D.E. Publicado em 05/09/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar trazida pela acusação e negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Trata-se de apelação criminal interposta por MOACYR OTÁVIO MOHR contra a sentença que o condenou pela prática do crime previsto no artigo18 da Lei n.º 10.826/03.
Consta da denúncia que, no dia 20 de janeiro de 2006, por volta das 09h30, na altura do KM 307 da Rodovia Assis Chateaubriand, área de Penápolis, em um ônibus da empresa Cantelletur, que fazia a linha Cruz Alta (RS) - Barreira (BA), o denunciado transportava 75 (setenta e cinco) cartuchos de munição para armas de fogo, importadas do Paraguai, sem autorização da autoridade competente.
A denúncia foi recebida em 07 de fevereiro de 2006 (fl.53).
Regularmente processado o feito, sobreveio sentença que condenou o réu à pena de 04 (quatro) anos de reclusão, no regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente na data dos fatos; substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais (fls.284/288).
Inconformada, apela a defesa em cujas razões recursais (fls. 299/311) postula, em síntese:
a) a absolvição do réu, com o reconhecimento da atipicidade material da conduta, que não causou ofensividade ao bem jurídico tutelado, sequer lhe causando perigo de lesão, já que não carregava arma, destinando-se os projéteis, de uso permitido, ao exercício de atividade lícita, o abate de gado;
b) a absolvição com o reconhecimento de causa supralegal de exclusão da tipicidade ou da antijuridicidade, sendo a ação socialmente adequada, admitida a conduta pelas regras culturais e pela habitualidade, na zona rural do Piauí, em abater animais com uso de arma de fogo;
c) absolvição por ausência de provas, baseadas unicamente no depoimento testemunhal de policiais e em provas indiciárias, não servindo a confissão, isoladamente, para condená-lo;
d) a exclusão da culpabilidade, com a isenção da pena, porque o apelante teria agido em erro de proibição, por desconhecer a ilicitude do fato;
e) subsidiariamente, entendendo tratar-se de erro escusável, a redução da pena aquém do mínimo, conforme o artigo 21, segunda parte, do Código Penal.
Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls.319/320), em que opina pelo provimento do recurso e pelo reconhecimento da incompetência absoluta, encaminhando-se os autos à Justiça Estadual.
Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República, em seu parecer, (fls.324/326) opinou pelo desprovimento do apelo e afirmou ser a competência da Justiça Federal.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
1. Da competência. Não prospera a alegação do Ministério Público Federal, em contrarrazões, sustentando a incompetência absoluta da Justiça Federal para processar e julgar o crime versado nos autos, por ausência de tratado internacional, à época dos fatos.
Com efeito, o delito data de 20.01.2006.
A lei 10.826/2003 foi publicada em 23.12.2003, entrando em vigor na data de sua publicação, e trouxe sob o título de "Tráfico internacional de arma de fogo" o delito previsto no artigo 18: "Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente. Pena - reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa".
Não se olvida que o inciso V do artigo 109 da Constituição Federal preceitua como sendo da alçada federal os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente, e que somente após 26.10.2006 passou a vigorar o Decreto nº 5.941, que promulgou o Protocolo contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo, suas Peças, Componentes e Munições.
Todavia, a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento do crime previsto no artigo 18 da Lei nº 10.826/03 não se ampara no inciso em tela, mas sim no inciso I, que prevê as causas em que a União seja interessada, bem como no inciso IV, que traz as infrações penais praticadas em detrimento de interesse da União.
E não há como negar o singular interesse da União em cercear a importação ou a entrada no território nacional de munição, sem autorização da autoridade competente, como no caso dos autos.
Nessa esteira a bem ponderada manifestação ministerial nesta instância:
Desse modo, afasto a nulidade argüida.
2. Da materialidade. A materialidade delitiva do crime de tráfico internacional de munição ficou demonstrada pelo Auto de Exibição e Apreensão de fls.18/19, pelos laudos de exame de fls.28/33 e pelo Laudo de Exame em Munição de fls.86/88, que atestam tratar-se de 25 (vinte e cinco) cartuchos calibre 12, 25 (vinte e cinco) cartuchos calibre 28 e 25 (vinte e cinco) de calibre 36, avaliados no valor total de R$240,00 (duzentos e quarenta reais).
