais testemunhas, ouvidas, também confirmaram suas declarações iniciais.

Por ocasião do flagrante, o réu reconheceu que estava a transportar o entorpecente encontrado na mala que portava, ao ser abordado; por tal serviço, contratado por uma mulher de nome Rufina, na Bolívia, ele receberia quantia equivalente a 1.000 dólares norte-americanos, que seriam pagos quando a droga fosse entregue em São Paulo, a um desconhecido.

Em juízo, indagado sobre os fatos denunciados através do processo, o réu confirmou em parte sua versão inicial, prestada no flagrante, rejeitando a afirmação de que recebeu a droga na Bolívia,dizendo, ao invés, que a recebeu em Corumbá/MS. Confirmou o valor que receberia pelo transporte da droga, a qual seria entregue a um desconhecido que o identificaria em sua chegada.

Portanto, dúvida não há sobre a autoria e sobre a consciência da ilicitude por parte do réu apelante.

Feitas essas considerações, passo a análise da causa de aumento prevista no artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006.

4. Transnacionalidade

O fato imputado ao réu está enquadrado na hipótese do artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, pois ficou nítido nos autos que o réu foi, em verdade, contratado para levar a droga proveniente da Bolívia para o Brasil, embora não se tenha obtido mais elementos sobre os detalhes dessa contratação espúria.
Pouco importa, no caso concreto, que o réu tenha recebido a droga em Corumbá ou do outro lado da fronteira, na Bolívia. O que interessa, para fins de exame da transnacionalidade da conduta, é a consciência de que o entorpecente tenha origem no exterior e para cá esteja a ser trazido, com a participação ativa e relevante do acusado.

É o que houve neste caso concreto, que realmente impunha o reconhecimento da transnacionalidade da conduta, pois o próprio acusado reconheceu, inicialmente, que vinha da Bolívia, mas, depois, em Juízo, retratou-se, alegando meramente que recebera a droga em Corumbá e não trazendo qualquer mínimo indício em abono de sua tese.

Logo, nada a se perquirir além do que foi procedido na sentença, que fica mantida neste ponto.
5. Transporte Público

O acusado foi detido quando estava no curso de uma viagem interestadual em ônibus de viação rodoviária. Nessas condições, a denúncia pleiteou e o MM. Juízo singular reconheceu a presença da causa de aumento prevista no artigo 40, inciso III, da Lei nº 11.343/2006.

O aumento, de 1/6 a 2/3, está previsto para quando "a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos".

Há que se reconhecer que há, ainda, certa oscilação de entendimentos quanto a esta causa de aumento, ora pelo seu reconhecimento com a simples utilização de transporte público para o tráfico de entorpecentes, ora para o seu reconhecimento somente quando o agente faz uso e tráfico no interior do coletivo, afastando-se quando o transporte público era apenas o meio para o acusado levar a droga sem outras peculiaridades.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se sobre o tema, conforme se verifica nos três precedentes abaixo colacionados:

Ementa:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. UTILIZAÇÃO DE TRANSPORTE PÚBLICO. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO ART. 40, INC. III, DA LEI Nº 11.343/06. FIXAÇÃO DO QUANTUM RELATIVO À CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º DA LEI Nº 11.343/06. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. INOCORRÊNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a simples utilização de transporte público para a circulação da substância entorpecente ilícita já é motivo suficiente para a aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 40, inc. III, da Lei nº 11.343/2006 (dentre outros, HC 107.274/MS, rel. min. Ricardo Lewandowski, DJe-075 de 25.04.2011).
O magistrado não está obrigado a aplicar a causa de diminuição prevista no § 4° do art. 33 da Lei nº 11.343/06 em seu patamar máximo quando presentes os requisitos para a concessão de tal benefício, tendo plena autonomia para aplicar a redução no 'quantum' reputado adequado de acordo com as peculiaridades do caso concreto" (HC 99.440/SP, da minha relatoria, DJe-090 de 16.05.2011). Contudo, a fixação do quantum de redução deve ser suficientemente fundamentada e não pode utilizar os mesmos argumentos adotados em outras fases da dosimetria da pena. Como se sabe, "a quantidade e a qualidade de droga apreendida são circunstâncias que devem ser sopesadas na primeira fase de individualização da pena, nos termos do art. 42 da Lei 11.343/2006, sendo impróprio invocá-las por ocasião de escolha do fator de redução previsto no § 4º do art. 33, sob pena de bis in idem" (HC 108.513/RS, rel. min. Gilmar Mendes, DJe nº 171, publicado em 06.09.2011).

