Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008033-89.2010.4.03.6181/SP
2010.61.81.008033-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELADO : LUIS FERNANDO VELEZ JARAMILLO
: MARIA NATHALIE YEPES SOLANO
ADVOGADO : JOSE MENDES NETO (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
CO-REU : MARCIANA MARZENTA DE ANDRADE
No. ORIG. : 00080338920104036181 7P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/90. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO. ADMISSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 144, §1º, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, 8º DA LEI Nº 8.021/90 E 6º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105/01. RESP Nº 1.134.665-SP, TIDO COMO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA ( ARTIGO 543-C DO CPC). RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.
1. Denúncia que narra o cometimento do crime descrito no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90.
2. Absolvição sumária (arts.395, III e 397 do CPP) sob o fundamento de que prova que alicerçou a acusação era ilícita porquanto obtida pela autoridade fazendária mediante quebra de sigilo bancário sem autorização judicial.
3. Constatada incompatibilidade entre a movimentação financeira do contribuinte e as informações constantes de sua Declaração de Imposto de Renda, a autoridade fiscal deve instaurar o procedimento fiscal, de modo a apurar a existência de eventual crédito tributário.
4. Consoante o disposto no artigo 144, §1º, do Código Tributário Nacional, aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.
5. A Lei nº. 8.021/90 e a Lei Complementar nº.105/2001 legitimam a atuação fiscalizatória e investigativa da Administração Tributária.
6. O sigilo bancário não é absoluto, mormente porque a proteção aos direitos individuais deve ceder diante do interesse público, observados os procedimentos fixados em lei.
7. Prova que não se afigura ilícita. Cláusula de reserva de jurisdição contida no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal que se limita ao sigilo das comunicações telefônicas.
8. O Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial nº.1.134.665-SP tido como representativo de controvérsia, nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou entendimento no sentido de que a Lei nº 8.021/90 e a Lei Complementar nº.105/01 autorizam a atuação fiscalizatória e investigativa da Administração Tributária, sem a intervenção do Poder Judiciário, para fins de constituição de créditos tributários não extintos, inclusive, aqueles referentes a fatos imponíveis anteriores à vigência da referida lei complementar.
9. Recurso a que se dá provimento, determinado o envio dos autos ao Juízo de origem para prosseguimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso do Ministério Público Federal, determinando-se o regular prosseguimento da ação penal em relação aos acusados, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 11 de setembro de 2012.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008033-89.2010.4.03.6181/SP
2010.61.81.008033-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELADO : LUIS FERNANDO VELEZ JARAMILLO
: MARIA NATHALIE YEPES SOLANO
ADVOGADO : JOSE MENDES NETO (Int.Pessoal)
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CO-REU : MARCIANA MARZENTA DE ANDRADE
No. ORIG. : 00080338920104036181 7P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O Exmo. Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI:

Cuida-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença que absolveu sumariamente Luis Fernando Verez Jaramillo e Maria Nathalie Yepes Solano com supedâneo nos artigos 397, c.c. o artigo 395, inciso III, ambos do Código de Processo Penal.

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Luis Fernando Verez Jaramillo, Maria Nathalie Yepes Solano e Marciana Marzenta de Andrade, por infração ao artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, in verbis:

"(...) Luis Fernando, Maria Nathalie e Marciana, os dois primeiros na qualidade de sócios-gerentes e a última na qualidade de procuradora e administradora da empresa MOLIVETTI IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE MAQUINAS E EQUIPAMENTOS LTDA, CNPJ 05.886.884/0001-47 ( contrato social às fls.21/26 e 13/19), omitiram rendimentos relativos aos repasses recebidos/creditados através da Redecard e da Cia Brasileira e Meios de Pagamentos (Visanet), na declaração de imposto de renda pessoa jurídica do ano-calendário de 2004, ocasionando redução de tributos ( valores à fl.92)".

De acordo com a peça acusatória, a Receita Federal autuou a empresa, indicando seus responsáveis e apurando um crédito tributário no valor de R$ 426.208,08. Houve a inscrição na Dívida Ativa em 16 de abril de 2009, como se depreende de fl.190, de forma que o crédito tributário se encontra constituído definitivamente.

A denúncia foi recebida em 09 de novembro de 2009 (fls.201/202), seguindo-se citação pessoal da acusada Marciana, e apresentação de resposta à acusação (fls.235/245).

Em 06 de julho de 2010, o feito originário (nº. 0008240-25.2009.403.6181) foi desmembrado em relação aos acusados Luis Fernando Verez Jaramillo e Maria Nathalie Yepes Solano, ante a necessidade de citação por carta rogatória, dando origem ao referido processo (fl.288).

