Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 21/09/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000076-71.2006.4.03.6118/SP
2006.61.18.000076-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : Justica Publica
APELADO : INTERNATIONAL TRAVEL SERVICES LTDA
ADVOGADO : MARIA DALVA ZANGRANDI COPPOLA e outro
EXTINTA A PUNIBILIDADE : LUIZ MAURO SOARES falecido
No. ORIG. : 00000767120064036118 1 Vr GUARATINGUETA/SP

EMENTA

PENAL - CRIME AMBIENTAL - ARTIGO 40 DA LEI 9.605/98 - DUPLA IMPUTAÇÃO - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE - MORTE DA PESSOA FÍSICA - ARTIGO 107, I DO CÓDIGO PENAL - RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA - DUPLA IMPUTAÇÃO - INOCORRÊNCIA - RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO.
1. A materialidade do delito encontra-se bem demonstrada pelos Autos de Infração de fls. 09 e 87, bem como pelo Laudo de Exame de Meio Ambiente (ocupação em área protegida) acostado às fls. 112/125.
2. A autoria, por seu turno, também é certa, conforme se verifica do termo de declarações de Luiz Mauro Soares Júnior, acostado às fls. 149/150 dos autos.
3. A extinção da punibilidade faz desaparecer a acusação dirigida à pessoa física, desaparecendo, assim, a dupla imputação, não sendo possível falar-se em imputação da pessoa jurídica, no caso em comento.
4. Extinta a punibilidade da pessoa física desaparece a imputação dirigida ao ente moral, sendo de rigor a manutenção da sentença, nos exatos termos em que lançada.
5. Recurso ministerial desprovido. Mantida, integralmente, a decisão de primeiro grau.





ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes os acima indicados, ACORDAM os Desembargadores da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, após o voto-vista do Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW, à unanimidade, em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, mantendo-se integralmente a decisão de primeiro grau.



São Paulo, 10 de setembro de 2012.
RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000076-71.2006.4.03.6118/SP
2006.61.18.000076-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : Justica Publica
APELADO : INTERNATIONAL TRAVEL SERVICES LTDA
ADVOGADO : MARIA DALVA ZANGRANDI COPPOLA e outro
EXTINTA A PUNIBILIDADE : LUIZ MAURO SOARES falecido
No. ORIG. : 00000767120064036118 1 Vr GUARATINGUETA/SP

VOTO-VISTA

Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra a sentença que absolveu a empresa International Travel Services Ltda. da prática do delito do art. 40 da Lei n. 9.605/98, com fundamento na inadmissibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da pessoa física, visto ter sido extinta a punibilidade da pessoa física em razão de óbito (fls. 253/254).

Alega-se, em síntese, o quanto segue:

a) o ordenamento jurídico positivou a teoria da dupla imputação, segundo a qual a pessoa jurídica só pode ser responsabilizada por crimes ambientais praticados por seus representantes legais em seu benefício;
b) a dupla imputação corresponde à dupla acusação ou dupla atribuição da conduta à pessoa jurídica e a seus representantes legais, sendo que a extinção da punibilidade não afeta a acusação, mas apenas seus efeitos;
c) o recebimento da denúncia é o reconhecimento judicial da dupla imputação;
d) "o engano da sentença impugnada pelo Ministério Público Federal fica mais evidente ao se analisar a questão sob a ótica da teoria do crime. Qualquer que seja a teoria adotada, é certo que a punibilidade é fato exterior e posterior ao crime, o que significa que qualquer mudança de estado da punibilidade do agente não afeta o crime pelo qual foi acusado, ou pelo qual sua prática foi imputada" (fl. 268/269);
e) a extinção da punibilidade não afeta o crime ou a estrutura da acusação;
f) "a causa extintiva da punibilidade sob exame (óbito) é pessoal e não se comunica para os demais agentes envolvidos no delito, extinguindo a pena somente da pessoa afetada por ela" (fl. 270);
g) a dupla imputação é necessária ao oferecimento da denúncia, mas não é imprescindível para continuidade da ação penal;
h) o delito em apreço se assemelha ao tipo penal do artigo 288 do Código Penal (quadrilha ou bando), sendo necessário o concurso de agentes para configuração do crime (fls. 265/273).