Ordem parcialmente concedida para determinar ao TRF da 3ª Região que realize nova dosimetria da pena, reaprecie o regime inicial de cumprimento de pena segundo os critérios previstos no art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, e avalie a possibilidade de conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direito conforme os requisitos previstos no art. 44 do CP.
(HC 108523, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 14/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-053 DIVULG 13-03-2012 PUBLIC 14-03-2012)
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. TRANSPORTE PÚBLICO. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. NATUREZA. PROGRESSÃO DE REGIME. ALTERAÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICA. PREJUÍZO À IMPETRAÇÃO, NO PONTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. A utilização do transporte público como meio para a prática do tráfico de drogas é suficiente para o reconhecimento da causa especial de aumento de pena prevista no art. 40, III, da Lei 11.343/06, porque a majorante é de natureza objetiva e aperfeiçoa-se com a constatação de ter sido o crime cometido no lugar indicado, independentemente de qualquer indagação sobre o elemento anímico do infrator. Precedente.
2. O Plenário do Supremo Tribunal decidiu pela inconstitucionalidade da vedação contida nos art. 33, § 4º, e 44 da Lei 11.343/06, não admitindo seja subtraído do julgador a possibilidade de promover a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos quando presentes os requisitos inseridos no art. 44 do Código Penal.
3. A progressão de regime já deferida à Paciente torna prejudicada, no ponto, a impetração.
4. Ordem parcialmente concedida, prejudicado o pedido de progressão de regime.
(HC 109411, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 11/10/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-206 DIVULG 25-10-2011 PUBLIC 26-10-2011)
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. PENA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FIXAÇÃO NO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. MAUS ANTECEDENTES. NATUREZA ALTAMENTE NOCIVA DA DROGA APREENDIDA. REINCIDÊNCIA/MAUS ANTECEDENTES. COMPROVAÇÃO. CERTIDÃO. IDONEIDADE. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. APLICAÇÃO. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA.
I - Ao fixar a pena-base acima do mínimo legal, o magistrado sentenciante considerou os maus antecedentes ostentados pelo réu e a natureza altamente nociva da droga apreendida, de modo que a reprimenda não merece nenhum reparo nesse ponto.
II - Não procede a alegação de que a inexistência de certidão cartorária atestando o trânsito em julgado de eventual condenação inviabilizaria o reconhecimento de maus antecedentes/reincidência e que a folha de antecedentes criminais não serviria para esse fim. Esta Corte já firmou entendimento no sentido da idoneidade do referido documento, que possui fé pública. Precedentes.
III - Infração cometida em transporte público. Incidência da causa de aumento prevista no art. 40, III, da Lei 11.343/2006.
IV - Não caracteriza bis in idem a consideração da reincidência para fins de majoração da pena-base e como fundamento para a negativa de concessão da benesse prevista no art. 33, § 4º, da Lei Antidrogas.
V- Para a concessão do benefício previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, é necessário que o réu seja primário, ostente bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
VI - Réu que apresenta maus antecedentes, condição que impede a aplicação da referida causa de diminuição.
VII - Ordem denegada.
(HC 107274, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 12/04/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-075 DIVULG 19-04-2011 PUBLIC 25-04-2011 LEXSTF v. 33, n. 388, 2011, p. 367-376)

Pois bem. Não se cuida de precedentes vinculantes e não foram proferidos pelo Plenário, o que confere mais liberdade ao julgador para acompanhar ou não o entendimento do Pretório Excelso.

