Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 07/12/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006482-42.2005.4.03.6119/SP
2005.61.19.006482-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : FRANCISCO CIRINO NUNES DA SILVA
ADVOGADO : GLAUCO TEIXEIRA GOMES e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00064824220054036119 4 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. ARTIGO 317 DO CÓDIGO PENAL. CRIAÇÃO DE NOVAS VARAS. REDISTRIBUIÇÃO DO FEITO. INCOMPETÊNCIA NÃO VERIFICADA. DESNECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA AO RITO DO ARTIGO 514 DO CPP. SÚMULA 330 DO STJ. NULIDADE EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE JUNTADA DA INTEGRALIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL E DO MATERIAL DE MÍDIA E ÁUDIO, DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA E DEGRAVAÇÃO. PEDIDO DE DESENTRANHAMENTO DE DOCUMENTOS APÓCRIFOS. NULIDADE EM RAZÃO DA ALEGADA DEVASSA EXPLORATÓRIA E DA ILEGALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES, FUNDADAS EM DENÚNCIA ANÔNIMA. PRELIMINARES REJEITADAS. CORRUPÇÃO PASSIVA. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA DEMONSTRADAS. NEXO ENTRE O ATO OFICIAL E A ATRIBUIÇÃO FUNCIONAL DEMONSTRADO. CRIME FORMAL. PENA DE MULTA ELEVADA. APELAÇÃO DA DEFESA DESPROVIDA. PARCIALMENTE PROVIDA A DA ACUSAÇÃO.
1. A preliminar de nulidade por incompetência da 4ª Vara Federal de Guarulhos, a quem foi redistribuído o feito por conta da criação de novas varas foi afastada, tendo em vista que o STJ já decidiu no sentido da inexistência de violação ao princípio do juiz natural pela redistribuição do feito em virtude de mudança na organização judiciária (STJ, HC nº 102.193-SP, 5ª Turma, Relatora Min. Laurita Vaz).
2. Rejeitada a alegação de nulidade dos atos processuais, eis que não houve ilegalidade na redistribuição dos autos e, consequentemente, os atos posteriores a tal redistribuição são plenamente válidos.
3. A não observância do rito previsto no artigo 514 do Código de Processo Penal não caracteriza o cerceamento de defesa, já que os autos foram instruídos com base em inquérito policial, a teor da Súmula 330 do STJ.
4. A preliminar de nulidade em razão da ausência de juntada da integralidade do inquérito policial e do material de mídia e áudio na ação penal foi rejeitada, pois, como bem salientado pelo Juiz a quo, o procedimento "mãe" (2003.61.19.002508-8) sempre esteve à disposição da defesa. Estão nos autos, ademais, a degravação do diálogo interceptado que guarda relação de pertinência com os fatos ora apurados.
5. Absolutamente prescindível a realização de perícia para comprovar a titularidade das vozes havidas através das conversas telefônicas interceptadas, pois, além de estarem em plena consonância com os ditames da lei 9.296/96, embora o réu tenha se negado a fornecer material para a perícia, os elementos de convicção trazidos aos autos apontam seguramente para a identificação das vozes colhidas.
6. Inocorrente qualquer mácula no início das apurações, sobretudo porque efetuadas diversas diligências que corroboraram a denúncia anônima, a partir do que foram obtidos mandados de busca e apreensão, que possibilitou a prisão do apelante e a instauração de inquérito policial.
7. O pedido de desentranhamento de documentos apócrifos não foi acolhido, eis que a defesa, além de não os haver indicado, não comprovou que lhe trouxeram qualquer prejuízo.
8. A preliminar de nulidade em razão da alegada devassa exploratória e da ilegalidade das interceptações foi afastada, eis que o presente caso se refere a operação policial fundamentada em fatos objetivos e as interceptações telefônicas foram autorizadas judicialmente.
9. A materialidade delitiva restou demonstrada através do resultado da busca e apreensão na residência do réu, sendo apreendidos carimbos de uso exclusivo dos agentes de fiscalização migratória, diversos outros documentos internos do Departamento da Polícia Federal e numerário estrangeiro de valor elevado cuja origem lícita não foi comprovada, e por meio de interceptação telefônica.
10. A autoria restou bem demonstrada, comprovando-se que o réu solicitou a importância de US$100,00 para apor fraudulentamente carimbos de entrada e de saída do país em passaporte de estrangeiro, solicitando ainda US$250,00 para prestar o mesmo serviço ilícito e, conjuntamente, inserir dados falsos no sistema informatizado da Polícia Federal.
11. Demonstrada a relação entre o ato cuja prática foi cobrada e o exercício funcional do apelante.
12. Tratando-se de delito formal, basta para a configuração da corrupção passiva a solicitação de vantagem indevida, que esteve fartamente comprovada, independentemente do cumprimento do avençado por qualquer das partes, que configura mero exaurimento.
13. A pena-base foi mantida três vezes acima do mínimo legal, nos termos do art. 59 do CP, restando definitiva em 03 (três) anos de reclusão, em regime aberto, como prevê o artigo 33 do CP.
14. Pena de multa readequada aos critérios utilizados na fixação da pena privativa de liberdade, alcançando 30 (trinta) dias-multa, à razão de um salário mínimo cada, considerando a situação econômica do réu.
15. Preliminares rejeitadas. Apelação da defesa desprovida. Parcialmente provido o recurso ministerial para elevar a pena de multa.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares, negar provimento ao apelo defensivo e dar parcial provimento à apelação ministerial para elevar a pena de multa para 30 (trinta) dias-multa à razão de 1 (um) salário mínimo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 27 de novembro de 2012.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006482-42.2005.4.03.6119/SP
2005.61.19.006482-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : FRANCISCO CIRINO NUNES DA SILVA
ADVOGADO : GLAUCO TEIXEIRA GOMES e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00064824220054036119 4 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO COMPLEMENTAR

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:


Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e por FRANCISCO CIRINO NUNES DA SILVA (vulgo ADM CHIQUINHO) contra a sentença que o condenou pela prática do delito previsto no artigo 317, caput do Código Penal.

O feito fora incluído em pauta de julgamento, ulteriormente dela retirado, no entanto, ante a renúncia dos patronos do acusado (fls.3456 e 3459).

