Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 29/05/2012
HABEAS CORPUS Nº 0010610-85.2012.4.03.0000/SP
2012.03.00.010610-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
IMPETRANTE : MARIA APARECIDA CRUZ DOS SANTOS
PACIENTE : SIMONE APARECIDA BORIJO MENEZES
ADVOGADO : MARIA APARECIDA CRUZ DOS SANTOS e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE ARACATUBA SecJud SP
No. ORIG. : 00018864620084036107 1 Vr ARACATUBA/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SENTENÇA. APELAÇÃO INTEMPESTIVA. REDISCUSSÃO DA CONDENAÇÃO POR VIA IMPRÓPRIA. NÃO CABIMENTO. ESTELIONATO. SEGURO DESEMPREGO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. ORDEM DENEGADA.
1. Sentença condenatória. Apelação intempestiva.
2. Habeas corpus impetrado contra sentença. Rediscussão da condenação através de via imprópria. Não cabimento.
3. Estelionato contra ente público. Obtenção de seguro desemprego.
4. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Lesividade e reprovabilidade da conduta. Risco de desequilíbrio financeiro para manutenção do programa de assistência da Previdência Social. Precedentes do STJ.
5. Tipicidade da conduta. Exaustiva análise na instrução e na sentença condenatória.
6. Via do habeas corpus é medida de exceção. Constrangimento não demonstrado.
7. Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 21 de maio de 2012.
RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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HABEAS CORPUS Nº 0010610-85.2012.4.03.0000/SP
2012.03.00.010610-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
IMPETRANTE : MARIA APARECIDA CRUZ DOS SANTOS
PACIENTE : SIMONE APARECIDA BORIJO MENEZES
ADVOGADO : MARIA APARECIDA CRUZ DOS SANTOS e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE ARACATUBA SecJud SP
No. ORIG. : 00018864620084036107 1 Vr ARACATUBA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de ordem de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrada por Maria Aparecida Cruz dos Santos, em favor de SIMONE APARECIDA BORIJO MENEZES, sob o argumento de que a paciente está submetida a constrangimento ilegal por parte do MM. Juiz Federal da 1ª Vara de Araçatuba/SP.

Consta dos autos que a paciente foi denunciada e processada pela prática do delito descrito no artigo 171, § 3º, do Código Penal, perante o Juízo Federal da 1ª Vara de Araçatuba, tendo sido condenada às penas de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, no regime inicial aberto, mais 13 (treze) dias multa. A pena privativa de liberdade foi convertida em duas restritivas de direito, nos termos do artigo 46, caput, e §§ 1º a 3º, do Código Penal.

O recurso de apelação interposto pela defesa da paciente não foi admitido, por ser intempestivo, e a acusação não recorreu, decorrendo o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Sustenta a impetrante que o recebimento de 5 parcelas de seguro desemprego, no valor de R$ 401,06 a primeira, e de R$ 404,00, as posteriores, revela não haver periculosidade social na conduta da ré, sua ofensividade é mínima e reduzido o grau de reprovabilidade, motivo pelo qual deve-se aplicar ao caso concreto o "princípio da insignificância".

Alega, ainda, que não estão presentes os elementos essenciais configuradores do crime de estelionato, uma vez que não restou configurado o dolo para a prática da fraude e o sujeito passivo é indeterminado, o que afastaria o tipificação da conduta.

Pede liminar para que seja suspensa a execução da pena aplicada à paciente, até o julgamento final do presente writ.

Ao final, requer seja dado provimento ao feito, para que seja reconhecida a atipicidade material do fato.

Juntou os documentos de fls. 17/206.

Pela decisão de fls. 209/210, o pedido de liminar foi indeferido.

A autoridade coatora prestou informações (fls. 215/216).

Manifestou-se o Ministério Público Federal pelo não conhecimento da impetração ou, se conhecida, pela denegação da ordem (fls. 218/221).

É o relatório.


VOTO

Conforme se extrai da prova dos autos, inclusive das informações prestadas pela autoridade coatora, a paciente foi condenada à pena de 1 ano e 4 meses de reclusão, em regime inicial aberto, pena que foi substituída por duas penas restritivas de direito, e, não admitido o recurso próprio contra a sentença condenatória, qual seja, a apelação, em virtude de sua intempestividade, impetrou a presente ordem de habeas corpus, a fim de rever os termos da sentença.

Entendo que a tal fim não se presta o writ.

Busca a impetrante rediscutir a condenação através de via imprópria, em virtude da negligência processual, ao interpor o recurso a destempo.

