Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 10/07/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001096-78.2001.4.03.6181/SP
2001.61.81.001096-8/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : CARLOS ROBERTO PEREIRA DORIA
ADVOGADO : ERICO LIMA DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
EXCLUIDO : SANDRA REGINA VIEIRA
: LUIZ PAULO BRITO DE SOUZA FERREIRA
REJEITADA DENÚNCIA OU QUEIXA : SANDRA BARBIERI GARCIA

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÕES DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA. TEMPESTIVIDADE. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. PENA-BASE. MAUS ANTECEDENTES. SÚMULA 444 DO STJ. REGIME INICIAL SEMI-ABERTO.
1. Apelação criminal do Ministério Público Federal e da Defesa contra sentença que condenou o réu como incurso no artigo 171, §3º, do Código Penal.
2. O início da contagem do prazo para interposição do recurso de apelação criminal se dá quando da efetivação da última intimação do réu ou do defensor, sendo desnecessário que o réu tenha ou não assinado o termo de apelação, até mesmo porque, in casu, ele não foi encontrado, razão pela qual sua intimação da decisão foi por edital.
3. Não é possível o cálculo da prescrição tomando como base a pena concretamente aplicada na sentença, uma vez que houve recurso da Acusação pleiteando a sua majoração. E, considerando-se a pena máxima em abstrato para o crime tipificado no artigo 171, §3º, não consumou-se o prazo prescricional de doze anos (artigo 109, III do CP) até a data do recebimento da denúncia.
4. A materialidade e a autoria delitivas, bem como o dolo do acusado, comprovam-se pelos documentos acostados aos autos, os quais compõem o processo administrativo instaurado pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.
5. O benefício de auxílio-doença foi concedido tendo por base contribuições sociais em razão de vínculo empregatício com a sociedade Expressa Distribuidora de Auto Peças Ltda., bem como uma declaração médica do Ambulatório de Saúde Mental de Pirituba. O vínculo empregatício, que, supostamente, teria ensejado o recolhimento das contribuições alistadas, é inverídico.
6. A fraude e a autoria se confirmam ainda pelo Laudo de Exame Grafotécnico, o qual conclui que "os lançamentos numéricos (31/07/1998), presentes na Declaração questionada, emanou do punho escritor de Carlos Roberto Pereira Dória", confirmando a falsidade da declaração médica.
7. Em seu interrogatório judicial, o acusado nega a autoria no delito, embora afirme que foram apreendidos documentos, carimbos e máquinas em seu poder, dando início às investigações do crime ora em análise.
8. As afirmações do réu não são condizentes com as demais provas dos autos. O acusado apresenta uma versão pouco crível de que os objetos encontrados em seu poder não lhe pertenciam, sendo de propriedade de uma pessoa chamada Monteiro, a qual não soube identificar e que teria ameaçado seus filhos, quando quiseram devolver os objetos.
9. O conjunto das provas dos autos comprova a materialidade, a autoria e o dolo de Carlos Roberto Pereira Dória.
10. É de ser aplicado o entendimento jurisprudencial consolidado na Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça. Da análise das folhas de antecedentes criminais do réu que se encontram acostadas aos autos, verifica-se que pode ser considerada para o aumento da pena-base apenas a condenação transitadas em julgado de fls. 734. A certidão da condenação de fls. 758/759, embora transitada em julgado, não aponta a data do fato, que em pesquisa ao sistema processual constata-se ser posterior ao retratado nos presentes autos.
11. As conseqüências do crime não foram de grande monta, de forma que é de ser mantida a majoração da pena-base tal como lançada na sentença apelada.
12. Embora a pena privativa de liberdade não seja superior a 4 (quatro) anos e não tenha registro de reincidência, certo é que o §3º do artigo 33 do Código Penal permite a determinação do regime inicial de cumprimento da pena com observância do artigo 59 do Código Penal.
13. Considerando que as circunstâncias judiciais não são favoráveis ao réu, que registra maus antecedentes, é de ser mantido o regime inicial semi-aberto para o cumprimento da pena, bem como incabível a substituição por penas restritivas de direito.
14. Preliminares rejeitadas. Apelações improvidas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares e negar provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 26 de junho de 2012.
MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001096-78.2001.4.03.6181/SP
2001.61.81.001096-8/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : CARLOS ROBERTO PEREIRA DORIA
ADVOGADO : ERICO LIMA DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
EXCLUIDO : SANDRA REGINA VIEIRA
: LUIZ PAULO BRITO DE SOUZA FERREIRA
REJEITADA DENÚNCIA OU QUEIXA : SANDRA BARBIERI GARCIA

