Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 18/07/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0900137-43.2005.4.03.6181/SP
2005.61.81.900137-4/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : MARIA GOMES DE AMARAL
ADVOGADO : CAROLINE DE PAULA OLIVEIRA PILONI (Int.Pessoal)
: ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica

EMENTA

PENAL - CONSTITUCIONAL - CONFLITO APARENTE DE NORMAS - ARTIGO 70 DA LEI 4.117/62 E ARTIGO 183 DA LEI 9.472/97 - REVOGAÇÃO - "TEMPUS REGIT ACTUM" - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS AMPLAMENTE COMPROVADAS - LEIS 9.472/97 E 9.612/98 - RÁDIO COMUNITÁRIA - NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO DO PODER CONCEDENTE - PRINCÍPIOS DA FRAGMENTARIEDADE E INSIGNIFICÂNCIA NÃO APLICÁVEIS - AUSÊNCIA DE DOLO NÃO COMPROVADA PELA DEFESA - RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO - SENTENÇA INTEGRALMENTE MANTIDA.
1. No presente caso, a conduta desenvolvida pela agente se subsume ao tipo penal previsto no artigo 183 da Lei 9.472/97, haja vista que o delito foi praticado quando já se encontrava em vigor a Lei 9.472/97. Aplicação do princípio geral do tempus regit actum.
2. A Lei 9.472/97 é mais gravosa, se comparada ao regime jurídico penal previsto na Lei 4.117/62, pois, como se vê do simples cotejo entre as leis, houve sensível aumento da repressão estatal na Lei 9.472/97.
3. A Lei 4.117/62 não se encontra mais em vigor no que pertine ao crime de atividade ilegal de radiodifusão, conforme se depreende do inciso I do artigo 215 da Lei 9.472/97. Apesar dos artigos 70 da Lei 4.117/62 e 183 da Lei 9.472/97 possuírem redação legislativa distinta, tratam da repressão estatal relativa a uma mesma conduta penalmente relevante, qual seja, a prática da atividade ilegal de telecomunicações, aí se encontrando, indiscutivelmente, a radiodifusão.
4. Após o advento da Lei 9.472/97, a atividade ilegal de radiodifusão deve ser submetida ao artigo 183 deste diploma legislativo, e não mais ao artigo 70 da Lei 4.117/62, restando a este último dispositivo aplicabilidade apenas no que se refere aos fatos cometidos anteriormente à vigência da Lei 9.427/97.
5. Materialidade delitiva comprovada pelo Auto de Infração de fl. 07, pelo Termo de Interrupção do Serviço de fls. 08/09, pelo Parecer Técnico da Agência Nacional de Telecomunicações de fls. 32/33, bem como pelo Laudo Pericial do Núcleo de Criminalística da Polícia Federal de fls. 42/44.
6. Autoria comprovada pela confissão da ré e pela prova testemunhal e documental colhida.
7. No que se refere às Leis 9.472/97 e 9.612/98, tais diplomas legais em nenhum momento afastaram do controle do Estado a atividade de radiodifusão, que permanece só podendo ser desenvolvida mediante o preenchimento de determinados requisitos técnicos e sob a imperiosa condição de prévia autorização de funcionamento, a ser expedida pelo órgão competente. É evidente que cabe exclusivamente ao Estado regular e disciplinar a instalação e funcionamento de quaisquer rádios, sejam elas comunitárias ou não, pois a ele cabe zelar pela utilização racional do espaço eletromagnético nacional, afim de evitar a ocorrência das conhecidas interferências de transmissão, que tanto põem em risco o normal desempenho de diversas atividades essenciais à sociedade, como o controle de aeronaves e as comunicações travadas pelos órgãos de segurança pública, especialmente as viaturas policiais.
8. Nos crimes como o de atividade clandestina de telecomunicações, não se mostra possível quantificar o dano causado à sociedade, não se podendo aferir, de forma matemática, a extensão do prejuízo. Trata-se, evidentemente, de um dano que ocorre de maneira difusa, mas que atinge, indiscutivelmente, o bem juridicamente tutelado pela norma penal insculpida no artigo 70 da Lei 4.117/62 ou no artigo 183, da Lei 9472/97, qual seja, o uso sistematizado e racional do espaço eletromagnético nacional. Desta feita, diante da impossibilidade de se mensurar com precisão a extensão dos danos causados ao bem juridicamente tutelado, não se pode afirmar que a conduta desenvolvida pelo apelante deva ser alcançada pelo princípio da insignificância penal.
9. Nos crimes como o de atividade clandestina de telecomunicações não se mostra possível quantificar o dano causado à sociedade, não se podendo aferir, de forma matemática, a extensão do prejuízo. Trata-se, evidentemente, de um dano que ocorre de maneira difusa, mas que atinge, indiscutivelmente, o bem juridicamente tutelado pela norma penal insculpida na lei, qual seja, o uso sistematizado e racional do espaço eletromagnético nacional, não sendo possível, assim, falar-se em aplicação dos princípios da insignificância e da fragmentariedade.
10. Ausência de dolo na conduta não demonstrada pela defesa.
11. Mantida a pena corporal como fixada na sentença, para não se configurar a "reformatio in pejus".
12. Recurso desprovido. Sentença de primeiro grau mantida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes os acima indicados, ACORDAM os Desembargadores da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, após o voto-vista do Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO, à unanimidade, em negar provimento ao recurso da ré Maria Gomes de Amaral, mantendo a decisão de primeiro grau em seu inteiro teor, nos termos do voto da Relatora, acompanhada pelo voto do Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW, sendo que o Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO a acompanhou apenas pela conclusão, por fundamento diverso.


