Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 06/07/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007493-76.2004.4.03.6108/SP
2004.61.08.007493-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : ANTONIO CARLOS PAIVA
ADVOGADO : GILBERTO PUPO FERREIRA ALVES e outro
APELADO : Justica Publica

EMENTA

PENAL - CRIME DE ROUBO CONTRA A EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ART. 157 DO CÓDIGO PENAL - ALEGADA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL - LEI Nº 11.719/08 - NORMA PROCESSUAL QUE NÃO RETROAGE - PREJUÍZO AFASTADO - MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA - COMPROVAÇÃO - TENTATIVA AFASTADA - INVERSÃO DA POSSE - CONSUMAÇÃO - SEMI-IMPUTABILIDADE - AFASTAMENTO - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA - REGIME SEMIABERTO DE CUMPRIMENTO DE PENA - SUBSTITUIÇÃO - DESCABIMENTO - PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA - MANUTENÇÃO - IMPROVIMENTO DO RECURSO.
1. O princípio da identidade física do juiz não vigorava à época da prolação da r. sentença recorrida, em 2007. Apesar de a Lei nº. 11.719/2008 ter acrescentado o parágrafo 2º no artigo 399 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença, trata-se de norma essencialmente processual, que não pode retroagir à data da prolação da sentença.
2.A ofensa ao duplo objeto material do crime de roubo (pessoa e coisa alheia móvel) vem consubstanciada na violência e grave ameaça exercidas mediante o uso de arma de brinquedo contra as vítimas no momento da subtração dos valores, fato comprovado no bojo do inquérito policial pelo auto de apreensão que identificou os produtos do roubo encontrados em poder do acusado, as pistolas de plástico, o capuz e o veículo que utilizou para cometer o crime.
3.Autoria incontroversa, inicialmente, diante da prisão do acusado logo após o crime, da confissão realizada em sede judicial, de seu reconhecimento imediato pelas vítimas e das declarações detalhadas das testemunhas de acusação, todas presenciais, que descreveram como se deu a abordagem dos funcionários, a subtração dos bens do cofre da agência, as ameaças proferidas, e a posterior prisão do réu.
4.A jurisprudência tem se orientado no sentido de que se considera consumado o crime de roubo com a simples inversão da posse, ainda que breve, do bem subtraído, não sendo necessária que a mesma se dê de forma mansa e pacífica, bastando que cessem a clandestinidade e a violência.
5.Os laudos psicológicos, além de não serem unânimes em suas conclusões, também não refletiram a realidade do momento da prática do crime, não se podendo concluir, apenas com base nos laudos, que o réu era, ao tempo da ação, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento a fim de que fosse isento de pena, como também que, em virtude das perturbações por saúde mental, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.Semi-imputablidade afastada.
6.Condenação e penas mantidas.
7. O quantum da pena enseja a fixação do regime inicial semiaberto para o início do cumprimento da reprimenda privativa de liberdade fixada para o réu, nos termos da alínea "b" do parágrafo 2º, do art. 33 do CP.
8.Descabida a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, diante da vedação expressa no artigo 44 do CP, considerando a ausência de preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos exigidos, já que a pena é superior a quatro anos e o delito foi cometido mediante grave ameaça à pessoa.
 9.Agiu com acerto o juiz ao decretar a pena acessória de perda do cargo público, pois trata-se de efeito extra penal específico, em virtude da condenação do réu, funcionário da EBCT, por tempo superior a quatro anos, tendo em vista a violação de dever para com a Administração Pública.
10.Improvimento do recurso.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 11 de junho de 2012.
RAFAEL MARGALHO
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RAFAEL ANDRADE DE MARGALHO:10228
Nº de Série do Certificado: 30552F9D87F00822
Data e Hora: 26/06/2012 13:49:47



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007493-76.2004.4.03.6108/SP
2004.61.08.007493-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : ANTONIO CARLOS PAIVA
ADVOGADO : GILBERTO PUPO FERREIRA ALVES e outro
APELADO : Justica Publica

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Trata-se de apelação criminal interposta por ANTONIO CARLOS PAIVA contra sentença que o condenou pela prática do crime previsto no artigo 157, caput, do Código Penal.


O Ministério Público Federal denunciou Antonio Carlos Paiva como incurso nas penas do art. 157, § 2º, inciso V, do Código Penal expondo que, no dia 09 de agosto de 2004, o acusado, à época funcionário da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, adentrou à agência da empresa em Borebi/SP e surpreendeu Andréa Capelari Zuntini de Camargo, funcionária da referida agência, apontando-lhe uma arma de brinquedo, anunciando um assalto e ordenando que ela não olhasse para seu rosto, uma vez que ainda não havia vestido o capuz para escondê-lo. Em seguida, Antônio amarrou-a e fez com que ela mostrasse a localização do cofre, ao qual a funcionária não tinha acesso.


Na seqüência, o acusado aguardou a chegada do gerente da agência, Floriano Barbosa, que, após ser ameaçado, franqueou sua entrada ao cofre da empresa antes de também ser amarrado. Aberto o cofre, Antonio subtraiu seus pertences e deixou a agência, novamente sem capuz, momento em que Inácio Evandro Soares, outro funcionário da EBCT, ao entrar no local, foi rendido, amarrado e colocado em companhia dos demais pelo acusado, que em seguida empreendeu fuga.


Continuando, expôs a exordial que os funcionários daquela agência da EBCT, após a fuga de Antônio, conseguiram se soltar e Andréa, uma das vítimas, acionou a polícia, informando que o carro utilizado pelo acusado era um Volkswagen Gol amarelo, dos Correios.


Após realizarem uma busca, policiais encontraram Antônio nas imediações do Hospital Municipal de Agudos/SP e recuperaram o produto do roubo, consistente em R$ 5.916,04 (cinco mil, novecentos e dezesseis reais e quatro centavos) em dinheiro entre cédulas e moedas; 169 (cento e sessenta e nove) selos de vários valores; 73 (setenta e três) cartões telefônicos de diversos valores; 81 (oitenta e uma) unidades de títulos de capitalização; 2 (duas) folhas de cheques que somavam o valor de R$ 223,50 (duzentos e vinte e três reais e cinqüenta centavos) e 2 (duas) pistolas de plástico.