No entanto, quer crer esta relatoria que melhor entendimento de fato é aquele delineado por nossa Suprema Corte nos precedentes acima, sobre o cabimento ou não do aumento decorrente do uso de transporte público no tráfico de entorpecentes.
Com efeito, por sua natureza de crime de perigo abstrato, crê esta relatoria restar vulnerado o bem penalmente tutelado com o simples fato de haver entorpecente sendo transportado no ônibus, junto a outras bagagens, na presença de outros passageiros inocentes; os riscos derivados da conduta são, sim, concretos e não é preciso muitas conjecturas para se avaliá-los.

Portanto, não obstante o empenho da defesa, procede inteiramente, neste caso, o aumento decorrente da prática de fato em transporte público.

6. Dosimetria

A dosimetria da pena privativa de liberdade transcorreu da seguinte forma: (i) 6 anos e 8 meses de reclusão na primeira fase, pesando desfavoravelmente para tal a natureza da droga (cocaína) e sua quantidade; (ii) na segunda fase, não foi vislumbrada circunstância agravante ou outras atenuantes, além da confissão, que reduziu a pena a 5 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão; (iii) na terceira fase, foram aplicadas as causas de aumento de transnacionalidade e transporte público (artigo 40, I e III, da Lei) no patamar único de 1/3, elevando a pena a 7 anos, 4 meses e 26 dias de reclusão e em seguida (iv) afastou-se a causa de diminuição do artigo 33, §4º daquela Lei, pois considerou-se que não estavam preenchidos os requisitos próprios.

Como referido acima, foi objeto de recurso pela defesa circunstâncias referentes à dosimetria das penas, em todas as três fases, que serão examinadas na sequência, a partir do que o MM. Juízo monocrático deliberou.
6.1. 1ª fase: circunstâncias judiciais

Nesta fase, considera esta relatoria que não merece modificação a sentença, em vista do juízo de reprovação derivado da elevada quantidade e da natureza do entorpecente apreendido com o réu (5.636 gramas de cocaína), por si só justificador da exasperação.

Como é cediço, a cocaína é um entorpecente que tem potencial elevado e efetivo de levar a óbito o usuário, além de constituir um entorpecente que gera dependência química com relativa rapidez. Além disso, a quantidade de cocaína apreendida não pode ser considerada inexpressiva: 5.636 gramas; essa quantidade tinha plenas condições de proporcionar uma utilização da droga em uma escala imensa, consideradas as porções normalmente utilizadas e comercializadas no varejo (alguns gramas) e não se ignorando o fato de que a cocaína de "exportação" usualmente é bem mais concentrada, propiciando uma multiplicação da quantidade de entorpecente.

Portanto, não merece qualquer modificação a sentença neste ponto, que fica mantida em 6 anos e 8 meses de reclusão.
6.2. 2ª fase: atenuantes e agravantes

Na segunda fase, estão ausentes quaisquer agravantes e a confissão foi reconhecida, de modo que nenhuma alteração se faz cabível.

6.3. 3ª fase: causas de aumento e de diminuição

6.3.1. Transnacionalidade e transporte público

Foi plenamente configurada a transnacionalidade da conduta bem como a prática do fato em transporte público, o que torna inarredável a aplicação das causas de aumento previstas nos incisos I e III do artigo 40 da Lei, como acima deliberado.

Sobre o quantum do aumento, também não há qualquer cabimento em sua modificação eis que foi estabelecida a fração de 1/3 (soma de 1/6 + 1/6) para as duas causas de aumento, nos termos do artigo 68, parágrafo único, do CP.

Mantida, portanto, a sentença em mais este tópico, com a pena corporal estabelecida em 7 anos,4 meses e 26 dias de reclusão.

6.3.2. - causa de diminuição do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006

Neste aspecto, novamente não está a merecer modificação a r. sentença monocrática, rejeitando-se, no ponto, o recurso da defesa.