São Paulo, 25 de junho de 2012.
RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0900137-43.2005.4.03.6181/SP
2005.61.81.900137-4/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : MARIA GOMES DE AMARAL
ADVOGADO : CAROLINE DE PAULA OLIVEIRA PILONI (Int.Pessoal)
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APELADO : Justica Publica

VOTO-VISTA

Trata-se de apelação criminal interposta por Maria Gomes do Amaral em face da sentença que a condenou pela prática do crime descrito no artigo 70, da Lei nº 4.117/62.

A Eminente Desembargadora Federal Ramza Tartuce votou no sentido de negar provimento ao recurso, entendendo, contudo, que os fatos narrados na denúncia se amoldam ao crime descrito no artigo 183, da Lei nº 9.472/97, tendo em vista a revogação do artigo 70, da Lei nº 4.117/62.

Nada obstante o costumeiro brilho e excelente fundamentação do voto proferido por Sua Excelência, peço vênia para acompanhar tão-somente a conclusão do voto, divergindo, no entanto, da fundamentação esposada.


Inicialmente, observo que a apelante foi também processada e condenada pela prática do crime descrito no artigo 336, do Código Penal, sobrevindo sentença que julgou extinta a punibilidade pela ocorrência da prescrição retroativa (fls. 178/180), de forma que o feito não observou o rito previsto na Lei nº 9.099/95, c.c. artigo 2º, da Lei nº 10.259/01. Assim, a competência para processar e julgar o presente recurso é desta E. Corte.


No mérito, entendo que não houve revogação do artigo 70, da Lei nº 4.117/62, pela Lei nº 9.472/97. A adequada capitulação jurídica dos fatos descritos na denúncia deve ser realizada conforme o caso concreto.

Através dos documentos que acompanharam a denúncia, verifica-se que os agentes de fiscalização da ANATEL, em 28.07.2004, constataram a instalação e o funcionamento de estação de radiodifusão sonora autodenominada "RÁDIO LIBERDADE FM", que operava na faixa de freqüência modulada (FM), utilizando-se do espectro de radiofrequência de 103.5 MHz, sem a devida autorização legal.

Dessa forma, observa-se que a acusada exercia de maneira habitual atividade de telecomunicação sem autorização prévia do Poder Público, razão pela qual a conduta se enquadra no tipo previsto no artigo 183, da Lei nº 9.472/97.

Esse é o entendimento de nossos Tribunais Superiores:

"HABEAS CORPUS. ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÕES CONTRA O DISPOSTO EM LEI. TIPIFICAÇÃO DA CONDUTA. ART. 70 DA LEI N° 4.117/62. IMPOSSIBILIDADE. HABITUALIDADE DA CONDUTA. INCIDÊNCIA DO ART. 183 DA LEI N° 9.472/97. ORDEM DENEGADA.

1. A diferença entre a conduta tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações e a do art. 183 da nova lei de Telecomunicações está na habitualidade da conduta.

2. Quando a atividade clandestina de telecomunicações é desenvolvida de modo habitual, a conduta tipifica o disposto no art. 183 da Lei n° 9.472/97, e não o art. 70 da Lei n° 4.117/62, que se restringe àquele que instala ou utiliza sem habitualidade a atividade ilícita em questão.

3. A denúncia narrou o uso ilegal das telecomunicações de modo habitual pelo réu, sendo correta a tipificação que lhe foi dada.