RELATÓRIO

O Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita (Relator):



O Ministério Público Federal, em 01/04/2004, denunciou SANDRA REGINA VIEIRA, SANDRA BARBIERI GARCIA, CARLOS ROBERTO PEREIRA DÓRIA, qualificado nos autos, nascido aos 25/04/1954, e LUIZ PAULO BRITO DE SOUZA FERREIRA, imputando-lhes a prática do crime tipificado no artigo 171, §3º, c.c. o artigo 29, ambos do Código Penal. Consta da denúncia que:


"Consta do anexo inquérito policial que, em 04 de setembro de 1998, no Posto do INSS - Santo Amaro, nesta cidade, os denunciados, em conluio e com unidade de desígnios, obtiveram fraudulentamente, em favor da denunciada Sandra Regina, o benefício de auxílio doença nº 31/111.401.982-5.
Consta que, para obter o benefício fraudulento, Sandra Regina apresentou, com o auxílio do denunciado Carlos Roberto e também de uma pessoa de nome MARIA JOSÉ DA SILVA, a documentação acostada a fls. 11/12, a qual atesta, falsamente, a existência de vínculo empregatício com a empresa EXPRESSA DISTRIBUIDORA DE AUTO PEÇAS LTDA., no período de 10 de março de 1995 a 27 de dezembro de 1997. [...]
Também para a obtenção do benefício, buscando comprovar a suposta existência de doença, Sandra Regina apresentou a declaração médica do Ambulatório de Saúde Mental Pirituba acostada a fls. 17, a fim de que esta subsidiasse o exame médico-pericial do INSS, comprovando a sua suposta incapacidade laborativa. [...]
A denunciada Sandra Barbieri, funcionária do INSS de Santo Amaro à época, concorreu dolosamente para o crime acima descrito com a conduta-meio consistente em analisar e formatar o requerimento fraudulento de benefício, manifestando-se favoravelmente à sua concessão (cf. ofício INSS/Nº 821).
Já o denunciado Luiz Paulo, médico-perito do INSS, também concorreu dolosamente para o crime em tela, com a conduta-meio consistente em subscrever falsa perícia atestando a incapacidade da denunciada Sandra Regina, conforme se verifica da documentação de fls. 18 e do ofício INSS/ Nº 821.
Com tais condutas dolosas, os denunciados, nos meses de outubro e novembro de 1998, induziram e mantiveram em erro o INSS, causando prejuízo aos cofres da autarquia federal no montante de R$ 2766,58, conforme comprova a documentação de fls. 41."

A denúncia foi recebida em 23/04/2004 tão somente quanto aos réus SANDRA REGINA VIEIRA e CARLOS ROBERTO PEREIRA DÓRIA (fls. 236/239).

O Ministério Público Federal interpôs recurso em sentido estrito contra a rejeição da denúncia relativamente aos réus SANDRA BARBIERI GARCIA e LUIZ PAULO BRITO DE SOUZA FERREIRA (fls. 240/245).

Pela decisão de fl. 432, foi determinado o desmembramento dos autos quanto à ré SANDRA REGINA VIEIRA, com fundamento no artigo 366 do Código de Processo Penal.

A Primeira Turma deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em sessão de 18/07/2006, deu provimento ao recurso em sentido estrito para receber a denúncia em relação a LUIZ PAULO BRITO DE SOUZA FERREIRA (fls. 551/555).

Pela decisão de fls. 564/565, foi determinado o desmembramento do feito relativamente a LUIZ PAULO BRITO DE SOUZA FERREIRA.

Processado o feito, sobreveio sentença, da lavra da MM. Juíza Federal Substituta Letícia Dea Banks Ferreira Lopes em 30/06/2008 (fls. 796/804), publicada em 30/06/2008 (fl. 805), que condenou o réu CARLOS ROBERTO PEREIRA DÓRIA como incurso no artigo 171, §3º, do Código Penal à pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial semi-aberto, e 20 (vinte) dias multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo. Foi concedido o direito de apelar em liberdade.

