Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 05/07/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000626-13.2004.4.03.6126/SP
2004.61.26.000626-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : DECIO APOLINARIO
ADVOGADO : FILIPE SCHMIDT SARMENTO FIALDINI e outro
APELADO : ARY ZENDRON
ADVOGADO : JACQUELINE DO PRADO VALLES DE MATTOS e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00006261320044036126 6P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. ARTS. 4º E 5º, AMBOS DA LEI N. 7.492/86. TEMPESTIVIDADE APELAÇÃO. DENÚNCIA. INÉPCIA. INDIVIDUALIZAÇÃO DE CONDUTAS. ATIVIDADE INTELECTUAL. MATERIALIDADE. AUTORIA. CONCURSO FORMAL.
1. A exigência da reiteração das razões recursais após o julgamento dos embargos declaratórios desprovidos constitui excessivo formalismo. Inalterada a sentença embargada, conclui-se mantido o interesse recursal do Ministério Público Federal, o que é corroborado pelo pronunciamento do MM. Magistrado a quo à fl. 1.140.
2. Para não ser considerada inepta, a denúncia deve descrever de forma clara e suficiente a conduta delituosa, apontando as circunstâncias necessárias à configuração do delito, a materialidade delitiva e os indícios de autoria, viabilizando ao acusado o exercício da ampla defesa, propiciando-lhe o conhecimento da acusação que sobre ele recai, bem como, qual a medida de sua participação na prática criminosa, atendendo ao disposto no art. 41, do Código de Processo Penal (STF, HC n. 90.479, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 07.08.07; STF, HC n. 89.433, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 26.09.06 e STJ, 5a Turma - HC n. 55.770, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 17.11.05).
3. Em crimes cuja conduta é predominantemente intelectual, não há de se exigir minudente descrição das condições de tempo e espaço em que a ação se realizou. Por isso, é prescindível, nesses casos, a descrição individualizada da participação dos agentes envolvidos no fato.
4. Materialidade e autoria demonstradas em relação aos 2 (dois) réus.
5. A jurisprudência é no sentido de que há concurso formal, não conflito aparente de normas, entre os crimes de gestão fraudulenta e de apropriação indébita financeira (STJ, RESP n. 200301605324, Rel Min. Gilson Dipp, j. 07.10.04; TRF 3ª Região, Rel. Des. Fed. Peixoto Junior, ACR n. 1999.03.99.039158-3, j. 22.04.02; TRF 1ª Região, ACR n. 199938030012915, Rel. Des. Fed. Tourinho Neto, j. 14.12.11).
6. Rejeitadas as preliminares. Apelo do Ministério Público Federal parcialmente provido. Apelo da defesa do réu Décio Apolinário desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares, dar parcial provimento ao recurso de apelação do Ministério Público Federal e negar provimento ao recurso de apelação da defesa do réu Décio Apolinário, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 25 de junho de 2012.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000626-13.2004.4.03.6126/SP
2004.61.26.000626-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : DECIO APOLINARIO
ADVOGADO : FILIPE SCHMIDT SARMENTO FIALDINI e outro
APELADO : ARY ZENDRON
ADVOGADO : JACQUELINE DO PRADO VALLES DE MATTOS e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00006261320044036126 6P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelações criminais interpostas contra a sentença de fls. 1.030/1.058, que absolveu Ary Zendron da imputação relativa à prática dos delitos dos arts. 4º, 5º e 10, c. c. o art. 25, todos da Lei n. 7.492/86, c. c. o art. 69 do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal e condenou Décio Apolinário a 3 (três) anos de reclusão, regime inicial aberto, e 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário de 1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito do art. 5º da Lei n. 7.492/86, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária, equivalente a 10 (dez) salários mínimos, a entidade pública ou privada com destinação social, definida pelo Juízo das Execuções Penais e em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, também definida pelo Juízo das Execuções Penais.

Apela o Ministério Público Federal, em síntese, com os seguintes argumentos:

a) é também devida a condenação do réu Décio Apolinário pela prática do delito do art. 4º da Lei n. 7.492/86, na forma do art. 69 do Código Penal;
b) a pena-base do réu Décio Apolinário pela prática do delito do art. 4º da Lei n. 7.492/86 deve ser fixada acima do mínimo legal, em virtude da prática do delito do art. 5º da Lei n. 7.492/86;
c) deve ser reformado o decreto absolutório proferido em relação ao réu Ary Zendrom, para que também seja condenado pela prática dos delitos dos arts. 4º e 5º, ambos da Lei n. 7.492/86, na forma do art. 69 do Código Penal;
d) não se aplica o princípio da especialidade ou do pós-fato impunível quanto ao delito do art. 4º da Lei n. 7.492/86, ao argumento de que a "aquisição simulada dos lotes, bem como a classificação fraudulenta dos lançamentos contábeis pelos Apelados, (sic) apenas visou à ocultação do delito anterior de apropriação indébita" (fl. 1.070);
e) não há conflito aparente de normas entre os arts. 4º e 5º, ambos da Lei n. 7.492/86, mas concurso material de delitos;
f) estão comprovadas a autoria e a materialidade dos delitos dos arts. 4º e 5º, ambos da Lei n. 7.492/86;
g) o uso de recursos vinculados ao consórcio no adimplemento de contratos de mútuo, sem a efetiva restituição em montante suficiente, encontra perfeita adequação ao tipo penal do art. 5º da Lei n. 7.492/86, na modalidade de desvio em proveito alheio, assim como a contemplação de cotas de consórcios em duplicidade, que ensejou a transferência de valores à "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda.", sem a sua efetiva destinação à contemplação dos consorciados, caracteriza o desvio pelos réus de valores de que tinham a posse, em proveito alheio;
h) a lavratura de escrituras de compra e venda entre a "Apolinário Rudge Ramos Veícuos Ltda." e a "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda., tendo por objeto 370 (trezentos e setenta) lotes de terrenos situados em Tabaporã (MT), com o fim de encobrir o desvio de valores praticado, encontra adequação típica no delito de gestão fraudulenta de instituição financeira, assim como a classificação dos lançamentos contábeis em duplicidade como meros adiantamentos, "mascarando-se a necessidade de efetiva devolução dos valores" (fl. 1.074);
i) o princípio da especialidade tem aplicação diante de normas que tutelam o mesmo bem jurídico e estabelecem, entre si, uma relação de gênero e espécie;
j) não se sustenta a afirmação de que a norma penal do art. 5º da Lei n. 7.492/86 é espécie daquela do art. 4º da mesma Lei, contendo todos os elementos do delito de gestão fraudulenta de instituição financeira, pois se referem a tipos penais materialmente distintos, destinados à proteção de bens jurídicos diversos, a primeira resguarda o patrimônio dos investidores, enquanto a segunda tem por objeto o funcionamento do Sistema Financeiro Nacional;
k) não se aplica o princípio da consunção, uma vez que as normas infringidas não têm um mesmo fim prático, tampouco uma conduta criminosa foi meio necessário ou fase de preparação para a outra, ambas as condutas são autonômas;
l) a autoria encontra-se suficientemente demonstrada em relação ao réu Ary Zendron, tendo em vista sua inclusão nos contratos sociais da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda" e da " Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda.", na condição de gestor, no período dos fatos (fls. 120 do Inquérito Policial n. 2001.61.81.005838-2 e fls. 254/259 e 277/294), bem como a aposição de sua assinatura nos contratos de mútuo, aditamentos e declarações ao Banco Cacique e ao BicBanco, como representante da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." (fls. 219/246 e 371/376);
m) não é válido o argumento de que o réu Ary Zendron somente participou efetivamente da empresa até o ano de 1997 ou 1998, uma vez que os documentos de fls. 231/246 e 376 remontam ao ano de 1999 e muitos dos fatos declinados na inicial acusatória, como a celebração dos contratos de mútuo, a transferência ao Banco Cacique e ao BicBanco de recursos de consorciados aplicados em CDBs e a celebração de contratos de compra e venda de lotes de terrenos ocorreram no ano de 1999 ou em período anterior;
n) a reduzida participação de Ary Zendron no capital social da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." não elide sua responsabilidade criminal pela prática dos delitos dos arts. 4º e 5º, ambos da Lei n. 7.492/86;
o) é devida a majoração da pena-base fixada para o réu Décio Apolinário pela prática do delito do art. 5º da Lei n. 7.492/86, justificada pela existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, como o elevado montante de recursos financeiros desviados em prejuízo de diversos consorciados e os artifícios fraudulentos utilizados (fls. 1.062 e 1.065/1.083).

A defesa do réu Décio Apolinário e a do réu Ary Zendron apresentaram contrarrazões (fls. 1.087/1.101 e 1.156/1.162).

Apela o réu Décio Apolinário, em síntese, com as seguintes alegações:

a) o recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal é intempestivo, uma vez que não foi ratificado, após o julgamento dos embargos de declaração opostos contra a sentença;
b) os embargos de declaração provocam a interrupção do prazo para interposição de outros recursos, acarretando a desconsideração do prazo transcorrido precedentemente, portanto a interposição prematura de recurso, antes que a decisão embargada seja integrada pelo julgamento dos embargos e se torne, com isso, definitiva, ocasiona intempestividade quando não se seguir a tempestiva ratificação;
c) é nulo o processo por inépcia da denúncia, devida à ausência de individualização da conduta imputada aos réus, o que impossibilita a ampla defesa e o contraditório e contraria o art. 41 do Código de Processo Penal, bem como os arts. 13, 18, 19, 20, 26 e 29, todos do Código Penal;
d) a denúncia é inepta também pelo fato de omitir circunstâncias essenciais dos diversos fatos imputados, não constando a especificação do grupo de consorciados, da conta vinculada dos consorciados, dos contratos de mútuo, dos contratos de compra e venda simulada, da contemplação das cotas de consórcio em duplicidade, ou da reclassificação contábil a que se refere;
e) devem ser excluídas dos autos as provas produzidas mediante a quebra do sigilo bancário, sem autorização judicial, nos termos do art. 5º, LVI, da Constituição Federal;
f) não houve apropriação de recursos de consorciados, depositados no Banco Cacique e no BicBanco, uma vez que os recursos utilizados pertenciam a grupos antigos e encerrados de consorciados (cfr. cópias do livro razão da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda."), o que foi reconhecido em inspeção realizada no Banco Central (cfr. fl. 190 dos autos anexos ao Inquérito Policial n. 2001.61.81.005838-2) e nas declarações prestadas por René Teófilo Watchow (fl. 540);
g) os recursos restantes de grupos de consorciados encerrados são transferidos à administradora, nos termos do art. 22, I, da Circular n. 2.766/97 do Banco Central, que passa a ter a propriedade de tais valores e a livre disponibilidade deles;
h) o réu Décio Apolinário deve ser absolvido, em decorrência da inexistência de apropriação de recursos de consorciados, com fundamento no art. 386, I, do Código de Processo Penal;
i) competia ao Ministério Público Federal demonstrar que os recursos a que alude a denúncia pertenciam a grupos ativos de consorciados, em conformidade com o disposto no art. 156 do Código de Processo Penal e, na falta dessa comprovação, é devida a absolvição do réu Décio Apolinário por falta de provas, com fundamento no art. 386, VI, do Código de Processo Penal; caso a Turma Julgadora entenda diversamente, requer especifique a documentação dos autos que comprova a propriedade alheia dos recursos referidos na denúncia, ou se manifeste expressamente sobre a indevida inversão do ônus da prova;
j) não houve fraude na compra e venda dos 370 (trezentos e setenta) lotes de terrenos mencionados na denúncia, tendo em vista que o réu dispôs de patrimônio próprio para cobrir o passivo da empresa administradora de consórcios, sendo devida sua absolvição, com fundamento no art. 386, I, do Código de Processo Penal; considerada fraudulenta a compra e venda dos terrenos, o fato de ter sido realizada sob a orientação de René Teófilo Watchow, funcionário aposentado do Banco Central, profissional de confiança, autoriza a absolvição do réu, com fundamento no art. 386, IV, do Código de Processo Penal;
k) houve a inserção, na sentença, de acusação não formulada na denúncia, atinente ao "pagamento de contemplações de consorciados em dobro como forma de empréstimo a empresa coligada" (fl. 1.195), sem observância às regras do art. 384 do Código de Processo Penal e sem que houvesse nos autos comprovação de sorteio ou lance, que demonstrasse a contemplação das cotas, a teor do art. 7º do anexo da Circular n. 2.766/97 do Banco Central;
l) é exagerada a fixação da pena-base do réu Décio Apolinário em 1/2 (metade) acima do mínimo legal, uma vez que a lesão patrimonial é inerente aos crimes contra o patrimônio e fundamenta a incriminação;
m) inexiste comprovação do prejuízo causado aos consorciados, tendo os terrenos alienados valor superior ao desviado, de acordo com o Laudo Técnico de Avaliação às fls. 824/909;
n) a sentença não considerou a primariedade do réu Décio Apolinário, que não apresenta antecedentes criminais, na dosimetria de suas penas;
o) não podem prevalecer os valores fixados na sentença para o dia-multa e para a pena alternativa de prestação pecuniária, desamparados de fatos que comprovem a capacidade econômica do réu, tendo a defesa demonstrado a situação de penúria econômica do réu (cfr. fl. 568) (fls. 1.119/1.125 e 1.172/1.205).

