D.E. Publicado em 05/07/2012 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW:10050 |
Nº de Série do Certificado: | 5575CE3631A25D56 |
Data e Hora: | 27/06/2012 14:24:44 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
Trata-se de apelação criminal interposta por Osny Cardoso Wagner em face da sentença que julgou procedente o pedido e o condenou a 2 (dois) anos e 3 (três) meses de detenção, regime inicial aberto, e ao pagamento de R$4.050,00 (quatro mil e cinquenta reais) a título de multa, corrigido monetariamente, pela prática do crime do art. 90 c. c. o art. 99, ambos da Lei n. 8.666/93. Por força do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, foi fixado como reparação dos danos causados pela infração o valor de R$11.417,52 (onze mil, quatrocentos e dezessete reais e cinquenta e dois centavos) (fls. 896/925).
O apelante alega o quanto segue em suas razões recursais:
a) o réu foi denunciado por supostamente fraudar licitação na modalidade tomada de preços, realizada pelo Município de Itaberá em 2003, em prol do grupo criminoso chamado "Máfia das Sanguessugas";
b) a denúncia baseou-se em meras conjecturas, não confirmadas em Juízo;
c) não há prova do dolo de fraudar procedimento licitatório;
d) o acusado não teve conhecimento de quaisquer irregularidades em relação ao certame para a aquisição de unidade móvel de saúde;
e) não há prova de que o acusado tivesse ciência de que adquiriu bem superfaturado ou mesmo por preço superior ao de mercado;
f) o acusado tão somente, como prefeito do Município de Itaberá, assinou o convênio e os atos do processo licitatório por ser essa sua incumbência;
g) não é possível sustentar o decreto condenatório com base em indícios;
h) o fato de a empresa vencedora do certame integrar a "Máfia das Sanguessugas" não é suficiente para se concluir pela responsabilidade do réu;
i) o fato de as contas do exercício em que houve o processo licitatório terem sido aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e, sobretudo, o fato de as contas terem sido aprovadas pelo Órgão Técnico do Ministério da Saúde, conforme consta do item 3.5 do relatório da DENASUS, indicam a falta de dolo do acusado de fraudar procedimento licitatório;
j) a acusação não logrou demonstrar qual a conduta ilícita praticada pelo apelante e qual a vantagem econômica indevida em prejuízo da União e do Município de Itaberá;
k) não foram apontadas as implicações de as folhas do processo administrativo não estarem numeradas, não sendo essa atribuição do prefeito;
l) a não indicação de Presidente da Comissão de Licitações e a circunstância de o edital ter sido assinado somente pelo prefeito, sem indicação da data, constituem mera irregularidades;
m) não era necessária a pesquisa prévia de preços, primeiro porque, ao destinar ao Município R$66.000,00 (sessenta e seis mil reais) para aquisição de uma ambulância, sobre o qual se deveria acrescer a contrapartida de R$13.200,00 (treze mil e duzentos reais), o Ministério da Saúde teria realizado a pesquisa prévia e atribuído ao bem o valor de R$79.200,00 (setenta e nove mil e duzentos reais) na data da assinatura do convênio (05.07.02) e, segundo, porque a prévia pesquisa de preços não é requisito legal para a tomada de preços;
n) foi realizada prévia pesquisa de preço pelo Executivo Municipal quando da elaboração do Plano de Trabalho e com certeza pelo Ministério da Saúde, que celebrou convênio da mesma espécie com dezenas ou centenas de municípios e culminou por aprovar o Plano de Trabalho elaborado pelo Município de Itaberá;
o) a falta de parecer jurídico prévio aprovando as minutas do edital e do contrato decorre tão somente da falta de corpo técnico especializado na Administração Municipal, que contava à época com um único cargo de assessor jurídico, cujo ocupante era responsável por toda a parte jurídica, administrativa e pelo contencioso judicial da Administração;
p) é indevida a alegação ministerial de que a impugnação ofertada ao primeiro edital pela empresa Iveco Brasil Ltda. teve por objeto provocar modificações em algumas exigências contidas no Anexo III do Edital, de modo a beneficiar terceiros; a impugnação foi oportuna e atendeu aos interesses da impugnante;
q) requer a redução da pena privativa de liberdade ao mínimo legal;
r) requer a exclusão da alínea g do art. 61 do Código Penal, sob pena de configurar bis in idem, na medida em que, ainda que o art. 90 da Lei de Licitações não trate de crime funcional típico, o apelante somente está respondendo a essa injusta acusação por ter sido prefeito do Município de Itaberá;
s) a pena de multa é excessiva e não proporcional à pena privativa de liberdade, razão pela qual deve ser reduzida;
t) deve ser excluída a condenação de reparação de danos pela infração, fixada de ofício pelo Juiz, tendo em vista que já há duas ações civis em curso em razão dos fatos, bem como porque não há pedido expresso na denúncia, não sendo assegurados ao apelante o exercício dO contraditório e da ampla defesa (fls. 948/976).