O acusado, regularmente intimado para constituir novo defensor (fl.26783463), quedou-se inerte (fl.3464), razão pela qual a Defensoria Pública da União aceitara representar o denunciado, apresentando, inclusive, contraminuta ao apelo ministerial (fls.3467/3473).

Destarte, procedo à complementação do relatório inaugural para consignar os fatos ora expostos, bem assim para determinar a retificação da autuação nos moldes postulados pela Defensoria Pública da União.

Ao depois, à revisão.





JOSÉ LUNARDELLI
Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006482-42.2005.4.03.6119/SP
2005.61.19.006482-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : FRANCISCO CIRINO NUNES DA SILVA
ADVOGADO : GLAUCO TEIXEIRA GOMES e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00064824220054036119 4 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e por FRANCISCO CIRINO NUNES DA SILVA (vulgo ADM CHIQUINHO) contra a sentença que o condenou pela prática do delito previsto no artigo 317, caput do Código Penal.

Narra a denúncia, verbis (fls.02/09):

"Por meio da operação de codinome "CANAÃ", entabulada pela Coordenação de Inteligência da Polícia Federal, notadamente investigações com a utilização de interceptações telefônicas, escutas ambientais, ações controladas e infiltração de agentes policiais, judicialmente autorizadas, descortinou-se a existência de diversas quadrilhas interagindo entre si, nos moldes das organizações criminosas, incrustadas no Aeroporto Internacional de Guarulhos-SP, compostas por administrativos e agentes policiais federais, proprietários e funcionários de agências de viagens, funcionários de empresas aéreas e outros intermediários e agenciadores, a fim de praticarem as mais variadas espécies delitivas, as quais estão sendo objeto de denúncias autônomas também em dependência aos autos -2003.61.19.002508-8.
O procedimento investigativo em pauta deu conta da participação intensa e efetiva do AADM FRANCISCO CIRINO (AADM CHIQUINHO) na quadrilha, estruturada nos moldes de organização criminosa, com atuação no Aeroporto Internacional de Guarulhos, o que foi objeto de denúncias perante este Juízo.
De efeito, as investigações levadas a cabo no presente procedimento revelaram que o Administrativo da Polícia Federal Francisco Cirino Nunes da Silva (Chiquinho) desempenhava participação intensa e efetiva na organização criminosa, apondo fraudulentamente, em passaportes a serem utilizados pelos "clientes" da quadrilha, carimbos oficiais da imigração, pertencentes ao Departamento da Polícia Federal, fossem tais documentos falsos, para dar-lhes aparência de autenticidade, viabilizando o envio irregular de estrangeiros para o exterior, fossem verdadeiros, ou mesmo falsos, para conferir regular situação ao estrangeiro clandestino no país; fosse, por fim, para dissimular em mera conexão ou escala o real embarque no Aeroporto Internacional de Guarulhos, a fito de, conferindo- lhe condição de passageiro em trânsito, iludir a fiscalização da documentação adulterada.
É que, até há pouco tempo atrás, Chiquinho era lotado na Superintendência da Polícia Federal em São Paulo, precisamente no Setor de Imigração. E, antes disso, fora lotado na Delegacia Especial no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, principal ponto de atuação da organização criminosa. Hoje, Chiquinho ocupa ainda cargo de Administrativo da Polícia Federal, na SPF/SP.
O desempenho desses cargos e funções deu-lhe acesso aos cobiçados carimbos de imigração e emigração da Polícia Federal, tão necessários às práticas criminosas da quadrilha, na falsificação de passaportes e envio irregular de estrangeiros ao exterior. O fornecimento e a aposição desses carimbos em documentos públicos falsos e verdadeiros, fraudando-os, passou a ser a atividade diuturna de que, em prol da organização criminosa, e em detrimento da Administração Pública, Chiquinho se incumbiu.
Demais disso, as investigações forneceram, também, material probatório acerca da atuação criminosa autônoma de AADM Chiquinho, que, não contente em integrar organização criminosa internacional, fornecia seus serviços ilícitos a "clientes" próprios, consoante ilustram os seguintes áudios, obtidos mediante interceptação, judicialmente autorizada, de linhas telefônicas utilizadas por ele:
- CHIQUINHO conversa sobre vistos e carimbos. CHIQUINHO diz que já fez casos pro RUBINHO despachante e pro IDÉLIO. CHIQUINHO diz que "o RUBINHO vai pegar o visto, traz, a gente deixa bonitinho, normal, aí ele vai fora, não sei se pro Paraguai ou Argentina, aí ele faz um visto, volta e regulariza. Aí tranqüilo, dá casamento bonitinho". SÉRJÃO diz que a pessoa do cartório lhe disse pra trazer só o carimbo. CHIQUINHO responde, com o carimbo" do dia? Tranqüilo. Isso aí eu já fiz". SERJÃO argumenta dizendo que no computador ela está irregular. CHRIQUINHO (sic) diz que vai constar sempre, porque ela está irregular, ela não está legal, porque ela tem "permisson". Diz que é tranqüilo, que dá para fazer. Após conversam sobre dinheiro, não tratando sobre valores. (19/04/05, 10:50:46, 11 98052387)
- SERJÃO discute com o CHIQUINHO e com o MAURICIO sobre R$ 300,00 que seriam pagos a CHIQUINHO pela confecção de um carimbo de um passaporte, como CHIQUINHO pediu este passaporte para cancelar este carimbo o dinheiro também foi devolvido, só que o dinheiro ficou com o MAURICIO e não com o SERJÃO. O MAURÍCIO fala que devolveu o dinheiro e o SERJÃO diz que não, no final o MAURICIO diz que vai dar o dinheiro para o CHIQUINHO. (31/05/05, 14:31:51, 11 98052387)
- CHIQUINHO explica para HNI que o negócio (passaporte) que ele deixou lá (escritório do ROBERTO) tem visto que é válido por trinta dias para múltiplas entradas, só que com múltiplas entradas dentro destes trinta dias, então se ela entrou no Brasil no dia 17 de abril e saiu no dia 17 de maio já deu os trinta dias e ela não pode mais voltar, HNI entende a explicação do CHIQUINHO, CHIQUINHO fala que é melhor constar que ela passou 03 dias no país e saiu e depois voltar e passar mais 27 dias, CHIQUINHO fala que vai colocar no passaporte que a pessoa entrou no dia 17 de abril e saiu no dia 25 de abril (09 dias), e voltou no dia 01 e ele conta quantos dias faltam para expirar o prazo(21 dias), diz ainda que como entrou por FOZ DE IGUAÇU/PR esta movimentação não vai ter problema, HNI pergunta se CHIQUINHO tem como fazer isso, CHIQUINHO fala que sim, HNI pergunta se pode pegar o negócio (passaporte) amanhã, CHIQUINHO diz que sim pois já vai estar pronto. (01/06/05, 19:37:47, 11 98052387)