O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões (fls. 1.209/1.216).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Osvaldo Capelari Junior, manifestou-se pelo parcial provimento do recurso da acusação e pelo desprovimento do recurso da defesa (fls. 1.218/1.232).

Os autos foram encaminhados à revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 30/05/2012 17:40:05



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000626-13.2004.4.03.6126/SP
2004.61.26.000626-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : DECIO APOLINARIO
ADVOGADO : FILIPE SCHMIDT SARMENTO FIALDINI e outro
APELADO : ARY ZENDRON
ADVOGADO : JACQUELINE DO PRADO VALLES DE MATTOS e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00006261320044036126 6P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Imputação. Décio Apolinário e Ary Zendron foram denunciados como incursos nas penas dos arts. 4º, 5º e 10, c. c. o art. 25, todos da Lei n. 7.492/86, na forma do art. 69 do Código Penal:

1. Em 31/07/1999 e 30/11/1999, na condição de responsáveis pela administração e gerência da empresa "UNIÃO EMPREENDIMENTOS E ADMINISTRAÇÃO S/C LTDA" - administradora de consórcios e, portanto, equiparada a instituição financeira nos termos do artigo 1.°, inciso II, da Lei n.o 7.492, de 16/06/1986 - efetuaram transferências de recursos originários da conta vinculada dos consorciados ao BANCO CACIQUE S/ A e ao BICBANCO, que estavam aplicados em CDB's nas referidas instituições financeiras.
2. As transferências em questão - nos valores de R$ 1.611.000,00 e R$ 292.000,00 ao BICBANCO, e de R$ 359.100,00 ao BANCO CACIQUE S/A - foram realizadas para liquidação de contratos de mútuo celebrados entre as mencionadas instituições financeiras e a "APOLINÁRlO RUDGE RAMOS VEÍCULOS LTDA" , empresa ligada à "UNIÃO EMPREENDIMENTOS E ADMINISTRAÇÃO S/C LTDA" e cuja administração e gerência também estavam a cargo dos ora denunciados. 3. De modo a mascarar a apropriação dos recursos dos consorciados, foi elaborada escritura de compra e venda tendo por objeto 370 (trezentos e setenta) lotes de terrenos localizados em Tabapuã/MS, figurando como vendedora a empresa "APOLINÁRIO RUDGE RAMOS VEÍCULOS LTDA" e como compradora a "UNIÃO EMPREENDIMENTOS E ADMINISTRAÇÃO S/C LTDA.
4. As operações indicadas nos itens 1 a 3 encontram-se documentadas a fls. 8/13 - extratos do Banco Cacique) Razão - Conta: Terrenos, Razão - Conta BICBANCO e Razão - Conta: BANCO CACIQUE.
5. Não bastasse as transferências acima descritas, os Denunciados DÉCIO APOLINÁRIO e ARY ZENDRON também promoveram contemplação de cotas de consórcios em duplicidade), conforme demonstram os quadros de fls. 05/06.
6. Os valores indicados no QUADRO I (fls. 05), os quais importaram em transferências sem efetivas contemplações, foram reclassificados contabilmente como "adiantamentos", ao contrário de serem restituídos à "UNIÃO EMPREEDIMENTOS E ADMINISTRAÇÃO S/C LTDA".
7. As transferências indicadas no item 5 encontram-se documentadas a fls. 14/43 e fls. 44/101 - as quais se referem, respectivamente a: recibos e notas fiscais de emissão da "APOLINÁRIO RUDGE RAMOS VEÍCULOS LTDA", e solicitações para emissão de cheques, expedidas pela "UNIÃO EMPREENDIMENTOS E ADMINISTRAÇÃO S/C LTDA" (QUADRO I); solicitações para emissão de cheques, fichas de posição de consorciados, recibos de saldo de cartas de crédito, comprovantes de depósito em contas-correntes dos consorciados, recibos de pagamentos de cartas de crédito, notas fiscais emitidas pelas empresas "Pavasi Veículos, Peças e Serviços Ltda", "Rimasy Distribuidora de Veículos, Serviços e Peças Ltda" e "Anchieta Distribuidora de Veículos, Serviços e Peças Ltda", bem como comprovantes de depósitos em contas-correntes dos das (sic) aludidas empresas.
8. Os ora denunciados, tendo praticado as condutas acima descritas, incorreram nos tipos previstos nos artigos 4º caput, 5º e lO, c.c. artigo 25 da Lei 7.492/86 - ou seja: gestão fraudulenta, por empréstimo, antecipação de valores e simulação de compra e venda à empresa insolvente; apropriação indébita, devido à conduta de oferecer como garantias nos contratos de mútuo recursos da conta vincula dos consorciados; inserção de elementos falsos ou omissão na escrituração, seja em relação à operação descrita nos itens 01 a 03, seja quanto à contemplação em duplicidade (provas extraídas do Inquérito do BACEN); e empréstimo sob a rubrica de "antecipação".
9. Ante o exposto o MINISTÉRlO PÚBLICO FEDERAL denuncia DÉCIO APOLINÁRlO e ARY ZENDRON pela prática do crime previsto nos artigos 4º, 5º por duas vezes e 10 , c.c.. artigo 25 da Lei n.o 7.492/86 e artigo 69 do Código Penal, requerendo que, recebida e autuada esta, seja instaurado o competente processo penal, citando-os para o interrogatório e prosseguindo-se o feito até final sentença e condenação, ouvindo-se no decorrer da instrução penal as testemunhas abaixo arroladas (destaques originais, fls. 02/06).

Do processo. Os autos do Inquérito Policial n. 2001.61.81.005838-2 (DPF n. 12-0164/05) tramitaram no Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de São Paulo (SP), sendo redistribuídos para o Juízo Federal da 6ª Vara Criminal de São Paulo (SP), por conexão, encontrando-se apensados aos presentes autos (fls. 313 e 317 do apenso e fls. 788/789).

O réu Décio Apolinário teve impetrado, em seu favor, o Habeas Corpus n. 2005.03.00.101508-0, de minha Relatoria, para o trancamento da presente ação penal, por inépcia da denúncia, que teria omitido circunstâncias essenciais dos fatos imputados e deixado de individualizar a conduta dos réus (fls. 432/451 e 459/476), sendo denegada a ordem, à unanimidade, pela 5ª Turma desta Corte Regional (fl. 502).

Em alegações finais, o Ministério Público Federal sustentou que o delito do art. 10 da Lei n. 7.492/86 deveria ser absorvido pelo do art. 4º da mesma Lei, por entender que as condutas que o caracterizaram constituíram meio para a prática da gestão fraudulenta (fl. 965). Subsistiu, portanto, a imputação das condutas tipificadas nos arts. 4º e 5º, ambos da Lei n. 7.492/86.

Tempestividade. Sustenta a defesa do réu Décio Apolinário que o recurso de apelação da acusação é intempestivo, tendo em vista a inexistência de ratificação das razões recursais apresentadas em momento anterior à oposição de embargos declaratórios, com a publicação da respectiva decisão. Argumenta, ainda, que a decisão dos embargos integra a sentença recorrida e que apenas após a sua publicação é que se inicia o prazo para interposição de apelação.

Sua irresignação não merece prosperar.

A sentença foi publicada em Secretaria em 29.08.08 e dela tomou ciência o Ministério Público Federal em 08.09.08, quando interpôs recurso de apelação (fl. 1.062). O apelo da acusação foi recebido em 09.09.08 (fl. 1.063) e, em 30.09.08, as razões recursais foram oferecidas (fls. 1.065/1.083). Sobrevieram embargos de declaração em 21.10.08 (fls. 1.102/1.107) e, em 13.01.09, foi proferida e publicada em Secretaria decisão de desprovimento (fl. 1.109). O Ministério Público Federal tomou ciência da decisão dos embargos em 11.02.09 (fl. 1.112). Recebidos os autos, o MM. Magistrado a quo determinou o cumprimento integral da sentença e do despacho de fl. 1.063, pelo qual recebeu a apelação do Parquet (fl. 1.113). Na sequência, arguida a intempestividade do recurso da acusação pela defesa do réu Décio Apolinário, em razão da falta de ratificação das razões de apelação, após o julgamento dos embargos declaratórios (fls. 1.119/1.125), o MM. Magistrado a quo manteve a decisão de fl. 1.063, por seus próprios fundamentos (fl. 1.140).

A exigência da reiteração das razões recursais após o julgamento dos embargos declaratórios desprovidos constitui excessivo formalismo. Inalterada a sentença embargada, conclui-se mantido o interesse recursal do Ministério Público Federal, o que é corroborado pelo pronunciamento do MM. Magistrado a quo à fl. 1.140.

Denúncia. Inépcia. Para não ser considerada inepta, a denúncia deve descrever de forma clara e suficiente a conduta delituosa, apontando as circunstâncias necessárias à configuração do delito, a materialidade delitiva e os indícios de autoria, viabilizando ao acusado o exercício da ampla defesa, propiciando-lhe o conhecimento da acusação que sobre ele recai, bem como, qual a medida de sua participação na prática criminosa, atendendo ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal:


AÇÃO PENAL. Denúncia. Aptidão formal. Reconhecimento. Apropriação indébita previdenciária. Descrição dos fatos que atende ao disposto no art. 41 do CPP.
(...).
Não é inepta a denúncia que descreve os fatos delituosos e lhes aponta os autores.
(STF, HC n. 90.749, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 07.08.07)
HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA . INOCORRÊNCIA. PEDIDO INDEFERIDO.
A denúncia descreve os fatos imputados à paciente e aponta o fato típico criminal, atendendo ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal. Conduta suficientemente delineada e apta a proporcionar o exercício da defesa.
Habeas corpus indeferido.
(STF, HC n. 89.433, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 26.09.06)
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES FALIMENTARES. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. DENÚNCIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO ESTATUTO PROCESSUAL. CRIME SOCIETÁRIO. DESNECESSIDADE DE DESCRIÇÃO MINUCIOSA DA CONDUTA DE CADA DENUNCIADO. ORDEM DENEGADA.
(...).
2. Não há falar em inépcia da denúncia se a peça acusatória satisfaz todos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, sendo mister a elucidação dos fatos em tese delituosos descritos na peça inaugural à luz do contraditório e da ampla defesa, durante o regular curso da instrução criminal.
(...)
4. Ordem denegada.
(STJ, 5a Turma - HC n. 55.770, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 17.11.05)

Denúncia. Individualização de condutas. Atividade intelectual. Prescindibilidade. Em crimes cuja conduta é predominantemente intelectual, não há de se exigir minudente descrição das condições de tempo e espaço em que a ação se realizou. Por isso, é prescindível, nesses casos, a descrição individualizada da participação dos agentes envolvidos no fato:


EMENTA: PROCESUSAL PENAL (...) HABEAS CORPUS.
1. Denúncia inépcia .
Não é inepta a denúncia que, embora sintética, permite o exercício de ampla defesa. A descrição da co-autoria, sem particularizar a atuação dos acusados, é possível quando a natureza do crime e suas circunstâncias não permitem a individualização dos atos de cada um (...).
(STJ, 5a Turma - RHC n. 3.560-9-PB, Rel. Min. Assis Toledo, unânime, j. 18.04.94, DJ 09.05.94, p. 10.885)

Do caso dos autos. A defesa do réu Décio Apolinário alega inépcia da denúncia ao argumento de que não teria individualizado sua participação na conduta delitiva, tampouco descrito circunstâncias essenciais dos fatos imputados.