Em 09 de agosto de 2010, o Juízo de 1ºgrau determinou a expedição de solicitação de Assistência Judiciária em Matéria Penal ao México objetivando a citação e intimação dos acusados Luis Fernando Verez Jaramillo e Maria Nathalie Yepes Solano para apresentarem resposta à acusação, decidindo, a teor do artigo 368 do Código de Processo Penal declarar suspenso o curso do prazo prescricional até o cumprimento da solicitação ( fl.291).

Posteriormente, o magistrado determinou fosse acostada aos autos cópia da sentença que proferiu nos autos originários (nº.0008240-25.2009.403.6181), na qual julgara absolvera a acusada Marciana Marzenta de Andrade, sob o fundamento de que a prova que alicerçou a acusação era ilícita porquanto obtida pela autoridade fazendária mediante quebra de sigilo bancário sem autorização judicial.

Instado, o órgão ministerial rechaçou a aventada ilicitude da prova.

Sobreveio sentença (fls.333/338) que pelos mesmos fundamentos que conduziram à improcedência da pretensão punitiva em relação à denunciada Marciana Marzenta de Andrade - ilicitude da prova - revogou a suspensão do processo e do curso da prescrição e julgou improcedente a ação penal para absolver sumariamente os acusados Luis Fernando Verez Jaramillo e Maria Nathalie Yepes Solano, com supedâneo nos artigos 397 c.c. 395, inciso III, ambos do Código de Processo Penal.

Inconformado, apela o Ministério Público Federal (fls.340/352), pugnando a reformada sentença recorrida, alegando, em síntese, que a prova colhida não se afigura ilícita.

Aduz que o artigo 145, §1º, da Constituição Federal é expresso quanto à possibilidade de o Fisco investigar o patrimônio dos contribuintes para exercer seu papel fiscalizatório.

Afirma que o legislador infraconstitucional outorgou a possibilidade de a autoridade fazendária obter diretamente informações de cunho bancário, como se extrai do artigo 6º da Lei Complementar nº. 105/01.

Alega que a requisição de informações feita pela Receita Federal às instituições bancárias se fundamentou nos poderes que lhe foram outorgados pela Leio Complementar nº. 105/01, ou seja, com estrita observância do princípio da legalidade.

Pede o provimento do apelo para o processamento da ação penal.

Contraminuta da defesa (fls.257/361) em prol de ser mantida a sentença recorrida.

Parecer da Procuradoria Regional da República no sentido de ser provido o recurso (fls.416/426).

É o relatório.

À revisão.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008033-89.2010.4.03.6181/SP
2010.61.81.008033-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
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VOTO

O Exmo. Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI:

O Juízo de 1º grau absolveu sumariamente os acusados, com supedâneo nos artigos 397 c.c. 395, inciso III, do Código de Processo Penal, sob o fundamento de que a prova que alicerçou a acusação era ilícita porquanto obtida pela autoridade fazendária mediante quebra de sigilo bancário sem autorização judicial.

O artigo 8º da Lei nº. 8.021/90, estabelece que:


"Art.8º. Iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art.38 da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964".

Por sua vez, o artigo 6º da Lei Complementar nº. 105/201 dispõe que:


"Art. 6º. As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente".

Constatada incompatibilidade entre a movimentação financeira do contribuinte e as informações constantes de sua Declaração de Imposto de Renda, a autoridade fiscal deve instaurar o procedimento fiscal, de modo a apurar a existência de eventual crédito tributário.

Consoante o disposto no artigo 144, §1º, do Código Tributário Nacional, aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.

Desta feita, a Lei nº. 8.021/90 e a Lei Complementar nº.105/2001, por envergarem natureza procedimental ou formal, legitimam a atuação fiscalizatória e investigativa da Administração Tributária.

O sigilo bancário não é absoluto, mormente porque a proteção aos direitos individuais deve ceder diante do interesse público, observados os procedimentos fixados em lei.

Nessa esteira, não se vislumbra qualquer ilicitude na prova. A uma, porque a cláusula de reserva de jurisdição contida no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal cinge-se ao sigilo das comunicações telefônicas.