Contrarrazões às fls. 978/982.
A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento da apelação (fls. 985/993).
Feito sujeito à revisão, nos termos regimentais.
É o relatório.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW:10050 |
Nº de Série do Certificado: | 5575CE3631A25D56 |
Data e Hora: | 24/05/2012 15:48:36 |
|
|
|
|
|
VOTO
Imputação. O apelante foi denunciado pela prática do crime do art. 90 da Lei nº 8.666/93, como segue:
Materialidade. Apesar do crime do art. 90 da Lei n. 8.666/93 não exigir a comprovação da materialidade delitiva, tendo em vista sua natureza formal, os aspectos materiais restaram provados com base nos seguintes elementos de convicção:
e) nota fiscal da ambulância vendida pela empresa Klass (fl. 425/426).
Autoria. A autoria restou devidamente provada.
Luiz Antônio Trevisan Vedoin, empresário, prestou os seguintes depoimentos perante a 2ª Vara Federal de Mato Grosso, nos quais descreve minuciosamente a atuação criminosa do grupo posteriormente denominado "Máfia das Sanguessugas", o qual chefiava, juntamente com seu pai Darci José Vedoin. O acusado admitiu o direcionamento de várias licitações para a entrega de ambulâncias por parte do Poder Público a prefeituras no País, com a participação de vários políticos e autoridades públicas:
Osny Cardoso Wagner, ao ser ouvido em Juízo, disse que atualmente trabalhava como lavrador e comerciante, tendo sido prefeito de Itaberá entre 2001 e 2004. Com relação ao Convênio n. 1.706/02, assinalou que foi realizado para adquirir uma ambulância para a cidade. Durante seu mandato lograra conseguir sete ambulâncias. As informações sobre os processos de licitação eram dadas pelo departamento jurídico da Prefeitura, chefiado por Carmen. Não se lembrava acerca da não indicação de data no edital. Afirmou se recordar da impugnação realizada por falta de documentos pela empresa Iveco. Salientou que não participava diretamente das licitações. Não conhecia o empresário Luiz Antônio Trevisan Vedoin nem a empresa Klass. Não se recordava da alteração no edital de licitação da ambulância. Os bens eram obtidos por meio de seu projetista e por emendas parlamentares, sendo que trabalhava com o Deputado Federal Arnaldo Madeira. Não se lembrava a respeito da ausência de parecer jurídico no edital. Não conhecia a empresa Planan. Narrou que era comum ia a Brasília assinar convênios. Os integrantes da comissão de licitação já trabalhavam para a Prefeitura (fls. 854/855 e mídia de fl. 856).