Levado pelos policiais ao local do fato, o acusado foi prontamente reconhecido pelas vítimas e admitiu a prática do delito, sendo preso.


Por fim, expôs a denúncia que Hermógenes Paixão da Silva, superior hierárquico do denunciado, prestou declarações informando que ele tinha como função a fiscalização das atividades das agências dos Correios da Diretoria Regional de São Paulo/Interior, mas que não estava prevista a fiscalização na agência de Borebi, esclarecendo que o acusado tinha conhecimento da movimentação naquela cidade e que, para se apossar do veículo usado no crime, colocou nome e matricula falsos no controle de saída dos carros. Afirmou ainda que, naquela data e hora, o acusado deveria estar viajando em um ônibus a caminho da unidade de Ribeirão Preto/SP, evidenciando o prévio planejamento do roubo.


A denúncia foi recebida em 27 de agosto de 2004 (fls. 74).


Após regular instrução, foi proferida a sentença de fls. 396/415, que condenou Antonio Carlos de Paiva à pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semi-aberto, e pagamento de 10 (dez) dias-multa no valor unitário de um salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no artigo 157, caput, do Código Penal. Decretou ainda, como pena acessória, a perda da função pública do réu.


A defesa apelou, requerendo (fls. 428/439):


1 . a absolvição do apelante por insuficiência de provas para a condenação, aduzindo que a sentença se utilizou de elementos frágeis, bem como por ter sido proferida por Magistrado que não presidiu o processo e que, talvez por isso, não tenha observado a complexidade dos fatos e o extremo zelo com que foram conduzidos os atos processuais, notadamente a ordem cronológica dos laudos psiquiátricos referentes ao apelante e a evolução de seu tratamento, dando conta de que não era, à época do crime, inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato;


2 . a fixação da pena no mínimo legal;


3 . a exclusão da agravante genérica da violação ao dever de ofício;


4 . o reconhecimento do crime na forma tentada, com a aplicação da causa de redução do artigo 14. II, do CP em dois terços;


5 . o reconhecimento da semi-imputabilidade do réu, com a aplicação da regra do parágrafo único do artigo 26 do CP, diminuindo-se a pena em mais dois terços;


6 . a fixação do regime inicial aberto para o cumprimento da pena ou a substituição por restritivas de direitos;


7 . a exclusão da pena acessória da perda de função pública.


Contrarrazões às fls. 442/455, pela manutenção da sentença.


A Procuradoria Regional da República, no parecer de fls. 459/465, opina seja negado provimento à apelação.


É o relatório.


À revisão.







Antonio Cedenho
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): ANTONIO CARLOS CEDENHO:10061
Nº de Série do Certificado: 07ED7848D1F21816
Data e Hora: 10/05/2012 17:42:24



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007493-76.2004.4.03.6108/SP
2004.61.08.007493-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : ANTONIO CARLOS PAIVA
ADVOGADO : GILBERTO PUPO FERREIRA ALVES e outro
APELADO : Justica Publica

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Inicialmente, a alegação de que a sentença foi proferida por Magistrado que não presidiu o processo e, talvez por isso não tenha observado a complexidade das provas, da forma como foi posta, sugere que a defesa estaria alegando vício processual, consistente na violação ao princípio da identidade física do Juiz.


Contudo, tal princípio não vigorava à época da prolação da r. sentença recorrida, em 2007. Outrossim, apesar da Lei nº. 11.719/2008 ter acrescentado o parágrafo 2º no artigo 399 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença, trata-se de norma essencialmente processual, que não pode retroagir à data da prolação da sentença.


Nesse sentido:



"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. TORTURA. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ: APLICAÇÃO AO PROCESSO PENAL SOMENTE A PARTIR DA VIGÊNCIA DA LEI 11.719/2008. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
(...). 2. O princípio da identidade física do juiz, embora previsto no artigo 132 do Código de Processo Civil, somente passou a ser aplicado no processo penal após a vigência da Lei 11.719/2008, que alterou o artigo 399, § 2º, do Código de Processo Penal.
3. Agravo regimental ao qual se nega provimento."
(STJ, AGRESP 200401091020, CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, 19/04/2010)
"PENAL - TENTATIVA DE CRIME DE ROUBO QUALIFICADO PERPETRADO CONTRA AGÊNCIA DOS CORREIOS E TELÉGRAFOS - RECONHECIMENTO PESSOAL E FOTOGRÁFICO - VERIFICAÇÃO DE NECESSIDADE - RÉU PRESO - PRESENÇA EM AUDIÊNCIA REALIZADA POR CARTA PRECATÓRIA - MATÉRIA OBJETO DE APRECIAÇÃO POR REPERCUSSÃO GERAL - PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ - IRRETROATIVIDADE DA LEI PROCESSUAL PENAL - PRELIMINARES AFASTADAS - CONDENAÇÃO MANTIDA - PENA BEM DOSADA - IMPROVIMENTO DO RECURSO.
(...)
3. Não há nulidade a ser reconhecida sobre a identidade física do juiz que proferiu a sentença.A respeito impende anotar que a Lei nº 11.719/2008 que instituiu em seu art. 399, § 2º, o aludido princípio não estava em vigor quando do processamento do feito, não havendo falar-se em mácula à luz da irretroatividade da lei processual penal. Preliminares rejeitadas. (...)."
(TRF 3, ACR 200861100013296, JUIZ LUIZ STEFANINI, QUINTA TURMA, 06/04/2011)

Por outro lado, observa-se, pela leitura da sentença, que está devidamente fundamentada, tendo apreciado exaustivamente as questões de fato e de direito apresentadas pela acusação e pela defesa, analisando e valorando suficientemente os elementos de prova, inclusive os concernentes aos laudos periciais elaborados no decorrer do processo e a evolução do tratamento do réu e o prejuízo que a defesa afirma que poderia ter ocorrido seria de natureza intuitiva, e, sendo de tal índole, não há comprovação.