O Ministério Público Federal apelou (fls. 807/811). Insurge-se contra a fixação da pena-base, pleiteando a sua majoração, levando-se em conta os antecedentes, a conduta social e a personalidade do réu. Argumenta que o acusado ostenta mais de 200 (duzentos) apontamentos criminais.

Apelação da Defesa (fls. 815/823). Pede o reconhecimento da prescrição entre a data dos fatos e a do recebimento da denúncia. Sustenta a ausência de prova de autoria e materialidade, ao argumento de que o interrogatório do réu foi no sentido de negativa da autoria, de desconhecimento dos corréus e de que jamais ajudou alguém a obter benefício previdenciário. Aduz que a sentença baseou-se no exame grafotécnico, o qual é contraditório, não tendo o condão de fundamentar o decreto condenatório. Insurge-se contra a pena aplicada, uma vez que a folha de antecedentes considerada para aumentar a pena não diz respeito a uma condenação definitiva. Pleiteia a fixação no regime inicial aberto para o cumprimento da pena.

Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls. 837/845).

Contrarrazões da Defesa às fls. 846/855.

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Ana Lúcia Amaral, opinou pelo não conhecimento do recurso da defesa e, subsidiariamente, pelo seu não provimento e pelo provimento do recurso da acusação (fls. 859/864).


É o relatório.

À MM. Revisora.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001096-78.2001.4.03.6181/SP
2001.61.81.001096-8/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : CARLOS ROBERTO PEREIRA DORIA
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APELADO : OS MESMOS
EXCLUIDO : SANDRA REGINA VIEIRA
: LUIZ PAULO BRITO DE SOUZA FERREIRA
REJEITADA DENÚNCIA OU QUEIXA : SANDRA BARBIERI GARCIA

VOTO

O Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita (Relator):



1. Da tempestividade: rejeito a arguição de intempestividade do recurso da Defesa feita pelo Ministério Público Federal.

É certo que o Defensor do acusado foi intimado no dia 26/09/2008 (fl. 813vº), e interpôs recurso em 10/10/2008 - fls. 815. Contudo, o réu foi intimado por edital publicado em 07/05/2009 (fls. 827/833).

O início da contagem do prazo para interposição do recurso de apelação criminal se dá quando da efetivação da última intimação do réu ou do defensor, sendo desnecessário que o réu tenha ou não assinado o termo de apelação, até mesmo porque, in casu, ele não foi encontrado, razão pela qual sua intimação da decisão foi por edital.

HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. INTIMAÇÃO DO DEFENSOR PÚBLICO. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE APELAÇÃO. PRAZO. TEMPESTIVIDADE. 1. A jurisprudência dos Tribunais Superiores é firme em que, da sentença condenatória, em qualquer caso, devem ser intimados o réu e seu defensor público, dativo ou constituído, aperfeiçoando-se o procedimento de cientificação da decisão com a última das intimações, a partir da qual flui o prazo recursal. 2. A exigência da dupla intimação e a conseqüente fluência do prazo recursal a partir da última das intimações deve ser utilizada de modo a ampliar a incidência do princípio da ampla defesa, nunca para tolhê-lo, como sói acontecer em casos tais em que o recurso de apelação deixou de ser conhecido por ausência de intimação do réu, sanada, de qualquer modo, na segunda instância. 3. Ordem concedida.
STJ, 6ª Turma, HC 98644/BA, Rel.Min. Hamilton Carvalhido, j. 27/05/2008, DJe 12/08/2008

Sendo assim, o presente recurso é tempestivo.


2. Da prescrição: ao réu é imputada a conduta de participar da fraude para obtenção de benefício previdenciário em favor de terceira pessoa;

Vinha sustentando o entendimento, na esteira de precedentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no sentido de que o crime de "estelionato previdenciário" consuma-se com o recebimento da primeira prestação do benefício obtido fraudulentamente, mas trata-se de crime eventualmente permanente, em que a prática criminosa renova-se a cada subseqüente recebimento de prestação do benefício, e portanto o termo inicial da prescrição coincide com a cessação dos recebimentos.