A alegação não procede.

A denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal às fls. 2/6 preenche os requisitos formais do art. 41 do Código de Processo Penal. O fato criminoso e suas circunstâncias estão expostos com clareza, possibilitando o adequado exercício de defesa pelos réus.

Como visto e é característico dos crimes societários, não sendo exigida a narrativa pormenorizada da conduta de cada agente, fazendo referência aos elementos essenciais do delito, a denúncia possibilitou aos réus o exercício do direito de defesa de maneira adequada, não ocasionando nenhum prejuízo ao contraditório.

Por conseguinte, rejeito a preliminar de inépcia da denúncia.

Sigilo bancário. Pleiteia o apelante Décio Apolinário a exclusão dos autos das provas produzidas mediante a quebra do sigilo bancário, sem autorização judicial, nos termos do art. 5º, LVI, da Constituição Federal.

Na sentença, o MM. Magistrado a quo entendeu o seguinte:


No que diz respeito à indevida quebra de sigilo bancário também não tem razão a defesa. Os documentos que comprovam os delitos foram fornecidos, inicialmente, pela própria empresa aos servidores do BACEN que a auditavam, conforme se verifica da representação enviada ao Ministério Público Federal (fls. 9 a 13). A solicitação do Ministério Público Federal é de junho de 2003 (138 e 139) sendo certo que muito antes desta data as informações acerca dos contratos de mútuo já eram conhecidas (fl. 09) (fl. 1.040)

Não assiste razão à defesa.

Com efeito, a notícia dos crimes foi elaborada em 04.12.02, com respaldo nos documentos fornecidos pela própria "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." ao liquidante Valder Viana de Carvalho (fls. 9/13) e, portanto, em data anterior à requisição ministerial ao BicBanco e ao Banco Cacique, de 05.06.03 (fls. 135/136), quando as informações sobre o desvio das aplicações em CDBs, mantidas nessas instituições, pela mencionada empresa, já eram conhecidas (fl. 10).

Materialidade. A materialidade dos delitos dos arts. 4º e 5º, ambos da Lei n. 7.492/86 exsurge do conjunto probatório destes autos, dos autos do Inquérito Policial n. 12-0164-05 apensado e da Representação Criminal n. 1.34.013.000049/2002-50, nestes autos encartada, conforme demonstram os documentos a seguir:

a) Decisão DECIF/GTSPA-2001/079 no Processo Administrativo n. 0001020725, proferida pelo BACEN, determinando aplicação de multa a "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." em razão das irregularidades constatadas (fls. 184/191 do Inquérito Policial n. 12-0164-05 apensado);
b) a notícia dos crimes praticados, encaminhada à Procuradoria da República e elaborada por Valder Viana de Carvalho, liquidante da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." (fls. 275/279 do Inquérito Policial n. 12-0164-05 apensado e fls. 9/13);
c) extratos emitidos pelo Banco Cacique, de 02.12.99 e 04.11.99, em que constam as transferências de recursos pela "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.", nos valores de R$ 359.100,00 (trezentos e cinquenta e nove mil e cem reais) e de R$ 292.000,00 (duzentos e noventa e dois mil reais) (fls. 15 e 16);
d) escrituração contábil dos valores mantidos pela "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." no Banco Cacique, no montante acima mencionado, e no BicBanco, equivalentes a R$ 1.611.000,00 (um milhão e seiscentos e onze mil reais), constando o lançamento da compra dos terrenos referidos na denúncia (fls. 17/20);
e) cheques n. 2422, 2425, 2424, 2423, 2420, 2421, 2426 e 1969, todos emitidos em 12.01.01 e, o último deles, em 15.05.00, pela "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.", destinados a "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda.", no valor total de R$ 171.009,34 (cento e setenta e um mil e nove reais e trinta e quatro centavos), para pagamento, em tese, de cotas de consórcio contempladas dos grupos n. 339/053, 341/062, 341/084, 342/072, 343/066, 350/013, 341/076, 342/039, respectivamente, reclassificados contabilmente como adiantamentos, para descaracterizar duplicidade de pagamento, sem a devolução dos valores transferidos para a coligada "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda." (fls. 21/50);
f) cheques n. 2665, 2671 e 2667 (emitidos em 27.04.01), 2549 e 2555 (emitidos em 21.02.01), 2612 (emitido em 26.03.01), 2722 (emitido em 22.05.01), 2530 (emitido em 14.02.01) e 1958 (emitido em 04.05.00), da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.", no valor total de R$ 171.007,87 (cento e setenta e um mil e sete reais e oitenta e sete centavos), para efetivo pagamento das cotas de consórcio contempladas dos grupos n. 339/053, 339/053, 343/066, 341/062, 341/084, 342/072, 350/013, 341/076, 342/039, respectivamente, comprovado por intermédio das notas fiscais dos fornecedores de veículos, extratos dos pagamentos das parcelas de consórcio, recibos e comprovantes de depósito bancários em conta dos consorciados (fls. 51/108);
g) manifestação do Banco Cacique quanto às declarações prestadas pelos réus Décio Apolinário e Ary Zendron, segundo a qual "não houve por parte desta Instituição Financeira, a mencionada apropriação de quantias da conta de grupos antigos da Administradora para quitação dos débitos da coligada", esclarecendo que "a empresa APOLINÁRIO RUDGE RAMOS VEÍCULOS LTDA, inscrita no CNPJ/MF sob o nº. 59.166.705/0001-10, antes denominada AVEL APOLINÁRIO RUDGE RAMOS VEÍCULOS LTDA, foi cliente deste Banco, à qual concedemos empréstimos mediante a celebração de contratos de mútuo, com garantia de avais, em sua maioria, dos declarantes, além de caução de títulos de crédito - CDB's (Certificados de Depósitos Bancários), de propriedade da UNIÃO EMPREENDIMENTOS E ADMINISTRAÇÃO LTDA, adquiridos com seus recursos próprios, conforme declarações recebidas e em nosso poder, subscritas pelos próprios declarantes" e, ainda, que "face ao inadimplemento da APOLINÁRIO RUDGE RAMOS VEÍCULOS LTDA dos contratos de mútuos (sic) vencidos em 21.09.1999 e 11.11.1999, este Banco, nos termos previsto nos Instrumentos de Caução dos CDB's, utilizou parte dos seus produtos na liquidação dos empréstimos, sendo certo que os valores remanescentes foram liberados a favor da UNIÃO EMPREENDIMENTOS E ADMINISTRAÇÃO LTDA" (grifos originais, fls. 138/139);
h) contratos de mútuo, firmados entre o Banco Cacique S/A e a "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda." (ou "Avel Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda."), com vencimento entre janeiro de 1998 e novembro de 1999, constituídos, como garantia, certificados de depósito bancário emitidos pelo mesmo banco, em nome da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." (fls. 188/196, 197, 198/206, 207/210, 211/214, 215/218, 219/222, 223/226, 227/230, 231/234, 235/238, 239/242 e 243/246), acompanhados de declarações autenticadas desta da utilização de recursos próprios nas referidas aplicações (fls. 195, 205, 210, 213, 218, 221, 225, 229, 233, 237 e 245);
i) manifestação do BicBanco quanto às declarações prestadas pelos réus Décio Apolinário e Ary Zendron, segundo a qual "não há o que se falar em apropriação em razão de que a mesma foi devidamente formalizada e os próprios declarantes emitiram correspondência (anexa) declarando que os CDB's dados em garantia da operação de Mútuo, 'não faziam parte de reserva técnica dos grupos de consórcio'" (fl. 371);
j) contrato de mútuo firmado entre o BicBanco e a "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda.", com vencimento em 10.05.99, no valor de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), constituído, como garantia, certificado de depósito bancário emitido pelo mesmo banco, em nome da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.", no mesmo valor, acompanhado de declaração autenticada desta de que "os recursos aplicados em CDB junto a V. Sas. não fazem parte da reserva técnica dos grupos ativos de consorciados" (fl. 376) (fls. 372/376);
k) cópias das escrituras de compra e venda do 1º Ofício Registral de Porto dos Gaúchos (MT), em que é vendedora a "Apolinário Empreendimentos Imobiliários Ltda.", representada pelo réu Décio Apolinário e, compradora, a "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.", representada por Isaías Apolinário e Ary Zendron, de 266 (duzentos e sessenta e seis) lotes do loteamento urbano "Cidade Tabaporã", pelo valor de R$ 1.611.000,00 (um milhão e seiscentos e onze mil reais) (fls. 590/613 e 837/860) e de 104 (cento e quatro) lotes do mesmo loteamento, pelo valor de R$ 651.100,00 (seiscentos e cinquenta e um mil e cem reais) (fls. 614/624 e 861/871), acompanhadas de cópias de certidão das respectivas matrículas (fls. 625/627 e 872/874).

A Decisão DECIF/GTSPA-2001/079 no Processo Administrativo n. 0001020725, proferida pelo BACEN, em resultado da fiscalização havida na "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.", refere, entre outras irregularidades, os fatos descritos na denúncia:


A UNIÃO EMPREENDIMENTOS E ADMINISTRAÇÃO S/C LTDA. (...) foi regularmente intimada (...) a apresentar defesa, em face das irregularidades a seguir especificadas:
a. uso indevido de recursos dos grupos a título de adiantamentos a terceiros.
Capitulação: artigo 47 do Regulamento Anexo à Circular n.º 2.196/92;
b. desvio de recursos de grupos de consórcios.
Capitulação: artigo 46 do Regulamento Anexo à Circular n.º 2.196/92 e artigo 4º do Regulamento Anexo à Circular n.º 2.766/97;
c. atribuição de contemplações a cotas não habilitadas para tal.
Capitulação: artigo 37 do Regulamento Anexo à Circular n.º 2.196/92;
d. pagamento de contemplação em valor superior ao valor do crédito de direito do consorciado.
Capitulação: artigo 8º § 1º do Regulamento Anexo à Circular n.º 2.196/92;
e. saque de taxa de administração a maior.
Capitulação: COSIF 1.26.1.2 e artigo 8º § 2º da Circular n.º 2.381/93, combinado com o artigo 47 da Circular 2.196/92 e com o artigo 11 do Regulamento Anexo à Circular n.º 2.766/97;
f. transferências indevidas de recursos entre cotas de grupos ativos distintos, violando a individualidade patrimonial dos grupos de consórcio.
Capitulação: Parágrafo 3º do artigo 3º do Regulamento Anexo à Circular n.º 2.196/92 e Parágrafos 5º e 6º do artigo 1º do Regulamento Anexo à Circular n.º 2.766/97.
2. A intimada apresentou defesa, de forma regular e tempestiva, alegando, em síntese, que:
a. as irregularidades descritas representam atos e conseqüências (sic) de decisões tomadas por prepostos da empresa, sendo que seus sócios proprietários, ao tomarem conhecimento das irregularidades, tomaram as medidas necessárias, ou seja, o desligamento dos responsáveis e a preservação dos direitos dos consorciados;
(...)
3. É importante consignar, de início, que esta Autarquia, por intermédio do Ato-Presi 934, de 02.08.2001, decretou a liquidação extrajudicial da UNIÃO EMPREENDIMENTOS E ADMINISTRAÇÃO S/C LTDA., tendo em vista o comprometimento de sua situação econômico-financeira e a incapacidade de honrar compromissos assumidos.
(...)
6. Com relação à irregularidade 'a', a documentação constante dos autos comprova que, de fato, a administradora efetuou, nas datas de 29.01.1999 e 26.02.1999, transferências de recursos de grupos de consórcio constituídos e regidos nos termos da Circular n.º 2.196/92, em favor da empresa ligada Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda., a título de adiantamentos a vários fornecedores.
7. Note-se que os bens objeto dos contratos não foram fornecidos pela Apolinário Rudge Ramos, e sim por outras revendedoras de veículos, o que configura desrespeito ao artigo 47 do Regulamento anexo à Circular n.º 2.196/92, atual artigo 11 do Regulamento anexo à Circular n.º 2.766/97, ao determinar que os recursos de um grupo de consórcio somente podem ser utilizados em favor de quem efetivamente forneceu o bem, devendo tal fato ser comprovado mediante especificação de número e data da nota fiscal de venda do produto objeto do consórcio.
8. A defendente argumenta que os recursos foram devidamente devolvidos. Este fato, isoladamente, não descaracteriza a irregularidade, pois aqui a imputação refere-se à utilização de recursos dos grupos de consórcio de forma indevida, por empresa que não forneceu os bens. Neste caso, a mera conduta praticada pela administradora, proporcionando o adiantamento irregular, já basta para configurar o ilícito. Vale acrescentar que os documentos apresentados pela defesa representam simples comunicações internas, com objetivo de solicitar a emissão de cheques nominais em favor da União Empreendimentos e Adm. S/C Ltda. Tal documentação não possui valor probante, visto que somente contém a assinatura do representante da empresa administradora de consórcio. Seus termos não representam uma verdadeira manifestação de vontade da revendedora Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda. em devolver os recursos recebidos indevidamente.
9. Quanto à irregularidade 'b', a indiciada efetuou transferências de recursos de grupos, no montante de R$ 397.456,55, a título de adiantamentos de recursos a terceiros, à empresa ligada Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda. Como apontado no ilícito anterior, os bens também não foram fornecidos pela beneficiária dos adiantamentos. Aqui, entretanto, pode-se identificar claramente a duplicidade de desembolso da administradora dos grupos de consórcio, realizada no intuito de desviar recursos para a empresa ligada.
10. A defesa sustenta que foi devolvido, em 21.06.1999, um total de R$ 248.540,24, correspondente a 16 (dezesseis) cotas. Tal afirmação, contudo, carece de fundamento. O documento apresentado pela indiciada (fls. 280) não representa elemento de prova convincente (...)
11. A documentação apresentada nos autos demonstra que os adiantamentos ainda estavam em poder da revendedora Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda. em dezembro de 1999, data posterior a da entrega dos bens por outras concessionárias de veículos. Tais entregas foram realizadas no período de 13.07 a 13.12.99, conforme demonstrativos e notas fiscais de venda anexados aos autos. Vê-se claramente a negligência da beneficiária do adiantamento ao não efetuar a devolução de toda a importância recebida quando do efetivo faturamento dos bens, pagos com os recursos dos grupos, pelas demais empresas fornecedoras.
12. Dessa forma, através da emissão de cheques distintos, caracterizou-se o duplo desembolso: o primeiro cheque à empresa ligada, à título de adiantamento, e o segundo, em data posterior, em favor das empresas que venderam os bens aos consorciados. Esta prática repete-se em todos os grupos e cotas especificados nos autos, configurando de forma plena o desvio de recursos, em desrespeito a critérios básicos de aplicação de recursos de um grupo de consórcio, consolidados no artigo 46 do Regulamento Anexo à Circular 2.196/92 e no artigo 4º do Regulamento anexo à Circular n.º 2.766/97.
(...)
30. Assim, tendo restado caracterizadas todas as irregularidades apontadas na intimação DECIDO pela manutenção da pena de multa, no valor de R$ 33.692,79, aplicada à UNIÃO EMPREENDIMENTOS E ADMINISTRAÇÃO S/C LTDA (...) (destaques originais, fls. 184 /187 e 190/191 do Inquérito Policial n. 12-0164/05 apenso).