No mérito, ao contrário do alegado, as provas coligidas durante a instrução criminal demonstraram de maneira inequívoca a prática do roubo contra a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos praticado pelo réu Antonio Carlos Paiva.


MATERIALIDADE DELITIVA:


A ofensa ao duplo objeto material do crime de roubo (pessoa e coisa alheia móvel) vem consubstanciada na violência e grave ameaça exercidas mediante o uso de arma de brinquedo contra as vítimas no momento da subtração dos valores, fato comprovado no bojo do inquérito policial pelo auto de apreensão (fls. 18/20), que identificou os produtos do roubo encontrados em poder do acusado, as pistolas de plástico, o capuz e o veículo que utilizou para cometer o crime.


AUTORIA DELITUOSA:


É incontroversa, inicialmente diante da prisão do acusado logo após o crime, da confissão realizada em sede judicial, de seu reconhecimento imediato pelas vítimas e das declarações detalhadas das testemunhas de acusação (fls.163, 229/232 e 286), todas presenciais, que descreveram como se deu a abordagem dos funcionários , a subtração dos bens do cofre da agência, as ameaças proferidas, e a posterior prisão do réu.


Assim, comprovadas a autoria e materialidade delitivas, fica afastada qualquer dúvida acerca de eventual condenação temerária.


Passo à análise da dosimetria da pena, objeto das demais alegações contidas na apelação.


A pena- base não merece reparos, pois foi fixada no mínimo legal (quatro anos de reclusão), em atenção à ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis.


Na segunda fase da fixação da pena, é de rigor a aplicação da agravante revista na alínea "g", do inciso II, do artigo 61 do Código Penal, tendo em vista que o réu, funcionário dos Correios que exercia a função de inspetor, ao praticar o crime violou dever de ofício, já que cabia a ele exatamente evitar desvios no patrimônio da empresa federal.


Nessa mesma fase, o MM. Juiz reconheceu a atenuante da confissão e, do cotejo entre a agravante e atenuante, acertadamente fez prevalecer a primeira em menor grau, por resultar dos motivos determinantes do crime, nos termos do que dispõe o artigo 67 do CP, elevando a pena para 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de reclusão, que tornou definitiva ante a ausência de causas de aumento ou de diminuição.


DA ALEGAÇÃO DE CRIME TENTADO:

Não prospera a afirmação da defesa, no sentido de que deve ser aplicado ao caso o artigo 14, II e parágrafo único do Código Penal, para que seja reduzida a pena em dois terços, pelo fato de o crime não ter se consumado.


Existem quatro teorias a respeito do momento da consumação do crime de roubo: a teoria da "contrectatio" (para a qual a consumação se dá pelo simples contato entre o agente e a coisa alheia), a teoria da "apprehensio" ou "amotio" ( segundo a qual se consuma esse crime quando a coisa passa para o poder do agente), a teoria da "ablatio" ( que tem a consumação ocorrida quando a coisa, além de apreendida, é transportada- posse pacífica e segura- de um lugar para outro e a teoria da "illatio" ( que exige, para ocorrer a consumação, que a coisa seja levada ao local desejado pelo agente, para tê-la a salvo).


A Jurisprudência divergia sobre o assunto e, até meados de 1980, o STF adotava a Teoria da "ablatio", segundo a qual os requisitos para a consumação do roubo seriam: apreensão da coisa, afastamento da disponibilidade da vítima e posse tranqüila do objeto. Após, modificou-se o entendimento para se adotar a Teoria da "Apprehensio":


" Para que o ladrão se torne possuidor, não é preciso, em nosso direito, que ele saia da esfera de vigilância do antigo possuidor, mas, ao contrário, basta que cesse a clandestinidade ou a violência, para que o poder de fato sobre a coisa se transforme de detenção em posse, ainda que seja possível ao antigo possuidor retomá-la pela violência, por si ou por terceiro, em virtude de perseguição imediata. Aliás, a fuga com a coisa em seu poder traduz inequivocamente a existência de posse" (Resp 102.490-SP, 17.12.1987).

Contudo, o STJ ainda divergia nesse sentido, pois a Quinta Turma seguia o entendimento firmado pelo STF, ao passo que a Sexta Turma entendia conforme a teoria da "ablatio."


A partir de meados de 2003, ambas as Cortes passaram a adotar o mesmo entendimento, no sentido de que o roubo se consuma com a inversão da posse, pois, se nosso Código Penal não exige o requisito da tranqüilidade para a aquisição da posse, não cabe ao intérprete distinguir onde a lei não distingue. Assim sendo, consuma-se o roubo no momento em que o agente adquire a posse. O fato de o agente não ter tido a livre e pacífica disposição da coisa por um determinado tempo não deve obstar a consumação do crime, mas tão-somente ser levado em consideração quando da dosimetria da pena. Confira-se:



"PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. ROUBO. CONSUMAÇÃO. POSSE TRANQÜILA DA RES. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. REEXAME DE FATOS E PROVAS. DESNECESSIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. INOCORRÊNCIA. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(...)
2. Considerando que o art. 157 do CP traz como verbo-núcleo do tipo penal do delito de furto a ação de "subtrair", podemos concluir que o direito brasileiro adotou a teoria da apprehensio ou amotio, em que os delitos de roubo/furto se consumam quando a coisa subtraída passa para o poder do agente, mesmo que num curto espaço de tempo, independente da res permanecer sob sua posse tranqüila. Dessa forma, a posse tranqüila é mero exaurimento do delito, não possuindo o condão de alterar a situação anterior. O entendimento que predomina no STJ é o de que não é exigível, para a consumação dos delitos de furto ou roubo, a posse tranqüila da res.
3. Agravo regimental a que se nega provimento"
(AgR no REsp 859952 / RS . Min. Jane Silva - 6º Turma, 27/05/2008 )
"A jurisprudência do STF dispensa, para a consumação do furto ou do roubo, o critério da saída da coisa da chamada "esfera de vigilância da vítima" e se contenta com a verificação de que, cessada a clandestinidade ou a violência, o agente tenha tido a posse da "res furtiva", ainda que retomada, em seguida, pela perseguição imediata
(STF HC 89958-SP, rel. Sepúlveda Pertence, 03.04.2007, v.u., DJ 27.04.2007, p. 68).
"RECURSO ESPECIAL. PENAL. ROUBO CONSUMADO. POSSE MANSA E PACÍFICA. DESNECESSIDADE. PROVIMENTO.
A jurisprudência da Terceira Seção tem se orientado no sentido de que se considera consumado o crime de roubo com a simples inversão da posse, ainda que breve, do bem subtraído, não sendo necessária que a mesma se dê de forma mansa e pacífica, bastando que cessem a clandestinidade e a violência.
In casu, considerando-se que o recorrido, após a subtração da coisa, fugiu e foi, posteriormente, preso por policiais militares, na posse da res furtiva, resta configurado o roubo consumado.
(STJ, RESP 200601614361, Relator(a) JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJE DATA:17/05/2010)
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. PRAZO RECURSAL. FÉRIAS FORENSES. INTERRUPÇÃO. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. ROUBO. DESNECESSIDADE DE POSSE MANSA E PACÍFICA PARA A SUA CARACTERIZAÇÃO.
(...)
O Direito Penal brasileiro adotou a teoria da apprehensio para estabelecer o momento da posse. Assim, basta que o agente apreenda a coisa da vítima, ainda que não obtenha a posse tranqüila do bem, sendo prescindível que saia da esfera de vigilância da vítima, para caracterizar o delito.(...)"
(STJ, EDRESP 200200079571, Relator(a) LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJ DATA:06/02/2006 PG:00292).
Este é também o entendimento desta Corte, consoante os seguintes Acórdãos:
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. INTERESSE RECURSAL. NULIDADE. ACAREAÇÃO. NULIDADE. RECONHECIMENTO PESSOAL. AUDIÊNCIA. PRELIMINARES REJEITADAS. ROUBO. ART. 157, § 2º, I E II, DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONSUMAÇÃO. DOLO. CONCURSO FORMAL. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. REGIME INICIAL.
(...)
6. Consuma-se o roubo no momento em que o agente torna-se possuidor, ainda que por um curto período de tempo, do bem subtraído com o emprego de violência ou grave ameaça. É irrelevante que haja posse tranqüila da res ou que esta saia da esfera de vigilância da vítima. Basta a cessação da clandestinidade ou violência. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
7. A pluralidade de vítimas e respectiva diversidade de patrimônios objeto de ofensa pela ação dos roubadores caracteriza o concurso formal.
(...)"
(TRF3, ACR 200361040137614, Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW , QUINTA TURMA, DJU DATA:05/04/2005 PÁGINA: 256 ).
"PENAL - APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO PRATICADO CONTRA A ECT- ART. 157 DO CP, INCISOS I E II - USO DE ARMA DE FOGO - CO-AUTORIA - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - ARTIGO 14, INCISO II - INAPLICABILIDADE - DELITO CONSUMADO - ARTIGO 70 CP - CONCURSO FORMAL - INOCORRÊNCIA - ARTIGOS 61, I, 63, 64, I - REINCIDÊNCIA CRIMINAL - NÃO CONFIGURAÇÃO - INAPLICABILIDADE DO ART. 72 CP - ARTIGO 59 CP - PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PERANTE ESTA CORTE ACOLHIDO - HC CONCEDIDO - RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARCIALMENTE PROVIDO.
O fato de o bem não ter sido retirado da esfera de vigilância das vítimas tampouco impede a consumação do delito, uma vez que a simples inversão da posse já caracteriza o roubo consumado.
(...)"
(TRF3, ACR 2001.03.99.037076-0 /SP, QUINTA TURMA, 04/09/2006, DJU DATA:31/10/2006 PÁGINA: 230, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE ).
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DA PENA. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.
(...)
Para a consumação do delito de roubo, não se exige posse tranquila sobre a res, bastando a efetiva subtração. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
(...)"
(TRF 3, ACR 2008.61.05.000391-4/SP, SEGUNDA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:16/12/2010 PÁGINA: 140 , Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS ).


No caso, o crime se consumou no momento em que o réu se retirou dos Correios de posse do produto do roubo, pois naquele momento não havia qualquer espécie de perseguição, pouco importando que, após, tenha sido recuperado, não se havendo, pois, de falar em redução de pena pela tentativa.


DA ALEGAÇÃO DE SEMI-IMPUTABILIDADE:


Alega ainda a defesa que deve ser aplicada a regra posta no parágrafo único do artigo 26 do CP, a fim de que a pena seja reduzida em um terço.


Para tanto, sustenta que, da análise dos laudos médicos colacionados aos autos, o réu era, ao tempo da ação, semi-imputável. Isso porque sempre foi um profissional comprometido com as responsabilidades inerentes a seu cargo, e que a fragilidade psicológica que o acometeu foi deflagrada por um acidente sofrido por sua mulher e filhos. Afirma que os primeiros laudos psicológicos, após uma análise superficial, concluíram que o apelante é portador de psicose maníaco-depressiva e não tinha plena capacidade de entendimento e auto-determinação no momento do crime, ressaltando a importância e a necessidade de acompanhamento médico.


Por esses motivos, a defesa e a curadora do réu optaram pela continuidade do tratamento pelo perito nomeado pelo Juízo, após o que novos laudos foram realizados, demonstrando que o quadro clínico era mais grave do que o que fora inicialmente relatado, o que fez com que o réu requeresse e obtivesse aposentadoria por invalidez, tudo demonstrando que cometeu o crime em dissonância com sua formação moral, ética e religiosa, sem finalidade específica, devendo-se, pois, concluir pela semi-imputabilidade do réu.