De fato, consta dos autos que o acusado é primário, possui bons antecedentes e que não há provas contundentes, nos autos, de que se dedique a atividades criminosas. Alegou, no entanto, viver em dificuldades financeiras, não ter emprego fixo e ter recebido dinheiro e promessa de dólares da pessoa que lhe entregou a mala para transporte, na qual foi encontrada a droga.

Não há como negar que efetivamente integra a organização criminosa a pessoa que transporta entorpecente para o exterior, nas condições do acusado, ou seja, mediante evidente contratação prévia, para a realização de uma viagem internacional, ainda que a país vizinho, e sem qualquer laço ou vínculo prévio, providenciada por terceiros, com despesas pagas e custeadas previamente, levando grande quantidade de entorpecente que, sabidamente, tem elevadíssimo valor no mercado espúrio, lembrando-se, ainda, não se tratar de pessoa que demonstre ter condições financeiras aptas a custear ou mesmo realizar uma viagem desse tipo com finalidades unicamente turísticas ou comerciais.

Há uma diferença evidente entre os verbos associar-se e integrar. Para o primeiro exige-se affectio, permanência, atribuição de função, identidade de propósitos, etc.; para o segundo, nada disso é exigível, basta a mera presença de um indivíduo num local com uma função, para que ele esteja integrado ao contexto. Também não se confunde com integrar o significado do verbo pertencer. Pertencer indica relação de propriedade, de vinculação perene ou prolongada. O conceito de integrar não exige tais condições.

O fato é que no caso das mulas, é evidente que elas integram a organização criminosa na medida em que o seu "trabalho" é uma condição sine qua non para a narcotraficância internacional; as mulas têm justamente a função de transportar o entorpecente para o exterior e, salvo raríssimas exceções, elas sabem disso desde sempre.

Veja-se que nos casos recorrentemente apurados nesta Corte, como o presente, a pessoa é contratada para levar grande quantidade de entorpecente de um local a outro, da Bolívia, Paraguai ou Colômbia para o Brasil ou daqui para o exterior, entorpecente que possui elevadíssimo valor de mercado, o que inclusive é uma das razões para os constantes relatos de ameaças e para o receio em praticar a delação premiada.

Além disso, as viagens sempre são de grandes proporções, seja quanto ao deslocamento geográfico, seja quanto aos custos envolvidos. Muitos alegam que o objetivo era o turismo ou até a busca de emprego, mas, em contrapartida, afirmam e demonstram que não tinham condições econômico-financeiras ou mínimos conhecimentos do idioma para realizar tal tipo de viagem ou se fixar em outro país, do qual, usualmente, só ouviram falar do futebol, do carnaval, das praias, e assim por diante. Noutras palavras, em condições normais e medianamente aceitáveis, dificilmente aquela pessoa teria vindo ao Brasil e se o fez, foi para servir de mula ao tráfico internacional, pois salta aos olhos o contraste desse tipo de viajante com os turistas e imigrantes que aqui vêm para fazer turismo ou para trabalhar com ânimo definitivo.

Pensa esta Relatoria que a causa de diminuição em tela não esteja voltada àquele que pratica o tráfico com uma autêntica estrutura logística voltada à remessa de grandes quantidades de droga para o exterior a partir do Brasil ou por aqui de passagem, estrutura essa que começa por recrutar pessoas economicamente desfavorecidas no exterior muitas vezes longínquo (Ásia, Tailândia, Turquia, Leste Europeu, países africanos e latino-americanos, muitos em condições econômicas sabidamente deploráveis), para vir ao Brasil, aqui permanecer hospedados em Hotéis, recebendo grandes quantias em dinheiro (para o padrão do homo medius brasileiro), telefones celulares locais e internacionais, roupas, passaportes (às vezes falsos até), às vezes até acompanhantes (talvez "olheiros"), unicamente para transportar o entorpecente conforme previamente contratado.

