Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 12/07/2012
HABEAS CORPUS Nº 0015232-13.2012.4.03.0000/SP
2012.03.00.015232-8/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
IMPETRANTE : VICTOR ALEXANDRE ZILIOLI FLORIANO
PACIENTE : LUIZ GABRIEL RIBEIRO AUN
ADVOGADO : VICTOR ALEXANDRE ZILIOLI FLORIANO e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 4 VARA DE S J RIO PRETO SP
No. ORIG. : 00038504820064036106 4 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. RECEITA FEDERAL. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. NULIDADE DA PROVA NÃO EVIDENCIADA. LIMITES DO ART. 6º DA LC 105/2001 RESPEITADOS. TRANCAMENTO AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA. ORDEM DENEGADA.
1. Habeas corpus não é via adequada à discussão do próprio mérito da ação penal.
2. O trancamento da ação penal é medida excepcional por meio do writ, adotada apenas quando das provas documentais aduzidas com a impetração comprove-se, de plano, ou a atipicidade da conduta, ou a ausência de justa causa para a ação penal, ou alguma causa extintiva da punibilidade ou, enfim, as circunstâncias que excluam o crime. Circunstâncias não demonstradas no caso.
3. Violação do sigilo bancário. Art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001 prevê os limites da informação prestada à Receita Federal, que foram respeitados. Alegada nulidade da prova que embasou a denúncia não demonstrada. Precedente desta Corte Regional.
4. Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 02 de julho de 2012.
RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 04/07/2012 10:53:07



HABEAS CORPUS Nº 0015232-13.2012.4.03.0000/SP
2012.03.00.015232-8/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
IMPETRANTE : VICTOR ALEXANDRE ZILIOLI FLORIANO
PACIENTE : LUIZ GABRIEL RIBEIRO AUN
ADVOGADO : VICTOR ALEXANDRE ZILIOLI FLORIANO e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 4 VARA DE S J RIO PRETO SP
No. ORIG. : 00038504820064036106 4 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de ordem de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrada por Victor Alexandre Zilioli Floriano, advogado, em favor de LUIZ GABRIEL RIBEIRO AUN, sob o argumento de que o paciente está submetido a constrangimento ilegal por parte do Juízo Federal da 4ª Vara de São José do Rio Preto/SP.

Afirma o impetrante, em síntese, que o paciente foi denunciado pela prática do delito descrito no art. 1º, inc. I, da Lei nº 8.137/90, em razão de ter omitido a Receita Federal patrimônio e renda, a fim de se eximir do pagamento de imposto de renda no ano base de 1998.

Aduz que a denúncia foi recebida em 24.05.2006, dando origem ao processo crime nº 0003850-48.2006.4.03.6106 e, após a apresentação de alegações finais pelas partes, o feito foi suspenso em razão da adesão, pelo paciente, ao parcelamento previsto na Lei nº 11.941/09.

Alega que, no bojo do procedimento administrativo que apurou o débito objeto da denúncia, a Receita Federal requisitou, sem autorização judicial e com base no art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001, informações sobre movimentações financeiras do paciente a diversas instituições financeiras.

Argumenta que, como as requisições para quebra do sigilo bancário do paciente não foram precedidas de autorização judicial, as informações obtidas se consubstanciam em prova ilícita, tendo em vista a inconstitucionalidade daquela norma, a implicar na nulidade da ação penal.

Pede que seja concedida liminar para a suspensão do curso do processo crime e, ao final, que seja concedida a ordem para determinar o trancamento da ação penal, com fulcro no artigo 648, incs. I e VI, do Código de Processo Penal.

Juntou os documentos de fls. 11/419.

Pela decisão de fls. 421/422, foi indeferida a liminar.

A autoridade coatora prestou informações (fls. 425/427).

Manifestou-se o Ministério Público Federal pela denegação da ordem (fls. 429/434).

É o relatório.


VOTO

Sustenta o impetrante, sucintamente, que a persecução penal se origina de denúncia nula, porque baseada em prova ilegal, o que representa constrangimento ilegal, sanável pela via do presente writ, para o fim de ser trancada a ação penal.

Inicialmente, o que se constata da presente impetração é que se pretende discutir o próprio mérito da ação penal. E o direito de defesa deve ser exercido no âmbito da ação penal, porquanto o habeas corpus não comporta a análise de provas.