Entretanto, tais alegações também não merecem prosperar, por não terem sido caracterizadas as situações previstas no artigo 26 do CP que, ao tratar da imputabilidade penal, assim dispõe:


"INIMPUTÁVEIS".
É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
REDUÇÃO DE PENA
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento."
(grifei).

No caso, foram produzidos quatro laudos psiquiátricos sobre a sintomalotogia do réu.


Os três primeiros se encontram nos autos do pedido de liberdade provisória (Nº 2004.61.08.007503-0) em apenso. O primeiro (fl. 64/65) foi elaborado por psicólogos, concluindo que o réu apresenta psicose maníaco-depressiva, tendo plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato, estando, porém, parcialmente capaz de determinar-se de acordo com esse entendimento.


O segundo foi realizado pelo médico psiquiatra Sérgio Yutaka Sato (fls. 121/123 daqueles autos), que concluiu:



" Conduzido sob escolta policial. Ansioso, angustiado e aos prantos, relata os fatos ocorridos em relação ao crime que cometeu. Demonstra arrependimento importante, conta que perdeu sua honra, dignidade, supõe necessite de tratamento psicológico ou psiquiátrico, pois sente a falta de seus familiares. Atento, lúcido, coerente e orientado. Senso crítico e pragmatismo conservados; afetividade íntegra, nível intelectual dentro dos limites da normalidade... Apresenta-se a entrevista evidenciando manifestações de angústia e com leves sinais depressivos, próprios de criminosos ocasiona, é primário, demonstra importante arrependimento. Mesmo que alegue alterações de humor, nunca buscou ajuda psicológica, Não tem antecedentes de uso de substâncias ilícitas. Cometeu o crime com planejamento prévio."

Em resposta aos quesitos da defesa, o perito concluiu que, no momento da ação, o acusado era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.


O terceiro laudo (fls. 124 daqueles autos) também foi elaborado por um médico psiquiatra, concluindo que o réu não apresentava sintomatologia produtiva de doença mental, sendo inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento.


Finalmente, há o laudo acostado às fls. 349/353 destes autos, elaborado pelo mesmo médio psiquiatra que realizara o segundo (Dr. Sérgio Sato), e que acompanhou o tratamento do réu. Esse laudo concluiu ser ele portador de transtorno bipolar do humor de ciclagem rápida (desordem afetiva em que ocorrem bruscas variações do humor com ou sem fatores externos, de períodos curtos), traços de personalidade com ansiedade generalizada (indivíduos muito ansiosos, por vezes compulsivos) e transtorno pós- traumático (pessoas que, após vivenciar evento estressante e muito desconfortável, não conseguem esquecer aquela situação).


Verifica-se, pois, que os laudos, além de não serem unânimes em suas conclusões, também não refletiram a realidade do momento da prática do crime, não se podendo concluir, apenas com base nos laudos, que o réu era, ao tempo da ação, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento a fim de que fosse isento de pena, como também que, em virtude das perturbações por saúde mental, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.


Ressalte-se ainda que o art. 182 do Código de Processo Penal, de acordo com o Princípio do Livre Convencimento, dispõe que o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte.


Nesse sentido:



"PENAL - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - SEMI-IMPUTABILIDADE NÃO COMPROVADA - CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE - INTERNACIONALIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - TENTATIVA - NÃO CONFIGURADA - FIXAÇÃO DA PENA-BASE AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL - IMPOSSIBILIDADE - REGIME FECHADO PARA O CUMPRIMENTO INTEGRAL DA PENA - INCONSTITUCIONALIDADE - PRELIMINARES REJEITADAS - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - CONDENAÇÃO MANTIDA - POSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO NO CUMPRIMENTO DA PENA DEFERIDA.
(...)
O ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO ORIENTA-SE PELO PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL NA APRECIAÇÃO DA PROVA, EM QUE O JUIZ, EMBORA ESTEJA ADSTRITO ÀS PROVAS CARREADAS AOS AUTOS, NÃO PODENDO FUNDAMENTAR QUALQUER DECISÃO EM ELEMENTOS ESTRANHOS A ELES, TEM LIBERDADE NA ELEIÇÃO OU AVALIAÇÃO DAS PROVAS DO PROCESSO, NÃO FICANDO SUBORDINADO A NENHUM CRITÉRIO PREESTABELECIDO.
(...)"
(TRF 3, ACR 98.03.042558-7, QUINTA TURMA , DJU DATA:16/05/2000 PÁGINA: 718 , Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE).

Assim, tendo em vista as conclusões contraditórias dos laudos, e o fato de nenhuma das pessoas que tiveram contato com o réu no momento e no local dos fatos ter afirmado perceber qualquer tipo de perturbação mental ou ainda um comportamento anormal, agiu com acerto o MM. Juiz em analisar os demais elementos de prova, tais como as declarações do réu, das testemunhas, a conduta do agente, sua personalidade e as circunstâncias do crime, para concluir que o acusado, quando da prática do delito, tinha condição do caráter ilícito de sua conduta, bem como total condição de se determinar de acordo com esse entendimento.


Consoante afirmaram as testemunhas Dercio Garcia Carrasco e Marcus Vinicius Maranzatti, policiais militares (fls. 229/230), o réu não aparentava ter qualquer perturbação mental, estava calmo durante a abordagem e alegou que cometeu o crime porque precisava de dinheiro para cobrir um prejuízo econômico decorrente de um acidente de trânsito onde sua esposa nele se envolveu.


Perante a autoridade policial, o réu demonstrou possuir auto-controle, pois reservou-se o direito ao silêncio (fls. 13).