Restou comprovado que a "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda." utilizou aplicações da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." no Banco Cacique e no Bic Banco para quitação dos contratos de mútuo contraídos nas referidas instituições e que, em lugar dessas aplicações, foram escriturados na contabilidade desta 370 (trezentos e setenta) terrenos da coligada "Apolinário Empreendimentos Imobiliários Ltda.", de modo a caracterizar a devolução formal dos recursos. Registre-se que a devolução efetiva dos recursos não foi comprovada nos autos.

Além disso, foi também demonstrada a existência de repasses de valores da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." à "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda.", a título de adiantamentos para futuras contemplações, em relação aos quais não houve entrega efetiva do bem ao consorciado, nem devolução do montante transferido, nem compensação com a concessionária fornecedora do bem.

Autoria. A autoria dos delitos dos arts. 4º e 5º, ambos da Lei n. 7.492/86 é, da mesma forma, inconteste.

Em Juízo, o réu Décio Apolinário admitiu sua responsabilidade pela administração da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.", ao tempo dos fatos e afirmou que os recursos por ela utilizados, como garantia dos contratos de mútuo da "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda" com os bancos Cacique e BicBanco eram originários de contas de grupos antigos de consorciados, já liquidados ou encerrados. Quanto à contemplação em duplicidade de cotas de consórcio, informou que se devia ao fato de o processo comumente ter de ser reiniciado por motivo de cancelamento. Adicionou que o réu Ary tinha conhecimento das decisões da sociedade:


A transferência de recursos para pagamento de contratos de mútuo partiu de contas de grupos antigos de consorciados, grupos já liquidados, ou encerrados. Que, esses recursos na verdade eram compostos por pendências de consorciados. Que, existiam vários grupos, pois a administradora entregava cerca de 60 a 70 veículos por mês, o que gerava um recurso ainda maior. Em relação as (sic) contemplações de cotas em duplicidade o interrogando afirma que é bastante comum as vendas serem canceladas, e (sic) em razão disso o processo de contemplação ser reiniciado. Que, haviam administradores contratados, responsáveis por toda essa sistemática. Que, havia um gerente administrativo subordinado ao Diretor Financeiro, responsáveis (sic) por toda a administração, inclusive em relação aos contratados. Que, o interrogando, na União Administradora, ditava as normas gerais e delegava as atribuições aos seus subordinados (...) Que, o Consorcio nasceu pelo acusado Ary Zendron, que sempre foi muito ativo e sempre teve conhecimento das decisões na sociedade. Que, o acusado Ary tinha pleno conhecimento das normas administrativas que regulamentavam o consorcio (sic), tendo sido membro da ABAC (Associação Brasileira de Consórcios) (...) (fls. 334/335)

Na Polícia, o réu Décio Apolinário expôs a sua participação no grupo empresarial. Confirmou a realização de adiantamentos da administradora de consórcios para a revendedora de veículos e relatou a ocorrência de compensação entre as concessionárias de automóveis, quando o veículo não era faturado na "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda":


Participa do quadro social da empresa UNIÃO EMPREENDIMENTOS E ADMINISTRAÇÃO S/C LTDA. desde aproximadamente o ano de 1990, não se lembrando o percentual de cotas que detém, 'mas é bastante porque saíram os outros sócios' (...) QUE também participa da empresa 'holding' SANTO ANDRÉ PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS S/C LTDA., detendo atualmente a parte majoritária da empresa em razão do falecimento do pai; QUE esta 'holding' detinha a maioria das cotas ou participação em várias outras empresas: AVEL - Apolinário Veículos S/A, AVEL Apolinário Santo André Veículos S/A, AVEL - Veículos Pesados Ltda., APOLINÁRIO RUDGE RAMOS Veículos Ltda., da qual o Declarante era detentor da maioria das cotas e administrador efetivo desde o ano de 1990, ACS APOLINÁRIO Corretagem de Seguros, MOTOSHOW Veículos Ltda e duas fazendas que participaram do Projeto SUDAM; QUE exercia juntamente com o pai e ARI ZENDRON o comando administrativo da empresa UNIÃO EMPREENDIMENTOS desde por volta de 1993 ou 1994 (...) QUE ARI ZENDRON participou da administração da empresa UNIÃO até a decretação da liquidação pelo BANCO CENTRAL; QUE indagado a respeito das atividades de ARI, respondeu que 'ele administrava junto', sendo que havia empregados contratados, tal como um Diretor Financeiro, 'técnicos no assunto'; QUE o Diretor Financeiro a quem se reporta é o Sr. MANOEL ALCINDO DE JESUS VIDEIRA (...) QUE o pai do Declarante já estava afastado da administração da empresa UNIÃO em razão da idade, além do que, 'nunca foi muito ligado ao consórcio', restringindo-se a administração nas pessoas do Declarante e de ARI ZENDRON; QUE a mãe do Declarante, FRIEDA MARTA ROSA APOLINÁRIO embora figurasse em algumas empresas, não participava de fato da administração de qualquer empresa; QUE a irmã do Declarante, DENISE APOLINÁRIO, efetivamente participou da administração também da empresa UNIÃO (...) QUE DENISE permaneceu na administração da empresa UNIÃO até o ano de 1995 ou 1996, quando ocorreu uma cisão, ficando ela com as empresas AVEL APOLINÁRIO VEÍCULOS S/A e AVEL APOLINÁRIO VEÍCULOS PESADOS LTDA.; QUE a respeito das irregularidades apontadas pelo BANCO CENTRAL, confirma que de fato adiantava recursos à empresa APOLINÁRIO RUDGE RAMOS VEÍCULOS LTDA., mas com o propósito de adquirir automóveis para entrega aos contemplados, registrando-se contabilmente; QUE sobre a irregularidade apontada no item "1.2" de fls. 01 do apenso, ou seja, o desvio de recursos de grupos de consórcio, respondeu que havia adiantamento do dinheiro à empresa APOLINÁRIO RUDGE RAMOS para aquisição do veículo, mas podia ocorrer de chegar o veículo a uma outra concessionária e ser faturado por esta, compensando-se as concessionárias entre si (...) QUE deseja esclarecer que houve irregularidades, sim, perante as normas do Banco Central, contudo não houve qualquer consorciado prejudicado ou que deixasse de receber o bem, isto ocorrendo somente depois da decretação da liquidação extra-judicial (...) QUE não é verdade que tivesse prestigiado a empresa APOLINÁRIO RUDGE RAMOS em detrimento da empresa de Consórcio, 'seria insano fazer um negócio destes' (destaques originais, fls. 132/134 do Inquérito Policial n. 12-0164/05 apenso)

Ratificou as declarações prestadas perante a Autoridade Policial (fls. 239/241 do Inquérito Policial n. 12-0164/05 apenso).

Na fase judicial, o réu Ary Zendron afirmou que, no período dos fatos, a administração de fato da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." era exercida exclusivamente pelo réu Décio Apolinário, que sua participação nas cotas sociais era reduzida e que os recursos vinculados aos contratos de mútuo da "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda" provinham de grupos de consórcio extintos:


As transferências de recursos originários de contas vinculadas de consorciados para liquidação de contratos de mútuo, vinha a conhecimento do interrogando a posteriori. Que, sabe que a transferência que ocorria provinha de grupos extintos. Que, Décio tinha a administração exclusiva da administradora no período relatado na denúncia. Que, no início teve participação de 25%, 33%, depois de constituída a Holding, a sua participação caiu em muito. Que, o interrogando foi membro fundador da ABAC (Associação Brasileira de Consórcios). Que, sempre opinou na Administradora, orientando sobre normas do Bacen, mas que nem sempre as suas sugestões eram acatadas. Que, não tem conhecimento das contemplações de cotas em duplicidade (...) Que, efetivamente não administrava o consórcio. Que, na época dos fatos, entre 1999 a 2000, estava implantando um negócio industrial (fl. 336)

Na Polícia, o réu Ary Zendron esclareceu a constituição do grupo empresarial. Aduziu que a liquidação da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." foi ocasionada pelas dificuldades financeiras da coligada "Apolinário Rudge Ramos Veículo Ltda.". Admitiu que o réu Décio Apolinário desviava recursos da administradora de consórcios para a revendedora de veículos:


Participou da Empresa União Empreendimentos e Administração S/C Ltda., empresa esta que administrava o "Consórcio Apolinário", desde a sua fundação em 1967 até o momento em que ocorreu a liquidação extra-judicial, no dia 02 de agosto de 2001; QUE, inicialmente deteve 25% das quotas, após algum tempo passou a deter 33%, no entanto, a partir da criação de uma empresa "Holding", SANTO ANDRÉ PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS S/C LTDA., o Declarante ficou com 70 quotas da Empresa UNIÃO, esclarecendo que o total das quotas era de 708.000; QUE, reduziu sua participação na Empresa UNIÃO em razão de ter sido incluído como membro da Holding SANTO ANDRÉ; QUE, a Empresa Holding tinha participação nas seguintes empresas: Apolinário Rudge Ramos Veículos, Avel Apolinário Veículos, ACS Apolinário Corretagem de Seguros, Motoshow Veículos Ltda., além da empresa União Empreendimentos e Administração S/C Ltda., o "Consórcio Apolinário", nas quais o Declarante também tinha participação direta como pessoa física em percentuais pequenos; QUE, quem administrava a Holding Santo André e a Empresa UNIÃO durante a maior parte do tempo foi o Sr. ISAIAS APOLINÁRIO, todavia, nos últimos anos que antecederam seu falecimento, ocorrido em março de 2000, ele se desligou da administração; QUE na realidade o Sr. ISAIAS figurava como sócio majoritário mas delegou a administração aos Gerentes-Delegados DECIO APOLINÁRIO e DENISE APOLINÁRIO, seus filhos (...) QUE TEM CONHECIMENTO O Declarante que por volta de 1995 ou 1996 houve um "racha" na sociedade, sendo esse o motivo da saída de DENISE, reafirmando que quem administrava de fato a Empresa UNIÃO bem como a Holding e as outras empresas, era o Sr. DÉCIO APOLINÁRIO; QUE a Empresa Apolinário Rudge Ramos era uma Concessionária Wolkswagen (sic) da qual participava o Declarante e também administrada por DECIO APOLINÁRIO; QUE, o Declarante entende que o motivo principal que levou à liquidação do Consórcio Apolinário foram as dificuldades financeiras da Empresa coligada Apolinário Rudge Ramos Veículo Ltda.; QUE em reuniões com DÉCIO o Declarante se insurgiu contra o fato de se querer salvar a qualquer custo a revenda, isto é, a Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda., desviando-se os recursos do Consórcio Apolinário; QUE o Declarante participava tanto do consórcio quanto da revenda, mas não tinha nenhum poder de decisão, isto é, não contratava funcionários, não podia demitir e somente assinava cheques quando do impedimento de alguns dos sócios ou de seus procuradores (...) QUE quando foi decretada a liquidação extra-judicial da Empresa UNIÃO não havia qualquer reclamação no Procon ou em outros órgãos de defesa do consumidor, ou mesmo no Banco Central a respeito da não entrega de bens, sendo que todos os contemplados estavam recebendo seus bens com uma programação de poucos dias; QUE quer deixar bem claro que na Empresa UNIÃO, que tocava o consórcio Apolinário, não havia dificuldades, vendo-se tais dificuldades na Empresa Apolinário Rudge Ramos, para qual o Sr. DÉCIO APOLINÁRIO optou em desviar os recursos dos consórcios (...) QUE o Declarante não tem nenhum conhecimento minucioso a respeito dos valores apontados pela Inspetoria do Banco Central, pois, como disse, tais atos decorreram da vontade exclusiva do sócio DÉCIO APOLINÁRIO; QUE as demais empresas do grupo estão totalmente desativadas, embora não formalizados os encerramentos; QUE as assinaturas nos cheques de fls. 20, 25 e 31 e nos demais documentos constantes do apenso são do Sr. DÉCIO APOLINÁRIO e de um procurador, reconhecendo o Declarante seu visto apenas na 'solicitação para emissão de cheque'de fls. 54, ao lado do visto de DÉCIO, esclarecendo que assinou tal solicitação a pedido de uma gerente da empresa União, de sua confiança, pensando tratar-se de valor para a efetiva entrega de um veículo para consorciado (...) (destaques originais, fls. 117/119 do Inquérito Policial n. 12-0164/05 apenso)

Ratificou as declarações prestadas perante a Autoridade Policial (fls. 293/294 do Inquérito Policial n. 12-0164/05 apenso).

Ouvida em Juízo, a testemunha de acusação Valder Viana de Carvalho, funcionário aposentado do Banco Central e liquidante da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.", confirmou a utilização dos CDBs que esta mantinha aplicados no Banco Cacique e no BicBanco nos contratos de mútuo da "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda.", substituídos, posteriormente, na contabilidade da primeira pelos 370 (trezentos e setenta) terrenos referidos na denúncia e concluiu que a medida onerou os grupos de consorciados administrados pela empresa:


Os registros davam conta que os CDBs que figuravam no ativo da União teriam sido objeto de garantia. Como a dívida não foi liquidada, os Bancos se apropriaram dos recursos. Não se recorda do documento que constituiu a garantia. Na contabilidade da empresa União havia informação de que os CDBs teriam sido dados em garantia. Em relação à coligada, os relatórios não foram apreciados pelo depoente. Em relação a União Empreendimentos, constatou os relatórios da contabilidade que os CDBs haviam sido substituídos por trezentos e setenta terrenos situados em Itabaporã, Mato Grosso do Sul. Esses terrenos constaram como vendidos ou trocados. Em relação aos terrenos dados em substituição, informa o depoente que foi feita uma avaliação dos imóveis, através da imobiliária local, que deu conta que os mesmos estavam superavaliados. Em decorrência, foi feita uma provisão, mediante redução do valor contábil para o valor da avaliação. Que da operação resultou prejuízos para os consorciados, na medida em que o patrimônio da administradora deveria suprir as deficiências apontadas nos grupos de consorcio (fls. 424/425)

Ouvida apenas perante a autoridade policial, a testemunha Amir Jorge Elias, inspetor do Banco Central, ratificou o desvio de valores da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." para a "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda.", com a adoção de diversas práticas:


Esclarece que a Empresa União Empreendimentos e Administração S/C Ltda., administradora de Grupo de Consórcios, liquidada pelo Banco Central, tendo em vista problemas financeiros, contábeis e patrimoniais, além de irregularidade nos repasses de recursos obtidos nos grupos de consórcios formados para a Empresa Apolinário Rudge Ramos Veículos; QUE, na inspeção elaborada pelo Depoente, constatou-se que uma das irregularidades no repasse era que não existia nos casos apontados no relatório, o fornecimento de bem referente ao dinheiro transferido para a Apolinário Rudge Ramos Veículos, pois, somente deve haver repasse do dinheiro do grupo formado, caso haja o fornecimento de um bem em troca; QUE, o cheque de fls. 20 do apenso I, emitido pela União Empreendimentos, contra a conta corrente dos grupos de consórcio favorecendo a Apolinário é um dos repasses constatados, pois, não há bem fornecido pela favorecida, e seria normal um cheque agrupar os valores referentes a várias cotas, e os bens a serem fornecidos constarem de uma relação de cotas que batesse com o valor pago; QUE, no caso do cheque de fls. 20 do apenso I, não há fornecimento de bens, mas sim transferência do dinheiro para a Apolinário, sem fato gerador, tendo em vista que os bens foram entregues por outras empresas fornecedoras (fls. 40 e 41), que receberam diretamente pelo fornecimento, caracterizando, portanto, a duplicidade de desembolso de recursos dos grupos; QUE, outras constatações se dá nas fls. 03 e 04 (apenso I), onde P. e. (sic), o grupo 333, cota 22, paga pelo cheque de fls. 60 (espelho do cheque fls. 60), cujos recursos ficaram com a Apolinário, porém o cheque de fls. 67, que se refere a mesma cota, comprou o bem efetivamente da Estilo Automóveis, fls. 69 (apenso), caracterizando duplicidade de desembolso; QUE, outra irregularidade apontada e praticada pela União Empreendimentos, se dá conforme descrito no relatório pelo fato de existirem cotas sem direito a concorrer à contemplação (tendo em vista que não acusaram recebimento de qualquer parcela por parte dos possíveis consorciados, conforme fls. 147, apenso I), as quais foram contempladas por simulação de lance e o respectivo dinheiro para aquisição do bem, foi repassado para a Apolinário Rudge Ramos, a qual ficava sem faturar o carro. QUE outro caso apontado é o aproveitamento de saldo de cotas inadimplentes e canceladas, onde o consorciado tem direito a receber o seu crédito ao final do grupo, para crédito de outra cota (...) (destaques originais, fls. 22/23 do Inquérito Policial n. 12-0164/05 apenso)

Ouvida perante o MM. Juiz a quo, a testemunha de defesa Iara Teixeira ratificou que a administração da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." competia ao réu Décio Apolinário e afirmou que o réu Ary Zendron assinava cheques. Narrou problema no sistema informatizado da empresa, que distorcia os dados informados ao Banco Central sobre as contas de consórcio, esclarecendo que esse problema não possibilitava a contemplação em duplicidade, ou a ocorrência de erro no pagamento dos fornecedores da empresa:


Afirma ter trabalhado na empresa de 1987 a 1993 e de dezembro de 1999 ao ano de 2000. A depoente no primeiro período em que trabalhou na empresa foi gerente da administração de consórcios. No segundo período, foi contratada para um serviço de assessoria e não foi registrada. Afirma que a administração da empresa era feita pelo co-réu DÉCIO APOLINÁRIO. Este é que participava do dia-a-dia da empresa. O co-réu ARY era chamado quando necessária a sua presença para assinatura de cheques. Não sabe dizer se DÉCIO informava a ARY sobre o andamento e problemas da empresa (...) a assessoria prestada foi para efetuar um levantamento do sistema de consórcios, tendo sido constatado que o programa estava duplicando as informações das contas de compensação do consórcio. Esse problema, por não zerar as contas de compensação (contas contábeis), distorciam os dados que eram enviados para o Banco Central. Nesta segunda passagem pela empresa, pôde constatar a presença da fiscalização do Banco Central. Foi a depoente quem relatou aos fiscais do BACEN a ocorrência dos lançamentos em duplicidade. Foi contratada pelo co-réu DÉCIO APOLINÁRIO para assessorá-lo (...) este problema no programa de computador não possibilitava que um consorciado fosse sorteado por duas vezes. Este programa também não possibilitava pagamento errado da empresa aos seus fornecedores (...) Quando da contemplação, poderia ser oferecido carro naquele valor, com determinado (sic) itens de série e sob certo código, como também poderia ser oferecido veículo de valor inferior, e neste caso algumas parcelas eram quitadas, e carro de valor superior (outro código) com o pagamento da diferença pelo cliente. Quando a concessionária não possuía o veículo e não havia acordo com o cliente, tentava buscar esse veículo em outras revendas. Se houver garantia de entrega, as administradoras de consórcio podem efetuar adiantamentos a seus fornecedores. A empresa UNIÃO realizava adiantamentos aos seus fornecedores. Caso já tivesse havido o adiantamento para determinado fornecedor, mas o carro procurado não fosse encontrado neste, os valores adiantados eram devolvidos e adquiridos em outra concessionária. Não havia a possibilidade de compensação com a entrega de veículos futuros (fls. 537/538)

Em Juízo, a testemunha de defesa René Teófilo Wartchow, funcionário aposentado do Banco Central responsável pela fiscalização de consórcios e empregado contratado do réu Décio Apolinário, no período de abril de 1999 a início de 2000, declarou que a administradora de consórcios "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." fazia adiantamentos à sua coligada "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda.", concessionária de veículos, e que houve descompasso entre estes adiantamentos realizados e os bens entregues aos consorciados. Adicionou que os recursos aplicados em CDBs não provinham de grupos ativos de consorciados, mas de grupos encerrados, em relação aos quais a "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." era devedora e que tais valores foram utilizados para pagamento das dívidas da "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda." com o Banco Cacique e o Bic Banco:


O depoente foi funcionário do BANCO CENTRAL até novembro de 1998 e trabalhava na fiscalização de consórcios. Após aposentar-se, foi procurado por DÉCIO APOLINÁRIO que solicitou-lhe (sic) auxílio, haja vista os problemas enfrentados em sua empresa. A legislação permite que se faça adiantamentos a fornecedores. Há inclusive uma rubrica específica no balancete dos grupos. O problema detectado pelo depoente foi que DÉDIO (sic) não conseguiu honrar na mesma velocidade as entregas que ele tinha feito adiantamento. Para cada adiantamento feito deveria ser entregue um bem. Ocorre que houve um descompasso entre os adiantamentos e os bens entregues. Por vezes, era adiantado um modelo, contudo, o cliente desejava outro. Nessas hipóteses, a própria concessionária é que iria buscar o veículo em outra revendedora. As operações deveriam ser liquidadas uma a uma e não o foram, o que gerou uma deficiência financeira nos grupos de consórcios. As revendas não devolveram os valores adiantados e nem entregaram os carros. Foi apresentado ao BANCO CENTRAL um programa de aporte de recursos para saneamento dos grupos de consórcio. O BACEN aceitou o programa e o passivo ao longo do tempo foi diminuindo. O déficit inicial era de cerca de três milhões e no início de 2000 tinha caído para um milhão e seiscentos mil. Quanto às transferências descritas no item 2, esclarece que a CONCESSIONÁRIA APOLINÁRIO possuía certa dívida com os BANCOS CACIQUE e BIC BANCO. Por outro lado, a UNIÃO, que possui CNPJ distinto da CONCESSIONÁRIA APOLINÁRIO, possuía aplicações nestes bancos. Indevidamente e para pagamento das dívidas da CONCESSIONÁRIA, os bancos resgataram os valores da UNIÃO. Para fechar a contabilidade, a CONCESSIONÁRIA APOLINÁRIO cedeu terrenos de sua titularidade à empresa UNIÃO. Sem essa transferência ficaria com passivo a descoberto. Não sabe dizer se havia autorização da UNIÃO para os resgates dos valores para a hipótese de a APOLINÁRIO não honrar o débito. Não sabe se a UNIÃO interpelou o banco informando da irregularidade da operação. A empresa tinha dois administradores, os co-réus denunciados, sendo que o depoente tinha mais contato com o co-réu DÉCIO. Ficou na empresa de abril de 1999 a início de 2000. Não pode dizer com que freqüência (sic) ARY comparecia na empresa (...) As contas aplicadas nos CDBs não eram de grupos ativos de consórcios, mas de grupos encerrados. Tais valores são, no seu entender, de livre movimentação. Basta ao administrador reconhecer a dívida no seu balanço. Esta relação é regida pelo Código Civil e também está regulamentada pela Circular 2766. A administradora deixa de ser depositária dos valores e passa a ser devedora destes. Para se certificar se estes valores eram referentes aos grupos ativos ou se eram valores de grupos findos, deveria ser realizada uma perícia contábil (...) Não há qualquer relação entre duplicidade de contemplação e adiantamento a fornecedor (destaques originais, fls. 539/541)

Os depoimentos das testemunhas de defesa Osvaldo Nagao, Antônio Tito Costa, Frederico Cardillo Hoffmann e Ruben Eugênio Olm não contribuíram para a elucidação dos fatos (fls. 524 e 542/544).

