D.E. Publicado em 05/07/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, afastar a preliminar argüida pela defesa e dar parcial provimento aos recursos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelações contra a sentença de fls. 145/157v., que condenou Khadra Mouhamed Esmael à pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos, 8 (oito) meses e 1 (um) dia de reclusão, regime inicial fechado, e pagamento de 227 (duzentos e vinte e sete) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente pela prática do crime do art. 33, caput, c. c. o art. 40, I, ambos da Lei n. 11.343/06.
O Ministério Público Federal, em sede de razões recursais, pleiteia:
Apela a defesa com os seguintes argumentos:
A defesa e a acusação ofereceram contrarrazões (fls. 229/233 e 235/255).
O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Osvaldo Capelari Júnior, manifestou-se pelo desprovimento do recurso defensivo e pelo parcial provimento do recurso interposto pelo Ministério Público Federal, para que seja afastada a causa de diminuição prevista no art. 33 da Lei n. 11.343/06 (fls. 291/328).
À revisão, nos termos regimentais.
É o relatório.
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VOTO
Khadra Mouhamed Esmael foi denunciada pela prática do crime do art. 33 c. c. o art. 40, I, ambos da Lei n. 11.343/06, pois, no dia 15.04.11, no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP), foi presa em flagrante delito quando estava prestes a embarcar em voo da companhia aérea South African com destino a Dar Es Salaam (Tanzânia), trazendo consigo, em desacordo com determinação legal/regulamentar, para fins de comércio ou entrega, de qualquer forma, a consumo de terceiros, no exterior, 5.755g (cinco mil, setecentos e cinquenta e cinco) gramas - peso bruto - de cocaína, substância entorpecente que causa dependência física e/ou psíquica (fls. 46/47).
Não caracteriza cerceamento de defesa o indeferimento de diligência que não se refira à complementação da prova resultante de circunstância ou de fatos apurados na instrução.
A defesa requer o reconhecimento de nulidade do processo, em razão de cerceamento de defesa, consistente em indeferimento de produção de provas.
Não merece prosperar a preliminar trazida pela defesa em suas razões recursais.
O indeferimento de pedido de adiamento do julgamento para a produção de provas requeridas pela defesa, não caracterizou cerceamento de defesa, haja vista que tais provas, conforme decisão fundamentada do Juízo de primeiro grau, mostravam-se inoportunas e irrelevantes para alterar o conjunto probatório, como bem reconheceu o Juízo, in verbis:
Ao indeferir a pretendida produção das provas pela defesa, o Juízo fundamentou sua decisão, afirmando que os documentos, se juntados, nada acrescentariam às provas dos autos em relação à materialidade e autoria delitivas, ressaltando que, a prova de bons antecedentes da ré e de sua ocupação lícita no país de origem, não teria relevância naquele momento processual e que, do quanto provado, nada havia que desabonasse a conduta pregressa da ré.
Neste sentido, é firme da jurisprudência:
O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Osvaldo Capelari Júnior, em seu parecer, salientou que, in casu, cabível o entendimento na Súmula n. 523 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual, apenas será declarada nulidade no processo penal, quando houver prova de prejuízo ao réu (fls. 291/328).
Assim, rejeito a preliminar suscitada.
Materialidade. Está comprovada a materialidade do delito, conforme decorre dos seguintes elementos de convicção:
Autoria. Comprovada a autoria do delito, pois a acusada foi presa em flagrante, quando pretendia embarcar em voo da companhia aérea South African com destino a Dar Es Salaam (Tanzânia), transportando droga em sua bagagem.
Em sede policial, a acusada disse que não sabia a quem pertencia a droga e que a recebera no Bairro do Brás, em São Paulo, de um motorista de táxi. Afirmou que não sabia como as drogas foram parar no interior de sua mala e achava que as colchas que comprou e estavam embrulhando as drogas, deveriam ter sido trocadas. Afirmou que escolheu as colchas, mas que quem passou as colchas pelo caixa e as embrulhou foi o taxista. Acrescentou que veio ao Brasil para comprar roupas (fls. 5/6).
Em Juízo, a acusada afirmou que sabia do que estava sendo acusada e que estava trabalhando em uma boutique. Veio ao Brasil a mando da dona da referida boutique, sua patroa, que lhe enviou para comprar roupas, mas que, depois de 10 (dez) dias, ficou sabendo que iria, na verdade, transportar drogas. Disse que se recusou a fazer tal transporte e que veio ao Brasil para buscar as roupas para a boutique, mas que, chegando aqui, um homem branco que foi muito incisivo, além de mais dois homens negros e que não sabe onde encontra-los. Narrou que tais homens lhe devolveram seu telefone no dia da viagem e que esses homens a ameaçaram de morte caso não fizesse o transporte da droga; contudo que não há testemunhas acerca de tal fato. Acrescentou que ficou presa durante dois dias em uma casa, que não sabe precisar a localização da casa, mas apenas do hotel no qual se hospedou que se localizava no Bairro da Bela Vista. Disse ainda que é natural da Tanzânia e que trabalhava em uma loja de roupas, cosméticos, sapatos e ganhava 100 (cem) dólares por mês, é solteira e tem dois filhos, tendo estudado "tecnologia da informação". O defensor da ré, indagou, durante o interrogatório, se a pessoa com a qual a ré falou na Tanzânia iria enviar os documentos comprobatórios de seu vínculo de trabalho ao e-mail do defensor, sendo que a ré respondeu que sim (fl. 190, em mídia digital).