Maria do Carmo, advogada, disse que trabalhara no departamento jurídico da Prefeitura Municipal de Itaberá, sendo a única integrante do departamento jurídico. Não participara da elaboração do edital ou do contrato, cuja responsabilidade era do setor de licitação. Manifestava-se apenas nos casos de impugnação e emitia parecer ao final em todos os processos. Com relação à tomada de preços objeto da denúncia, asseverou que tomara contato apenas quando foi apresentada impugnação da empresa fabricante do tipo de veículo. A impugnação dizia respeito a aspectos técnicos do veículo e também a respeito de documentos exigidos para habilitação. Com relação à especificação das medidas do veículo, constatara que havia erro material na distância entre eixos, tendo sugerido a padronização das medidas em milímetros. A certidão do IMETRO fora dispensada porque, conforme descrito na impugnação, somente poderia haver certificação após sua produção e adaptação. A certidão da PGE não era mais exigível dado que havia sido estabelecida certidão conjunta. Não tinha conhecimento de quantas empresas retiraram o edital e não havia comunicação com o prefeito durante o processo licitatório. A impugnação referia-se apenas ao INMETRO e à especificação técnica. O departamento jurídico também não participava da celebração de convênios. Havia uma consultoria que prestava serviço ao município. Dos integrantes do departamento de licitação, recordava-se de Ivanize Santos, Luis Rosa, Edson e Rejane Freitas. Fora adotada a tomada de preços por falta de empresas pré-cadastradas e também porque assim haveria possibilidade da participação de mais licitantes. Não tinha conhecimento se Luis Antônio Trevisan Vedoin ou o Deputado Bispo Vanderval Furtado estiveram na Prefeitura. O acusado responde também a ação de improbidade administrativa em razão deste processo. Nas licitações, era feita pesquisa prévia de preço, exceto quando se tratava de convênio, dado que o valor já vinha estabelecido no plano de trabalho (fls. 775/776).
Arlete Perina, funcionária pública, revelou que à época dos fatos era encarregada de licitações, sendo responsável pela elaboração de editais. A comissão de licitação era responsável pela análise dos documentos de habilitação e das propostas, bem como pelo julgamento. Fora a responsável pela elaboração do edital e também elaborava as atas das reuniões da Comissão. Não participara da alteração posterior do edital, feita pelo Departamento Jurídico. O réu nunca interferira nos processos de licitação, inclusive com relação ao objeto dos autos. Ivanize Santos, Luis Rosa e Rejane Freitas foram os integrantes da comissão permanente responsáveis pelo processo licitatório. Não participava da assinatura dos convênios nem da análise das impugnações. Para objetos simples, tinha liberdade para escolha da modalidade de licitação e, nos demais, a modalidade era passada por Nilson Oliveira. Esclarece que a decisão da impugnação fora feita pelo departamento jurídico, tendo a depoente refeito o edital e cuidado da parte operacional, como a publicação. O departamento de licitação, do qual era encarregada, não fazia cotações de preços, os quais eram realizados pelo setor de compras da Prefeitura. Era funcionária da Prefeitura desde o ano de 1982 (fls. 777/778).
Ivanize de Camargo Santos, funcionária da Prefeitura, trabalhava como escriturária no serviço social e também compunha a comissão de licitação. Não participara do processo licitatório e da tomada de preços, objeto da denúncia. Relatou que, dos processos que participara, o prefeito apenas assinava a adjudicação e o contrato. Não tinha contato com Nilson de Oliveira, não se recordando se ele decidia as modalidades licitatórias. A comissão era responsável pela análise dos documentos de habilitação e da proposta. Também era responsável pelo julgamento, de modo que o processo ia para o prefeito para adjudicação. No caso de convênios, o preço era definido diretamente era feita diretamente com os Ministérios (fl. 779).
Luiz Aparecido da Rosa, disse que, à época, era contador da Prefeitura, fazia parte da comissão de licitação, sendo responsável apenas pela análise dos documentos de habilitação. Narrou que, meia hora antes da reunião, tomava conhecimento do edital e, após a abertura dos envelopes, analisava os requisitos da habilitação. Revelou que o julgamento das licitações era feito por todos os membros da comissão. A entrega dos editais a empresas era realizada por Arlete e a comissão não decidia a modalidade de licitação. Relatou que Nilson era Chefe de Gabinete na época. Os membros da comissão participavam de todas as atividades, não havendo um presidente. Mencionou que, do processo de licitação específico, participaram Edson Moraes e Rejane Maria de Freitas, além do depoente. Se não se enganava, a empresa não habilitada deixou de apresentar a CND do FGTS. Como contador, era responsável pela prestação de conta dos convênios (fls. 780/781).