4. Ordem denegada."

(STF, HC 93870, rel. Ministro Joaquim Barbosa, DJe 10.09.2010)

"PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. ART. 557, CAPUT, DO CPC. RECURSO MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL E IMPROCEDENTE. OFENSA AO ART. 619 DO CPP. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE NO ACÓRDÃO EMBARGADO. EFEITO INFRINGENTE. INVIABILIDADE. NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 70 DA LEI 4.117/62. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO OCORRÊNCIA. RÁDIO

COMUNITÁRIA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. HABITUALIDADE NA INSTALAÇÃO OU UTILIZAÇÃO CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÕES. INCIDÊNCIA DO ART. 183 DA LEI 9.472/97. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Não há se falar em ofensa ao princípio da colegialidade, quando a decisão monocrática é proferida em obediência ao artigo 557 do Código de Processo Civil, que franqueia ao relator a possibilidade de negar seguimento ao recurso, quando manifestamente inadmissível e improcedente.

2. Não está o magistrado obrigado a responder à totalidade das dúvidas

suscitadas pelo embargante, quando for possível inferir das conclusões da decisão embargada a inviabilidade do seu acolhimento. Dessarte, não há se falar, nessas hipóteses, em violação ao artigo 619 do Código de Processo Penal.

3. Encontra-se vigente o artigo 70 da Lei 4.117/62, contudo o fato narrado na inicial, responsabilidade pelo funcionamento clandestino de uma emissora, denominada Rádio Vitória de Salvador, não se subsume a este primeiro artigo, mas sim ao artigo 183 da Lei 9.472/97, haja vista a

clandestinidade e a habitualidade da conduta.

4. Agravo regimental a que se nega provimento."

(STJ, AgRg no REsp 1.103.166/BA, relª. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 29.08.2011)

"CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE JUIZADO ESPECIAL FEDERAL E VARA FEDERAL. PROCESSUAL PENAL. ESTAÇÃO DE RÁDIO CLANDESTINA. CONDUTA QUE SE SUBSUME NO TIPO PREVISTO NO ART. 183 DA LEI 9.472/97 E NÃO AO ART. 70 DA LEI 4.117/62. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL COMUM. PARECER DO MPF PELA COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL COMUM. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO FEDERAL DA 2A. VARA DE PELOTAS - SJ/RS, ORA SUSCITADO. 1. A prática de atividade de telecomunicação sem a devida autorização dos órgãos públicos competentes subsume-se no tipo previsto no art. 183 da Lei 9.472/97; divergindo da conduta descrita no art. 70 da Lei 4.117/62, em que se pune aquele que, previamente autorizado, exerce a atividade de telecomunicação de forma contrária aos preceitos legais e aos regulamentos. Precedentes do STJ. 2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 2a. Vara de Pelotas - SJ/RS, ora suscitado, em conformidade com o parecer ministerial."

(STJ, CC 200802679547, rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 3ª Seção, DJE 10/09/2009)


A materialidade e a autoria delitiva estão demonstradas, nos termos da fundamentação do voto da Excelentíssima relatora.

Ante o exposto, acompanho a Excelentíssima relatora pela conclusão, por fundamento diverso no que tange à tipificação dos fatos narrados na denúncia, para NEGAR PROVIMENTO ao recurso.

É como voto.



Antonio Cedenho


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0900137-43.2005.4.03.6181/SP
2005.61.81.900137-4/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : MARIA GOMES DE AMARAL
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APELADO : Justica Publica

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE:

Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta por MARIA GOMES DE AMARAL contra sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 9ª Vara Criminal de São Paulo/SP, que a condenou à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano de detenção, no regime aberto, pela prática da conduta prevista no artigo 70 da Lei 4.117/62, e a pena de 01 (um) mês de detenção, no regime aberto, pela prática da conduta delituosa prevista no artigo 336 do Código Penal (fls. 164/176). A pena corporal foi substituída por penas restritivas de direitos consistentes na prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, e a pena de prestação pecuniária consistente no pagamento, em favor de entidade com destinação social, de 05 (cinco) cestas básicas (art. 45, § 2º do Código Penal), conforme determinação a ser expedida pelo Juízo das Execuções Penais.

Consta da denúncia que:


"(...) no dia 28 de julho de 2004, agentes de fiscalização da ANATEL/SP em diligências de rotina constataram a existência de estação explorando clandestinamente serviço de rádio difusão na Rua da Amizade n.º 112, Jardim Nossa Senhora de Fátima no município de Embu/SP.
A emissora de radiodifusão, conhecida por 'RÁDIO LIBERDADE FM', emitia sinais de freqüência de 103.5 MHz.
A referida emissora não possuía autorização, para funcionamento, fato este confirmado por sua proprietária em suas declarações de fls. 36/37. Afirmou ainda que somente teve ciência de que a atividade desenvolvida pela emissora era irregular após a lacração dos equipamentos pelos fiscais da ANATEL.
A rádio foi lacrada, conforme ser verifica do Termo de Interrupção de Serviço acostado às fls. 05/06.
De acordo com o Laudo Pericial do Núcleo de Criminalística do Setor Técnico e Científico da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal no Estado de São Paulo, de fls. 39/41, e o Parecer Técnico elaborado pela ANATEL (fls. 29/30), a instalação da emissora tal como foi encontrada, é capaz de causar interferências nas estações legalizadas que operem na mesma freqüência ou em freqüências próximas, além de causar interferências prejudiciais em receptores domésticos (TVs e rádios) adjacentes a esta emissora ilegal.
No tocante a autoria, deve-se ressaltar que a ora denunciada afirmou não saber declinar os dados da pessoa fundadora da rádio, de quem adquiriu os equipamentos pela quantia aproximada de R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Afirmou que a ANATEL, ao efetuar a fiscalização na emissora, lacrou seus equipamentos e que possuía plena ciência de que não poderia romper os lacres. Porém confessou que vendeu todos os equipamentos, incorrendo no crime do artigo 336 do Código Penal ao romper os lacres.
Resta evidente a materialidade dos delitos, de acordo com o Parecer Técnico da ANATEL/SP, além do laudo do Núcleo de Criminalística do setor Técnico Científico da Superintendência Regional de Polícia Federal do Estado de São Paulo, ambos concluindo pela potencialidade lesiva da emissora de radiodifusão clandestina, possível de gerar interferências graves em serviços de telecomunicações além de o lacre colocado pela fiscalização da ANATEL que envolvia os equipamentos ter sido rompido conforme informa a própria denunciada às fls. 36/37.
Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia a Vossa Excelência MARIA GOMES DO AMARAL como incursa nas sanções do artigo 70 da Lei n.º 4.117/62, com alterações dadas pelo Decreto-Lei n.º 236/67, e no artigo 336 do Código Penal, em concurso material, e requer que, recebida e autuada esta, seja a denunciada citada e interrogada, e requer ainda o prosseguimento dos demais atos processuais até final condenação, ouvindo-se, outrossim, as testemunhas abaixo arroladas. (fls. 02/04)" (os negritos são no original).

O recebimento da denúncia se deu em 17.02.06 (fl. 53).

A ré foi interrogada (fls. 79/80), apresentando defesa prévia e arrolando testemunhas (fl. 99).

Foram ouvidas testemunhas de acusação e de defesa (fls. 102/103).

A fl. 106, a Defensoria Pública da União elabora pedido para que o Ministério Público Federal se manifeste quanto à possibilidade da aplicação das medidas despenalizadoras da Lei n.º 9.099/95.

O Ministério Público Federal manifesta-se contrariamente ao pedido da defesa, lastreado na Súmula 243 do Superior Tribunal de Justiça - STJ, posto que as penas dos crimes pelos quais a ré foi denunciada somam mais de um ano.

À fl. 121, a MM. Juíza a qua determinou a manifestação do Ministério Público Federal quanto à prescrição do crime do artigo 336 do Código Penal e eventual oferta de transação e/ou suspensão do processo quanto ao crime do artigo 70 da Lei n.º 4.117/62.

Às fls. 122/123, o Ministério Público Federal afirma não estar prescrito o delito, bem como reitera os motivos pelos quais não ofereceu proposta de transação e/ou suspensão do processo.

Decisão de fls. 129/131 do MM. Juízo de Primeira Instância, acolhendo a manifestação do Ministério Público Federal nos termos em que lançada, e determinando o prosseguimento da instrução processual, com a abertura do prazo do artigo 499 do Código de Processo Penal para as partes.

Manifestação da Defensoria Pública da União na fase do artigo 499 do CPP, pleiteando o reconhecimento da prescrição, o reconhecimento da nulidade do processo, a designação de audiência nos termos do artigo 81 da Lei n.º 9.099/95 e a remessa dos autos ao Ministério Público Federal (fls. 133/140), o que restou indeferido pela MM. Juíza a qua, às fls. 141/43.

Em alegações finais, a acusação pediu a condenação do réu (fls. 144/148), enquanto a defesa pugnou pela absolvição (fls. 150/162).

A sentença foi proferida a fls. 164/176 e publicada em 03 de setembro de 2008 (fl.177). A ré foi intimada em 19/01/2009 (fl. 186 verso).

Decisão interlocutória da MM. Juíza a qua, declarando extinta a punibilidade da ré MARIA GOMES DE AMARAL, em relação ao delito tipificado no artigo 336 do Código Penal, reconhecendo a prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal com fundamento nos artigos 107, IV (primeira figura); 110, § 1º; 119 e 109, VI, todos do Código Penal (fls. 178/180).