Em Juízo, foram estas as respostas do réu às perguntas feitas pelo Juiz (fls. 83/89):



"...Quanto tempo de casa, no todo? E como inspetor?
Cerca de 07 anos como Inspetor, antecedidos por cerca de 03 como Chefe de Seção, dos quase 18 anos de casa.
Foi transferido para Bauru não final de 2001, tendo sido o seu exercício anterior todo em Brasília.
Em sua função atual nos Correios, tinha pleno acesso a valores em geral?
Como inspetor, somente lhe é fisicamente acessível qualquer valor, em dinheiro ou em bens da ECT, durante a realização de inspeções, que são anualmente programadas e que ainda comportam realização extraordinária (por sistema, via informática, aí sim isso está em suas atribuições saber a respeito de qualquer movimento em qualquer agência)
Em referido acesso de informática, apenas se admite a consulta, não ficando ao alcance qualquer poder de transferir valores.
O controle destes valores está sujeito a grande rigor?
De fato, existe severo controle sobre o máximo de numerário que cada agência, conforme seu porte, pode ter sob sua guarda (ou seja, acima disso é compulsório o recolhimento, de tal sorte que, em não sendo isso obedecido, o próprio sistema acusa e é notificada a Agência a regularizar o assunto).
Aliás, na Agência em que ingressou no dia dos fatos, não fez o aqui acusado qualquer prévia consulta sobre numerário ali existente.
Portanto, o início do dia em cada Agência tem sua importância pelo máximo que ela possa ali ter para iniciar o trabalho, conforme sua categoria.
Qual sua remuneração média mensal?
Isso oscila, conforme a categoria da Diretoria regional, estimando vencimentos em torno de R$ 3.000,00, envolvendo um fixo de em torno de R$ 2.400,00 e acréscimos como anuênios.
Ingeria regularmente medicamentos ao tempo dos fatos? Sob prescrição médica?
Não, o único que ingere eventualmente é para dor de cabeça, como ANADOR, por exemplo.
De onde partiu no dia dos fatos?
De Bauru.
Qual o seu itinerário ou rumo definido ao sair de casa?
Ribeirão Preto, com inspeção durante a semana toda, cuja passagem iria comprar no ato da viagem, previsão de saída às 08:00 (já havia realizado várias inspeções em Ribeirão, inclusive neste ano), dia geralmente vazio, existem vários horários com vários ônibus.
Usa viatura da ECT ou veículo próprio para tanto?
Ia usar ônibus de linha, todavia tendo ido de carro até Borebi, na qual nunca esteve (portanto, onde nunca inspecionou).
Onde obteve a arma usada?
Comprou, de brinquedo, nas Lojas Americanas em Bauru na 6ª feira, 06/08/2008, coincidentemente dia de seu aniversário.
Porque se utilizou de capuz para a ação?
O capuz tratava-se de uma meia-calça, pega em casa, mesmo, nos pertences de sua esposa (com a qual, nem com ninguém aliás, não comentou nada sobre o que ocorreria, até porque nem consigo pensou sobre o assunto).
Não sabe o motivo de o ter utilizado, até porque veio a saber depois, da leitura sobre sua prisão e do que teria dito Andréa, a funcionária lá em Borebi, primeiro teria apontado a arma e depois colocado a meia na cabeça.
Como dominou os funcionários presentes ali na Agência?
Só havia ali na Agência, quando chegou, a funcionária Andréa, a quem rendeu com arma: daí por diante, de nada mais se recorda, se não a partir de quando já se encontrava o ora interrogando, detido em Agudos, sob algemas nas grades da Cadeia e lhe veio falar a Chefe da Agência de Agudos, a quem já conhecia.
(...)
Iria dividir o produto do assalto com alguém?
Isso não lhe passava pela cabeça, tanto quanto não recorda sua conduta ali dentro da Agência, como aqui antes dito, aliás não consegue entender até hoje sobre o porquê se conduziu daquele modo.
(...)
Alguma dívida, bancária ou perante terceiros, a incomodá-lo ao tempo dos fatos?
Existem empréstimos no Banco do Brasil, em curso, de valores baixos (R$ 600,00 totais a título de prestação mensal), mas sob debitamento mensal em consignação em salário.
Não mais que isso.
Alguma perturbação familiar, a incomodá-lo ao tempo dos fatos?
Em razão de uma viagem para Brasilia, em busca dos filhos que lá tinham passado férias, voltou antes e, quando sua esposa vinha de carro para cá, deu-se um acidente que deixou o ora interrogando chocado, traumatizado, precisamente naquela 2ª feira, 02/08/04: felizmente, não houve danos pessoais e os materiais eram resolvíveis, tinham levado o veículo, assim removido por guincho até aqui, para orçamentos e havia recursos para isso.
Todavia, aquela semana lhe foi muito ruim, fazendo-o recordar-se de um outro acidente que envolveu a si e a sua esposa em 2000, no qual também houve capotamento, mas felizmente, "por um triz", não morreram.
Ademais, no dia 05/08, 5ª, sua esposa foi para Salvador a trabalho (de ônibus até São Paulo e depois de avião) e o ora interrogando sentiu que não apenas ficou só, mas que não tinha ao lado, naqueles momentos de maus pressentimentos, sua grande companheira e amiga, sua esposa.
Aliás, naqueles dias não orou nem leu a Bíblia, tudo isso lhe causando aqui, durante o relato, enorme comoção e pranto mesmo.
Fugiu com a viatura com que ali chegou ou com a que ali existia?
Utilizou-se de um veículo administrativo ali da ECT, que sua função lhe permite utilizar.
Registra aqui que se, realmente, desejasse praticar assalto e se enriquecer, jamais procuraria por uma Agência daquele porte, pois muitas outras movimentam cifras altíssimas ao dia e um outro fator, se intenção tivesse, também o atrairia: o pagamento de aposentados e pensionistas da Previdência também se dá em certo período pela ECT, com encaminhamento de valores, por exemplo, via malote, da Agência central em Bauru para diversos lugares, mas sem que sequer naquele dia se estivesse em referido período de pagamento.
Melhor historiando aquela 2ª feira, assim esclarece: havia dormido muito mal, sua bolsa estava preparada por si mesmo com as roupas para a viagem e ia tomar o ônibus circular das 07;00 da manhã, que o levaria até a Rodoviária.
Chegou na porta da sala, abriu-a e não conseguiu sair de casa, sem aqui poder explicar o motivo, era como se algo o impedisse de sair; voltou-se para seu interior de casa, foi até um quartinho aos fundos, pegou as duas pistolas de brinquedo (que estavam soltas ali na estante) que ali deixara próximas aos CDs de sua esposa, ali também guardados, apanhou uma meia e as colocou na mesma bolsa de roupas, sinceramente sem saber o que ia fazer com aquilo.
Embarcou então no circular, no rumo da Rodoviária, mas, ao passar pelo Centro, desceu e foi até a ECT, ainda sem entender porque daquele modo se conduzia.
Apanhou uma viatura da ECT, deu várias voltas em torno daquele quarteirão de sua sede e, quando percebeu, já estava na Rondon, tudo então tendo se processado, sem governo, "foi indo".
(...)
O que desejava fazer com o produto do assalto, em termos de destinação?
Não tem a mínima idéia, conforme historiado aqui neste interrogatório.
Porque naquela cidade e naquele horário?
Também não tem a mínima idéia.
Como iria justificar atraso na chegada a seu destino?
Não se passou pela sua cabeça.
Como comercializaria produtos tipicamente postais, ali envolvidos no assalto?
Também na mesma linha já esclarecida, jamais foi pensado.
Acresce que o comércio de selo é monopólio dos Correios, de tal modo a tornar estranha qualquer comercialização clandestina, também ajuntando que produtos como a Telesena e outros são numerados e controlados em sua origem, em cada Agência.
Algo mais a acrescentar?
(...) Nunca sofreu de problemas neurológicos e, por mais que se investigue a sim mesmo, em busca do motivo de toda a estupidez de gestos que lhe contaram praticou, naquele dia dos fatos, não consegue entender o motivo do que ocorre
(...)"
(GRIFOS NOSSOS).