Rejane Maria de Freitas, funcionária da Prefeitura desde 1992, disse que na época compunha a comissão de licitação, a qual tomara contato com o edital poucas horas antes da abertura dos envelopes e fora a responsável pela análise dos documentos de habilitação e propostas. Disse que a escolha da modalidade não era feita pela comissão e não sabia quem era o responsável. Pela análise dos preços, se baseavam na cotação prévia e, em caso de convênio, no Plano de Trabalho (fl. 782).
Nilson Domingos de Oliveira, funcionário público, disse que em 2003 ocupava o cargo de Chefe de Gabinete, sendo responsável pela tributação. Com relação à licitação objeto da denúncia, mencionou que participara da decisão junto com o então Secretário da Saúde e com o Secretário de Administração e Finanças Antônio Américo Ravassi. Decidiram pela tomada de preços porque não havia empresas cadastradas e também pela amplitude da divulgação. Asseverou que o prefeito não participara da decisão, o qual não tinha ingerência no processo licitatório. Decidiram pela tomada de preços porque não havia empresas cadastradas e também pela amplitude da divulgação. Disse que, em geral, os parlamentares fazem as emendas e depois entram em contato com as prefeituras. O deputado Bispo Wanderval não possui qualquer relação com o município de Itaberá e não o conhecia. Soubera do convênio quando o mesmo já havia sido celebrado. Na época, o encarregado do setor de convênios era Lucélio Ubirajara dos Santos, funcionário de carreira. Mencionou que não havia um critério para definir a participação do depoente em licitações. Com relação à licitação objeto da denúncia, participara da escolha do procedimento, segundo encaminhamento do setor responsável (fls. 783/784).
Luiz Antônio Trevisan Vedoin, empresário, disse em seu depoimento que não conhecia pessoalmente o réu e que não negociara com ele diretamente. As vendas de unidades móveis no Estado de São Paulo eram de incumbência do representante Sinomar. Mencionou ter conhecimento da venda de uma ambulância para a Prefeitura de Itaberá. Era proprietário das empresas Santa Maria, Klass e Planam, as quais realizavam vendas em São Paulo. O depoente ratificou integralmente os depoimentos prestados perante a 2ª Vara Federal do Mato Grosso (mídia de fl. 762).
Márcia Maciel, enfermeira, auditora do DENASUS, disse que realizara uma avaliação do convênio para a compra de uma viatura para o município de Itaberá, se recordando que houve glosa no convênio (fl. 804).
Kiyoshi Adachi, auditor da Controladoria Geral da União, disse que participara da auditoria do DENASUS (Departamento Nacional de Auditoria do SUS) referente à chamada "Máfia dos Sanguessugas", nome dado pelo Ministério da Saúde, razão pela qual foram investigados cerca de quarenta municípios em São Paulo que realizaram convênios para a compra de ambulâncias. Com relação à Tomada de Preços n. 05/03, revelou que, segundo o relatório da auditoria, não ocorreram as pesquisas iniciais de preço (fl. 805).
Inês Maria de Arruda Cano disse que trabalha no DENASUS e que participara da auditoria que verificou o favorecimento da empresa Klass na venda de ambulâncias para a Prefeitura de Itaberá. Relatou que o favorecimento consistia especificamente no arranjo anterior à licitação entre algumas das empresas concorrentes, a respeito de quem seria o vencedor. Asseverou que houve diversas irregularidades na tomada de preços e, comparando os valores das ambulâncias constantes na planilha da Controladoria Geral da União com o valor pedido pelo vencedor do certame, verificou-se que este era superior ao valor de mercado. Acrescentou que os auditores fotografaram as ambulâncias adquiridas para constatar as irregularidades (fl. 829).