3. Da autoria. A autoria do delito está cabalmente comprovada pelo conjunto probatório dos autos.
No auto de prisão em flagrante o réu espontaneamente confessou a prática delitiva (fls.13/14), bem como em seu interrogatório judicial (fl.73), ocasião em que esclareceu:
As testemunhas de acusação, policiais militares que procederam à abordagem do réu, foram uníssonas ao afirmar, em depoimentos coerentes que confirmam a confissão do réu, que vistoriando o ônibus em que se encontrava o apelante, com ele localizaram uma certa quantidade de cartuchos e no bagageiro, em caixas de erva mate que lhe pertenciam, mais munição, totalizando 75 cartuchos (fls.145 e 146).
Não se vislumbra qualquer divergência nos depoimentos dos policiais, apresentando-se perfeitamente válida a prova testemunhal, eis que reiterada em Juízo, com observância do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Não se demonstrou, ademais, qualquer vício nos relatos das testemunhas, tampouco interesse em prejudicar o réu, sendo corroborados pelos demais elementos probatórios constantes dos autos.
Nesse sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
3. Do dolo e do erro de proibição.
O dolo do apelante vem evidenciado através dos elementos de convicção trazidos aos autos.
Em seu interrogatório na fase indiciária, o réu afirma (fl.13):
Embora em Juízo alegue desconhecer a necessidade de autorização para adquirir a munição, confessa a prática delitiva (fl.73).
As testemunhas, por sua vez, confirmam a presença do elemento subjetivo na conduta do réu:
Dessa forma, estando presente o dolo na conduta do apelante, plenamente cônscio da irregularidade da internação das munições apreendidas, não prospera o pleito defensivo.
Pelos mesmos fundamentos não se concebe a ocorrência de erro de proibição, quer o evitável, muito menos o inevitável.
Logo, diante da prova testemunhal e da própria confissão do réu, não prospera o pedido de absolvição, pois cabalmente comprovado que o apelante trazia consigo munição adquirida no exterior, sem autorização, plenamente ciente acerca do caráter ilícito de sua conduta.
4. Da tipicidade e da ação socialmente adequada. Preenchidos todos os requisitos para a configuração da tipicidade, não prospera a tese defensiva de que não estaria caracterizada a tipicidade material.
A norma penal prevê como crime a conduta de importar ou favorecer a entrada no território nacional, a qualquer título, de munição, sem autorização da autoridade competente, ao que se subsume integralmente a conduta do réu.
Prescinde-se, para a configuração do delito em tela, que a conduta cause algum dano efetivo, ocorrendo com a importação irregular de munição a ofensividade ao bem jurídico tutelado, a segurança pública.
A alegação de que os projéteis destinavam-se ao exercício de atividade lícita, o abate de gado, consistente em ação socialmente adequada, admitida pelas regras culturais do local de origem do réu, não é apta a configurar causa supralegal de exclusão da tipicidade ou da antijuridicidade. A uma, porque não comprovada, por qualquer meio probatório, a alegação do réu. Segundo, porque o réu não foi condenado pelo abate de animais, mas sim pela importação irregular de munição de diversos calibres, elevada à condição de crime pelo ordenamento jurídico, por ensejar a prática de diversos outros delitos nocivos ao meio social. Dessa forma, irrelevante para a configuração do crime de tráfico internacional de munição de arma de fogo a destinação que lhe será dada.
Saliente-se que a munição destinava-se não somente ao réu, mas também a amigos, como declarou em Juízo e se depreende da diversidade do material apreendido, consistente em munições de calibres diversos, o que por si só afasta a tese defensiva.
Portanto, estando comprovadas a materialidade e a autoria delitiva e configurado o dolo, mantenho a condenação do apelante.
5. Da dosimetria.
Corretamente fixada a pena do apelante, não comporta alteração.
Sendo-lhe favoráveis as circunstâncias judiciais, teve a pena-base fixada no patamar mínimo, que não pôde ser reduzida aquém desse patamar por conta da confissão, nos moldes sumulados. Ausentes outras atenuantes, bem como agravantes, ou causas de aumento ou diminuição, a pena foi tornada definitiva em 04 (quatro) anos de reclusão, no regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no mínimo legal, que se mantém, bem como a substituição entabulada.
Com tais consideração, rejeito a preliminar trazida pela acusação e nego provimento à apelação.
É o voto.
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