A duas, porquanto o alardeado direito à intimidade e à privacidade, como outrora consignado, não é absoluto, rendendo-se aos imperativos de ordem pública, estando a excepcionalidade demonstrada no caso, haja vista eventual crime de sonegação fiscal.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça atesta a validade das provas obtidas mediante quebra do sigilo bancário em procedimento administrativo instaurado pela Receita Federal com fundamento no art. 6º da Lei Complementar nº 105, de 10.01.01, de natureza procedimental e de aplicação retroativa para efeito de tornar lícita essa prova também em relação a fatos ocorridos anteriormente à sua vigência:


PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MEDIDA CAUTELAR PARA EMPRESTAR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. REQUISITOS. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO INTERTEMPORAL. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. RETROATIVIDADE PERMITIDA PELO ART. 144, § 1º DO CTN.
1. A concessão de efeito suspensivo a Recurso Especial é de "excepcionalidade absoluta" (AGRPET 1859, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 28.04.00), dependente de: a) instauração da jurisdição cautelar do STJ; b) viabilidade recursal, pelo atendimento de pressupostos recursais específicos e genéricos, e não incidência de óbices sumulares e regimentais; e c) plausibilidade da pretensão recursal formulada contra eventual error in judicando ou error in procedendo.
2. O resguardo de informações bancárias era regido, ao tempo dos fatos que permeiam a presente demanda (ano de 1998), pela Lei 4.595/64, reguladora do Sistema Financeiro Nacional, e que foi recepcionada pelo art. 192 da Constituição Federal com força de lei complementar, ante a ausência de norma regulamentadora desse dispositivo, até o advento da Lei Complementar 105 /2001.
3. O art. 38 da Lei 4.595/64, revogado pela Lei Complementar 105 /2001, previa a possibilidade de quebra do sigilo bancário apenas por decisão judicial.
4. Com o advento da Lei 9.311/96, que instituiu a CPMF, as instituições financeiras responsáveis pela retenção da referida contribuição, ficaram obrigadas a prestar à Secretaria da Receita Federal informações a respeito da identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações bancárias, sendo vedado, a teor do que preceituava o § 3º da art. 11 da mencionada lei, a utilização dessas informações para a constituição de crédito referente a outros tributos.
5. A possibilidade de quebra do sigilo bancário também foi objeto de alteração legislativa, levada a efeito pela Lei Complementar 105 /2001, cujo art, 6º dispõe: "Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente."
6. A teor do que dispõe o art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, as leis tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao passo que as leis de natureza material só alcançam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência
7. Norma que permite a utilização de informações bancárias para fins de apuração e constituição de crédito tributário, por envergar natureza procedimental, tem aplicação imediata, alcançando mesmo fatos pretéritos.
8. A exegese do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, considerada a natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei Complementar 105 /2001 e 1º da Lei 10.174/2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada pela decadência.
9. Inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários, máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário a Autoridade Fiscal tem o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de tributar da entidade estatal.
10. Medida Cautelar improcedente.
(STJ, MC 7513, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Fux, DJ 30/08/2004, p. 199)

O Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão proferida em 25 de novembro de 2009, relator Ministro Luiz Fux, nos autos do Recurso Especial nº.1.134.665-SP tido como representativo de controvérsia, nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou entendimento no sentido de que a Lei nº 8.021/90 e a Lei Complementar nº.105/01 autorizam a atuação fiscalizatória e investigativa da Administração Tributária, sem a intervenção do Poder Judiciário, para fins de constituição de créditos tributários não extintos, inclusive, aqueles referentes a fatos imponíveis anteriores à vigência da referida lei complementar:


PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS REFERENTES A FATOS IMPONÍVEIS ANTERIORES À VIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001. APLICAÇÃO IMEDIATA. ARTIGO 144, § 1º, DO CTN. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE.
1. A quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário não extinto, é autorizada pela Lei 8.021/90 e pela Lei Complementar 105/2001, normas procedimentais, cuja aplicação é imediata, à luz do disposto no artigo 144, § 1º, do CTN.
2. O § 1º, do artigo 38, da Lei 4.595/64 (revogado pela Lei Complementar 105/2001), autorizava a quebra de sigilo bancário, desde que em virtude de determinação judicial, sendo certo que o acesso às informações e esclarecimentos, prestados pelo Banco Central ou pelas instituições financeiras, restringir-se-iam às partes legítimas na causa e para os fins nela delineados.
3. A Lei 8.021/90 (que dispôs sobre a identificação dos contribuintes para fins fiscais), em seu artigo 8º, estabeleceu que, iniciado o procedimento fiscal para o lançamento tributário de ofício (nos casos em que constatado sinal exterior de riqueza, vale dizer, gastos incompatíveis com a renda disponível do contribuinte), a autoridade fiscal poderia solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no artigo 38, da Lei 4.595/64.
4. O § 3º, do artigo 11, da Lei 9.311/96, com a redação dada pela Lei 10.174, de 9 de janeiro de 2001, determinou que a Secretaria da Receita Federal era obrigada a resguardar o sigilo das informações financeiras relativas à CPMF, facultando sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente.
5. A Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, revogou o artigo 38, da Lei 4.595/64, e passou a regular o sigilo das operações de instituições financeiras, preceituando que não constitui violação do dever de sigilo a prestação de informações, à Secretaria da Receita Federal, sobre as operações financeiras efetuadas pelos usuários dos serviços (artigo 1º, § 3º, inciso VI, c/c o artigo 5º, caput, da aludida lei complementar, e 1º, do Decreto 4.489/2002).
6. As informações prestadas pelas instituições financeiras (ou equiparadas) restringem-se a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados (artigo 5º, § 2º, da Lei Complementar 105/2001).
7. O artigo 6º, da lei complementar em tela, determina que:"Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária."
8. O lançamento tributário, em regra, reporta-se à data da ocorrência do fato ensejador da tributação, regendo-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada (artigo 144, caput, do CTN).
9. O artigo 144, § 1º, do Codex Tributário, dispõe que se aplica imediatamente ao lançamento tributário a legislação que, após a ocorrência do fato imponível, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.
10. Conseqüentemente, as leis tributárias procedimentais ou formais, conducentes à constituição do crédito tributário não alcançado pela decadência, são aplicáveis a fatos pretéritos, razão pela qual a Lei 8.021/90 e a Lei Complementar 105/2001, por envergarem essa natureza, legitimam a atuação fiscalizatória/investigativa da Administração Tributária, ainda que os fatos imponíveis a serem apurados lhes sejam anteriores (Precedentes da Primeira Seção: EREsp 806.753/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 22.08.2007, DJe 01.09.2008; EREsp 726.778/PR, Rel. Ministro Castro Meira, julgado em 14.02.2007, DJ 05.03.2007; e EREsp 608.053/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 09.08.2006, DJ 04.09.2006).
11. A razoabilidade restaria violada com a adoção de tese inversa
conducente à conclusão de que Administração Tributária, ciente de possível sonegação fiscal, encontrar-se-ia impedida de apurá-la.
12. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 facultou à Administração Tributária, nos termos da lei, a criação de instrumentos/mecanismos que lhe possibilitassem identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, respeitados os direitos individuais, especialmente com o escopo de conferir efetividade aos princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º).
13. Destarte, o sigilo bancário, como cediço, não tem caráter absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade aplicável de forma absoluta às relações de direito público e privado, devendo ser mitigado nas hipóteses em que as transações bancárias são denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. Isto porque, conquanto o sigilo bancário seja garantido pela Constituição Federal como direito fundamental, não o é para preservar a intimidade das pessoas no afã de encobrir ilícitos.
14. O suposto direito adquirido de obstar a fiscalização tributária não subsiste frente ao dever vinculativo de a autoridade fiscal proceder ao lançamento de crédito tributário não extinto.
15. In casu, a autoridade fiscal pretende utilizar-se de dados da CPMF para apuração do imposto de renda relativo ao ano de 1998, tendo sido instaurado procedimento administrativo, razão pela qual merece reforma o acórdão regional.
16. O Supremo Tribunal Federal, em 22.10.2009, reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário 601.314/SP, cujo thema iudicandum restou assim identificado: "Fornecimento de informações sobre movimentação bancária de contribuintes, pelas instituições financeiras, diretamente ao Fisco por meio de procedimento administrativo, sem a prévia autorização judicial. Art. 6º da Lei Complementar 105/2001."
17. O reconhecimento da repercussão geral pelo STF, com fulcro no artigo 543-B, do CPC, não tem o condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos recursos especiais pertinentes.
18. Os artigos 543-A e 543-B, do CPC, asseguram o sobrestamento de eventual recurso extraordinário, interposto contra acórdão proferido pelo STJ ou por outros tribunais, que verse sobre a controvérsia de índole constitucional cuja repercussão geral tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte (Precedentes do STJ: AgRg nos EREsp 863.702/RN, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 13.05.2009, DJe 27.05.2009; AgRg no Ag 1.087.650/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 18.08.2009, DJe 31.08.2009; AgRg no REsp 1.078.878/SP, Rel.Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 18.06.2009, DJe 06.08.2009; AgRg no REsp 1.084.194/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 05.02.2009, DJe 26.02.2009; EDcl no AgRg nos EDcl no AgRg no REsp 805.223/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 04.11.2008, DJe 24.11.2008; EDcl no AgRg no REsp 950.637/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 13.05.2008, DJe 21.05.2008; e AgRg nos EDcl no REsp 970.580/RN, Rel.Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 05.06.2008, DJe 29.09.2008).
19. Destarte, o sobrestamento do feito, ante o reconhecimento da repercussão geral do thema iudicandum , configura questão a ser apreciada tão somente no momento do exame de admissibilidade do apelo dirigido ao Pretório Excelso.
20. Recurso especial da Fazenda Nacional provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008".

Por tais razões, DOU PROVIMENTO ao recurso do Ministério Público Federal, determinando o regular prosseguimento da ação penal em relação aos acusados.

É o voto.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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