Pensa esta Relatoria, também, que essa causa de diminuição esteja voltada ao narcotráfico de menor expressão, que não possui tamanha estrutura e poderio econômico, nem envolve quantidades tão expressivas de entorpecente; ou então aquele indivíduo que, no seu bairro ou sua comunidade, distribui a seus amigos e companheiros pequenas quantidades de maconha, crack ou até lança-perfume. Em síntese: a causa de diminuição em tela está mais voltada aos "microempresários" do tráfico, que definitivamente não são os que atuam a partir da região de fronteira do Brasil com a Bolívia ou Paraguai, nem tampouco os que a essa prática aderem.

Por outro lado, a pessoa que aceita esse tipo de "trabalho", a par de demonstrar ter perdido a sua inocência ou ingenuidade e, assim, optado pelo crime, está plenamente ciente do que faz, afirmação que é reforçada pelos constantes relatos de ameaça e pela raridade de delações; ela sabe que está lidando com pessoas inescrupulosas, que vivem do crime e são capazes de cometer atos terríveis para atingir seus objetivos; ela sabe que jamais viria ou passaria pelo Brasil em condições normais e muito menos viajaria para o exterior para passar um período sem qualquer outra justificativa plausível. Sua única justificativa para a viagem é transportar a droga e, ao final, receber quantia bastante elevada de dinheiro, que certamente levaria muito tempo para amealhar em condições lícitas de trabalho, pois é certo que o caminho estreito é sempre o mais difícil.

Com efeito, para "integrar a organização criminosa" não é necessária vinculação perene ou prolongada, muito menos saber quem são os donos do entorpecente; os produtores e fabricantes; os pilotos que trouxeram de avião; os gerentes; os preparadores e artesãos que confeccionam os artefatos de dissimulação; basta ter contato com o "aliciador" e o eventual "olheiro"; essa é a forma como ocorre esse tipo de contratação, com a evidente e imprescindível compartimentação de informações, visando justamente a preservar primeiramente a segurança da organização; não saber quem é quem numa organização criminosa é uma medida de segurança para a organização e para o indivíduo que a integra, tanto para afastar riscos de delação, quanto para se esquivar da chamada "queima de arquivo". Por isso, a mula que pensar um pouco nem mesmo vai querer saber quem são os chefes, os envolvidos no fato, para não correr mais riscos do que ser presa e processada, para cumprir alguns anos de prisão e depois retornar ao seu País.

Ressalto os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:

"HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ELEVADA QUANTIDADE DE COCAÍNA. NÃO APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº11.343/06.
1. Diz o art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, que a pena pode ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o paciente seja primário, portador de bons antecedentes, não integre organização criminosa nem se dedique a tais atividades.
2. A sentença afastou a incidência da benesse pretendida sob o fundamento de que as circunstâncias que ladearam a prática delitiva evidenciaram o envolvimento do paciente em organização criminosa.
3. A elevada quantidade de droga apreendida, a saber, quase um quilo de cocaína, distribuída em 83 cápsulas, ingeridas pelo paciente, o qual estava prestes a embarcar para a Holanda, é circunstância que impede o reconhecimento da modalidade privilegiada do crime.
4. De se ver, que a mens legis da causa de diminuição de pena seria alcançar aqueles pequenos traficantes, circunstância diversa da vivenciada nos autos, dada a apreensão de expressiva quantidade de entorpecente, com alto poder destrutivo.
5. Ordem denegada".
(STJ. HC 189979 - SP. 6ª Turma, J: 03/02/2011. Rel. Ministro Og Fernandes).
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. LEI 11.343/06. NÃO INCIDÊNCIA DA MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. PECULIARIDADES DO CASO.
I - Na linha de precedentes desta Corte, a grande quantidade de drogas, considerada isoladamente, não impede a incidência da minorante do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, salvo se, aliada a outras circunstâncias do caso concreto, restar evidenciado que o paciente se dedica a atividades delituosas ou integra organização criminosa.
II - Na espécie, as circunstâncias do caso concreto - paciente de nacionalidade estrangeira, transportando em seu aparelho digestivo 111 (cento e onze) cápsulas confeccionadas em material plástico, totalizando 980 gramas de cocaína, abordada em terminal rodoviário reconhecido como local de prática reiterada de tráfico de entorpecentes por pessoas provenientes de países estrangeiros - evidenciam que a paciente se dedica a atividades criminosas, sendo, destarte, inviável, no caso, a incidência da minorante do art. 33, § 4º da Lei 11.343/06.
III - Habeas corpus denegado.
(STJ. HC 122800 - SP. 5ª Turma, J: 27/04/2009. Rel. Ministro Felix Fischer)".