- FABIO pergunta se o CHIQUINHO tem alguma conta em que ele possa depositar. CHIQUINHO pergunta se o cara falou o valor. FÁBIO fala que não. CHIQUINHO fala que dá para fazer pelo mínimo e o azar é do cara, no caso é U$ 100,00; se for pelo máximo fica tudo bonitinho, coloca até no sistema, e este fica por U$ 250,00. FÁBIO pergunta se for pelo mínimo pode dar problema. CHIQUINHO fala que pode ser, e que complica se ela quiser pedir uma permanência. FÁBIO fala que ela pretende pedir a permanência no futuro. (05/07/05, 10:54:01, 11 98052387)
- FÁBIO diz para fazer o do cara pelo valor de U$ 250,00 com saída para agosto e não fazer o dela agora, pois ela vai ficar um pouco mais aqui. FABIO diz que ela vai querer ficar mais um ou dois meses e depois ela faz também. Acrescenta que eles vão querer abrir uma empresa aqui e aí vai estar tudo certinho. Pede para CHIQUINHO devolver pra ele (possivelmente o passaporte) e FABIO devolverá para ela. CHIQUINHO alerta que tem que evitar de alguém pegá-la porque aí a "porrada" vai ser grande e ela será notificada. (05/07/05, 11:04:10,1198052387)
- HNI reclama com CHIQUINHO pois ele não colocou carimbo de saída, CHIQUINHO diz que colocou embaixo da papeleta grampeada.(05/07/05, 13:01:25, 11 98052387)
- SERJÃO fala que está precisando daquele visto do passaporte australiano, pois a mulher vai casar, CHIQUINHO diz que não faz aquilo não pois dá muita dor de cabeça, CHIQUINHO fala que naquela época daria certo se a pessoa tivesse saído, SERJÃO pergunta o que faz agora, CHIQUINHO manda ele procurar o PAULO ou o WALDOMIRO, ambos REGISTRO DE ESTRANGEIRO, SERJÃO diz que não fala com eles, SERJÃO pergunta se aquele carimbo que o CHIQUINHO colocou não vai dar problema, CHIQUINHO diz para ele não falar isso pelo telefone, e diz que o único jeito é sair pelo PARAGUAI e pagar a multa, e depois voltar. CHIQUINHO pergunta se ele não conhece o DR. LEE, aquele advogado que tem cartório e trabalha com isso, SERJÃO pergunta se o ESTEFANO conhece ele, CHIQUINHO diz que conhece, e lembra que o DR. LEE é influente e conhece muita gente, SERJÃO diz que vai procurá-lo. (06/07/05 10:45:57 11 98052387)
- CHIQUINHO fala que deixou tudo no ROBERTO, FÁBIO fala que já pegou, mas está errado, pois está constando JULHO/04, CHIQUINHO fala que quando colocou (o carimbo) no bolso deve ter girado a data do carimbo. (07/07/05 14:30:48 1198052387)
Relevante assinalar que, consoante restou demonstrado no presente procedimento, tais atividades o ADM Chiquinho as pratica diuturnamente, especialmente no Escritório Porto Minas, situado na Avenida Prestes Maia, 724, Santa Efigênia, São Paulo/SP. O escritório seria especializado em promover serviços de despachos em geral, regularização da situação de estrangeiros, consecução de passaportes, dentre outros. Nele, trabalham Joaquim Orlando Machado Moreira ("Portuga"), seu filho, Sandro Adriano Alves, Fábio de Souza Arruda e Choug Chou Lee.
As conversas telefônicas registradas na interceptação, judicialmente autorizada, da linha telefônica do Escritório Porto Minas, dão conta do que se acaba de afirmar:
- ROBERTO pergunta onde CHIQUINHO está. CHIQUINHO responde que está no ORLANDO. ROBERTO informa que chegou um agora (PASSAPORTE). CHIQUINHO pede para alguém deixar lá no ORLANDO, pois ele faz lá mesmo. (27/04/05,13:32:38,11 98052387)
- ROBERTO pergunta onde CHIQUINHO está, CHIQUINHO diz que está na SEDE e que só vai poder sair depois das 07:00 horas(19:00 h), daí ROBERTO pergunta de que horas ele vai chegar lá, CHIQUINHO diz que por volta das 07:30h (19:30H) e manda o ROBERTO o aguardar no PORTUGA. (29/04/05, 17:55:53, 11 98052387)
- HNI pergunta como encontra o CHIQUINHO, o CHIQUINHO sugere que deixe os documentos no escritório do ROBERTO GAGO, HNI pede para CHIQUINHO passar no escritório dele (na rua QUIRINO DE ANDRADE, NA CONSOLAÇÃO com a XAVIER TOLEDO, no centro), CHIQUINHO acha longe e sugere que HNI deixe os documentos no PORTUGA que fica na PRESTES MAIA, marcam então de se encontrar amanhã à 13:00 h.(02/05/05, 16:40:28, 11 98052387)
- HNI liga e pergunta se pode mandar o negócio agora, CHIQUINHO fala que sim e diz que está na Av. PRESTES MAIA, 724, aguardando. (19/05/05,13:02:00,1198052387)
Tais provas calçaram, até o momento, duas denúncias por corrupção passiva em desfavor do AADM Chiquinho, além de uma denúncia por crimes de formação de quadrilha, falsificação de documentos públicos e particulares e corrupção passiva, e ainda outra, com imputação dos crimes de formação de quadrilha armada e corrupção passiva, todas perante este mesmo Juízo.
Na presente denúncia, a imputação versa apenas sobre a prática de corrupção passiva, devidamente comprovada no que pertine à atuação do administrativo de polícia federal FRANCISCO CIRINO NUNES DA SILVA (AADM CHIQUINHO).
II - DA IMPUTAÇÃO DE CORRUPÇÃO PASSIVA
No dia 05/07/2005, interceptação telefônica autorizada judicialmente captou conversas entre o ADM Chiquinho e Fábio, ainda não identificado, nas quais o ADM Chiquinho lhe solicita, em razão de sua função, vantagem indevida, para a prática de ato de ofício infringente de seu dever funcional.
Consoante se dessume dos dois áudios, cuja transcrição segue, o ADM Chiquinho pediu a importância de US$ 100,00 para apor fraudulentamente carimbos de entrada e saída do país em passaporte de um estrangeiro, solicitando US$ 250,00 para prestar a mesma atividade ilícita e, conjuntamente, inserir dados falsos no sistema informatizado da Polícia Federal. Fábio e ADM Chiquinho acaba "fechando negócio" pelo segundo valor. Ainda, ADM Chiquinho sinaliza futuramente, fraudar o passaporte de uma mulher estrangeira, relacionada ao "cliente", pelos mesmos preços:
- FABIO pergunta se o CHIQUINHO tem alguma conta em que ele possa depositar. CHIQUINHO pergunta se o cara falou o valor. FÁBIO fala que não.CHIQUINHO fala que dá para fazer pelo mínimo e o azar é do cara, no caso é U$100,00; se for pelo máximo fica tudo bonitinho, coloca até no sistema, e este fica por U$250,00. FÁBIO pergunta se for pelo mínimo pode dar problema. CHIQUINHO fala que pode ser, e que complica se ela quiser pedir uma permanência. FÁBIO fala que ela pretende pedir a permanência no futuro. (05/07/05, 10:54:01, 11 98052387)
- FABIO diz para fazer o do cara pelo valor de U$250,00 com saída para agosto e não fazer o dela agora, pois ela vai ficar um pouco mais aqui.FABIO diz que ela vai querer ficar mais um ou dois meses e depois ela faz também. Acrescenta que eles vão querer abrir uma empresa aqui e aí vai estar tudo certinho. Pede para CHIQUINHO devolver para ele (possivelmente o passaporte) e FABIO devolverá para ele. CHIQUINHO alerta que tem que evitar de alguém pegá-la porque aí a "porrada" vai ser grande e ela será notificada. (05/07/05, 11:04:10, 11 98052387).
(...)
Ouvido a respeito dos fatos, em sede policial, o Acusado negou-os. Em sua casa, porém, em cumprimento a mandado de busca expedido por este juízo, foram encontrados mais de US$ 41.000,00 (quarenta e um mil dólares), em espécie, sem comprovação de origem ilícita."