Em Juízo, a testemunha de defesa Adolf Wilfrid Schaffer declarou que tinha conhecimento da operação de venda dos terrenos da "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda." para a "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.", mas não soube informar a finalidade da medida. Disse que o réu Ary Zendron participava da gestão da empresa (fls. 562/563).

Ouvidas em Juízo, a testemunha de defesa Márcia Lucia Pupo disse que, enquanto trabalhou na "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.", até o ano de 1997, se reportava ao réu Ary Zendron e que, ao tempo de seu desligamento, avistava o réu com pouca frequência na empresa (fls. 710/711) e a testemunha de defesa Márcia Lucia Louro relatou que o réu Ary Zendron assinava cheques da "Apolinário Empreendimentos Imobiliários", onde trabalhou até 2003 (fls. 712/713).

Em Juízo, a testemunha de defesa Nicola Aparecido Cocco afirmou que, no ano de 1999, o réu Ary Zendron tinha reduzida participação na "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." (fls. 714/717), a testemunha de defesa José Eduardo Moeller Hosken declarou que, entre 1973 e 1979, o réu Ary Zendron participava da administração da empresa "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.", sendo sócio da "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda." também (fls. 730/732).

Em Juízo, a testemunha de defesa Flávio Antônio Garrido declarou que não tinha conhecimento se o réu Ary Zendron administrava de fato a "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.", afirmando que nas inspeções realizadas na empresa a partir de 1997, não se encontrava presente na empresa (fls. 752/753) e a testemunha de defesa Marli Massari Azrak relatou a reduzida participação do réu Ary Zendron no "grupo Apolinário" (fl. 810).

Em Juízo, a testemunha de defesa Marly Ferreira Silva relatou as irregularidades praticadas na gestão da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.":


Se recorda que em certa data os valores do fundo de reserva de um grupo foram utilizados para contemplar cota de grupos antigos. Não sabe indicar o número do grupo em que tal fato ocorreu, mas se houver necessidade pode procurar em seus documentos (...) Se lembra que em determinada época os administradores da empresa União simulavam contemplações em grupos de consórcio para fazerem uso do dinheiro dos grupos (...) O réu Ary também assinava pela empresa, mas a depoente não sabe se o mesmo tinha ciência das irregularidades (...) O dinheiro dos grupos encerrados era proveniente das aplicações financeiras dos valores de tais grupos que eram bem administrados. Não sabe se a empresa fazia aplicações no Banco Cacique e no Bic Banco. As concessionárias recebiam adiantamentos para aquisição de bens de contemplações futuras. O dinheiro adiantado para concessionária era do grupo (fls. 781/782)

Perante o MM. Magistrado a quo, a testemunha de defesa Manuel Alcino de Jesus Videira, gerente financeiro da "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda." até o ano de 2000, aduziu que o réus eram gestores das empresas da holding "Santo André Participações", sendo que o réu Ary Zendron era sócio minoritário e comparecia pouco à empresas do grupo. Ratificou o uso de CDBs da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." como garantia de contratos de empréstimo para capital de giro firmados pela "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda.", bem como a venda de lotes de terrenos da "Apolinário Empreendimentos Imobiliários Ltda.", em devolução dos recursos de que se beneficiou a "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda.", à "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.". Disse não ser possível à administradora de consórcios o adiantamento de recursos para a concessionária, de forma desvinculada da quota de consórcio e da compra do veículo a que se refere:


Trabalhou na APOLINÁRIO RUDGE RAMOS VEÍCULOS LTDA., sendo demitido em 2000. Atuava como gerente financeiro. Essa empresa era revendedora de veículos da VOLKSWAGEN e pertencia a uma holding SANTO ANDRÉ PARTICIPAÇÕES, figurando entre as empresas desta a UNIÃO EMPREENDIMENTOS E ADMINISTRAÇÃO S/C LTDA. Esta empresa era de consórcio de automóveis. Os acusados eram gestores das empresas que integravam a holding, mas esclarece que ARY era sócio minoritário e comparecia uma vez por semana na APOLINÁRIO RUDGE RAMOS VEÍCULOS LTDA. O acusado DÉCIO solicitou ao depoente que fosse ao mercado levantar recursos mas não foi possível já que não havia garantia real e a empresa tinha acabado de sair de uma dação em pagamento junto a um banco. DÉCIO então resolveu contratar um consultor de fora da empresa que viabilizou 2 (duas) operações bancárias que consistiam em empréstimos a capital de giro. Para a garantia das operações a empresa UNIÃO fez aplicações em CDBs, sendo certo que os bancos liquidaram as operações com estes CDBs. A fim de devolver os recursos à UNIÃO, DÉCIO resolveu então vender lotes pertencentes a APOLINÁRIO EMPREENDIMENTOS LTDA. para a UNIÃO correspondente ao valor dos CDBs (...) Não sabe afirmar se a dívida estava vencida quando da liquidação pelos bancos. A liquidação dos débitos com CDB investidos pela UNIÃO deu-se com os valores provenientes da UNIÃO, não sendo provenientes de contas vinculadas dos consorciados. Não é possível adiantamento de recursos por parte da administradora de consórcio, descasada da quota do consórcio, devendo haver a compra de veículo com recurso repassado pela UNIÃO (...) Não é de seu conhecimento que tenha existido contemplações em duplicidade (...) O depoente possuía autonomia quanto a gestão da área financeira das empresas da holding, esclarecendo que havia uma tesouraria central. Todos os pagamentos já vinham definidos pelas empresas. A tesouraria recepcionava os documentos, sendo certo que cada cheque possuía suporte num documento fiscal, e eram repassados para a assinatura dos principais gestores da empresa, em especial do acusado DÉCIO. Quando DÉCIO não assinava, outras pessoas assinavam, como pai desse acusado (ISAIAS), ou procuradores ou mesmo o co-réu (sic) ARY. Chegou a assinar cheques como procurador. Exigia-se no mínimo duas assinaturas, no caso da empresa de consórcio (destaques originais, fls. 797/798)

Trata-se de grupo de empresas da holding "Santo André Participações e Empreendimentos S/C Ltda.", constituído, entre outras, pela "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." (administradora de consórcios), "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda." (concessionária de veículos Volkswagen) e "Apolinário Empreendimentos Imobiliários Ltda." (corretora de imóveis).

A "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.", com nome fantasia "Consórcio Apolinário", foi registrada em 19.07.67, tendo como sócios Isaías Apolinário, Agenor de Souza Silva, o réu Ary Zendron e Elmano Moisés Nigri. Em 21.12.71, foi incorporada a "Disvesa - Distribuidora de Veículos Santo André S/C Ltda.". Em 30.12.74, houve a retirada do sócio Agenor de Souza Silva. Em 29.03.82, foi admitida na sociedade a "Santo André Participações e Empreendimentos S/C Ltda." e, em 23.08.93, o objeto social, inicialmente definido como planejamento e administração de bens, empreendimentos e condomínios, prestação de serviços de xérox e locação de veículos, foi alterado para planejamento e administração de consórcio de bens duráveis, bens imóveis e prestação de serviços correlatos. Em 28.07.00, houve a retirada do sócio Elmano Moisés Nigri e o ingresso do réu Décio Apolinário (fls. 94/97 do Inquérito Policial n. 12-0164/05 apenso).

Conforme a cláusula quarta da alteração de contrato social de 10 de maio de 1995 (fls. 277/279), a gerência e administração da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." competia, à época, a Isaías Apolinário e ao réu Ary Zendron, com igualdade de poderes:


A gerência e administração da sociedade será exercida pelos sócios ISAÍAS APOLINÁRIO, brasileiro, casado, do comércio, portador da cédula de identidade da SSP-SP nº 998.379 e do CIC-MF nº 040.992.818-68 residente e domiciliado à Rua Monte Casseros nº 104, apt. 104, Santo André-SP e ARY ZENDRON, brasileiro, casado, do comércio, portador da cédula de identidade da SSP-SP nº 2.696.757 e do CIC-MF nº 016.495.908-49, residente e domiciliado à Av. Portugal nº 1301, Santo André-SP. Os administradores, com o título de gerentes, ficam investidos de todos os poderes necessários para administrar a sociedade e representá-la perante autoridades governamentais e terceiros em geral, podendo firmar quaisquer documentos públicos ou particulares, bem como instrumentos de crédito. Estão também autorizados a nomear procuradores em nome e no interesse da sociedade, especificando nos instrumentos de mandato os poderes concedidos.
Parágrafo único: Os sócios terão direito a uma retirada mensal a título de "pro labore", a ser fixada anualmente pelo consenso unânime dos sócios (fl. 278)

De acordo com a cópia do instrumento de alteração contratual e seu anexo I (fls. 98/113 e 215/229 do apenso e fls. 280/294), de 24.03.00, passou a compor, à época, a "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.", que já contava com a participação da "Santo André Participações e Empreendimentos S/C Ltda." e do réu Ary Zendron, o réu Décio Apolinário, retirando-se Isaías Apolinário. Pelo mesmo ato, os réus Décio e Ary passaram a ser seus gestores, sendo que, para determinados atos, o primeiro tinha prioridade para atuar isoladamente, ou nomear procurador para atuar em conjunto com o segundo (fls. 106/107 e 221/222 do apenso e fls. 286/287).

A "Rudcar Rudge Ramos Automóveis Ltda.", ou "Avel Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda", ora "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda", foi constituída em 18.11.1983, constando como sócios, em 05.08.98, a "Santo André Participações e Empreendimentos S/C Ltda." e, com poder de gerência, os réus Décio Apolinário e Ary Zendron (fls. 200/207 do apenso e fls. 254/263).

Consta, ainda, destes autos, a ficha cadastral e ficha de controle da "Loja Apolinário Eletrodomésticos Ltda.", posteriormente denominada "Apolinário Empreendimentos Imobiliários Ltda.", com o réu Décio Apolinário na condição de sócio gerente, em 06.07.1999 (fls. 264/271).

Verifiquei constar a assinatura do réu Décio Apolinário, como interveniente dador de garantia, representante da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.", nos diversos contratos de mútuo e respectivos termos de aditamento supramencionados (fls. 192, 193, 194, 197, 203, 204, 207, 208, 211, 212, 215, 216, 219, 220, 223, 224, 227, 228, 231, 232, 235, 236, 239, 240, 243, 244 e 373/375), sendo possível aferir, a partir do confrontamento de assinaturas, ser também o responsável pelas declarações feitas em nome da mesma empresa, quanto a disponibilidade dos recursos mantidos em CDBs do Banco Cacique e do BicBanco (fls. 195, 205, 210, 213, 218, 221, 225, 229, 233, 237, 241 e 245).

