Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 12/07/2012
HABEAS CORPUS Nº 0016003-88.2012.4.03.0000/SP
2012.03.00.016003-9/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
IMPETRANTE : CARLOS CHAMMAS FILHO
: MARCUS VINICIUS DE ANDRADE
: DIOGO HENRIQUE DUARTE DE PARRA
PACIENTE : FERNANDO SANTOS BOTTI
ADVOGADO : CARLOS CHAMMAS FILHO e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE CAMPINAS Sec Jud SP
CO-REU : WILSON DE ANDRADE ZACARIAS
No. ORIG. : 00095929120054036105 1 Vr CAMPINAS/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. MODALIDADE "MANTER EM DEPÓSITO". CRIME PERMANENTE. PRISÃO EM FLAGRANTE. INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO AFASTADA. DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. MEDIDA EXCEPCIONAL. ORDEM DENEGADA.
1. Procedimento investigatório por meio do inquérito policial, desencadeado por denúncia anônima, é regular. Doutrina e precedentes do STJ.
2. É função da Polícia investigar os fatos e nesse processo de investigação é que obterá informações acerca da veracidade, ou não, da notícia veiculada através de denúncia anônima. Averiguação do local integra o processo investigatório.
3. Apreensão das mercadorias no pátio da empresa. Alegada violação de domicílio que não se verifica. Prisão em flagrante.
4. O delito do art. 334, § 1º, do Código Penal, na modalidade "manter em depósito", é crime permanente, cujo estado de flagrância se prolonga no tempo.
5. Flexibilização do princípio da inviolabilidade do domicílio, nos termos do inciso XI, do artigo 5º, da Constituição Federal. Precedentes das Cortes Superiores e desta Corte Regional.
6. Impossibilidade de trancar a ação penal. Ausência de justa causa não demonstrada.
7. Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 02 de julho de 2012.
RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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HABEAS CORPUS Nº 0016003-88.2012.4.03.0000/SP
2012.03.00.016003-9/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
IMPETRANTE : CARLOS CHAMMAS FILHO
: MARCUS VINICIUS DE ANDRADE
: DIOGO HENRIQUE DUARTE DE PARRA
PACIENTE : FERNANDO SANTOS BOTTI
ADVOGADO : CARLOS CHAMMAS FILHO e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE CAMPINAS Sec Jud SP
CO-REU : WILSON DE ANDRADE ZACARIAS
No. ORIG. : 00095929120054036105 1 Vr CAMPINAS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de ordem de habeas corpus, impetrada por Carlos Chammas Filho, Marcus Vinícius de Andrade e Diogo Henrique Duarte de Parra, advogados, em benefício de FERNANDO SANTOS BOTTI, sob o argumento de que o paciente estaria sofrendo constrangimento ilegal por parte do MM. Juiz Federal da 1ª Vara de Campinas/SP.

Narram que, em 23.08.2005, policiais civis adentraram ao pátio da pessoa jurídica Transporte de Derivados de Petróleo Cisplatina Neto Ltda, sem prévia autorização judicial, e apreenderam diversas mercadorias de procedência supostamente estrangeira, assim como constataram a existência de documentos falsos e de documentos com declarações falsas, fatos que desencadearam a instauração de ação penal contra o ora paciente.

Alegam que a proteção constitucional da inviolabilidade do domicílio alcança o pátio da empresa da qual o paciente é sócio, motivo pelo qual os policiais civis não poderiam lá adentrar sem prévia autorização judicial.

Aduzem que os policiais teriam recebido denúncia anônima na data anterior, isto é, em 22.08.2005, que, no entanto, não identificara autoria nem local preciso dos fatos, mostrando-se vaga e imprecisa, motivo pelo qual não teria o condão de desencadear atos investigatórios, e tampouco autorizar uma invasão domiciliar sem prévia autorização judicial, do que se infere a nulidade dos atos que resultaram na apreensão de mercadorias de suposta origem estrangeira, que teriam dado início à ação penal originária.