A denúncia foi recebida em 28 de setembro de 2005 (fl.34).

Após o regular processamento do feito, sobreveio sentença que julgou procedente a pretensão punitiva e condenou o apelante como incurso no artigo 317, caput do Código Penal, a 03 (três) anos de reclusão em regime aberto e 15 (quinze) dias-multa no patamar mínimo. Como efeito da condenação, decretou-se-lhe a perda do cargo público.

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária equivalente a 05 (cinco) salários mínimos a entes públicos e/ou de caráter social e assistencial que sejam destinados à prevenção e ao enfrentamento do tráfico de pessoas no Estado de São Paulo.

O Ministério Público Federal apelou (fls.3317/3326), pleiteando a elevação da pena-base próxima ao máximo, a fixação de regime mais gravoso para cumprimento da pena e aumento da pena de multa.

Também irresignado com a sentença condenatória, apela o réu (fls.3342/3436). Preliminarmente, aponta as seguintes nulidades:

a) incompetência do juízo da 4ª Vara Federal de Guarulhos, violando-se os princípios da perpetuatio jurisdictionis, do juiz natural e da prevenção, com a conseqüente nulidade dos atos processuais subseqüentes;

b) nulidade processual absoluta por ausência de notificação para apresentação de defesa preliminar do artigo 514 do digesto processual;

c) cerceamento de defesa decorrente da ausência de juntada, na íntegra, do inquérito policial e do material de áudio e mídia;

d) cerceamento de defesa ante a não degravação e redução a termo do material de áudio e ausência de perícia técnica;

e) nulidade em razão da alegada devassa exploratória e da ilegalidade do monitoramento telefônico, baseado em denúncia anônima, e das renovações das interceptações;

f) desentranhamento dos documentos apócrifos juntados pelo MPF que não se encontram rubricados nem assinados em sua integralidade.

No mérito, pede sua absolvição ante a insuficiência probatória, sustentando não haver provas de que tenha solicitado dinheiro; aduz, ainda, não estar demonstrada a correlação entre o ato praticado e o exercício da função, sendo que sequer foram juntados aos autos os supostos passaportes carimbados pelo apelante. Subsidiariamente, requer a fixação da pena-base no mínimo legal.

Não foram apresentadas contrarrazões pela defesa.

Contrarrazões e parecer da Procuradoria Regional da República nas fls.3439/3448, pugnando pelo não acolhimento do recurso da defesa e pelo provimento do recurso ministerial.

É o relatório.

À revisão.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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Data e Hora: 24/05/2012 14:53:04



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006482-42.2005.4.03.6119/SP
2005.61.19.006482-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : FRANCISCO CIRINO NUNES DA SILVA
ADVOGADO : GLAUCO TEIXEIRA GOMES e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00064824220054036119 4 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

I. Das preliminares argüidas.

1. Da competência. Em suas razões, a defesa sustenta ser competente para apreciar o feito o juízo da 1ª Vara Federal de Guarulhos, a quem coube a distribuição do procedimento criminal diverso nº 2003.61.19.002508-8 (Operação Canaã), que deu origem a vários processos criminais contra o réu.

Inicialmente, ressalto que a preliminar de nulidade por incompetência da 4ª Vara Federal de Guarulhos e violação dos princípios correlatos deve ser afastada, pois o feito originário foi redistribuído em função da criação de novas varas federais, que excepciona a regra.