Consigno que também o réu Ary Zendron assinou alguns desses contratos de mútuo (fls. 219, 220, 223, 224, 227, 228, 231, 232, 235, 236, 239, 240, 243, 244) e que os 2 (dois) réus declararam ao BicBanco que "os recursos aplicados em CDB junto a V. Sas. não fazem parte da reserva técnica dos grupos ativos de consorciados" (fl. 376).

Como se vê, é satisfatória a prova da autoria não apenas em relação ao réu Décio Apolinário, que admitiu a responsabilidade pela gestão da sociedade, mas também em relação ao réu Ary Zendron, devendo ser reformado o decreto absolutório em relação a este.

O réu Ary Zendron teve participação na "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." desde a sua constituição (1967) e constou como sócio gerente em todos os instrumentos de alteração do contrato social posteriores a ela. Como ele próprio admite (fl. 336), foi membro fundador da ABAC (Associação Brasileira de Consórcios), o que denota deter conhecimentos aprofundados em consórcios, não sendo crível desconhecesse os fatos narrados na denúncia. Além do corréu (fls. 334/335), Iara Teixeira, Adolf Wilfrid Schaffer, Márcia Lucia Louro, Nicola Aparecido Cocco, Marly Ferreira Silva, Manuel Alcino de Jesus Videira e Marli Massari Azrak afirmaram a participação do réu Ary na gestão da sociedade, ainda que de forma reduzida, em relação ao réu Décio, assinando cheques (fls. 537/538, 562/563, 712/713, 714/717, 781/782, 797/798 e 810).

Alegam os réus que os valores mantidos no Banco Cacique e no BicBanco, aplicados em CDBs, em nome da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." eram provenientes de grupos de consórcio já encerrados. A despeito de não ter havido a respectiva comprovação nos autos, como bem ressaltado por Amir Jorge Elias, inspetor do Banco Central, a administradora de consórcios não tinha a livre disposição de tais recursos, pertencentes aos consorciados, para utilizá-los como garantia de empréstimos tomados pela coligada "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda." (fls. 22/23 do Inquérito Policial n. 12-0164/05 apenso), o que é corroborado pelo depoimento de René Teófilo Wartchow, funcionário aposentado do Banco Central (fls. 539/541).

Alegam, ainda, que competia ao Ministério Público Federal demonstrar que os recursos a que alude a denúncia pertenciam a grupos ativos de consorciados, operando-se indevida inversão do ônus da prova. Ocorre que a necessidade dessa comprovação foi superada pelas demais provas dos autos, a exemplo dos depoimentos acima referidos.

Não procede a alegação da defesa de que não houve prejuízo para os consorciados da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." na substituição dos CDBs pelos 370 (trezentos e setenta) terrenos da "Apolinário Empreendimentos Imobiliários Ltda.". A teor do depoimento do liquidante Valder Viana de Carvalho, a medida representou prejuízo (fls. 424/425) e, nesse sentido, reproduzo entendimento expresso pelo MM. Magistrado a quo:


As demonstrações contábeis, todavia, simularam o registro destas operações e apresentaram como contrapartida à baixa dos investimentos a compra de imóveis da empresa APOLINÁRIO EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA (fl. 17). Os valores dos imóveis, coincidentemente, corresponderam aos valores baixados da conta da UNIÃO. Observe-se que não seria possível, apenas pela leitura dos registros contábeis da UNIÃO, a ciência das operações descritas, o que demonstra que o intuito foi encobrir o prejuízo causado aos consorciados.
Evidentemente a aquisição dos terrenos foi um mero acerto contábil, pois os valores nunca ingressaram na APOLINÁRIO EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, mas foram utilizados para pagamento de dívidas contraídas pela APOLINÁRIO VEÍCULOS e avalizadas pela UNIÃO.
Repise-se que se os valores fossem referentes a sobras de grupos e pudessem ser livremente utilizados não haveria necessidade de toda essa engenharia contábil, pois bastaria a contabilização do prejuízo.
É irrelevante o valor dos imóveis à época dos lançamentos, pois não era conveniente a troca de dinheiro por imóveis, ativos de nenhuma liquidez. Some-se a isto a ausência de parecer técnico concomitante à suposta venda para fundamentá-la, não sendo de nenhuma valia parecer confeccionado em 2005, mais de cinco anos após os fatos. Por fim observe-se que o valor da compra teria sido pago em novembro de 1999 (fl. 16), mas a escritura somente foi lavrada no ano seguinte, em fevereiro de 2000 (fls. 837 e seguintes).
A operação seria irregular mesmo que os valores dos terrenos fossem equivalentes aos utilizados para o pagamento dos débitos, pois a falta de recursos disponíveis frustraria os direitos dos consorciados uma vez que a administradora não teria condições - como de fato não teve - de adquirir todos os bens contemplados.
Em suma, as evidências indicam que a operação foi simulada, pois a venda foi realizada em fevereiro de 2000 e os valores foram debitados das contas da UNIÃO no ano anterior, não havendo laudo técnico, à época, para constatar os valores dos imóveis, tampouco a comprovação de entrada dos valores na contabilidade da APOLINÁRIO EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS. Impende ressaltar, ainda, não haver qualquer motivo racional para que uma administradora de consórcios, que deve sempre ter à sua disposição dinheiro para a compra de bens, adquira bens imóveis de baixíssima liquidez.
Entendo, assim, que a operação foi realizada para justificar os valores que foram indevidamente utilizados para o pagamento de dívidas de terceiros com evidente prejuízo aos interesses dos consorciados (destaques originais, fls. 1.043/1.045)

A alegação do apelante Décio Apolinário de que não houve fraude na compra e venda dos 370 (trezentos e setenta) lotes de terrenos mencionados na denúncia, tendo em vista que dispôs de patrimônio próprio para cobrir o passivo da empresa administradora de consórcios não encontra respaldo na prova dos autos. Restou evidente que a transferência dos aludidos lotes se fez apenas formalmente, na escrituração contábil da "União Empreendimentos Administração S/C Ltda.", com o objetivo de ocultar a saída dos valores dos CDBs. A fraude não é descaracterizada, tampouco, pela alegação de a operação ter sido realizada sob a orientação de René Teófilo Watchow, funcionário aposentado do Banco Central.

Em que pese à imputação relativa à contemplação em duplicidade de cotas de consórcio, foi demonstrado que não ocorreram. Em verdade, foram efetuados desvios de valores pertencentes aos grupos de consorciados administrados pela "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.", favorecendo a "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda.", concessionária de veículos Volkswagen, que estava com dificuldades financeiras. A Decisão DECIF/GTSPA-2001/079 do Banco Central revela a prática desses desvios em período anterior ao descrito na denúncia, a evidenciar a habilitualidade da gestão fraudulenta perpetrada pelos réus (fls. 184/187 do Inquérito Policial n. 12-0164/05 apenso), o que é ratificado pelo réu Ary Zendron, o qual declarou que a liquidação da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." decorreu dos desvios de valores à "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda.", para suportar tais dificuldades financeiras (fls. 117/119 do Inquérito Policial n. 12-0164/05 apenso).

As justificativas do réu Décio para as transferências de recursos de consorciados para a revendedora de veículos não encontram respaldo na prova dos autos. Em Juízo, disse que o processo de contemplação tinha de ser reiniciado por motivo de cancelamento das vendas (fls. 334/335), enquanto, na Polícia, afirmou que a "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." efetuava "adiantamentos" à "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda.", com o propósito de adquirir automóveis para entrega aos contemplados e adicionou que havia compensação entre as concessionárias, quando o bem não era faturado na "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda." (fls. 132/134 do Inquérito Policial n. 12-0164/05 apenso).

A gerente de administração de consórcios da "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda.", Iara Teixeira, esclareceu que, em casos de adiantamento, não sendo entregue o bem, os valores deveriam ser devolvidos, não havendo a possibilidade de compensação com a entrega de veículos futuros (fls. 537/538).

O inspetor do Banco Central Amir Jorge Elias declarou que havia duplo desembolso pela "União Empreendimentos e Administração S/C Ltda." para a entrega de veículo a consorciado contemplado, um era efetuado a "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda." e, outro, à empresa fornecedora do bem (fls. 22/23 do Inquérito Policial n. 12-0164/05 apenso). A prática dos referidos "adiantamentos" foi também ratificada por René Teófilo Wartchow, o qual constatou o descompasso existente entre estes e as entregas dos bens aos consorciados (fls. 539/541), Marly Ferreira Silva (fls. 781/782) e Manuel Alcino de Jesus Videira, segundo o qual não era possível à administradora de consórcios o adiantamento de recursos para a concessionária, de forma desvinculada da quota de consórcio e da compra do veículo respectivas (fls. 797/798).

Não há elementos nos autos que comprovem a devolução pela "Apolinário Rudge Ramos Veículos Ltda." dos valores "adiantados" pela administradora de consórcios, em relação aos quais não correspondeu a entrega de nenhum veículo (fls. 21/50), tampouco a existência de compensação com as concessionárias fornecedoras dos aludidos bens (fls. 51/108).

Sustenta o apelante Décio Apolinário que houve a inserção, na sentença, de acusação não formulada na denúncia, atinente ao "pagamento de contemplações de consorciados em dobro como forma de empréstimo a empresa coligada" (fl. 1.195), sem observância às regras do art. 384 do Código de Processo Penal e sem que houvesse nos autos comprovação de sorteio ou lance, que demonstrasse a contemplação das cotas, a teor do art. 7º do anexo da Circular n. 2.766/97 do Banco Central. Anoto que a inserção dessa conduta na sentença à fl. 1.045 corresponde à imputação contida descrita nos itens 5, 6 e 7 da denúncia (fls. 4/5).

Por conseguinte, considerando que restaram demonstradas a materialidade e a autoria dos delitos, a condenação dos réus Décio Apolinário e Ary Zendron pela prática dos delitos dos arts. 4º e 5º, ambos da Lei n. 7.492/86 é medida que se impõe.

Gestão Fraudulenta e Apropriação Indébita Financeira. Concurso Formal. A jurisprudência é no sentido de que há concurso formal, não conflito aparente de normas, entre os crimes de gestão fraudulenta e de apropriação indébita financeira:


CRIMINAL. RESP. GESTÃO FRAUDULENTA. APROPRIAÇÃO E DESVIO DE DINHEIRO, TÍTULO, VALOR OU OUTRO BEM. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. INOCORRÊNCIA. DIVERSIDADE DE OBJETOS JURÍDICOS. CONCURSO FORMAL. CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
I - O art. 4º da Lei 7.492/86 descreve o crime de gestão fraudulenta de instituição financeira, tutelando o Sistema Financeiro Nacional e sua credibilidade pública. Já o art. 5º da mesma lei protege a relação de confiança dos negócios jurídicos desta área e o patrimônio dos investidores.
II - Se os dispositivos tutelam objetos jurídicos diversos, não há que se falar em conflito aparente de normas, mas de concurso formal, caso em que o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes.
III - Recurso conhecido e provido, nos termos do voto do relator.
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E QUADRILHA (...) GESTÃO FRAUDULENTA. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. CONCURSO APARENTE DE NORMAS (...).
(...) VI - Hipótese de operações de aplicação de recursos do fundo de pensão pelo Banco GNPP S/A, instituição bancária dirigida pelo presidente e vice-presidente do primeiro. Incidência de norma estatutária proibitiva de transações nas descritas condições. Ações de dissimulação da condição dos agentes como administradores da instituição bancária. Gestão fraudulenta configurada.
VII - Recursos desviados em favor de empresas do grupo empresarial de vinculação da instituição bancária. Justificativas de contratos de mútuo com o fundo de pensão. Documentação de caráter artificioso. Apropriação indébita configurada.
VIII - A gestão fraudulenta não é meio necessário ou fase normal na preparação ou execução nem constitui conduta anterior ou posterior do agente cometida com a mesma finalidade prática da apropriação indébita e assim inversamente. Tanto a gestão fraudulenta pode-se caracterizar com o auferimento de vantagens diversas da apropriação de valores da instituição financeira quanto esta pode ser praticada independentemente da realização de atos de gestão fraudulenta. Hipótese de concurso aparente de normas que não se reconhece.
(TRF 3ª Região, 2ª Turma, Rel. Des. Fed. Peixoto Junior, ACR n. 1999.03.99.039158-3, j. 22.04.02)
(STJ, RESP n. 200301605324, Rel Min. Gilson Dipp, j. 07.10.04)
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ART. 4º, CAPUT, E ART. 5º. LEI 7.492/86. GESTÃO FRAUDULENTA E DESVIO DE VALORES. CONCURSO FORMAL (...).
1. Há concurso formal, e não conflito aparente de normas entre os delitos tipificados nos arts. 4º e 5º da Lei 7.492/86, porquanto a gestão fraudulenta não é meio necessário ou fase normal na preparação ou execução nem constitui conduta anterior ou posterior do agente cometida com a mesma finalidade prática da apropriação indébita e assim inversamente. Tanto a gestão fraudulenta pode-se caracterizar com o auferimento de vantagens diversas da apropriação de valores da instituição financeira quanto esta pode ser praticada independentemente da realização de atos de gestão fraudulenta (trf4). 2. Só se caracteriza o conflito aparente quando, havendo duas ou mais normas tratando de um mesmo assunto, o agente, mediante uma única ação ou omissão, ofende (aparentemente) tais normas. Há unidade do fato e pluralidade de normas. O mundo naturalístico altera-se uma única vez. 3. Materialidade e autoria sobejamente comprovadas em relação aos apelantes, tanto pelo crime de gestão fraudulenta quanto pelo de desvio de numerário em proveito próprio e de outrem. Repetindo as mesmas teses desenvolvidas em alegações finais, não conseguiram afastar a convicção da responsabilidade que sobre todos recai. 4. No caso dos réus absolvidos, as provas arregimentadas na instrução não permitem formar um juízo de certeza quanto às participações no evento criminoso, devendo ser-lhes reconhecida a dúvida (in dubio pro reo). O fato de terem integrado a alta cúpula da instituição bancária ao tempo do delito, por si só, não é atestado de uma suposta anuência e/ou condescendência com o proceder dos demais acusados. 5. Os indícios de autoria precisariam estar arrimados em outras provas que permitissem, em associação uns com as outras, convencer o Magistrado da necessidade de sanção. 6. Apelações do Ministério Público Federal e dos réus Marco Antônio Machado de Brito, Antônio Olegário de Oliveira e Devair Foroni não providas; e apelações de Ricardo Xavier Bartels e Antônio Carlos Borges parcialmente providas.
(TRF 1ª Região, ACR n. 199938030012915, Rel. Des. Fed. Tourinho Neto, j. 14.12.11)