Ainda, argumentam que o interregno de mais de 24 (vinte e quatro) horas, ocorrido entre a realização da denúncia anônima e as diligências efetuadas pelos policiais, afastaria o estado de flagrância.

Pedem que seja concedida liminar para a suspensão do curso do processo crime e, ao final, que seja concedida a ordem para determinar o trancamento da ação penal, uma vez que todo o conjunto probatório foi produzido de maneira ilícita.

Juntaram os documentos de fls. 25/492.

Pela decisão de fls. 494/496, o pedido de liminar foi indeferido.

A autoridade coatora prestou informações (fls. 500/verso), com os documentos de fls. 501/515.

Manifestou-se o Ministério Público Federal pela denegação da ordem (fls. 517/522).

É o relatório.


VOTO

No presente writ, os impetrantes sustentam, em síntese, a ilicitude da prova colhida, a ensejar ausência de justa causa para a ação, cujo trancamento buscam.

Analisando os autos, não vislumbro qualquer constrangimento ilegal ao direito de liberdade do paciente.

Com efeito, é função da polícia investigar os fatos e, nesse processo de investigação, é que obterá informações acerca da veracidade, ou não, da notícia veiculada através de informação anônima.

A averiguação do local integra o processo investigatório, não emergindo daí qualquer constrangimento ilegal ao direito de liberdade do paciente.

Ademais, cabe ressaltar que a ação de habeas corpus tem pressuposto específico de admissibilidade, consistente na prévia demonstração da violência atual ou iminente, qualificada pela ilegalidade ou pelo abuso de poder, que repercuta, mediata ou imediatamente, no direito à livre locomoção, conforme previsão do art. 5º, inc. LXVIII, da Constituição Federal e art. 647 do Código de Processo Penal.

Por outras palavras, é indispensável que o manejo da ação de habeas corpus esteja subsidiado por um direito singular (a liberdade de locomoção), cuja ameaça ou efetiva afetação (pela violência) decorra de ato manifestamente ilegal ou perpetrado abusivamente, de modo a fazer surgir para o paciente o interesse e a utilidade de socorrer-se mediante a intervenção do judiciário e por via desta ação peculiar.

No que tange ao caso em apreço, há justa causa para a investigação, uma vez que, conforme depoimentos dos policiais civis, a denúncia anônima trouxe informação acerca da existência de transporte de mercadorias de origem duvidosa, ou de entorpecentes, por transportadora sediada em local identificado como Estrada da Rhodia, o que ensejou a fundada suspeita da existência dos crimes mencionados.

Durante diligência a fim de averiguar qual transportadora estaria realizando a operação ilegal, os policiais percorreram estrada vicinal que dava acesso à mencionada Estrada da Rhodia, conforme informado na denúncia anônima, e identificaram uma transportadora em cujo pátio estavam duas carretas em posição que dava a impressão de que se fazia a transferência de produtos de uma à outra, o que ensejou a averiguação, e que culminou na prisão em flagrante dos denunciados, dentre os quais o paciente.

A questão foi bem avaliada pelo i. Procurador Regional da República, em seu parecer:

"(...) o caso em tela perfeitamente se amolda à situação de flagrante delito, o que autorizaria a autoridade policial a invadir o pátio da empresa (...), eis que houve notícia-crime da prática do delito previsto no Art. 334, § 1º, CP, qual seja manutenção em depósito de mercadoria descaminhada. (...)
(...)
Nesse sentido, muito embora a defesa argumente que haveria prova ilícita em virtude da violação ilegal de domicílio sem autorização judicial, tal argumento não merece prosperar, pois, embora tenha passado mais do que 24h entre a notícia-crime e a medida policial - tempo que, em tese, poderia desqualificar um flagrante de crime instantâneo, por exemplo -, in casu, a flagrância do delito perdurava pelo fato de tratar-se de crime permanente, (...)" - (fls. 518/519)

E, conforme já ressaltado na apreciação liminar, o delito descrito no artigo 334, § 1º, do Código Penal, na modalidade "manter em depósito", é crime permanente, cujo estado de flagrância se prolonga no tempo, motivo pelo qual a apreensão das mercadorias no pátio da empresa teria ocorrido em decorrência de flagrante delito, o que flexibiliza o princípio da inviolabilidade do domicilio aventada pelos impetrantes, nos termos do inciso XI, do artigo 5º, da Constituição Federal.