A prova coligida é suficiente para a comprovação de que Osny Cardoso Wagner fraudou, mediante ajuste, o caráter competitivo de procedimento licitatório com o intuito de obter para outrem vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação.
Dos elementos dos autos se infere que o réu aderiu ao esquema de uma organização criminosa denominada "Máfia das Sanguessugas", chefiada por Luiz Antônio Trevisan Vedoin e seu pai, com atuação perante o Poder Legislativo Federal e os Poderes Executivos Municipais. A atividade se iniciava com a participação de parlamentares que propunham emendas ao orçamento da União, de modo a obterem verbas que eram utilizadas na aquisição de ambulâncias a serem entregues, por meio de convênios, a prefeituras previamente conluiadas, as quais realizavam licitações irregulares, cujos objetos eram adjudicados a empresas constituídas pelo grupo criminoso.
O dolo da prática delitiva exsurge das circunstâncias fáticas, que serão apreciadas a seguir.
A atividade do grupo foi descrita detalhadamente na ação de improbidade administrativa interposta pelo Ministério Público Federal em face do réu e de funcionários da Prefeitura de Itaberá em razão dos fatos objeto da presente ação penal. A organização movimentou ilegalmente recursos públicos da ordem de R$99.000.000,00 (noventa e nove milhões de reais), com um prejuízo calculado em R$15.500.000,00 (quinze milhões e quinhentos mil reais) ao erário, somente com a compra de ambulâncias, conforme consta da descrição dos fatos na naquela ação civil:
Marcos Antônio Vedoin admitiu sua participação em uma organização criminosa, no depoimento perante a 2ª Vara Criminal de Cuiabá, cujo conteúdo confirmou ao ser ouvido no presente feito. O réu explicitou o funcionamento da organização, nos termos acima descritos, e o aliciamento do Deputado Federal Bispo Wanderval, o qual ficou encarregado de propor emendas ao orçamento do Ministério da Saúde para a aquisição de ambulâncias, mediante o recebimento de 10% (dez por cento) do valor das emendas.
De fato, conforme se observa do relatório preliminar da comissão parlamentar de inquérito, instaurada para apurar a atuação de parlamentares na "Máfia das Sanguessugas", coube ao Bispo Wanderval a emenda ao orçamento responsável por levantar recursos suficientes à aprovação e execução do Convênio n. 1.706/02, firmado entre a União e a Prefeitura Municipal de Itaberá para a compra de uma ambulância, a qual foi entregue ao Município por meio de licitação direcionada à empresa Klass Ltda (fl. 8).
Consta que o convênio foi firmado pelo valor de R$84.688,00 (oitenta e quatro mil, seiscentos e oitenta e oito reais), sendo que o Ministério da Saúde repassou à prefeitura R$66.000,00 (sessenta e seis mil reais).
A Auditoria n. 4.717, realizada pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS e pela Controladoria Geral da União na Prefeitura de Itaberá entre 18.09.06 a 20.09.06, apurou irregularidades relativas ao processo de licitação para a compra de uma unidade móvel de saúde, as quais evidenciaram o envolvimento direto do acusado, então Chefe do Poder Executivo local, na elaboração do edital e nos atos posteriores que culminaram com a adjudicação do bem à empresa Klass, constituída pelo acusado, juntamente com as empresas Santa Maria e Planan, todas com o mesmo endereço, para participar e vencer as licitações municipais (fls. 65/93).
Dentre as diversas irregularidades verificadas no edital do Processo de Licitação n. 33, Tomada de preços n. 05/03, como falta de parecer jurídico para a aprovação das minutas do edital e do contrato de compra da ambulância, falta de indicação clara quanto ao dia em que foi protocolado, falta de numeração de algumas folhas, falta das folhas n. 95 a 100 e falta de designação de presidente para a comissão de licitação, consta que o edital foi assinado pelo acusado, na condição de prefeito municipal, e não por integrante da comissão de licitação, não havendo, ademais, indicação da data em que foi assinado. O edital foi publicado no Diário Oficial do Estado em 26.02.03.