O E. Superior Tribunal de Justiça já decidiu no sentido da inexistência de violação ao princípio do juiz natural pela redistribuição do feito em virtude de mudança na organização judiciária:

HABEAS CORPUS. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. CRIAÇÃO DE NOVA VARA. REDISTRIBUIÇÃO DO FEITO PARA IGUALAR OS ACERVOS ENTRE OS JUÍZOS COMPETENTES. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ORDEM DENEGADA. 1. A redistribuição do feito decorrente da criação do nova vara com idêntica competência - com a finalidade de igualar os acervos dos Juízos e dentro da estrita norma legal - não viola o princípio do juiz natural, mormente quando ocorre ainda na fase de inquérito policial, como na espécie. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 2. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido da inexistência de violação ao princípio do juiz natural pela redistribuição do feito em virtude de mudança na organização judiciária, uma vez que o art. 96, 'a', da Constituição Federal, assegura aos Tribunais o direito de dispor sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais. 3. Habeas corpus denegado.
(HC 200800578792, LAURITA VAZ, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:22/03/2010.)

Não há que se falar, ainda, em nulidade dos atos processuais subseqüentes, eis que não houve ilegalidade na redistribuição dos autos e, conseqüentemente, os atos posteriores à tal redistribuição são plenamente válidos.

2. Do rito previsto no artigo 514 do Código de Processo Penal. A alegação de nulidade em razão da falta de defesa preliminar também não merece prosperar, pois não restou comprovado que houve prejuízo à defesa.

Nesse aspecto, tendo em vista que os autos foram instruídos com base em inquérito policial, não há a necessidade de se seguir o procedimento estabelecido no artigo 514 do Código de Processo Penal. Sua observância, a fim de possibilitar que o réu se defenda, seria imperiosa caso a denúncia se valesse apenas de procedimento administrativo, o que não ocorre nos autos.

A Súmula 330 do STJ versa sobre o tema, sedimentando-o:

"É desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito policial"

3. Do cerceamento de defesa.

A preliminar de nulidade em razão da ausência de juntada da integralidade do inquérito policial e do material de mídia e áudio na ação penal deve ser rejeitada, pois, como bem salientado pelo Juiz a quo o procedimento "mãe" (2003.61.19.002508-8) sempre esteve à disposição da defesa (fl.3295):

"Ademais, importa consignar que é desnecessário o apensamento formal do inquérito policial e das mídias nestes autos, uma vez que, além de extremamente volumosos, o "procedimento-mãe" registrado sob o nº 2003.61.19.002508-8 que contém todos estes elementos, sempre esteve á disposição das partes, assegurando acesso a todas as provas, permitindo o exercício da ampla defesa e do contraditório, inclusive de modo mais racional, ágil e fácil às defesas dos acusados, sem qualquer privilégio ou violação à isonomia."

Por óbvio, o procedimento mãe, que precedeu as ações penais, vertido em apartado, não se faz presente, em sua íntegra, no feito atual. Estão nos autos as peças que guardam relação de pertinência com o delito apurado, bem como as degravações pertinentes, relacionadas aos fatos trazidos à lume pela denúncia.

Ao sustentar a defesa a nulidade do feito por fundar-se em denúncia anônima não atentou para o fato de que, ao receber a notícia do crime, foram efetuadas diversas diligências que a corroboraram, a partir do que foram obtidos mandados de busca e apreensão, que possibilitou a prisão do apelante e a instauração de inquérito policial.

Nesse sentido, decisão da Suprema Corte:

"Constitucional e Processual Penal. Habeas Corpus. Possibilidade de denúncia anônima, desde que acompanhada de demais elementos colhidos a partir dela. Inexistência de constrangimento ilegal. 1. O precedente referido pelo impetrante na inicial (HC nº 84.827/TO, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 23/11/07), de fato, assentou o entendimento de que é vedada a persecução penal iniciada com base, exclusivamente, em denúncia anônima . Firmou-se a orientação de que a autoridade policial, ao receber uma denúncia anônima, deve antes realizar diligências preliminares para averiguar se os fatos narrados nessa "denúncia" são materialmente verdadeiros, para, só então, iniciar as investigações. 2. No caso concreto, ainda sem instaurar inquérito policial, policiais civis diligenciaram no sentido de apurar a eventual existência de irregularidades cartorárias que pudessem conferir indícios de verossimilhança aos fatos. Portanto, o procedimento tomado pelos policiais está em perfeita consonância com o entendimento firmado no precedente supracitado, no que tange à realização de diligências preliminares para apurar a veracidade das informações obtidas anonimamente e, então, instaurar o procedimento investigatório propriamente dito. 3.Ordem denegada" (HC 98345/RJ - Rel. Min. Dias Tóffoli - Dje 17.09.10).

Também, decisão da 1ª Turma desta Egrégia Corte:

"PENAL. OPERAÇÃO OESTE. ARTIGO 316 DO CÓDIGO PENAL. CRIME CONTINUADO. PRELIMINARES AFASTADAS. MATERIALIDADE. AUTORIA. PROVAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA.(...)
3. A alegação de ilegalidade da denúncia anônima não merece acolhida, uma vez que ao receber a notícia do crime, houve averiguação dos fatos, o que possibilitou a instauração do inquérito.
(...) 17. Recursos de apelação parcialmente providos" (ACR proc n. 2007.61.11.003821-2 - Rel. Des. Fed. Vesna Kolmar - DJF3 03.05.11).

O pedido de desentranhamento de documentos do inquérito policial também não deve prosperar.

Além de sequer terem sido indicados quais seriam esses documentos juntados pelo MPF que não se encontram rubricados nem assinados em sua integralidade pela autoridade policial, a defesa também não comprovou que lhe trouxeram qualquer prejuízo.