Em que pesem as argumentações do réu, note-se, consoante já esclarecido, que ao ser preso, alegou que o motivo do crime era a necessidade de dinheiro para pagar despesas decorrentes do acidente com sua esposa e filhos. No interrogatório judicial afirmou que havia recursos para tanto, procurando fazer crer que não agiu a fim locupletar-se.


As demais provas dos autos demonstram que o réu não agiu de inopino, sem saber o que fazia conforme declarou, mas sim dolosamente, ao planejar o roubo previamente, pensando em todos os detalhes para sua consumação.


Nesse aspecto, merece ser integralmente transcrita a acurada análise realizada pelo MM. Juiz de 1º grau, exposta na fundamentação da sentença, e que o levou à certeza necessária para rejeitar a alegação de que o réu é semi-imputável (fls. 408/410):



"... Ao se avaliar o quadro probatório, a conclusão que se apresenta inequívoca é a de que o acusado, quando da prática criminosa, tinha consciência do caráter ilícito de sua conduta, bem como, total condição de se determinar de acordo com este entendimento.
Como mui bem apreendido pela acusação, "tudo demonstra que o mesmo (o réu) arquitetou sua ação de forma detalhada e muito bem calculada. O uso de luvas (fl. 231), a compra prévia das armas de brinquedo na semana anterior e a escolha do momento em que o réu deveria se deslocar para Ribeirão preto, demonstram que o mesmo efetivamente pensara nos detalhes para não ser descoberto. Ademais, a escolha de uma agência pequena, onde os funcionários não o reconheceriam, também aponta para a frieza do planejamento. Nem se diga que o lucro poderia ser muito maior numa agência maior. Verifica-se que uma agência maior imporia maiores obstáculos, maior segurança e uma maior probabilidade de algo sair em desacordo com o planejado, sendo que a escolha do acusado é perfeita para o cometimento de seu primeiro ato delituoso. Do que se vê, tudo poderia ter terminado como mais um caso de difícil solução de autoria, caso não fosse o amadorismo do réu ao utilizar um veículo da ECT e se esquecer, ao início da ação criminosa, de colocar o "capuz" (meia preparada para servir como tal - "cortada e costurada"- fl.ç 229) na cabeça (fl. 363).
Ao quadro estabelecido pela acusação, acresça-se que o réu retirou o veículo, da garagem da ECT, mediante fraude, conforme atestado por Hermógenes Paixão da Silva, Gerente de Inspeções da ECT, à fl. 50, dos autos:
"QUE para possuir o carro pertencente aos Correios Antônio Carlos assinou um controle de saída de veículos, colocando nome e matrícula fictícios, sendo que tinha ordem para se locomover até lá através de transporte coletivo de linha e não carro pertencente ao patrimônio do Correio".
Surpreendido em situação de flagrante, o réu negou a prática do crime , afirmando estar transportando os bens no exercício de sua atividade profissional, pois inspetor da ECT. Quando reconhecido pelos funcionários da agência, e levado para prestar depoimento, optou por permanecer em silêncio, "em clara demonstração de auto-controle", conforme, mais uma vez, bem apanhado pelo Procurador da República, à fl. 363.
O planejamento detalhado do crime (luvas, compra prévia das armas de brinquedo, uso de capuz, fraude na retirada do veículo, escolha de pequena agência dos Correios), a inexistência de qualquer depoimento testemunhal que desse conta estar o acusado despido de sua capacidade de julgamento, a demonstração de auto-controle, perante a autoridade policial, são circunstâncias incompatíveis com um quadro em que estivesse o réu acometido de doença mental, ainda que transitória, que lhe pudesse retirar o livre arbítrio.
Por fim, não se pode deixar de afirmar que, mesmo causando espécie a conduta delituosa do réu (homem religioso, voltado à família, bom profissional), tem-se, de outro lado, possível premência de recursos financeiros, decorrentes do acidente com o veículo da família, o que poderia ter motivado o ato criminoso..
Não há como se reconhecer, portanto, qualquer das situações previstas no artigo 26, do Código Repressor..."
(destaques no original).