Consta que o réu assinou em Brasília o convênio n. 1.076/02 (fl. 298), os planos de trabalho (fls. 299/300, 302, 306, 308 e 313), além do próprio edital, isoladamente, bem como homologou e adjudicou o objeto da licitação, o que infirma a versão da defesa e das testemunhas que compuseram a comissão de licitação, no sentido de que o réu não participou diretamente do procedimento.
O Convênio n. 1.706/02 também abarcou o Processo Licitatório n. 42, Carta Convite n. 18/03, para a compra de um ventilador pulmonar portátil e de um oxímetro de pulso portátil, sendo que tal fato não foi objeto da denúncia.
Luiz Antônio Vedoin esclareceu que o direcionamento das licitações era constituído basicamente de três fases.
A primeira fase, acima descrita, consistia em obter recursos federais mediante a propositura e aprovação de emendas parlamentares ao orçamento do Ministério da Saúde.
A segunda, relativa à elaboração dos pré-projetos e projetos junto ao Ministério da Saúde para a celebração dos convênios, normalmente assinados pelos prefeitos nos gabinetes dos parlamentares, oportunidade em que, segundo Luiz Antônio, aproveitavam para acertar os detalhes do processo de licitação.
A terceira se referia propriamente ao processo de licitação e, nos casos em que era adotada a tomada de preços, a organização se colocava à disposição da entidade beneficiada para elaborar o edital, o qual também era elaborado conjuntamente com as prefeituras. Luiz Antônio asseverou que, normalmente, eram inseridas exigências no edital que dificultavam a participação de outras empresas, como a necessidade de apresentar carta de referência do INMETRO; certificado de segurança veicular-CSV, atestados de capacidade técnica, homologados pelo CREA; nota fiscal do veículo ofertado na proposta, certidão negativa de débitos trabalhistas, entre outros.
As irregularidades apuradas na Tomada de Preços n. 5/03 seguem a estratégia criminosa apontada, a evidenciar a existência de fraude na licitação para a compra de uma ambulância à Prefeitura de Itaberá.
A propósito, o acusado nomeou em 01.03 para a Comissão Municipal de Licitações de Itaberá os funcionários Ivanize de Camargo Santos, Rejane Maria de Freitas, Luiz Aparecido da Rosa, Valdir Aparecido Neto Costa, Edson Moraes dos Santos, José Maria Machado e Benedito Mendes dos Santos (fl. 388). Desses funcionários, prestaram depoimento no feito Ivanize e Rejane.
Ivanize revelou não ter participado do processo licitatório objeto da denúncia. Já Rejane afirmou que tomara contato com o edital poucas horas antes da abertura dos envelopes e fora a responsável pela análise dos documentos de habilitação e propostas. Disse que a escolha da modalidade não era feita pela comissão e não sabia quem era o responsável.
A testemunha Arlete Perina, funcionária da prefeitura, alegou ter sido responsável pela elaboração do edital, bem como das atas das reuniões da comissão, não tendo participado, todavia, da alteração posterior quando da impugnação do edital, que foi realizada pelo departamento jurídico. Mencionou que, para objetos simples, tinha liberdade para escolha da modalidade de licitação e, nos demais casos, a modalidade era passada por Nilson Oliveira, chefe de gabinete.
Após a publicação do edital e de sua disponibilização por e-mails a algumas empresas pela funcionária Arlete, consta o envio, em 27.02.03, de um e-mail da empresa Tapajós Bauru Caminhões à própria Arlete, sugerindo a alteração da marca do veículo a ser licitado, do tipo Van, importada, para o tipo furgão, nacional, em razão das facilidades de ser prestada assistência técnica, acrescentando que o veículo deveria ser inteiramente de fabricação nacional (fl. 350).