Houve oferecimento de razões de apelação por parte da Defensoria Pública da União (fls. 189/199), em que propugna pela reforma da sentença condenatória, requerendo a absolvição, invocando, em apertada síntese, os seguintes argumentos:

a) é de ser reconhecida a atipicidade da conduta, tendo em vista a revogação do artigo 70 da Lei n.º 4.117/62 e a ausência de previsão legal;

b) a aplicação dos princípios da fragmentariedade e insignificância e a consideração da dispensabilidade de autorização governamental para operação de rádio comunitária acarretam o afastamento da tipicidade da conduta aqui tratada;

c) é de ser reconhecida a ausência de dolo por parte da apelante.

Em contra-razões, a acusação pugnou pela mantença da condenação (fls. 201/204 verso).

Nesta Corte, o parecer ministerial foi pelo desprovimento do recurso (fls. 208/219).

Dispensada a revisão, na forma regimental, por se tratar de processo relativo a crime ao qual se comina a pena de detenção (artigo 34, RITRF - 3ª Região).

É O RELATÓRIO.


RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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Data e Hora: 08/05/2012 13:41:00



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0900137-43.2005.4.03.6181/SP
2005.61.81.900137-4/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : MARIA GOMES DE AMARAL
ADVOGADO : CAROLINE DE PAULA OLIVEIRA PILONI (Int.Pessoal)
: ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
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APELADO : Justica Publica

VOTO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE:

Em um primeiro momento, dirijo minha atenção a questão relativa à capitulação jurídica correta a ser emprestada à conduta desenvolvida pela apelante, em face do conflito aparente de normas entre a figura típica prevista no "caput" do artigo 183 da Lei 9.472/97 e a infração prevista no artigo 70 da Lei 4.117/62.

Analisando os diplomas legislativos supracitados, verifico que, no presente caso, a conduta desenvolvida pela agente se amolda ao tipo penal previsto no artigo 183 da Lei 9.472/97, que já se encontrava em vigor na época dos fatos. Aplicação do princípio geral do tempus regit actum.

Aliás, registro que a Lei 9.472/97 caracteriza-se, notadamente, como lei posterior mais gravosa, se comparada ao regime jurídico penal previsto na Lei 4.117/62, pois, como se pode inferir do simples cotejo entre as referidas leis, houve sensível aumento da repressão estatal com a entrada em vigor da Lei 9.472/97, estabelecendo o legislador pátrio um aumento da pena mínima de 01 (um) para 02 (dois) anos de detenção para a conduta aqui mencionada.

E não se diga que a Lei 4.117/62 encontra-se ainda em vigor no que diz respeito ao crime de atividade ilegal de radiodifusão, conforme entendem alguns, com esteio no inciso I do artigo 215 da Lei 9.472/97, que estabelece:

"Art. 215. Ficam revogados: I- a Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962, salvo quanto à matéria penal não tratada nesta Lei e quanto aos preceitos relativos à radiodifusão; (...) "

Sobre o assunto, penso que, apesar de os artigos 70 da Lei 4.117/62 e 183 da Lei 9.472/97 possuírem redação legislativa distinta, tratam eles da repressão estatal de uma mesma conduta penalmente relevante, qual seja, a prática de atividade ilegal de telecomunicações, aí se encontrando, indiscutivelmente, a radiodifusão.

Após o advento da Lei 9.472/97, a atividade ilegal de radiodifusão deve ser submetida ao artigo 183 deste diploma legislativo, e não mais ao artigo 70 da Lei 4.117/62, restando a este último, aplicabilidade apenas no que se refere aos fatos cometidos anteriormente à vigência da Lei 9.472/97.

A meu juízo, a interpretação mais equilibrada do inciso I do artigo 215 da Lei 9.472/97 aponta no sentido de que não houve revogação da Lei 4.117/62 no que se refere aos dispositivos penais que não foram disciplinados pela nova lei, o que, à evidência, não é a hipótese dos autos, eis que, como acima ressaltei, a conduta anteriormente disciplinada pelo artigo 70 da Lei 4.117/62 foi inequivocamente substituída pelo regramento firmado pelo artigo 183 da Lei 9.472/97, que, inclusive, estabeleceu uma majoração da pena mínima abstratamente cominada ao delito, tendo em vista a necessidade de uma maior repressão estatal ao exercício irregular do direito de antena em solo nacional.