Decorreu in albis o prazo para apresentação de contrarrazões (fl. 276).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Maria Iraneide Olinda S. Facchini, opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 278/282v.).

Acompanho o voto da Eminente Relatora para negar provimento ao recurso.

Crimes ambientais. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Sistema de dupla imputação. O princípio societas delinquere non potest tem sido relativizado pelo direito penal moderno e diversos ordenamentos jurídicos estrangeiros prevêem a responsabilidade criminal dos entes coletivos.

Nesse passo, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu no § 3º do art. 225 a responsabilidade penal da pessoa jurídica pela prática de condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente:


Art. 225 (...)
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

O art. 3º da Lei n. 9.605/98 regulamentou o dispositivo constitucional e estabeleceu como requisitos para responsabilização criminal da pessoa jurídica que a infração seja cometida em seu benefício ou interesse e por decisão do seu representante ou de órgão colegiado, sem excluir a responsabilidade das pessoas físicas pelo mesmo fato, in verbis:

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Há controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre a responsabilidade criminal da pessoa jurídica, uma vez que exigiria a superação da teoria penal clássica fundada na culpabilidade do agente, dada a falta de consciência e vontade do ente moral, dentre outras questões, como inviabilidade de aplicação do princípio da personalidade das penas, de imposição da pena privativa de liberdade e a impossibilidade de arrependimento ou de compreensão do caráter aflitivo ou corretivo da sanção penal pela pessoa jurídica.

A despeito das divergências sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a responsabilidade penal da pessoa jurídica desde que ocorra a imputação conjunta da prática criminosa à pessoa física, que atua em benefício do ente moral:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. (...) APLICAÇÃO EQUIVOCADA DO PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE À AÇÃO PENAL PÚBLICA. INOCORRÊNCIA. CRIME AMBIENTAL. DUPLA IMPUTAÇÃO. RESPONSABILIZAÇÃO SIMULTÂNEA DA PESSOA JURÍDICA E DA PESSOA FÍSICA. (...). AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. (...)
2. A necessidade de dupla imputação nos crimes ambientais não tem como fundamento o princípio da indivisibilidade, o qual não tem aplicação na ação penal pública. Aplica-se em razão de não se admitir a responsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da pessoa física.
3. (...)
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ, AGRESP n. 898302, Rel. Des. Fed. Maria Thereza de Assis Moura, j. 07.12.10)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL. (...). RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. (...). DENÚNCIA EXCLUSIVAMENTE DA PESSOA JURÍDICA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1-3. (...)
4. "Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" (REsp 564.960/SC, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ 13/6/05).
5. Recurso parcialmente provido para restaurar a decisão de primeira instância.
(STJ, RESP n. 969160, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 06.08.09)

Do caso dos autos. A empresa International Travel Services Ltda. e seu sócio-gerente Luiz Mauro Soares foram denunciados pela prática do crime descrito no art. 40 da Lei n. 9.605/90.

Consta da denúncia ter Luiz Mauro Soares, em agosto de 2005, na Fazenda Cincerro, em São José do Barreiro (SP), causado dano direto ao Parque Nacional da Serra da Bocaina, considerado unidade de conservação ambiental, tendo provocado incêndio na vegetação nativa e introduzido 17 (dezessete) cabeças de gado na área, em benefício da referida empresa e conforme decisão administrativa de exploração da Fazenda Cincerro (fls. 166/169).

A denúncia foi recebida em 08.09.08 (fl. 170).

Após, foi noticiado o óbito de Luiz Mauro Soares ocorrido em 21.09.08 (fls. 179/180).