Nesse sentido, anoto precedentes das Cortes Superiores:

"DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. NULIDADE DO PROCESSO. ALEGAÇÃO DE PROVA ILÍCITA E DE VIOLAÇÃO AO DOMICÍLIO. INEXISTÊNCIA. ESTADO DE FLAGRÂNCIA. CRIME PERMANENTE.
1. A questão controvertida consiste na possível existência de prova ilícita ("denúncia anônima" e prova colhida sem observância da garantia da inviolabilidade do domicílio), o que contaminaria o processo que resultou na sua condenação.
2. Legitimidade e validade do processo que se originou de investigações baseadas, no primeiro momento, de "denúncia anônima" dando conta de possíveis práticas ilícitas relacionadas ao tráfico de substância entorpecente. Entendeu-se não haver flagrante forjado o resultante de diligências policiais após denúncia anônima sobre tráfico de entorpecentes (HC 74.195, rel. Min. Sidney Sanches, 1ª Turma, DJ 13.09.1996).
3. Elementos indiciários acerca da prática de ilícito penal. Não houve emprego ou utilização de provas obtidas por meios ilícitos no âmbito do processo instaurado contra o recorrente, não incidindo, na espécie, o disposto no art. 5°, inciso LVI, da Constituição Federal.
4. Garantia da inviolabilidade do domicílio é a regra, mas constitucionalmente excepcionada quando houver flagrante delito, desastre, for o caso de prestar socorro, ou, ainda, por determinação judicial.
5. Outras questões levantadas nas razões recursais envolvem o revolver de substrato fático-probatório, o que se mostra inviável em sede de habeas corpus.
6. Recurso ordinário em habeas corpus improvido."
(STF - RHC 86082/RS - 2ª Turma - rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 05.08.2008, v.u., DJe-157 DIVULG 21-08-2008 PUBLIC 22-08-2008)
"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. INTERROGATÓRIO. REPERGUNTAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. OPORTUNIDADE DADA À DEFESA DE SE MANIFESTAR POR ÚLTIMO. REALIZAÇÃO DE DOIS INTERROGATÓRIOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. INVASÃO DE DOMICÍLIO. CRIME PERMANENTE. FLAGRANTE. EXCEÇÃO À REGRA CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO. PENA-BASE. MAUS ANTECEDENTES. CONDENAÇÕES DEFINITIVAS POR CRIMES ANTERIORES. MAUS ANTECEDENTES QUE NÃO SE CONFUNDEM COM A REINCIDÊNCIA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA POR RESTRITIVA DE DIREITOS. ANÁLISE DESFAVORÁVEL DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ARTIGO 59 DO CP. ORDEM DENEGADA.
1. Ainda que o Ministério Público no interrogatório tenha se manifestado para formular perguntas, alegando pontos obscuros do interrogatório, após a fala da defesa, a abertura de vista novamente à defesa, para se manifestar por último, supre eventual vício existente no ato.
2. A realização de dois interrogatórios demonstra que no procedimento foram dadas ao réu todas as oportunidades de se defender da acusação, efetivando a garantia da ampla defesa.
3. O tráfico de drogas, por ser crime permanente, protrai a sua consumação no tempo. Enquanto o agente portar a droga, permanecerá em flagrante delito e, nessa condição, o ingresso em sua residência com a apreensão do objeto do crime, não ofende a inviolabilidade do domicílio, eis que caracterizada a hipótese excepcionalizada pela Constituição no inciso XI do artigo 5º.
4. A prática de crime anterior ao que se apura, com sentença definitiva, constitui maus antecedentes e, ao contrário da reincidência, não se apaga da vida do indivíduo após o decurso de cinco anos do cumprimento de sua pena.
5. A mácula sobre os antecedentes do agente, derivada de inúmeras condenações definitivas, desaconselha a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, porque não contribuiria para a reprovação do crime e sua ressocialização.
6. Ordem denegada." - Grifei.
(STJ - HC 101628/SP - 6ª Turma - rel. JANE SILVA (Desemb. Conv. do TJ/MG), j. 21/10/2008, v.u., DJe 10/11/2008)