Nesse sentido, entendimento desta Corte:

PENAL - PROCESSO PENAL - APELAÇÕES CRIMINAIS - DELITO DE QUADRILHA OU BANDO - ESTELIONATO - FURTO DE SINAL DE TELEFONIA - INQUÉRITO POLICIAL - DESENTRANHAMENTO - IMPOSSIBILIDADE - INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS - AUTORIZAÇÃO JUDICIAL - REALIZAÇÃO DE PERÍCIA - DESNECESSIDADE - PRELIMINARES DE NULIDADE REJEITADAS - AUTORIA E MATERIALIDADE DOS DELITOS COMPROVADAS - DOLO COMPROVADO - HABITUALIDADE - DOSIMETRIA DAS PENAS - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - REGIME PRISIONAL - RESTITUIÇÃO DOS BENS - RECURSOS DA DEFESA IMPROVIDOS - DECISÃO CONDENATÓRIA MANTIDA. 1. O pedido de desentranhamento dos documentos relativos ao inquérito policial carece de qualquer fundamento jurídico. Com efeito, é da essência do inquérito policial a ausência do contraditório, uma vez que se trata de procedimento administrativo destinado à colher elementos que podem informar ao órgão acusatório a existência de um crime e os indícios sobre a autoria. E é ainda mais descabida a afirmação da defesa no sentido de que o inquérito é documento apócrifo, uma vez que sua origem está devidamente documentada nos autos, onde se vê claramente que foi presidido, lavrado e assinado por autoridade policial competente. 2. Mostra-se desnecessária a perícia para o reconhecimento das vozes interceptadas, uma vez que há, nos autos, fartos elementos probatórios que permitem afirmar, com absoluta certeza, que as conversações interceptadas foram efetuadas pelos apelantes. 3. Não há, portanto, que se falar em violação de princípios constitucionais, até porque a interceptação telefônica aqui mencionada, além de ter previsão no seio Constitucional, foi determinada judicialmente e obedeceu a todos os requisitos previstos na referida lei, não padecendo de qualquer eiva de nulidade. Preliminares rejeitadas. (...) Recursos desprovidos. Condenação mantida. (ACR 200561810080551, DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE, TRF3 - QUINTA TURMA, DJF3 CJ2 DATA:27/01/2009 PÁGINA: 552.)

4. Das interceptações telefônicas. Por fim não subsiste qualquer razão ao inconformismo apresentado com a alegada devassa exploratória e ilegalidade nas interceptações telefônicas.

O presente caso refere-se a uma operação policial fundamentada em fatos objetivos e as escutas telefônicas e respectivas prorrogações foram devidamente autorizadas judicialmente no âmbito de procedimento específico que, como sói acontecer, foi processado em autos próprios.

A degravação do diálogo interceptado que guarda relação de pertinência com os fatos apurados nestes autos encontra-se às fls.150/152.

Acerca do tema, julgado desta Corte:

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06. TRANSNACIONALIDADE. COMPETÊNCIA DAC JUSTIÇA FEDERAL. PROVAS. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. VALIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFEAS NÃO CONFIGURADO. COCAÍNA. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ART. 35 DA LEI 11.343/06. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. TRÁFICO DE ARMAS E MUNIÇÕES. ART. 18 E 19 DA LEI 10.826/03. POSSE E DETENÇÃO DE EXPLOSIVOS E ARTEFATOS. ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DA LEI 10.826/03. DOSIMETRIA DAS PENAS. ADEQUAÇÃO DA PENA-BASE. MAUS ANTECEDENTES. REINCIDÊNCIA. (...). 4. Ausentes as nulidades apontadas quanto às interceptações telefônicas, autorizadas judicialmente, preenchidos os requisitos do art. 2º, da Lei 9.296/96. Ao contrário do sustentado pelos apelantes, a degravação das interceptações telefônicas não ocorreu nos presentes autos principais, mas em autos apartados, em obediência ao segredo de justiça. Inexiste vedação legal à renovação sucessiva de autorização judicial para as interceptações, desde que fundamentadas. 5. "É desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas realizadas nos autos do inquérito, bastando que sejam degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia, não configurando ofensa ao princípio do devido processo legal - art. 5º, LV, da Constituição Federal". (STF, Pleno, HC-MC 91207/RJ, DJ: 11/06/07, Rel. p/ Acórdão Min. Carmen Lucia). 6. O conteúdo das gravações telefônicas evidencia que, ao menos entre junho e setembro de 2007, os réus associaram-se de modo permanente para o fim de praticar crimes de tráfico internacional de drogas e armas. (...) 11. Apelação ministerial parcialmente provida. 12. Apelações dos réus desprovidas.
(ACR 200761020119326, DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, TRF3 - SEGUNDA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:10/03/2011 PÁGINA: 141.)

Ademais, absolutamente prescindível a realização de perícia para comprovar a titularidade das vozes havidas através das conversas telefônicas interceptadas.

Além de estarem em plena consonância com os ditames da lei 9.296/96, os elementos de convicção trazidos aos autos apontam seguramente para a identificação das vozes colhidas, sobretudo porque comprovado pelos demais elementos constantes dos autos.

Tal é o entendimento pacificado no E. Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. NARCOTRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA TRÁFICO. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE NO PROCEDIMENTO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO DEVIDAMENTE AUTORIZADA. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO OU AÇÃO PENAL . PRECEDENTES DO STJ. POSSIBILIDADE DAS TRANSCRIÇÕES SEREM REALIZADAS POR POLICIAIS CIVIS. PRECEDENTES DESTE STJ. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PEÇA ACUSATÓRIA QUE DESCREVE TODO O FATO CRIMINOSO, APTA A PERMITIR O EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. INEXISTE A ALEGADA NULIDADE POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO QUE AFASTA A TESE DEFENSIVA SEM A MENÇÃO EXAUSTIVA DE CADA UMA DAS HIPÓTESES DEFENSIVAS QUE NÃO FORAM ACOLHIDAS. APLICAÇÃO DA REDUTORA PREVISTA NO ART. 33, § 4o. DA LEI 11.343/06. ACÓRDÃO QUE RECONHECE QUE O PACIENTE INTEGRA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. DILAÇÃO PROBATÓRIA INCOMPATÍVEL COM O WRIT. PENA-BASE FIXADA EM 6 ANOS E 2 MESES DE RECLUSÃO (COMINAÇÃO MÍNIMA DE 5 ANOS). POSSIBILIDADE DE EXASPERAÇÃO, EM RAZÃO DE SER O PACIENTE USUÁRIO DE DROGAS (CONDUTA SOCIAL DESFAVORÁVEL) E PELA GRANDE QUANTIDADE DE DROGAS (449 COMPRIMIDOS DE ECSTASY). DES PENAL IZAÇÃO QUE VISA, SOMENTE, AO USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. (...) 2. Conforme entendimento deste Tribunal Superior, não se exige a realização da perícia para a identificação das vozes, muito menos que tal perícia ou mesmo a degravação da conversa sejam realizadas por dois peritos oficiais, nos termos da Lei 9.296/96. Precedente deste STJ. (...) 12. Habeas Corpus denegado, em conformidade com o parecer ministerial.
(HC 200900948260, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:03/05/2010.)