Houve extinção da punibilidade do acusado, prosseguindo a ação penal apenas contra a pessoa jurídica (fl. 186).

Apresentada a defesa preliminar (fls. 224/244), sobreveio sentença absolutória, fundamentada na necessidade da dupla imputação, considerando ser inviável a responsabilização da pessoa jurídica sem a presença da pessoa física (fls. 253/254v.).

Recorreu o Parquet, alegando, em síntese, que a dupla imputação corresponde à dupla acusação e restou atendida no momento do recebimento da denúncia, bem como que a extinção da punibilidade em razão do óbito é pessoal e não se comunica aos demais corréus.

Não lhe assiste razão.

Apesar de ter sido observado o sistema da dupla imputação quando do oferecimento da denúncia, o falecimento da única pessoa física denunciada e apontada como responsável pela atividade delitiva supostamente desempenhada em favor da empresa ré torna inviável a responsabilização da pessoa jurídica, que não se realiza de forma independente.

Logo, não se mostra suficiente o atendimento da dupla imputação tão somente para oferecimento da denúncia ou a alegada pessoalidade da causa extintiva da punibilidade, tendo em vista a necessária vinculação da conduta criminosa atribuída à empresa à atuação de seu dirigente.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação.


Andre Nekatschalow


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000076-71.2006.4.03.6118/SP
2006.61.18.000076-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : Justica Publica
APELADO : INTERNATIONAL TRAVEL SERVICES LTDA
ADVOGADO : MARIA DALVA ZANGRANDI COPPOLA e outro
EXTINTA A PUNIBILIDADE : LUIZ MAURO SOARES falecido
No. ORIG. : 00000767120064036118 1 Vr GUARATINGUETA/SP

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE:

Trata-se de apelação criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra decisão proferida pelo MM. Juiz da 1ª Vara Federal de Guaratinguetá-SP, que absolveu a empresa INTERNACIONAL TRAVEL SERVICES LTDA da imputação contida no artigo 40 da Lei 9.605/98, com fundamento na necessidade de dupla imputação e no fato de a punibilidade do réu Luiz Mauro Soares encontrar-se extinta.

Consta da denúncia que:


"(...) Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, em agosto de 2005, na Fazenda Cincerro, no Município de São José do Barreiro/SP, Luiz Mauro Soares, na qualidade de responsável legal pela sociedade empresarial 'International Travel Services Ltda.' e em benefício da empresa em comento, causou dano direto ao Parque Nacional da Serra da Bocaina (PNSB), criado por meio do Decreto n.º 68.172, de 04 de fevereiro de 1971 e alçado à condição de unidade de conservação ambiental pela resolução n.º 11 do CONAMA, editada em 03 de dezembro de 1987.
Segundo restou apurado, no contexto temporal supra mencionado, agentes de fiscalização ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recurso Naturais (IBAMA) compareceram no local indicado no parágrafo anterior, área de preservação permanente inserida no PNSB, oportunidade em que constataram que Luiz Mauro Soares, na qualidade de responsável legal pela sociedade empresarial 'International Travel Services Ltda.' e em benefício da empresa em comento, provocou incêndio em vegetação nativa em uma área de aproximadamente seis hectares, o que deu ensejo à lavratura do auto de infração encartado a fls. 87 (auto de infração n.º 361.508D), além de introduzir dezessete cabeças de gado na área que foi objeto da queimada, o que deu ensejo à lavratura do auto de infração encartado a fls. 09 (auto de infração nº 351.396-D).
Apurou-se ainda que as condutas descritas no parágrafo anterior foram praticadas em continuidade a outras condutas agressivas ao meio ambiente e que foram objeto de autor de infração lavrados no período de 1997 a 2000, todas tendentes a estabelecer no local o manejo do gado.
Tais condutas culminaram em dano direto ao Parque Nacional da Serra da Bocaina, conforme indica a conclusão do laudo pericial encartado a fls. 112/125.
Luiz Mauro Soares é o sócio-gerente da sociedade empresarial 'International Travel Services Ltda.', oportunidade em que era o único responsável, dentre outras atribuições, pelas decisões administrativas da empresa, dentre as quais destacam-se as iniciativas de explorar, em benefício da empresa, a Fazenda Cincerro.
Ante o exposto, o Ministério Público Federal, pelo Procurador da República signatário, denuncia a sociedade empresarial 'International Travel Services Ltda.' e Luiz Mauro Soares como incursos no artigo 40 da Lei n.º 9.605/98, requerendo que, recebida e autuada esta, sejam os réus citados e intimados para interrogatório, ouvindo-se durante a instrução as testemunhas abaixo indicadas, seguindo-se o rito determinado nos artigos 394 e seguintes e artigos 498 e seguintes, todos do Código de Processo Penal, até final decisão condenatória. (..)" (fls. 166/169).