E assim o fazia por entender que, respeitadas as doutas opiniões divergentes, o entendimento contrário beneficia o criminoso que causa prejuízo de maior monta, e que durante vários anos persiste no recebimento da vantagem, deixando-o impune pela reconhecimento da prescrição, enquanto condena-se aquele que durante pouco tempo persistiu na prática criminosa.

Contudo, não me é dado desconhecer que a questão restou pacificada em sentido diverso, quanto ao crime praticado por quem não é o beneficiário, pelo Supremo Tribunal Federal:


PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. CRIME PERMANENTE. BENEFICIÁRIO. PRAZO PRESCRICIONAL. INÍCIO DA CONTAGEM. CESSAÇÃO DA PERMANÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. O agente que perpetra a fraude contra a Previdência Social recebe tratamento jurídico-penal diverso daquele que, ciente da fraude, figura como beneficiário das parcelas. O primeiro pratica crime instantâneo de efeitos permanentes; já o segundo pratica crime de natureza permanente, cuja execução se prolonga no tempo, renovando-se a cada parcela recebida da Previdência. 2. Consectariamente, em se tratando de crime praticado pelo beneficiário, o prazo prescricional começa a fluir da cessação da permanência. Precedentes: HC nº 99.112, rel. Min. Marco Aurélio, j. 20/4/2010, 1ª Turma; HC 101.481, rel. min. Dias Toffoli, j. 26/4/2011, 1ª Turma; HC 102.774/RS, rel. Min. Ellen Gracie, j. 14/12/2010, 2ª Turma, DJ de 7/2/2011....
STF, 1ª Turma, HC 102049/RJ, Rel.Min. Luiz Fux, j. 22/11/2011, DJe 09/12/2011
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CRIME DE ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. RÉU BENEFICIÁRIO DAS PARCELAS INDEVIDAS. CRIME PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HIGIDEZ DA PRETENSÃO PUNITIVA. PRECEDENTES. 1. Em tema de estelionato previdenciário, o Supremo Tribunal Federal tem uma jurisprudência firme quanto à natureza binária da infração. Isso porque é de se distinguir aquele que, em interesse próprio, recebe o benefício ilicitamente daquele que comete uma falsidade para permitir que outrem obtenha a vantagem indevida. No primeiro caso, a conduta, a despeito de produzir efeitos permanentes no tocante ao beneficiário da indevida vantagem, materializa, instantaneamente, os elementos do tipo penal. Já naquelas situações em que a conduta é cometida pelo próprio beneficiário e renovada mensalmente, o crime assume a natureza permanente, dado que, para além de o delito se protrair no tempo, o agente tem o poder de, a qualquer tempo, fazer cessar a ação delitiva. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.
STF, 2ª Turma, ARE 663735 AgR/ES, Rel.Min. Ayres Britto, j. 07/02/2012, DJe 16/03/2012

Habeas corpus. Recurso ordinário em habeas corpus. Penal. Crime de estelionato contra a Previdência Social. Artigo 171, § 3º, do Código Penal. Conduta praticada por particular que deu causa à inserção fraudulenta de dados no sistema do INSS, visando beneficiar terceiro. Crime instantâneo de efeitos permanentes. Prescrição. Termo inicial. Data do recebimento indevido da primeira prestação do benefício irregular. Prescrição retroativa consumada. Constrangimento ilegal verificado. Extinção da punibilidade declarada. Ordem concedida. 1. Em tema de estelionato previdenciário, o Supremo Tribunal Federal tem uma jurisprudência firme "quanto à natureza binária da infração. Isso porque é de se distinguir entre a situação fática daquele que comete uma falsidade para permitir que outrem obtenha a vantagem indevida, daquele que, em interesse próprio, recebe o benefício ilicitamente. No primeiro caso, a conduta, a despeito de produzir efeitos permanentes no tocante ao beneficiário da indevida vantagem, materializa, instantaneamente, os elementos do tipo penal. Já naquelas situações em que a conduta é cometida pelo próprio beneficiário e renovada mensalmente, o crime assume a natureza permanente, dado que, para além de o delito se protrair no tempo, o agente tem o poder de, a qualquer tempo, fazer cessar a ação delitiva" (HC nº 104.880/RJ, Segunda Turma, da relatoria do Min. Ayres Britto, DJe de 22/10/10). 2. Aplicando o entendimento desta Suprema Corte, verifica-se que, entre a data do recebimento indevido da primeira prestação do benefício (art. 111, inciso I, do Código Penal) e a data do recebimento da denúncia (art. 117, inciso I, do Código Penal), transcorreu, in albis, período superior a quatro anos, o que demonstra a ocorrência da prescrição retroativa da pretensão punitiva do paciente. 3. Ordem concedida.
STF, 1ª Turma, HC 101999/RS, Rel.Min. Dias Toffoli, j. 24/05/2011, DJe 24/08/2011