No mesmo sentido, transcrevo precedente desta Egrégia Turma, da relatoria do Eminente Desembargador Federal André Nabarrete:

"'Habeas corpus' que objetiva o trancamento da ação penal a que respondem os pacientes pela prática, em tese, do crime definido no artigo 183 da lei nº 9472/97 - ajuizamento de mandado de segurança para discutir a matéria.
1-) Os pacientes são acusados de operar a rádio Consolata FM, em São Manuel, sem autorização da autoridade competente.
(...)
7-) Os artigos 2º e 6º da Lei nº 9.612, de 19.02.98, requerem da rádio comunitária a obtenção de autorização do poder executivo, sem exceção alguma.
8-) Não há contraste ou não se repelem as Leis nºs 9.472/97 e 9.612/98, porque ambas cuidam do serviço de telecomunicações. A segunda estabelece apenas sanções de natureza administrativa e a outra as penais no artigo 183.
9-) A Lei nº 4.117/62 foi revogada pela Lei nº 9.472/97, na parte relativa ao tipo penal do artigo 70, a teor dos artigos 183 e 215 do diploma legal posterior.
10-) Ordem denegada. "
(TRF3 - 5ª turma; HC 1999.03.00.047525-1; j. 04/04/2000; v.u., Publicado no dju de 16/05/2000, p.688)

Portanto, é diante de cada caso concreto, levando-se em conta o princípio do tempus regit actum, que o intérprete buscará qual a norma que deve ser aplicada, o artigo 70 da Lei 4.117/62 ou o artigo 183 da Lei 9.472/97. Na hipótese dos autos, aplicável o artigo 183 da Lei 9.472/97.

Uma vez estabelecido o competente regramento aplicável ao caso em apreço, passo então a analisar se restaram provadas a autoria e a materialidade da conduta delitiva imputada a apelante, pela Justiça Pública.

A materialidade do delito restou demonstrada pelo Auto de Infração de fl. 07, pelo Termo de Interrupção do Serviço de fls. 08/09, pelo Parecer Técnico da Agência Nacional de Telecomunicações de fls. 32/33, bem como pelo Laudo Pericial do Núcleo de Criminalística da Polícia Federal de fls. 42/44. Neste sentido o Parecer Técnico foi conclusivo ao estabelecer:


"1 - A emissora em questão, por não possuir a devida licença de funcionamento, caracterizava assim, emissora ilegal. (...)
4 - Os demais equipamentos e objetos encontrados, relacionados abaixo, caracterizavam a existência de estúdio de radiodifusão sonora comercial. (...)"

Desta forma, tenho como provada a materialidade do crime previsto no artigo 183 da Lei 9.472/97.

Por sua vez, a autoria delitiva imputada à apelante também restou cabalmente comprovada.

Verifique-se que a apelante, em suas alegações finais e em razões de apelação, confirmou os fatos que lhe foram imputados, na fase inquisitória e na fase judicial, restando claro que admitiu o cometimento do delito. Apresentou, apenas, defesa técnica que não tem o condão de elidir o cometimento do crime.

É que suas alegações não encontraram respaldo no conjunto probatório colacionado aos autos.

Para esclarecer a questão, começo por trnscrever o disposto no artigo 183, da Lei 9.472/97:

"Art. 183: Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:"

Examinando a tipicidade prevista no referido dispositivo de lei, verifica-se que a conduta incriminada diz "desenvolver atividades", não sendo exigível para a configuração do delito que o agente tenha "instalado a rádio", ou seja, basta o fato de estar em operação a rádio clandestina.

Com efeito, não há qualquer dúvida de que a ré era responsável pela rádio e, portanto, desenvolvia atividade ilegal quando da fiscalização, tendo inclusive confessado a prática da conduta delituosa.

Quando foi interrogada perante a autoridade policial, a acusada afirmou (fls. 39/40):

"Que a declarante está desempregada atualmente e alega que no passado trabalhava como diarista; QUE, realmente assume ter sido surpreendida no dia em que os Agentes Fiscais da ANATEL estiveram em sua residência, onde estava instalada a RÁDIO LIBERDADE FM, em que operava nos termos do relatório e parecer técnicos de fls. 06/08 dos autos; QUE, assume ainda que no momento em que os Agentes Fiscais chegaram no imóvel, os equipamentos estavam em pleno funcionamento, porém a declarante não os estava operando, porque estava no modo automático; QUE, a declarante diz que era a diretora e responsável-proprietária da RÁDIO LIBERDADE FM; QUE, no dia em que os Agentes Fiscais da ANATEL compareceram no local, a declarante já estava a frente da rádio há um ou dois anos; QUE, a declarante não sabe declinar os dados da pessoa fundadora da rádio e de quem adquiriu os equipamentos; QUE, a declarante pagou a essa pessoa a quantia aproximada de dois mil reais; QUE, a declarante afirma que não desenvolvia atividade comercial na rádio, apenas a utilizava para fins de campanhas e anúncios comunitários; QUE, a declarante assume ter assinado o auto de infração de fls. 09, o termo de interrupção de fls. 10 e anexo ao termo de interrupção de fls. 11, em que a ANATEL lacrou os equipamentos encontrados na sua rádio; QUE, a declarante diz que possuía plena ciência de que não poderia romper os lacres dos equipamentos colocados pela ANATEL; QUE, indagada do paradeiro dos equipamentos lacrados pela ANATEL e sobre sua intimação para que os apresentasse na data de hoje, a declarante afirma que os vendeu todos por um valor aproximado de mil e quinhentos reais; QUE apenas permaneceu no local em que estava instalada a rádio, a respectiva antena transmissora; QUE, a declarante os vendeu após tê-los anunciado em uma placa aposta na frente da sua residência; QUE, não sabe declinar os dados da pessoa para quem os vendeu, apenas que o preço foi pago em dinheiro; QUE, a declarante alega que somente teve ciência de que a atividade que desenvolvia era irregular, após a lacração dos equipamentos pelos fiscais da ANATEL na data em que os mesmos compareceram em sua rádio; QUE, depois de efetuada a lacração, a declarante afirma que seu filho esteve na ANATEL para verificar a possibilidade de que fosse concedida autorização de funcionamento da rádio. (...)" (grifei e negritei).