Decisão do MM. Juiz a quo determinando o recebimento da denúncia, a requisição das certidões de antecedentes criminais e a remessa dos autos ao SEDI (fl. 170).

Manifestação do Ministério Público Federal reiterando os pedidos constantes na denúncia (fls. 175/176).

Petição acostada às fls. 179/180 dos autos informando o óbito do acusado LUIZ MAURO SOARES, determinando o MM. Juízo de Primeira Instância a manifestação do Ministério Público Federal (decisão de fl. 181).

Manifestação do Ministério Público Federal pelo reconhecimento da extinção da punibilidade de LUIZ MAURO SOARES, tendo em vista o seu falecimento em 21/09/2008, informando, ainda, não ser possível propor à co-ré International Travel Services Ltda. a suspensão condicional do processo nos moldes do artigo 89 da Lei 9.099/95 (fls. 182/183).

Decisão de fl. 186 decretando a extinção da punibilidade do correu Luiz Mauro Soares.

A ré apresentou defesa preliminar às fls. 224/244.

O MM. Juiz a quo determinou a manifestação do Ministério Público Federal quanto ao pedido de apensamento dos autos ao processo 0001459-08.2001.4.03.6103 (fl. 246).

Manifestação contrária ao pedido de apensamento às fls. 247/249.

Sentença absolutória da empresa International Travel Services Ltda proferida em 12 de setembro de 2001 (fls. 253/254v), e disponibilizada em 29/09/2011 (fls. 263).

O Ministério Público Federal interpôs recurso de apelação, pleiteando a reforma da sentença para que o feito prossiga na fase instrutória, argumentando, essencialmente, que existe nos autos dupla imputação na denúncia, o que basta para que a pessoa jurídica possa ser condenada, sendo certo, ainda, que a morte de um dos agentes não impede a condenação dos demais (fls.265/273)

Sem contra-razões, vieram os autos a esta Egrégia Corte, onde a Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Maria Iraneide Olinda S. Facchini, opinou pelo desprovimento do recurso de apelação (fls. 278/282v).

À revisão, na forma regimental.

É O RELATÓRIO.



RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000076-71.2006.4.03.6118/SP
2006.61.18.000076-0/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : Justica Publica
APELADO : INTERNATIONAL TRAVEL SERVICES LTDA
ADVOGADO : MARIA DALVA ZANGRANDI COPPOLA e outro
EXTINTA A PUNIBILIDADE : LUIZ MAURO SOARES falecido
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VOTO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE:

Observo que a prova da materialidade do delito e os indícios de autoria foram claros e suficientes para o início da persecução penal, nos presentes autos.

A materialidade do delito encontra-se bem demonstrada pelos Autos de Infração de fls. 09 e 87, bem como pelo Laudo de Exame de Meio Ambiente (ocupação em área protegida) acostado às fls. 112/125.