Em prol da uniformidade da aplicação no Direito e da celeridade da prestação jurisdicional, cumpre prestigiar tal entendimento, com ressalva de meu ponto de vista pessoal.

No caso dos autos, uma vez que o réu não é o favorecido pelo benefício obtido fraudulentamente, o termo inicial do prazo prescricional, para ele, é a data do recebimento da primeira parcela: outubro de 1998.

Não é possível, contudo o cálculo da prescrição tomando como base a pena concretamente aplicada na sentença, uma vez que houve recurso da Acusação pleiteando a sua majoração.

E, considerando-se a pena máxima em abstrato para o crime tipificado no artigo 171, §3º, não consumou-se o prazo prescricional de doze anos (artigo 109, III do CP) até a data do recebimento da denúncia (23/04/2004 - fls. 237/239).


3. Da materialidade, da autoria e do dolo: a materialidade e a autoria delitivas, bem como o dolo do acusado, comprovam-se pelos documentos acostados aos autos, os quais compõem o processo administrativo instaurado pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.

O benefício de auxílio-doença foi concedido a Sandra Regina Vieira, tendo por base contribuições sociais, recolhidas entre 03/1995 a 12/1997, em razão de vínculo empregatício com a sociedade Expressa Distribuidora de Auto Peças Ltda., bem como uma declaração médica do Ambulatório de Saúde Mental de Pirituba (fls. 25).

Ante a possível inautenticidade da referida declaração, o INSS oficiou ao Ambulatório de Saúde indagando sobre a veracidade de certos atestados médicos emitidos pela instituição, a qual respondeu:


"1º Não temos em nossos arquivos nenhum paciente com os nomes apresentados [dentre eles o de Sandra Regina], portanto não são verdadeiros.
2º O RG nosso quer dizer o nº de matrícula do paciente em nosso serviço e ainda não atingimos um número tão alto quanto o apresentado em todas as declarações.
3º O Hospital Psiquiátrico Pinel é outra instituição situado no mesmo endereço deste, portanto em nossas declarações jamais mencionamos que o paciente esteve internado.
4º Os carimbos tanto da Unidade quanto dos médicos não nos pertence.
5º Dos médicos que assinaram, somente o Dr. Celso Luiz Leite é funcionário e a assinatura também não é dele." (fls. 35/36)

Dessa forma, o INSS expediu comunicado a Sandra Regina a constatação da fraude na documentação que embasou a concessão do benefício do auxílio doença (fls. 44).

Acresce-se que o vínculo empregatício, que, supostamente, teria ensejado o recolhimento das contribuições alistadas à fl. 18, também é inverídico, tendo a própria Sandra Regina Vieira negado ter trabalhado na empresa na época mencionada (fl. 105).

O depoente Nilson Luiz Delascio Cusatis igualmente afirmou na fase policial que "SANDRA REGINA VIEIRA não foi empregada da citada empresa, de 10/03/1995 a 27/12/1997, não constando no Livro nº 02 de Registro de Empregados" - fl. 155.

A fraude e a autoria se confirmam ainda pelo Laudo de Exame Grafotécnico (fls. 180/182), o qual conclui que "os lançamentos numéricos (31/07/1998), presentes na Declaração questionada [fl. 25], emanou do punho escritor de Carlos Roberto Pereira Dória", confirmando a falsidade da declaração médica.

Ademais, às fls. 62, verificam-se dois cartões de "Dória Assessoria - Serviços de Aposentadoria em Geral", nos quais consta o nome do réu Carlos Dória.