Em 12.03.03, a empresa Iveco Fiat Brasil Ltda., com sede em Sete Lagoas (MG), apresentou impugnação para concorrer ao edital, na qual sugeria pequenas alterações de algumas especificações do veículo, como a de que, em vez de constar veículo com lugar para 3 passageiros, que constasse veículo com banco para o motorista e banco para dois lugares para acompanhantes, bem como de que, em vez de constar entre eixos de 2,80mm (dois e oitenta milímetros), que constasse para 2800mm (dois mil e oitocentos milímetros) e de que o veículo fosse de cinco marchas sincronizadas à frente e uma marcha à ré, em vez de cinco marchas sincronizadas (fls. 354/362).
Causa estranheza a minúcia das especificações sugeridas por uma empresa que tem sede em outro Estado e que, pelo que se infere dos endereços de e-mail à fl. 75, não recebeu cópia do edital para se inteirar dos seus termos, a circunstância de sua impugnação ter sido aceita, a ensejar a retificação do edital, novamente assinado somente pelo réu (fl. 369), e o fato de que tal empresa não apresentou proposta para participar da licitação, ainda que atendidas suas sugestões.
Acrescente-se que somente duas empresas apresentaram propostas para a licitação, a empresa Klass Comércio e Representação Ltda., constituída por Luiz Antônio para, segundo o próprio, participar e ganhar licitações fraudadas, e a empresa Veteli Veículos e Peças Ltda., a qual não foi considerada habilitada em virtude de não ter apresentado o certificado de regularidade com o FGTS. Tais fatos, reunidos, evidenciam a manobra utilizada para o direcionamento da licitação, cujo modus operandi é semelhante àquele relatado por Luiz Antônio em seu depoimento, de modo que se sagrasse vencedora a Empresa Klass, única participante efetiva.
Luiz Antonio relatou que adquiria as ambulâncias oferecidas por suas empresas da Torino Comercial de Veículos, a qual vendia o veículo Iveco Daily 35.10, feito pela Iveco Fiat, do que se extrai o interesse da empresa Iveco em impugnar a licitação, sugerindo a compra de um veículo com as especificações que vendia, o qual, por fim, foi aquele comprado pelo acusado. Veja-se, a propósito, a nota fiscal de fl. 427, bem como as conclusões da auditoria quanto a esse aspecto:
Não favorece à defesa a alegação de que o réu não conhecia Luiz Antônio Vedoin, um dos líderes da "Máfia das Sanguessugas". Com efeito, Luiz Antônio afirmou que raramente negociava diretamente com prefeitos e que era representado na região sudeste por Sinomar Martins, indivíduo que, de fato, defendeu os interesses do grupo criminoso, na medida em que assinou o contrato de compra da ambulância em nome da empresa Klaus Comércio e Representações Ltda. O réu também assinou o contrato como contratante (fls. 419/423).
Também não socorre à empresa o argumento de que não houve superfaturamento, vale dizer, recebimento de vantagem na adjudicação do objeto à empresa Klass, a configurar a atipicidade da conduta.
O crime de frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório, com o intuito de obter para si ou para outrem vantagem decorrente da adjudicação de bem, é de natureza formal, não exigindo, para sua configuração, resultado naturalístico consistente em prejuízo para a Administração ou obtenção efetiva de vantagem ao agente. É suficiente, assim, a frustração do caráter competitivo do certame, que, no caso, restou devidamente provado, o que ocorreu em benefício do esquema capitaneado por Luiz Antônio Vedoin.
Ademais, o relatório da auditoria estimou prejuízo na aquisição da unidade móvel de saúde, no valor de R$11.417,52 (onze mil, quatrocentos e dezessete reais e cinqüenta e dois centavos), caso houvesse, de fato, pesquisa de preços. Considerou-se o preço da aquisição (R$81.000,00) e o valor de mercado do veículo à época, com as transformações necessárias à finalidade de prestação de socorro médico (R$69.582,48).
As declarações dos auditores corroboram as provas coligidos no sentido de que houve direcionamento da licitação à empresa Klass, criada por um dos chefes da "Máfia das Sanguessugas".