E, como bem salientado pelo magistrado a quo na sentença recorrida, a negativa do réu em fornecer material para a realização da prova pericial, direito que lhe é assegurado, choca-se com sua inicial aquiescência e, sobretudo, com a impugnação das escutas telefônicas, pois a teor do artigo 156 do digesto processual, incumbiria à defesa, que alegou vícios nos diálogos captados, apontá-los:

"(...) a postura renitente de um acusado, ou investigado, em negar a autoria dos diálogos pode ser vista, quando muito, como uma derivação do direito constitucional ao silencio. Mas o direito constitucional ao silencio não retira do acusado o ônus da prova que lhe competia, a teor da regra insculpida no artigo 156 do CPP.
Ora, se a acusação fez uma prova legítima, afirmando que ele era o autor do diálogo e essa afirmação tem muita pertinência com restante do material probatório, cabia ao acusado desfazer tal conclusão, quando menos para incutir alguma dúvida no julgador, já que nessa hipótese ele seria beneficiado; nesse sentido, poderia o acusado ter esclarecer o conteúdo dos diálogos, dizendo que não era o que a acusação pensava ser, ou, mais importante até, poderia o acusado afirmar que havia diferenças nítidas entre a sua voz e aquela do diálogo interceptado, apontando quais seriam as distinções, para realmente fazer crer que não se tratava da sua voz.
Como dito, a dúvida beneficiaria o acusado, mas não foi essa a postura dele, de modo que não há a mínima controvérsia acerca da autoria dos diálogos atribuídos a FRANCISCO CIRINO."

Rejeito, por conseguinte, as preliminares argüidas.

Passo ao exame do mérito.

I. Do crime de corrupção passiva.

1. Da materialidade. A materialidade da corrupção passiva restou fartamente demonstrada:

a) pela apreensão, na residência do réu, decorrente de mandado judicial, de 01 (um) carimbo grande de aço, de data variável com a inscrição DPMAF-DPF-BRASIL, DATA/LOCAL DE ENTRADA/SAÍDA, cujo número identificador do agente policial responsável pelo mesmo é 002. Foi sugerida a apreensão do carimbo citado, tendo em vista que só pode ser utilizado pelo DPF em locais de entrada e saída do país, sendo que o Delegado Chefe da DEAIN/Guarulhos informou que o número identificador está sob a cautela do APF Sérgio Nakamura, lotado no referido aeroporto; 01 (um) carimbo grande de aço, de data variável com a inscrição DPMAF-DPF-BRASIL, DATA/LOCAL DE ENTRADA/SAÍDA, cujo número identificador do agente policial responsável pelo mesmo é 0019. Consta que foi ouvido em sede policial o APF Evandro A. Brigídio, o qual informou que o carimbo de nº 0019 que se encontrava acautelado para si, foi furtado no aeroporto Guarulhos em 2003. Foi sugerida a apreensão do carimbo em questão.

b) pela apreensão, na residência do réu, de diversos outros documentos internos do Departamento da Polícia Federal (conforme elencados às fls.3301-verso e 3302), de uso privativo da Polícia Federal, cuja posse o apelante não logrou êxito em justificar;

c) pelo numerário encontrado na residência do réu, US$43.840,00, cuja origem lícita não foi comprovada;

d) através de interceptação da linha (11)9805-2387, datada de 05/07/2005, às 10:54:01, onde se constatam tratativas de valor, em que o réu passa a Fábio os valores dos serviços por ele prestados, de US$100,00 pelo básico e de US$250,00 pelo máximo, que inclui a colocação das informações no sistema (transcrição às fls.150/152).

2. Da autoria delitiva. As interceptações telefônicas, devidamente autorizadas judicialmente, deram ensejo às operações Canaã e Overbox. No tocante à primeira, foram oferecidas diversas denúncias contra FRANCISCO CIRINO, vulgo ADM CHIQUINHO, por corrupção passiva, formação de quadrilha, falsificação de documentos, peculato e adulteração de sinal público. Os presentes autos versam exclusivamente sobre a prática de corrupção passiva, na data de 05/07/2005.

Em juízo, o acusado negou a prática delitiva e a participação nos diálogos interceptados. No entanto, sua versão restou isolada do conjunto probatório discriminado, carecendo de credibilidade.

Dos diálogos transcritos às fls.150/152 verifica-se que ADM CHIQUINHO solicitou a Fábio a importância de US$100,00 para apor fraudulentamente carimbos de entrada e de saída do país em passaporte de estrangeiro, solicitando ainda US$250,00 para prestar o mesmo serviço ilícito e, conjuntamente, inserir dados falsos no sistema informatizado da Polícia Federal. Avençam o segundo valor, sinalizando o réu que realizaria o mesmo serviço, futuramente, a uma mulher estrangeira, cliente de Fábio, pelo mesmo valor.

A atuação delituosa do réu veio bem explanada pela acusação (fl.3160), verbis:

"(...) as investigações levadas a cabo no presente procedimento revelaram que o Administrativo da Polícia Federal Francisco Cirino Nunes da Silva (Chiquinho) desempenhava participação intensa e efetiva na organização criminosa, apondo fraudulentamente, em passaportes a serem utilizados pelos "clientes" da quadrilha, carimbos oficiais da imigração, pertencentes ao Departamento da Polícia Federal, fossem tais documentos falsos, para dar-lhes aparência de autenticidade, viabilizando o envio irregular de estrangeiros para o exterior; fossem verdadeiros, ou mesmo falsos, para conferir regular situação ao estrangeiro clandestino no país; fosse, por fim, para dissimular em mera conexão ou escala o real embarque no Aeroporto Internacional de Guarulhos, a fito de, conferindo-lhe condição de passageiro em trânsito, iludir a fiscalização da documentação adulterada."