Em seu interrogatório judicial, o acusado nega a autoria no delito, embora afirme que foram apreendidos documentos, carimbos e máquinas em seu poder, dando início às investigações do crime ora em análise. Confira-se:


"Teve condenação anterior, de dez anos e um mês de reclusão, como incurso nos crimes dos artigos 171 e 288 do Código Penal. Antes de ser preso residia na cidade de Limeira, mas não se recorda do endereço. [...] Acredita que a acusação é falsa, pois na época dos fatos, em 1998, residia em Americana, onde permaneceu do início de 1998 até o início de 1999, tendo ido depois para Piracicaba.Acredita que estão usando o seu nome indevidamente. Tudo começou com uma apreensão realizada em novembro de 2000, na cidade de Limeira onde residia. Em referida diligência foram apreendidos documentos e carimbos existentes em três caixas, que estavam lacradas e algumas máquinas que mantinha em seu poder a pedido do senhor Monteiro. Conheceu referida pessoa por intermédio de sua cunhada, Maria do Socorro Lacerda Laranjeira, que é irmã de Maria de Fátima Lacerda Laranjeira, em São Paulo. Quis devolver referidas caixas, mas seus filhos sofreram ameaças por parte do Sr. Monteiro. Não conhece Sandra Regina Vieira, Sandra Barbieri Garcia, Luiz Paulo Brito de Souza Ferreira, nem Maria José da Silva. Nunca ajudou qualquer pessoa a obter benefícios previdenciários, nem providenciou atestado médico para tal." (fls. 330/332)

Como se vê, as afirmações do réu não são condizentes com as demais provas dos autos. O acusado apresenta uma versão pouco crível de que os objetos encontrados em seu poder não lhe pertenciam, sendo de propriedade de uma pessoa chamada Monteiro, a qual não soube identificar e que teria ameaçado seu filhos, quando quiseram devolver os objetos.

Portanto, o conjunto das provas dos autos comprova a materialidade, a autoria e o dolo de Carlos Roberto Pereira Dória.


4. Da pena: a sentença fixou a pena base em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 15 (quinze) dias multa, sob o seguinte fundamento:


"Na primeira fase de fixação da pena, atenta ao disposto no art. 59 do Código Penal, constato que o acusado registra maus antecedentes criminais. Ostenta condenações criminais e está sendo processado em inúmeros outros feitos, inclusive por estelionato contra a Previdência Social, conforme demonstram as suas extensas folhas de antecedentes, tanto pela Justiça Federal quanto pela Estadual, o que indica personalidade com poucos esteios morais. A culpabilidade não é acima da média para o delito. Na avaliação conjunta, aumento a pena-base em ½, fixando-a em 1 ano e 6 meses de reclusão e 15 dias-multa."

O Ministério Público Federal pleiteia o aumento da pena-base, tendo em conta a quantidade de antecedentes registrados em nome do réu. Por outro lado, a Defesa pede a sua diminuição, já que não há condenação definitiva a sustentar a exasperação da pena.

É de ser aplicado o entendimento jurisprudencial consolidado na Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça:


É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.

Da análise das folhas de antecedentes criminais do réu que se encontram acostadas aos autos, verifico que pode ser considerada para o aumento da pena-base apenas a condenação transitadas em julgado de fls. 734. A certidão da condenação de fls. 758/759, embora transitada em julgado, não aponta a data do fato, que em pesquisa ao sistema processual constata-se ser posterior ao retratado nos presentes autos.

Por outro lado, as conseqüências do crime não foram de grande monta, de forma que é de ser mantida a majoração da pena-base tal como lançada na sentença apelada.


5. Do regime inicial de cumprimento da pena: deve ser mantido o regime inicial semi-aberto, tal como fixado na sentença.

Embora a pena privativa de liberdade não seja superior a 4 (quatro) anos e não tenha registro de reincidência, certo é que o §3º do artigo 33 do Código Penal permite a determinação do regime inicial de cumprimento da pena com observância do artigo 59 do Código Penal.

Assim, considerando que as circunstâncias judiciais não são favoráveis ao réu, que registra maus antecedentes, é de ser mantido o regime inicial semi-aberto para o cumprimento da pena, bem como incabível a substituição por penas restritivas de direito.


6. Da conclusão: pelo exposto, rejeito as preliminares, e nego provimento às apelações.

É o voto.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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