Cumpre salientar, ainda, que, embora haja polêmica no tema, o E. Tribunal Regional da 3ª Região também vem demonstrando o entendimento de que as "mulas" efetivamente integram a organização criminosa voltada para o tráfico internacional de drogas, em diversos precedentes. Nesse sentido, veja-se o excerto do precedente desta 1ª Turma, lavrado recentemente, em 29/11/2011, no qual se afastou a causa de diminuição em situação análoga à destes autos:

Origem: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Classe : ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 32823
Processo: 0004263-85.2007.4.03.6119
UF: SP
Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento: 29/11/2011
Fonte: TRF3 CJ1 DATA:07/12/2011
Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO
Documento: TRF300346882.XML
... omissis ...
3. A pessoa que se dispõe a efetuar o transporte de substância entorpecente para o exterior mediante promessa de recompensa, conforme confessado pelo réu em interrogatório judicial, evidentemente integra organização criminosa de forma efetiva e relevante. Com efeito, o apelante, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, constituindo figura essencial ao sucesso da empreitada criminosa, eis que incumbido de receber a droga dentro de uma mala, transportá-la consigo, devendo entregá-la ao destinatário na Espanha, representando, portanto, o imprescindível elo de ligação entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, a incidência do benefício discorrido, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma.
... omissis ...

A prova produzida neste processo, portanto, revela a inequívoca prática do narcotráfico transnacional patrocinada por organização criminosa a que o réu apelante aderiu, integrando-a, unicamente para realizar o transporte da droga que foi apreendida consigo. Como foi visto, o acusado foi contratado para levar a mala com droga a São Paulo, com despesas pagas, onde receberia a sua retribuição e entregaria a droga a um desconhecido.

Desse modo, fica, ademais, mantida a sentença no ponto, rejeitando-se, por outro lado a pretensão do réu, não obstante o empenho de sua ilustre Defesa.

Enfim, por todos esses argumentos, não reconheço a incidência da causa especial de redução de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006.

Portanto, a pena corporal fica definitivamente estabelecida em 7 anos,4 meses e 26 dias de reclusão.

7. Pena pecuniária

Sobre a pena pecuniária, há que se proceder ao consequente ajuste, em função do critério bifásico estabelecido no artigo 43 da Lei n° 11.343/2006, em proporcionalidade à pena corporal fixada e em atenção à correção de ofício antes procedida.

Desta feita, corrijo de ofício a pena pecuniária para 733 dias-multa, no valor unitário equivalente a 1/30 do salário mínimo, corrigido monetariamente.

8. Demais disposições da sentença
Devem ser mantidas as demais disposições da sentença, no tocante ao regime inicial de cumprimento, por falta dos requisitos objetivos, o que também inviabiliza a conversão da pena corporal e a suspensão condicional da pena privativa de liberdade.

É o suficiente.

Conclusão

Por todo o exposto, voto é para: (i) negar provimento ao recurso da defesa, mantendo-se a condenação e a pena corporal do réu apelante em 7 anos, 4 meses e 26 dias de reclusão e, (ii) corrigir de ofício a pena pecuniária fixada, ficando estabelecida em pagamento de 733 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo, corrigido monetariamente, sem substituição ou suspensão condicional da pena; mantida a sentença nos demais aspectos não modificados nesta oportunidade, tudo conforme acima explicitado.

É o voto.

Alessandro Diaferia
Juiz Federal Convocado


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