Portanto, comprovadas os aspectos materiais do delito e a autoria delitiva, deve ser mantida a condenação.
Dosimetria. O Juízo a quo, considerando os critérios do art. 59 do Código Penal, fixou a pena-base no mínimo legal de 2 (dois) anos de detenção. Entendeu-se que as circunstâncias judiciais não eram desfavoráveis ao réu.
Reconheceu-se a agravante do art. 61, II, g, do Código Penal, pela prática do crime na qualidade de prefeito municipal, com violação a obrigação inerente ao cargo público, fixando-se a pena em 2 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão, tornada definitiva.
Com relação à pena de multa, foram observadas as disposições do art. 99 da Lei n. 8.666/93, de modo que restou fixada em R$4.050,00 (quatro mil e cinqüenta reais), que corresponde à aplicação do percentual de 5% (cinco por cento) sobre o valor de venda do bem, atualizado a partir de 30.04.03 (data do pagamento da quantia).
Fixou-se o regime inicial aberto de cumprimento da pena, nos termos do art. 33, § 2º, c, do Código Penal.
A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à entidade assistencial e prestação pecuniária de 6 (seis) salários mínimos em favor de entidade pública com destinação social.
A defesa apela da dosimetria da pena e requer a exclusão da alínea g do art. 61 do Código Penal, sob pena de configurar bis in idem, na medida em que o apelante somente está respondendo a essa injusta acusação exatamente por ter sido prefeito do Município de Itaberá; a pena de multa é excessiva e não proporcional à pena privativa de liberdade, razão pela qual deve ser reduzida e, por fim, deve ser excluída a condenação de reparação de danos pela infração, tendo em vista que já há duas ações civis em curso em razão dos fatos, bem como porque não há pedido expresso na denúncia, não sendo assegurado ao apelante o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Não prosperam os pleitos da parte.
A agravante do art. 61, g, do Código Penal deve ser mantida porque é inegável que o réu praticou o crime com abuso de poder, violando dever de probidade, inerente ao cargo de prefeito municipal. O crime do art. 90 da Lei n. 8.666/93 não é de natureza funcional, quando o cargo ou profissão é elementar do tipo, de modo que não há bis in idem na aplicação da agravante.
Com relação à pena de multa, o art. 99 da Lei n. 8.666/03 autoriza sua aplicação. Verifico que o Juízo a quo utilizou como base de cálculo o valor da ambulância (R$81.000,00) e não o valor da vantagem obtida ou potencialmente auferível. Tal fato, todavia, não obsta a manutenção da pena aplicada, considerando que o valor fixado, R$4.050,00 (quatro mil e cinqüenta reais), não supera o percentual de 5% do valor do contrato firmado, e se mostra razoável em face do crime praticado pelo réu. Nesse sentido é o parecer ministerial:
A pena de multa também não comporta alteração, haja vista que aplicada na forma da lei e em conformidade com a condição do réu à época, de prefeito municipal. O valor fixado, seis salários mínimos, atende à sua finalidade de reprovação e prevenção, sem ser excessiva.
A pena de reparação de dano igualmente deve ser mantida. Sua condenação carece de pedido específico, tendo em vista que se trata de efeito genérico da condenação (CP, art. 91, I). Foram observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, na medida em que incidiram para que o réu viesse a ser condenado. Mas não impedem que a condenação surta seus efeitos ex lege, ainda que esses efeitos afastem um certo poder ao Juiz de determinar a extensão do preceito condenatório no campo da reparação do dano.
Ademais, a novel disposição do art. 387, VI, do Código de Processo Penal nada mais fez do que conferir maior efetividade à obrigação legal de reparação. E claro está que ela, uma vez satisfeita, deverá ser considerada pelo Juízo onde tramitam as ações civis em face do réu e dos demais envolvidos com os fatos, de modo a se evitar bis in idem.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW:10050 |
Nº de Série do Certificado: | 5575CE3631A25D56 |
Data e Hora: | 27/06/2012 14:24:48 |