Em sede policial, o Agente de Polícia Federal, Maurício Fernandes Eiras, disse que realizava seu trabalho de combate ao tráfico internacional de drogas, no TPS II, na esteira de malas despachadas da companhia South African, no momento em que seu cão farejador apontou uma mala, cuja etiqueta continha o nome da passageira. Afirmou que localizou a passageira no saguão de embarque e solicitou que a passageira o acompanhasse até a sala reservada da Polícia Federal, local no qual seria revistada a bagagem de propriedade da passageira. Acrescentou que ao abrir a mala, encontrou os dois pacotes contendo substância que, no laudo preliminar acusou positiva para cocaína, em um total de 5.755g (cinco mil, setecentos e cinquenta e cinco) gramas, peso bruto (fls. 2/3). Em Juízo, a testemunha confirmou que participou da ocorrência no Aeroporto Internacional de Guarulhos e que a acusada não admitiu a propriedade da droga, que estava no meio de duas colchas, no interior de sua bagagem, que também continha roupas. Acrescentou que a ré não se mostrou surpresa no momento do encontro da droga (fl. 190, em mídia digital).
A testemunha Lais Alves de Oliveira afirmou, perante a autoridade policial, que realizava seu trabalho de fiscalização nas bagagens de mão, no TPS II, quando houve solicitação para que acompanhasse busca na mala despachada pela ré. Acompanhou a busca e o encontro da droga em seu interior, cuja perícia resultou positiva para cocaína (5.755g) (fl. 4). Em sede judicial Lais afirmou que foi chamada para acompanhar a abertura da mala da ré, momento em que foi descoberta a droga, positiva para cocaína. Acrescentou que se recorda que a ré estava um pouco nervosa no momento do encontro do entorpecente em sua bagagem (fl. 190, em mídia digital).
Tráfico. Coação moral. Para ser aceita como excludente de culpabilidade ou atenuante genérica, deve estar comprovado, por elementos concretos, que tenha sido irresistível, inevitável e insuperável, pela ocorrência de um perigo atual de dano grave e injusto não provocado por vontade própria ou que de outro modo o agente não poderia evitar, bem como a inexigibilidade de agir de forma diversa à exigida em lei:
Do caso dos autos. A alegação da acusada da ocorrência de coação moral irresistível não merece prosperar, uma vez que a ameaça com o intuito de exclusão da culpabilidade da ré tem requisitos próprios que devem sem provados a fim de que haja a exclusão da culpabilidade. Destarte, não fora provada a existência das pessoas que fizeram a ameaça, bem como a existência desta.
Assim, a afirmação da acusada não encontra qualquer respaldo probatório nos autos, não passando de mera alegação, devendo, portanto, ser responsabilizada penalmente.
Comprovada a autoria e a materialidade delitivas, bem como a feição internacional do tráfico de drogas praticado pela ré, a condenação deve ser mantida.
Dosimetria. Na sentença, o Juízo a quo, com fundamento no art. 42 da Lei n. 11.343/06 e no art. 59 do Código Penal, fixou a pena-base 8/12 (oito doze avos) acima do mínimo legal, em 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em razão da quantidade e qualidade da droga (5.755g de cocaína).
Ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes (tendo em vista que não houve confissão), a pena foi mantida.
Em razão da transnacionalidade, a pena foi majorada em 1/6 (um sexto) para 9 (nove) anos, 8 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão.
Aplicou a causa de diminuição do § 4° do art. 33 da Lei n. 11.343/06, reduzindo a pena em 5/12 (cinco doze avos), para 5 (cinco) anos, 8 (oito) meses e 1 (um) dia de reclusão.
No tocante à pena de multa, aplicando os mesmos critérios e fundamentos utilizados para a pena privativa de liberdade, tornou-a definitiva em 227 (duzentos e vinte e sete) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente, em razão da condição econômica da ré.
Determinou o cumprimento da pena no regime inicial fechado.
Considerou incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e determinou que a ré não poderia apelar em liberdade.
A acusação pleiteia a inaplicabilidade da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06 e a majoração do quantum relativo à causa de aumento do art. 40, I, da Lei n. 11.343/06.
A defesa, por sua vez, recorre da dosimetria da pena, requerendo a fixação da pena-base no mínimo legal, a aplicação da atenuante da confissão, o afastamento do art. 40, I, da Lei n. 11.343/06, a aplicação do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06 em seu máximo legal, o estabelecimento do regime inicial do cumprimento da pena no semiaberto ou aberto, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e o afastamento da pena de multa.
Os recursos merecem prosperar parcialmente.