3. Do nexo entre o ato oficial e a atribuição funcional. Ao contrário do que sustenta a defesa, esteve demonstrada a relação entre o ato cuja prática foi cobrada e o exercício funcional do apelante.

Embora a utilização de carimbos de fiscalização migratória seja restrita aos Agentes da Polícia Federal, conforme informações prestadas e, em contrapartida, ocupasse o réu o cargo de Agente Administrativo da Polícia Federal, certo é que os elementos de convicção trazidos aos autos demonstram que CHIQUINHO, de fato, praticava os atos em questão. Esteve lotado na Delegacia Especial no Aeroporto Internacional de Guarulhos e no Setor de Imigração da Superintendência da Polícia Federal, o que lhe possibilitou o acesso a carimbos e à atividade que exercia em prol da organização criminosa.

Verifica-se a existência de uma relação imediata entre os atos ilícitos e o desempenho do respectivo cargo, tanto é que, de fato, o apelante os desempenhava.

O magistrado de origem, ao prolatar a sentença condenatória, demonstrou suficientemente que o réu, Agente Administrativo Federal, no exercício de suas funções, solicitou vantagem indevida para realizar ato funcional, a saber, aposição fraudulenta de carimbos de entrada e saída do país em passaporte de estrangeiro, e, conjuntamente, inserir dados falsos no sistema informatizado da Polícia Federal.

4. Da consumação. Irrelevante o fato de não ser trazido aos autos qualquer passaporte irregularmente carimbado pelo apelante, pois, como delito formal que é, basta para a configuração da corrupção passiva a solicitação de vantagem indevida, que esteve fartamente comprovada, independentemente do cumprimento do avençado por qualquer das partes, que configura mero exaurimento. Nesse sentido:

PENAL E PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 317, § 1º, DO CP. CORRUPÇÃO PASSIVA. PARCIALIDADE DO JUÍZO A QUO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO. ALEGAÇÕES DE CRIME IMPOSSÍVEL E FLAGRANTE PREPARADO. NÃO CONFIGURAÇÃO. DOSIMETRIA DE PENA. DA PERDA DO CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (...) IV - O crime de corrupção passiva, na conduta solicitar, é formal, ou seja, a sua consumação independe do resultado naturalístico, sendo que a conduta de receber, no caso, se configurou como mero exaurimento do crime que já havia se consumado com a conduta anterior de solicitar. V - Não importa a origem do dinheiro entregue pela vítima ao réu para a configuração da conduta de receber a vantagem ilícita. VI - O flagrante realizado no momento da prisão do apelante se deu na modalidade de flagrante esperado, uma vez que inexistiu induzimento na prática do delito. VII - Mesmo o flagrante preparado do recebimento da vantagem indevida não impediria a consumação do delito, em razão deste se tratar de crime formal e a corrupção passiva ter se consumado no momento da solicitação da vantagem indevida. (Precedentes do STJ) IX - Apelação parcialmente provida.
(ACR 200261060042550, DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, TRF3 - SEGUNDA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:05/11/2009 PÁGINA: 75.)

Assim, comprovadas a autoria e materialidade e presente o dolo, eis que o denunciado tinha pleno conhecimento de sua conduta, consistente na solicitação direta de vantagem indevida em razão da função exercida, deve ser mantida sua condenação pela prática do crime descrito no artigo 317 do Código Penal.

III. Da dosimetria. Em suas razões, o Ministério Público Federal pleiteia a elevação da pena-base próxima ao máximo, a fixação de regime mais gravoso para cumprimento da pena e aumento da pena de multa, enquanto que a defesa pede a redução da pena imposta.

A pena-base foi fixada em 03 (três) anos de reclusão na sentença recorrida por serem tidos como desfavoráveis ao apelante as seguintes circunstâncias judiciais: culpabilidade - "o réu é pessoa com um bom grau de instrução, com idade (mais de quarenta anos à época dos fatos) que lhe garantia experiência suficiente para entender que a conduta por ele praticada contrariava, absolutamente, o padrão exigido de um homem médio e, mais ainda, de um agente administrativo da Polícia Federal, a quem são atribuídas funções de relevância e importância para o controle migratório"; motivo - "sua conduta teve por finalidade o lucro fácil"; circunstâncias - "o caso em questão dizia com a corrupção de agente público que se utilizava, em caráter constante, do cargo para obter vantagem pecuniária pessoal" e conseqüências do crime - "causou grave abalo à imagem da Administração Pública, uma vez que a desonestidade de sua conduta maculou a confiança depositada pelos administrados na Administração Pública".

Entendo que bem sopesada a pena-base, acrescida que foi ao triplo, adequada e oportuna ao caso em tela nos termos do artigo 59 do Código Penal, devendo ser mantida.

Ausentes atenuantes e agravantes, bem como causas de diminuição ou de aumento, restou definitiva a pena em 03 (três) anos de reclusão.

Fixado o regime inicial aberto, ante o quantum alcançado, em perfeita consonância aos termos do artigo 33 do Código Penal, que não merece reparos.

Observo que a pena pecuniária, por sua vez, foi fixada em disparidade com os critérios adotados para a fixação da pena privativa de liberdade. Readequando-a, tem-se a pena-base de 10 (dez) dias-multa acrescida 3 (três) vezes, o que resulta em 30 (trinta) dias-multa.

A respeito do valor unitário da pena de multa, razão assiste à acusação ao ponderar que o réu ostentava a qualidade, à época da prática delitiva, de servidor público federal, com ganho razoável, não se mostrando plausível a estipulação no mínimo legal. Dessa forma, atento aos ditames do artigo 60 do Código Penal, fixo o valor do dia-multa em 1 (um) salário mínimo.

Mantém-se a substituição da pena, nos moldes vertidos pelo édito condenatório.

Ante o exposto, rejeito as preliminares, nego provimento ao apelo defensivo e dou parcial provimento à apelação ministerial para elevar a pena de multa para 30 (trinta) dias-multa à razão de 1 (um) salário mínimo.

É o voto.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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