Por esses motivos, mantenho a pena do réu em 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de reclusão e pagamento de dez dias-multa, no valor unitário fixado pela sentença.


REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA:


O MM. Juiz fixou o regime semi-aberto para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade fixada para o réu, nos termos da alínea "b" do parágrafo 2º do art. 33 do CP.


A defesa requer a fixação da pena em regime inicial aberto, em função da necessidade de que o réu continue seu tratamento psiquiátrico, bem como pelo fato de ele não ter agido com dolo, com a real possibilidade de reintegração à sociedade.


O artigo 33, § 2º, letra "b", do Código Penal determina:



"o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 04 (quatro) anos e não exceda a 08 (oito) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime semi-aberto".
E o § 3º do mesmo artigo dispõe:
"a determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no artigo 59 deste Código."

Da interpretação desses dispositivos, infere-se que a escolha do regime inicial para cumprimento da pena é uma faculdade concedida ao Juiz, que deverá decidir pelo mais adequado não apenas tendo em vista a quantidade da pena, mas também pela análise do caso concreto e as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal para a fixação da pena, bem como tendo em vista o objetivo da escolha do regime prisional, que é a reeducação do réu e a segurança da sociedade.


A respeito, confira-se os seguintes julgados:


"HABEAS-CORPUS. CRIME DE ROUBO QUALIFICADO. REGIME PRISIONAL INICIAL.
(...)
2. A pena-base e o regime prisional têm finalidades distintas, ainda que fixados com a utilização dos mesmos critérios: na aplicação da pena vela-se unicamente pela dosagem da reprimenda, enquanto que na fixação do regime objetiva-se tanto a reeducação do agente como a segurança da sociedade.
(...)"
(STF - HC 75663/SP - 2ª Turma - rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, j. 30/09/1997, DJ 27-04-2001, p. 59)
"AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. EMPREGO DE ARMA DE FOGO. APREENSÃO E PERÍCIA. NECESSIDADE. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. PRIMÁRIO. PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL. REGIME ABERTO. POSSIBILIDADE.
(...)
2. A teor dos artigos 59, III, e 33, § 3º, do Código Penal, na determinação do regime inicial de cumprimento de pena, observados os limites previstos no § 2º daquele último, devem ser levadas em conta as circunstâncias ditas judiciais, só se justificando a imposição de regime mais severo se devidamente motivada a escolha, assentada a opção nessas circunstâncias.
(...)"
(STJ, AGRHC 200901577214, Rel. HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, DJE DATA:25/10/2010)
"APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 157, §2º, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. ABSOLVIÇÃO PELA INSIGNIFICANCIA DO PREJUIZO SOFRIDO PELA VITIMA. IMPOSSIBILIDADE. PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL. ATENUANTES DO ART. 65, I E III, d, CP. SÚMULA 231 DO STJ. PENA DE MULA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. APLICAÇÃO DO ART. 33 E ART. 59, AMBOS DO CP.
(...)
Pena-base fixada no mínimo legal em razão das circunstancias favoráveis do art. 59 do CP. Pena de multa na mesma proporcionalidade da pena privativa de liberdade.
Não basta o cumprimento dos requisitos objetivos para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, pois, nos termos do art. 33, §3º do CP, deverão ser analisados também os critérios subjetivos do art. 59 do Código Penal.
O regime inicial de cumprimento da pena é fixado pelo juiz de acordo com os art. 33 e 59 do Código Penal, que servem de parâmetro para uma possível ressocialização do condenado.
(...)
(TRF3, ACR 200861120152230, Relator(a) JUIZA CONVOCADA RAQUEL PERRINI, PRIMEIRA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:17/08/2011 PÁGINA: 160)

Tendo em vista que a pena-base do réu foi fixada no mínimo legal diante da ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, notadamente a primariedade do réu e tendo em vista a impossibilidade de considerá-lo como portador de personalidade voltada para a prática de crimes, não há motivos para a fixação de regime mais grave, de maneira que deverá ser alterado para o inicial aberto, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal.



SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS:


Descabida a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, diante da vedação expressa no artigo 44 do CP, considerando a ausência de preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos exigidos, já que a pena é superior a quatro anos e o delito foi cometido mediante grave ameaça à pessoa.



"RECURSO ESPECIAL. CRIMINAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO TENTADO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 44, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. RECURSO PROVIDO.
1. Não cabe substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ao réu condenado por crime de roubo, tendo em vista o disposto no art. 44, inciso I, do Código Penal, que veda sua aplicação aos delitos cometidos mediante violência ou grave ameaça à pessoa.
2. Recurso Especial provido para afastar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos concedida ao recorrido.
(STJ, RESP 1111431/SE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 03/08/2009)

PENA DE PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA:


Deve se mantida a pena de perda da função pública.


Dispõe o artigo 92 do CP:


"São também efeitos da condenação:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

E o artigo 327 do CP determina:



"Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.
 (...)"
 

 

 

 Agiu com acerto o MM. Juiz ao decretar essa pena com base nos referidos dispositivos, pois trata-se de efeito extra penal específico, em virtude da condenação do réu, funcionário da EBCT, por tempo superior a quatro anos, tendo em vista a violação de dever para com a Administração Pública.


Assim, como foram preenchidas as determinações legais, é de rigor a aplicação da pena acessória.

Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação da defesa, apenas para alterar o regime inicial do cumprimento da pena do réu para o aberto, mantendo no mais a sentença nos termos em que foi proferida.


É o voto.







Antonio Cedenho
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): ANTONIO CARLOS CEDENHO:10061
Nº de Série do Certificado: 07ED7848D1F21816
Data e Hora: 14/06/2012 21:09:03