Do caso dos autos. Insurge-se o Ministério Público Federal contra o entendimento do MM. Magistrado a quo quanto à aplicação do princípio da especialidade ao presente caso. Argumenta que o aludido princípio tem aplicação diante de normas que tutelam o mesmo bem jurídico e estabelecem, entre si, uma relação de gênero e espécie. Entende que não se sustenta a afirmação de que a norma penal do art. 5º da Lei n. 7.492/86 é espécie daquela do art. 4º da mesma Lei, contendo todos os elementos do delito de gestão fraudulenta de instituição financeira, pois se referem a tipos penais materialmente distintos, destinados à proteção de bens jurídicos diversos, a primeira resguarda o patrimônio dos investidores, enquanto a segunda tem por objeto o funcionamento do Sistema Financeiro Nacional. Argui que não se aplica o princípio da consunção, uma vez que as normas infringidas não tem um mesmo fim prático, tampouco uma conduta criminosa foi meio necessário ou fase de preparação para a outra, ambas as condutas são autônomas. Pugna pela incidência do concurso material entre os delitos.

Na sentença, o MM. Magistrado a quo referiu à matéria da seguinte forma:


Entendo, todavia, que na presente hipótese deve ser aplicado o princípio da especialidade ou o princípio do pós-fato impunível. Restou evidente que intenção primeira, o objetivo inicialmente intentado foi o desvio de valores da administradora de consórcios para repassá-los a empresa do grupo que passava por dificuldades financeiras. Tanto os valores pagos às instituições financeiras para garantia do empréstimo feito como os valores resultantes do pagamento de cotas em duplicidade objetivaram o socorro a empresa pertencente ao mesmo sócio, sendo que a aquisição simulada dos terrenos, as notas fiscais emitidas falsamente e a contabilização incorreta tiveram o propósito de encobrir os desvios realizados.
Assim entendo que a jurisprudência acima colacionada não se aplica à presente hipótese. Embora os dois tipos possam ser aplicados em concurso em outras situações, na hipótese ora examinada isto não é possível, pois as demais condutas - os atos de gestão e a fraude contábil - apenas visaram a ocultação do delito anterior (fls. 1.054/1.055)

Reconheço o concurso formal entre os delitos do art. 4º e do art. 5º, ambos da Lei n. 7.492/86.

Nesse sentido, o entendimento do Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Osvaldo Capelari Junior:


Para que se reconheça a consunção no direito penal é necessário que um tipo penal mais amplo (norma consuntiva), o plus, absorva a conduta de um crime meio (norma consunta), cuja ação típica necessária ou habitualmente integre a ação daquele mais amplo, o que revelaria tratar-se o minus de crime meio para a realização do plus.
Nesse sentido, não há que se falar em absorção do crime de gestão fraudulenta (Art. 4º. L. 7.492/86) pelo crime de apropriação de recursos (Art. 5º, L. 7.492/86), praticados em concurso material, porque aquele não é crime-meio, isto é, não é etapa necessária ou habitual, para realização da conduta típica do art. 5º da referida lei.
Não há falar-se em conflito aparente de normas entre os fatos previstos nos arts. 4º c/c 15º, Lei 7492/86, vez que naqueles não há relação de meio-fim entre o crime hipoteticamente consumido (arts. 4º, L. 7492/86) e o crime consumidor (art. 5º da mesma lei).
Não se aplica aqui o princípio segundo o qual "major absorvet minorem", pois só se admite essa possibilidade de consunção quando um crime previsto num tipo não passa de uma fase de realização do crime previsto por outro tipo, ou é necessário ou normal para a tramitação para um segundo (hipótese de crime progressivo).
(...)
Em outras palavras, não é necessário, nem mesmo é comum, que se pratique a ação típica da gestão fraudulenta para que, num momento posterior, configure-se o crime de apropriação de recursos. Em outras palavras, a fraude não é inerente à apropriação e referem-se a possibilidades delitivas distintas no caso concreto, cuja delineação autônoma é plenamente concebível.
Trata-se, precisamente, de crimes autônomos, sendo que o minus (gestão fraudulenta de instituição financeira) não constitui etapa habitual do exaurimento do crime plus (apropriação de recursos) (fls. 1.224/1.225)

Dosimetria. Décio Apolinário. Consideradas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, a pena-base foi fixada pelo MM. Juízo a quo acima do mínimo legal, em 3 (três) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa. Ausentes circunstâncias atenuantes, agravantes, causas de diminuição, ou de aumento, tornou definitivas as penas.

Arbitrou o valor do dia-multa em 1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos, "em razão dos valores envolvidos e da capacidade econômica apresentada pelo réu" (fl. 1.056).

Fixou o regime inicial aberto.

Substituiu a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos a entidade com destinação social a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais e em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a ser definida pelo Juízo das Execuções Penais.

O Ministério Público Federal requer a condenação do réu Décio Apolinário também pela prática do delito do art. 4º da Lei n. 7.492/86, com a fixação da pena-base respectiva acima do mínimo legal, em virtude da prática do delito do art. 5º da Lei n. 7.492/86. Pleiteia também a majoração da pena-base pela prática do delito do art. 5º da Lei n. 7.492/86, em razão da existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis.

A defesa, por sua vez, sustenta que é exagerada a fixação da pena-base do réu Décio Apolinário em 1/2 (metade) acima do mínimo legal, uma vez que a lesão patrimonial é inerente aos crimes contra o patrimônio e fundamenta a incriminação. Argui que inexiste comprovação do prejuízo causado aos consorciados, tendo os terrenos alienados valor superior ao desviado, de acordo com o Laudo Técnico de Avaliação às fls. 824/909. Argumenta que a sentença não considerou a primariedade do réu Décio Apolinário, que não apresenta antecedentes criminais e que não podem prevalecer os valores fixados para o dia-multa e para a pena alternativa de prestação pecuniária, desamparados de fatos que comprovem a capacidade econômica do réu, tendo a defesa demonstrado a situação de penúria econômica do réu (cfr. fl. 568).

Tem razão, em parte, o Ministério Público Federal.

Consta dos autos o Laudo Técnico de Avaliação MCI - 63/05, de 02.06.05, elaborado pelo Engenheiro Álvaro Moreira Castello, de acordo com o qual os 370 (trezentos e setenta) lotes de terrenos do loteamento "Cidade Tabaporã", localizado no município de Tabaporã, comarca de Porto dos Gaúchos (MT), foram avaliados em R$ 2.710.848,44 (dois milhões, setecentos e dez mil, oitocentos e quarenta e oito reais e quarenta e quatro centavos) (fls. 577/589 e 824/836).

Fosse o caso de se reconhecer a lisura dessa operação, e não o artifício utilizado na contabilidade da empresa para formalizar a devolução dos valores desviados dos seus consorciados, verifico que não consta dos autos avaliação desses lotes ao tempo da lavratura das escrituras de compra e venda mencionadas, em fevereiro de 2000, não devendo proceder a alegação da defesa de que inexiste comprovação do prejuízo causado aos consorciados, tendo os terrenos alienados valor superior ao desviado, de acordo com o Laudo Técnico de Avaliação acima mencionado, do ano de 2005.

O réu praticou o delito de gestão fraudulenta em concurso formal com o delito de apropriação indébita financeira: Lei n. 7.492/86, arts. 4º, caput, e 5º, c. c. o art. 70 do Código Penal.

De acordo com o art. 70 do Código Penal, aplica-se a pena do mais grave dos delitos, no caso a pena do art. 4º, caput, da Lei n. 7.492/86, aumentada de 1/6 (um sexto) até 1/2 (metade).

Consideradas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade do acusado é significativa. Trata-se de indivíduo responsável por número razoável de funcionários (40 funcionários, fl. 782 a 85 funcionários, fl. 538), incumbido de lhes dar orientação macroeconômica, de modo que dele se espera conduta compatível com as funções que assumiu na sociedade.

Verifico também que, não obstante a natureza formal do delito, foram graves as suas consequências, sendo de considerável monta o valor dos recursos desviados dos consorciados (fls. 15/16 e 17/20).

Justifica-se, portanto, a exasperação da pena-base, que fixo em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa.

Sem atenuantes, agravantes, ou causas de diminuição, majoro a pena em 1/6 (um sexto), em decorrência do concurso formal, tornando-a definitiva em 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa.

O valor fixado para o dia-multa fica mantido, não sendo suficiente o documento de fl. 568 à comprovação da situação de penúria econômica do réu.

Nos termos do art. 33, § 2º, b, c. c. o art. 59, caput, ambos do Código Penal, fixo o regime inicial semiaberto.

A pena privativa de liberdade é superior a 4 (quatro) anos, o que impede a sua substituição por penas restritivas de direito.

Dosimetria. Ary Zendron. O réu praticou o delito de gestão fraudulenta em concurso formal com o delito de apropriação indébita financeira: Lei n. 7.492/86, arts. 4º, caput, e 5º, c. c. o art. 70 do Código Penal.

De acordo com o art. 70 do Código Penal, aplica-se a pena do mais grave dos delitos, no caso a pena do art. 4º, caput, da Lei n. 7.492/86, aumentada de 1/6 (um sexto) até 1/2 (metade).

Consideradas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, considero significativa sua culpabilidade, embora em menor proporção em relação ao réu Décio Apolinário.

Não obstante sua negativa, ambos tiveram efetiva participação nos fatos e concorreram para que as fraudes fossem ultimadas.

Justifica-se, portanto, a exasperação da pena-base, que fixo em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.

Sem atenuantes, agravantes, ou causas de diminuição, majoro a pena em 1/6 (um sexto), em decorrência do concurso formal, tornando-a definitiva em 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão e 12 (doze) dias-multa.

Fixo o valor unitário do dia-multa no mínimo legal, tendo em vista a condição econômica do réu. Constou do depoimento da testemunha de defesa José Eduardo Moeller Hosken que o réu "possui um trailler na região do Brás/SP atuando na venda de lanches" (fl. 731).

Nos termos do art. 33, § 2º, b, c. c. o art. 59, caput, fixo o regime inicial semiaberto.

A pena privativa de liberdade é superior a 4 (quatro) anos, o que impede a sua substituição por penas restritivas de direito.

Ante o exposto, REJEITO as preliminares, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal e NEGO PROVIMENTO à apelação do réu Décio Apolinário.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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