Conforme bem exposto pela ilustre representante do Ministério Público Federal, não é caso sequer de conhecimento da ordem:

"Cumpre ressaltar que a via do habeas corpus a ensejar o reconhecimento da falta de justa causa para a ação penal somente se configura quando, de plano, sem a necessidade de valoração do conjunto fático-probatório, resulta evidenciada a atipicidade do fato e a ausência de indícios a fundamentarem a acusação, o que não se deu no caso em tela.
A paciente foi denunciada pela prática do crime previsto no artigo 171, § 3°, do Código Penal. Conforme depreende-se da cópia da denúncia (fls. 119/120), houve a devida descrição pormenorizada da conduta, com a exposição das circunstâncias e dos indícios suficientes de autoria, nos termos do artigo 41 do Código de Processo Penal, possibilitando assim o exercício da ampla defesa na instrução criminal.
Transcorrida a regular instrução processual, respeitadas as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, sobreveio a sentença condenatória (fls. 187/165), que foi devidamente fundamentada, tendo sido analisados a materialidade e autoria delitivas, assim como o elemento subjetivo do tipo.
Desta feita, não há que se falar em falta de justa causa para a ação penal por atipicidade da conduta, tendo em vista que, como bem demonstrado na sentença condenatória, a paciente agiu com vontade livre e consciente de beneficiar-se do valor pago a título de seguro-desemprego, causando prejuízo ao FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador - perpetrando assim o crime de estelionato, na forma do § 3° do artigo 171 do CP.
Tão pouco restou configurado algum vício ou qualquer outra causa ensejadora de nulidade na sentença. Neste ponto, há de se destacar que a impetração sequer apontou a sentença como o ato coator que daria causa ao constrangimento ilegal supostamente sofrido pela paciente.
Assim sendo, uma vez transcorrido o decurso do prazo para a interposição do recurso de apelação, evidencia-se que a verdadeira intenção da defesa é a irresignação tardia contra a sentença condenatória, o que agora deve ser feito em sede de revisão criminal." - fls. 219verso/220

E, ainda que se conhecesse do mérito deste feito, não caberia acolher a ordem, uma vez que inaplicável ao caso o princípio da insignificância, pois, ainda que o prejuízo patrimonial não tenha sido vultoso, a lesividade da conduta advém do risco de desequilíbrio financeiro para a manutenção do referido programa de assistência, da Previdência Social, de grande importância social e que merece a tutela do direito penal, tutela essa que se destina à inibição da proliferação da prática da referida conduta, que certamente traria graves conseqüências ao ente gestor do programa e aos próprios beneficiários.

Nesse sentido, há entendimento consolidado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, conforme precedentes que transcrevo:

"HABEAS CORPUS. ESTELIONATO EM DESFAVOR DE ENTE PÚBLICO. FRAUDE PARA OBTENÇÃO DE SEGURO-DESEMPREGO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA.
1. O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta Corte, quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supralegal de exclusão de tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado.
2. Entretanto, é imprescindível que a aplicação do referido princípio se dê de forma prudente e criteriosa, razão pela qual é necessária a presença de certos elementos, tais como (I) a mínima ofensividade da conduta do agente; (II) a ausência total de periculosidade social da ação; (III) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (IV) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já assentado pelo colendo Pretório Excelso (HC 84.412/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 19.04.04).
3. No caso em apreço, inaplicável o postulado permissivo, eis que evidenciada a relevância do comportamento perpetrado pelo paciente, que, mediante fraude, obteve dos cofres públicos valores a título de seguro-desemprego; dessa forma, referido delito não se identifica como um indiferente penal, pois as conseqüências são gravíssimas e estão além do mero prejuízo monetário ou financeiro, pois afetam a própria credibilidade dos programas sociais do Governo. (HC 85.739/PR, Rel. Min. FELIX FISCHER, Dje 07.02.08).
4. Ordem denegada, em consonância com o parecer ministerial." - Grifei.
(STJ - HC 187310/PA - 5ª Turma - rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, j. 03/05/2011, v.u., DJe 07/06/2011)
"RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO. FRAUDE. RECEBIMENTO DE SEGURO-DESEMPREGO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO.
A teoria da insignificância tem vinculação à lesividade ao bem jurídico tutelado, sendo certo afirmar que o seu critério de incidência passa pela análise do desvalor da conduta do agente.
Considerando, in casu, a existência de fraude contra o sistema de seguro-desemprego, enquanto benefício da Seguridade Social, cuja finalidade transcende a quantificação de valores patrimoniais, é de se ter por inviável a aplicação da insignificância pela impossibilidade da ideia da lesividade concreta.
Recurso provido para receber a denúncia."
(STJ - REsp 776216/MG - 6ª Turma - rel. Min. NILSON NAVES, rel. p/ Acórd. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, j. 06/05/2010, DJe 23/08/2010)

Esclarecedores os julgados da Corte Superior, acerca da reprovabilidade da conduta, independente do valor monetário envolvido no delito.

Por fim, não cabe a reavaliação da sentença, com rediscussão do quadro probatório por meio de habeas corpus, pois inexistente prova a demonstrar a flagrante atipicidade da conduta praticada pela paciente. Ao contrário, a tipicidade da conduta foi objeto de exaustiva análise por parte do Juízo de primeiro grau, no decorrer da instrução criminal e na prolação da sentença condenatória, sendo certo que a via do habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, o que não é o caso dos autos.

Desse modo, não se verifica o alegado constrangimento ilegal ao direito de liberdade da paciente.

Ante o exposto, voto por denegar a ordem.


RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RAMZA TARTUCE GOMES DA SILVA:10027
Nº de Série do Certificado: 3B67D3BD5A079F50
Data e Hora: 12/05/2012 11:40:15