Fixo a pena-base acima do mínimo legal, em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, considerando a natureza do entorpecente (cocaína) e a sua quantidade (5.755g).
Ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes deve ser ressaltado que a ré não confessou a prática delitiva, utilizando-se da tese consistente em coação moral irresistível.
Alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal admitem que a natureza e a quantidade de entorpecente sirvam para graduar a causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06 (STF, HC n. 106.762, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 21.06.11; HC n. 104.195, Rel. Min. Luiz Fux, j. 26.04.11), reconhecendo ademais plena liberdade ou discricionariedade judicial (STF, HC n. 94.440, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 03.05.11; RHC n. 106.719, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 01.03.11). Não obstante, há precedentes também no sentido de que considerar essas circunstâncias do delito seria proibido bis in idem (STF, HC n. 108.264, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 21.06.11; HC n. 106.313, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 15.03.11). Assim, embora repute admissível apreciar tais circunstâncias com certa dose de discricionariedade (trata-se de disposição específica), convém que além delas sejam consideradas outras peculiaridades do caso concreto, à vista das provas dos autos, para resolver sobre a aplicabilidade e a gradação dessa causa de diminuição.
Não preenchidos os requisitos legais, ante a natureza e a quantidade de entorpecente (5.755g, peso bruto da cocaína) que sugerem que a conduta da ré, contribuiu para as finalidades ilícitas de grupos criminosos, afasto a aplicação do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06, e mantendo sua pena como anteriormente fixada, em 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 666 (seiscentos e sessenta e seis) dias-multa.
A internacionalidade do delito de tráfico de drogas exsurge das circunstâncias fáticas e dos elementos coligidos, como as passagens aéreas em nome da acusada, a tentativa de envio da droga ao exterior, e de a ré ter sido presa no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP) prestes a embarcar em voo para Dar Es Salaam (Tanzânia), tudo a denotar a feição transnacional do tráfico de entorpecentes.
A causa de aumento pela transnacionalidade do delito deve elevar a pena de 1/6 (um sexto), o que resulta em 5 (cinco) anos, 8 (oito) meses e 1 (um) dia de reclusão e 565 (quinhentos e sessenta e cinco) dias-multa. O aumento da pena pela internacionalidade do crime não deve ultrapassar o mínimo legal, pois restou configurada de forma ordinária, não se evidenciando no caso dos autos circunstâncias do delito que reclamassem o recrudescimento da majorante em questão.
Sem outras atenuantes, agravantes, causas de diminuição ou de aumento, torno a pena definitiva de Khadra Mouhamed Esmael em 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 680 (seiscentos oitenta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
Quanto ao pleito subsidiário, buscando afastamento da pena pecuniária, o recurso merece ser desprovido, haja vista que tal pena decorre de imposição legal e mostrou-se aplicada de forma justificada:
Tráfico. Substituição. O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da vedação à conversão das penas privativas de liberdade em restritivas de direitos contida no § 4º do art. 33 e no art. 44 da Lei n. 11.343/06 (STF, Pleno, HC n. 97256, Rel. Min. Ayres Britto, j. 01.09.10), de modo que, nos delitos de tráfico transnacional de entorpecentes cumpre resolver sobre a substituição à luz do disposto no art. 44 do Código Penal.
Do caso dos autos. Khadra Mouhamed Esmael não preenche o requisito objetivo do art. 44 I do Código Penal, porquanto condenada a pena superior ao quantum estabelecido no mencionado dispositivo legal para obtenção do benefício pleiteado, bem como a grande potencialidade e efeitos maléficos da droga trazida pelo recorrente (cocaína) são circunstâncias suficientes a revelar que ela não cumpre também os requisitos subjetivos previstos nos artigos 59 e 44, inciso III, ambos do Código Penal, de maneira que, também por essa razão, não faz jus à pretendida substituição.
Assim, rejeito o pleito da defesa quanto à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em face da expressa vedação legal e mormente por se mostrar inadequada a medida para os fins de repressão e prevenção do ilícito praticado pelo acusado.
Tráfico. Regime inicial fechado. Admissibilidade. É possível fixar o regime inicial fechado no delito de tráfico internacional de entorpecentes, ainda que a pena seja inferior a quatro anos, desde que haja circunstâncias judiciais desfavoráveis ou fatos concretos a justificar a decisão:
Do caso dos autos. Considerando as circunstâncias do caso, bem como a pena privativa de liberdade aqui aplicada, cabível o regime inicial fechado para o cumprimento de pena, o que não impede, cumpridos os requisitos legais, que futuro pedido de verificação do tempo de cárcere para progressão a regime menos gravoso seja apreciado pelo Juízo das Execuções Penais, a quem compete o acompanhamento da execução da pena.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO aos recursos para afastar a preliminar argüida pela defesa, reduzir a pena-base e afastar a causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06, tornando a pena definitiva de Khadra Mouhamed Esmael em 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 680 (seiscentos oitenta) dias-multa dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, regime inicial fechado. No mais, fica mantida a sentença.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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