Em juízo, alegou (fls. 79/80):

"(...) são parcialmente verdadeiros os fatos narrados na denúncia. Não explorava comercialmente a estação de rádio. Fazia ações de caráter voluntário em favor da comunidade, divulgando campanha do agasalho e arrecadação de cestas-básicas. Ainda, auxiliava entidade que abriga menores de idade. Não é verdade que a estação de rádio causasse interferência em equipamento eletrônicos da proximidade, tanto assim que havia TV no estúdio que funcionava normalmente. Adquiriu os equipamentos por R$ 2000,00 provenientes das vendas de suas máquinas de costura. Não é verdade que tenha rompido o lacre colocado pela ANATEL. Vendeu os equipamentos lacrados a um interessado cujo nome não se recorda. Vendeu os equipamentos pelos mesmos R$ 2000,00 que gastou para adquiri-los. Na época dos fatos não estava trabalhando e seu sustento era provido por Geraldo Alves Ferreira, pai de seus dois filhos. Atualmente trabalha como costureira com renda mensal de cerca de R$ 100,00. Tem dois filhos e está cursando o quarto ano do ensino fundamental. Nunca foi presa e nem processada anteriormente. (...)" (grifei e negritei).

Por outro lado, a testemunha LUIS ANTONIO GOMES, agente de telecomunicações da ANATEL, a fl. 103, prestou depoimento em juízo, em que informou:


"Sou agente de fiscalização da ANATEL e participei de diligência que culminou com a lacração da antena de transmissão e da emissora conhecida como 'Rádio Liberdade FM'. Durante a diligência a emissora de rádio estava operando e, realizada medida na potência de seu transmissor, constatou-se que esta era de 55 Watts. Não me recordo da acusada aqui presente nesta sala de audiências. Nada sei acerca de eventual rompimento de lacre. Reconheço como sendo minhas as assinaturas lançadas no auto de infração (fl. 07) e no termo de interrupção de serviço (fls. 08/09). DADA A PALAVRA AO ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, REPERGUNTADA, RESPONDEU A TESTEMUNHAS: A fiscalização não realiza uma avaliação mais aprofundada para aferir quem seria o responsável pela emissora de rádio clandestina. Normalmente, o responsável pela rádio é a pessoa que assina o auto de infração e que está operando a emissora de rádio no momento da diligência. Não me recordo se no caso em questão, a pessoa que se identificou como responsável era do sexo masculino ou feminino. DADA A PALAVRA AO DEFENSOR DO ACUSADO, REPERGUNTADA, RESPONDEU A TESTEMUNHA: Pertenço ao quadro de funcionários efetivos da ANATEL. A diligência não foi realizada com base em alguma autorização judicial, sendo certo que o responsável pela emissora autorizou o ingresso dos agentes de fiscalização nas dependências da rádio. Não tenho condições de precisar qual era a programação da emissora de rádio. (...)" (grifei e negritei)

Esclarecedor, também, o Relatório Técnico juntado a fl. 10, onde restou consignado:


"Na execução da atividade de fiscalização em referência, comparecemos no endereço acima, onde constatamos que a citada estação encontrava-se instalada e em funcionamento. Na ocasião fomos atendidos por Maria Gomes de Amaral (proprietária da emissora), que nos franqueou a entrada no recinto da estação onde foram efetuadas medições nos equipamentos utilizados na rádio, bem como a interrupção do serviço com a lacração cautelar de ofício em razão da inexistência de amparo legal para o seu funcionamento. O material lacrado, relacionado no TERMO DE INTERRUPÇÃO DE SERVIÇO N.º 0008SP20041144RD, permaneceu na responsabilidade da proprietária, para posterior apreensão pela Autoridade Policial de competência." (...) (os destaques são no original)."