Há precedentes também desta Corte seguindo o mesmo raciocínio, dentre os quais anoto um que se refere ao mesmo delito em comento:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. DESCAMINHO. CÓDIGO PENAL, ART. 334. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE MERCADORIAS. APREENSÃO REALIZADA SEM ORDEM JUDICIAL. INVASÃO DE DOMICÍLIO. DELITO PERMANENTE. FLAGRANTE.
1. Na modalidade de manter em depósito, o delito de descaminho é permanente, de sorte que está em flagrante aquele que é surpreendido na prática de tal conduta.
2. O inciso XI do art. 5º da Constituição Federal, que consagra a inviolabilidade do domicílio, excepciona o flagrante delito, situação que autoriza a invasão ainda que sem ordem judicial.
3. A restituição de mercadorias apreendidas em investigação criminal depende da demonstração da propriedade e da regularidade. Tratando-se de mercadorias de procedência estrangeira e desacompanhadas da necessária documentação fiscal, a restituição é descabida.
4. O art. 118 do Código de Processo Penal estabelece que, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo.
5. A perecibilidade da coisa não é razão para a restituição, mas, conforme o caso, para a alienação judicial prevista no § 5º do art. 120 do Código de Processo Penal."
(TRF3 - ACR 22240 (Proc. nº 0009149-43.2004.4.03.6181) - 2ª Turma - rel. Des. Fed. NELTON DOS SANTOS, j. 22.01.2008, v.u., DJU 15/02/2008)

Desse modo, não há que se falar em nulidade do flagrante, por invasão indevida da empresa.

E, acerca da regularidade do procedimento investigatório por meio do inquérito policial a partir de denúncia anônima, anoto precedentes do Superior Tribunal de Justiça:


"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. APURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. POSSIBILIDADE. DENÚNCIA ANÔNIMA. INVESTIGAÇÃO SOBRE SUA VERACIDADE. POSSIBILIDADE.
1. No que tange à apontada negativa de vigência aos arts. arts. 5º, X e XII, e 93, IX, da Constituição da República, bem como ao art. 458, inc. II, do Código de Processo Civil, nota-se o ato impugnado trouxe as razões de sua conclusão sobre a possibilidade do quebra de sigilo bancário do recorrente.
2. O art. 1º, § 3º, inc. IV, da Lei Complementar n. 105/01 descaracteriza a violação ao dever de sigilo "a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa".
3. A seu turno, o art. 8º, § 2º, da Lei Complementar n. 75/93, em leitura conjugada com o art. 80 da Lei n. 8.625/93, é claro ao dispor que "nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido".
4. Por sua vez, o § 4º do mesmo dispositivo permite a quebra de sigilo quando necessária para a apuração de ocorrência de qualquer ilícito, especialmente nos crimes contra a Administração Pública, como é o caso dos autos, em que há suspeita de prática de corrupção. De fato, não poderia a privacidade constituir direito absoluto a ponto de sobrepor-se à moralidade pública.
5. Nesse sentido, a proporcionalidade da medida excepcional justifica-se sobretudo diante (i) da evolução patrimonial do recorrente, incompatível com sua renda como agente fiscal da Receita Estadual, (ii) da necessidade de examinar se efetivamente houve enriquecimento ilícito (elemento da improbidade administrativa do art. 9º da Lei n. 8.429/1992) e se existem outros agentes envolvidos, e (iii) da impossibilidade de se comprovar essa evolução senão por meio das declarações de patrimônio e renda prestadas à Receita Federal para fins de fiscalização do Imposto de Renda e da movimentação da CPMF que indicará a consistência ou a inconsistência das informações prestadas ao Fisco.
6. E mais: o objeto encontra-se devidamente especificado, consoante se observa do trecho da petição em que se complementou o pedido de quebra.
7. Impõe-se destacar também que a "denúncia" anônima, quando fundada - vale dispor, desde que forneça, por qualquer meio legalmente permitido, informações sobre o fato e seu provável autor, bem como a qualificação mínima que permita sua identificação e localização -, não impede a respectiva investigação sobre a sua veracidade, porquanto o anonimato não pode servir de escudo para eventuais práticas ilícitas e ponto de transformar o Estado em verdadeiro paraíso fiscal.
8. Aliás, o art. 2º, § 3º, da Resolução n. 23/07, do Conselho Nacional do Ministério Público, é expresso ao prever a necessidade de tomada de providências, ainda que o conhecimento pelo Parquet de fatos constituidores, em tese, de lesão aos interesses e direitos cuja proteção está a seu cargo se dê por manifestação anônima. Precedentes.
9. Recurso ordinário não provido." - Grifei.
(RMS 32065/PR - 2ª turma - rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, j. 17/02/2011, v.u., DJe 10/03/2011)
"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE USURA E SONEGAÇÃO FISCAL. NULIDADE. DENÚNCIA ANÔNIMA. POSSIBILIDADE. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA.
1. "Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o inquérito policial, conforme contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado" (HC 44.649/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ 8/10/07). Precedente do STF (AgRg na MC em MS 24.369-4/DF).
2. A proteção aos sigilos de dados não é direito absoluto, podendo ser quebrados quando houver a prevalência do direito público sobre o privado, na apuração de fatos delituosos ou na instrução dos processos criminais, desde que a decisão esteja adequadamente fundamentada na necessidade da medida. Precedentes do STJ.
3. Na hipótese em exame, deve subsistir a decisão judicial que, motivadamente, determinou a quebra do sigilo bancário do paciente, uma vez que demonstrados os indícios de prática delituosa, os motivos pelos quais a medida se faz necessária, bem como o objeto da investigação e a pessoa do investigado.
4. Ordem denegada." - Grifei.
(HC 114846/MG - 5ª Turma - rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, j. 15/06/2010, v.u., DJe 02/08/2010)

Com efeito, a embasar o quanto já exposto, anoto a doutrina de Guilherme de Souza Nucci a respeito da possibilidade de denúncia anônima desencadear a investigação:

"Entretanto, somos levados a acreditar que as denúncias anônimas podem e devem produzir efeito. Não nos esqueçamos que a autoridade policial pode investigar algo de ofício e, para tanto, caso receba uma comunicação não identificada, relatando a ocorrência de um delito de ação pública incondicionada, pode dar início à investigação e, com mínimos elementos em mãos, instaura o inquérito. Embora não se tenha configurado uma autêntica delatio criminis, do mesmo modo o fato pode ser averiguado."
(in "Código de Processo Penal Comentado", 9ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009, p. 89)

Desse modo, e por se tratar o habeas corpus de via estreita, inadequada ao fim almejado, já que não se verifica ausência de justa causa para a persecução penal, o que demonstraria o alegado constrangimento ilegal, não é caso de trancamento da ação penal.

Ante o exposto, voto por denegar a ordem de habeas corpus.

É COMO VOTO.


RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RAMZA TARTUCE GOMES DA SILVA:10027
Nº de Série do Certificado: 3B67D3BD5A079F50
Data e Hora: 28/06/2012 17:14:35