Ademais, o próprio volume de documentos trazidos com a inicial, revela a necessidade de dilação probatória, inadequada pela via estreita do habeas corpus.

A questão foi bem delineada no parecer do Ministério Público Federal:

"O impetrante sustenta a falta de justa causa para a ação penal, tendo em vista que houve a quebra do sigilo bancário por autoridade administrativa sem prévia autorização judicial, eivando as provas obtidas no procedimento administrativo de ilicitude, e que implicaria na nulidade da ação penal.
Verifica-se da análise da Representação Fiscal para fins penais realizada pela Delegacia da Receita Federal de São José do Rio Preto/SP (fis. 20/24) que a fiscalização foi iniciada a partir da operação desenvolvida pela Secretaria da Receita Federal, denominada MFI - Movimentação Financeira Incompatível -, onde foram cruzados os dados obtidos na forma do artigo 11, §2° da Lei n° 9.311/96 (CPMF) com a situação fiscal do contribuinte, tendo sido constatado que o ora paciente encontrava-se na situação de omisso em relação à entrega da Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física, ano-calendário de 1998, exercício de 1999, cuja movimentação financeira foi superior a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais).
Observa-se da análise dos documentos que instruíram o presente habeas corpus que Luiz Gabriel Ribeiro Aun, apesar de ter sido intimado e "reintimado" pela Receita Federal a apresentar todos os extratos das contas bancárias em que figurava como titular no ano-calendário de 1998, além de sua Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) daquele ano, bem como comprovasse a origem dos recursos depositados nas referidas contas, quedou-se inerte.
Dessa forma, para que a fiscalização pudesse dar andamento ao procedimento fiscal, requisitou às instituições financeiras - Banco Bradesco, Banco Banespa, Bando Nossa Caixa Nosso Banco e ao Banco do Brasil -, os extratos de movimentação financeira de Luiz Gabriel, seus dados cadastrais e as fichas de abertura de suas conta-corrente.
Após análise do extratos bancários apresentados pelas instituições financeiras, a Receita Federal novamente intimou o contribuinte a comprovar a origem dos recursos depositados em suas contas, inclusive a apresentar sua DIRPF/99, sendo que somente após 05 meses do início do procedimento de fiscalização Luiz Gabriel entregou parte das exigências solicitadas.
Consta, ainda, da referida Representação Fiscal para fins penais, que o contribuinte foi intimado inúmeras vezes, durante o procedimento fiscal, a comprovar mediante documentação hábil e idônea a origem de parte de recursos que ingressaram em sua conta corrente, a fim de afastar as suspeitas da Receita Federal. Todavia, como nada apresentou, foi lavrado Auto de Infração.
Primeiramente, registre-se que a Lei Complementar n° 105/2001, em seu artigo 6°, conferiu à Receita Federal a prerrogativa da quebra de sigilo bancário quando houver processo administrativo instaurado e tal diligência seja considerada indispensável pela autoridade administrativa competente. In verbis:
Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
Da leitura do referido dispositivo, se depreende que o presente caso se amolda perfeitamente à hipótese em que se confere à Receita Federal a prerrogativa da requisição de informações às instituições financeiras sem necessidade de autorização judicial.
(...)
De ser ver, portanto, que a jurisprudência é uníssona no sentido de que não constitui violação do dever de sigilo a prestação de informações, à Secretaria da Receita Federal, sobre as operações financeiras suspeitas de irregularidades, relevando destacar que no caso presente houve a devida observância à limitação legal do acesso da Receita Federal às informações prestadas pelas instituições, que cingiu-se à identificação do titular das contas e dos montantes globais movimentados.
Isto posto, é de se concluir que as provas constantes do procedimento administrativo que deu origem à ação penal n°0003850- 48.2006.4.03.6106 não foram obtidas de forma ilícita, pelo que não há que se cogitar a existência de máculas no processo originário e a caracterização de constrangimento ilegal." - (fls. 429 verso/430 verso e 434)

Ainda, e conforme já ressaltado por ocasião da apreciação liminar, não há que se falar na existência de fumus boni iuris, uma vez que inexiste qualquer pronunciamento, em controle abstrato, sobre a inconstitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar 105/2001, sendo certo, ademais, que esta Colenda Quinta Turma, em recente julgado de Relatoria do Eminente Desembargador Federal André Nekatschalow, decidiu pela constitucionalidade de referido dispositivo legal, ainda que para investigar fatos pretéritos à sua vigência, in verbis:

"HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. SIGILO BANCÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. QUEBRA. TRANCAMENTO AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça confirma a validade das provas obtidas mediante quebra do sigilo bancário em procedimento administrativo instaurado pela Receita Federal com fundamento no art. 6º da Lei Complementar n. 105, de 10.01.01, de natureza procedimental e de aplicação retroativa para efeito de tornar lícita essa prova também em relação a fatos ocorridos anteriormente à sua vigência. Acrescente-se que a jurisprudência também admite a apuração de fatos em virtude da movimentação financeira concernente à CPMF, em conformidade com o § 3º do art. 11 da Lei n. 9.311/96, com a redação dada pela Lei n. 10.174/01 (STJ, REsp n. 1111248, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 17.02.09; HC n. 66014, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 24.08.09; HC n. 42968, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 07.08.08; HC n. 66128, Rel. Des. Fed. Conv. Jane Silva, j. 27.03.08; HC n. 31448, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 23.08.07).
2. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade. Precedentes do STF e do STJ.
3. Ordem de habeas corpus denegada."
(TRF3 - HC 0001723-15.2012.4.03.0000/SP - 5ª Turma - rel. Des. Fed. ANDRÉ NEKATSCHALOW, j. 19/03/2012, public. 27/03/2012)

Assim, verifica-se que não procede a alegação do impetrante.

Ademais, o trancamento da ação penal é medida excepcional por meio do writ, adotada apenas quando das provas documentais aduzidas com a impetração comprove-se, de plano, ou a atipicidade da conduta, ou a ausência de justa causa para a ação penal, ou alguma causa extintiva da punibilidade ou, enfim, as circunstâncias que excluam o crime, o que, definitivamente, não é o que ocorre no caso, conforme já acima anotado.

Por fim, cabe anotar que a jurisprudência nacional é sólida em posicionar-se contrariamente ao manejo da ação de habeas corpus, em hipótese cujo revolvimento a fundo do conjunto probatório é indispensável à resolução da questão:

"CRIMINAL. HC. USO DE DOCUMENTO FALSO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO OCORRÊNCIA. CÓPIA DOCUMENTAL SEM AUTENTICAÇÃO. FATO QUE, POR SI SÓ, NÃO DESCARACTERIZA O TIPO PENAL. DOCUMENTO COM POTENCIALIDADE LESIVA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. ORDEM DENEGADA.
I. Hipótese na qual se alega a atipicidade da conduta praticada pela paciente, que foi denunciada pelo delito de uso de documento falso, pois a mesma teria utilizado cópia de documento sem autenticação e sem aparência de original.
II. A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, sem a necessidade de exame aprofundado e valorativo dos fatos, indícios e provas, restar inequivocamente demonstrada, pela impetração, a atipicidade flagrante do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação, ou, ainda, a extinção da punibilidade.
III. Se o documento montado foi utilizado perante o Poder Judiciário para fundamentar pedido, tendo os denunciados obtido êxito em demanda judicial, não há que se falar em ausência de potencialidade lesiva do documento para causar dando à fé pública, o que afasta a aplicação, à hipótese dos autos, do entendimento de que o uso de cópia não autenticada de documento resulta na atipicidade da conduta.
IV. Prematuro o trancamento da ação penal, bem como a profunda análise da argumentação do writ, o que somente poderá ser permitido após a correta instrução criminal, com a devida análise dos fatos e provas, oportunidade em que se procederá à oitiva das testemunhas, bem como de todos os acusados, concluindo-se pela ocorrência ou não do delito de uso de documento falso.
V. Ordem denegada." - grifei.
(STJ - HC 169626/RS - 5ª Turma - rel. Min. GILSON DIPP, j. 09/11/2010, v.u., DJe 22/11/2010)

Desse modo, e por se tratar o habeas corpus de via estreita, inadequada ao fim almejado, já que não se verificam, de plano, a atipicidade da conduta ou a ausência de justa causa para a ação penal, o que demonstraria o alegado constrangimento ilegal, não é caso de trancamento daquele feito.

Ante o exposto, voto por denegar a ordem.


RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RAMZA TARTUCE GOMES DA SILVA:10027
Nº de Série do Certificado: 3B67D3BD5A079F50
Data e Hora: 28/06/2012 17:47:53