Assim, diante do quadro probatório que resplandece dos autos, torna-se indiscutível a autoria delitiva imputada à apelante, que, até o mês de julho de 2004, manteve em operação, de forma clandestina e irregular, a "RÁDIO LIBERDADE FM".

Restam confirmadas, então, a materialidade delitiva e sua autoria, que foi imputada a apelante.

No que se refere a aplicação das Leis 9.472/97 e 9.612/98, observo que tais diplomas legais em nenhum momento afastaram do controle do Estado a atividade de radiodifusão, que permanece só podendo ser desenvolvida mediante o preenchimento de determinados requisitos técnicos e sob a imperiosa condição de prévia autorização de funcionamento, a ser expedida pelo órgão competente. Nesse sentido é o artigo 6º da Lei 9.612/98, que reza: "Compete ao Poder Concedente outorgar à entidade autorização para exploração do Serviço de Radiodifusão Comunitária, observados os procedimentos estabelecidos nesta Lei e normas reguladoras das condições de exploração do Serviço."

É evidente que cabe exclusivamente ao Estado regular e disciplinar a instalação e funcionamento de quaisquer rádios, sejam elas comunitárias ou não, pois a ele cabe zelar pela utilização racional do espaço eletromagnético nacional, a fim de evitar a ocorrência das conhecidas interferências de transmissão, que tanto põem em risco o normal desempenho de diversas atividades essenciais à sociedade, como o controle de aeronaves e as comunicações travadas pelos órgãos de segurança pública, especialmente as viaturas policiais.

Por outro lado, registro que também merece ser afastada a alegação de que a hipótese reclamaria a aplicação dos princípios da fragmentariedade e insignificância penal da conduta, pelo fato de a rádio estar operando em baixa potência, não causando riscos ou danos à sociedade e aos meios de comunicação.

É que, pelo exame do Parecer Técnico juntado às fls. 32/33, verifica-se que a rádio operava com transmissor de 55 Watts e sistema irradiante com altura aproximada de 20 metros, fatores esses superiores aqueles considerados como de baixa potência e cobertura restrita, pela Lei 9.612/98.

Nos crimes como o de atividade clandestina de telecomunicações, não se mostra possível quantificar o dano causado à sociedade, não se podendo aferir, de forma matemática, a extensão do prejuízo. Trata-se, evidentemente, de um dano que ocorre de maneira difusa, mas que atinge, indiscutivelmente, o bem juridicamente tutelado pela norma penal insculpida na lei, qual seja, o uso sistematizado e racional do espaço eletromagnético nacional.

Desta feita, diante da impossibilidade de se mensurar com precisão a extensão dos danos causados ao bem juridicamente tutelado, não se pode afirmar que a conduta desenvolvida pelo apelante deva ser alcançada pelos citados princípios.

Descarto, assim, a aplicação de ditos princípios à hipótese dos autos.

Nesse sentido, como bem colocado pela douta Procuradora Regional da República:


"Como bem apontado na r. sentença, o estúdio de radiodifusão sonora 'operava sem a devida licença de funcionamento, com potencial para gerar interferências prejudiciais em serviços de telecomunicações regularmente instalados, além de expor a risco a vida dos seus operadores e vizinhos, já que as instalações dos equipamentos da emissora encontravam-se desprovidos dos requisitos técnicos de segurança (fl. 167)'.
Portanto, é insustentável a pretendida aplicação dos princípios da insignificância e fragmentariedade, já que o delito previsto no artigo 70 da Lei n.º 4.117/62 é formal, não reclamando, para se perfazer, a concreta existência de dano, mas tão somente o risco concreto ao formal desempenho de diversas atividades essenciais à sociedade, como o controle de aeronaves e as comunicações travadas pelos órgãos de segurança pública, especialmente as viaturas policiais. (...)"

Assim, comprovadas a autoria e a materialidade delitivas, a condenação da ré é medida que se impõe.

Por fim, quanto à alegada ausência de dolo sustentada pela defesa, tenho que não encontra respaldo nas provas coligidas aos autos, sendo certo também que a defesa não produziu qualquer prova nesse sentido, não sendo possível, assim, acolher-se referida tese defensiva.

No que diz respeito a pena corporal, resta mantida como fixada em primeiro grau, para não se configurar a "reformatio in pejus".

Diante do exposto, nego provimento ao recurso da ré MARIA GOMES DE AMARAL, mantendo a decisão de primeiro grau, em seu inteiro teor.

É COMO VOTO.

RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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