Também existem fortes indícios de autoria, como se verifica do termo de declarações de Luiz Mauro Soares Júnior, acostado às fls. 149/150 dos autos, que assim se pronunciou:

"(...) QUE todos os sócios respondem pela empresa, por possuírem atribuição de gerência. QUE o responsável pelo gerenciamento da propriedade dentro do PNSB era de responsabilidade do pai do Declarante: LUIZ MAURO SOARES; QUE já faz, aproximadamente, um ano que seu pai deixou de gerenciar as benfeitorias com relação a referida propriedade, tendo em vista problemas de saúde; QUE a propriedade está nos cuidados de um funcionário da empresa, podendo se dizer que se trata de um caseiro; QUE o nome do caseiro é MARCIO JOSE PAES MACHADO; QUE esclarece que não é de conhecimento dos sócios da empresa que a área estava inserida dentro do PNSB, à época da aquisição da propriedade e das construções; QUE ratifica a responsabilidade pelo gerenciamento da área em comento, pertencente a empresa, era da responsabilidade de seu pai (...)" (negritei).

No caso dos autos, foram denunciados a pessoa física - Luiz Mauro Soares, e o ente moral - Internacional Travel Services Ltda., pela prática de crime ambiental, sobrevindo, ao recebimento da denúncia, sentença de extinção da punibilidade do denunciado Luiz Mauro Soares, nos termos do artigo 107, inciso I, do Código Penal.

O MM. Juízo de primeira instância absolveu a empresa, corré sob o fundamento de que, com a extinção de punibilidade do corréu Luiz Mauro Soares, deixou de existir a dupla imputação entre pessoa física e pessoa jurídica, condição para responsabilização penal desta (fls. 253/254v).

Apela o Ministério Público Federal para que o feito tenha seu regular prosseguimento quanto à pessoa jurídica de direito privado.

Passemos à análise da legislação aplicável ao caso.

O artigo 225, §3º da Constituição Federal dispõe que:


"Art.225.
(...)
§3º.As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penasis e administrativas, independente da obrigação de reparar os danos causados (grifos nossos)

Por sua vez, o artigo 3º da Lei 9.605/98 possui a seguinte redação:


Art.3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.(grifos nossos).
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Defende o apelante que, pela redação dos dispositivos legais em comento, que positivaram no direito pátrio a teoria da dupla imputação, a pessoa jurídica só pode ser responsabilizada criminalmente (ou seja, só pode figurar na condição de ré em uma ação penal) nos crimes ambientais que foram praticados por seus representantes legais em seu beneficio, sendo estas as condições legalmente previstas para a sua inclusão no pólo passivo da ação penal.

Desse modo, o Parquet federal entende que a chamada dupla imputação significaria que a acusação deve abranger a conduta delituosa da pessoa física que é responsável pela pessoa jurídica, conduta esta que deverá ter sido praticada em benefício da pessoa jurídica, no que tange aos crimes ambientais, ou seja, referida dupla imputação seria apenas uma dupla acusação, sendo que a extinção da punibilidade da pessoa física não afetaria a acusação, mas sim os seus efeitos, sendo de rigor o reconhecimento da responsabilidade do ente moral, após regular instrução criminal a ser realizada após a reforma da sentença levada a efeito nos autos.

Não assiste razão ao Ministério Público Federal, conforme se verá.

Para a análise do mérito da imputação dirigida à empresa, seria necessário se proceder á análise da imputação direcionada ao seu sócio, o que, in casu, seria impossível, tendo em vista seu falecimento, e a extinção de sua punibilidade.

Assim, tenho que a extinção da punibilidade fez desaparecer a imputação dirigida à pessoa física, desaparecendo, assim, a dupla imputação, não sendo possível falar-se em imputação da pessoa jurídica, no caso em comento.

Como bem colocado pelo MM. Juiz de primeira instância (fls. 253/254vº):


"(...) O artigo 3º da Lei n.º 9.605/98, ao disciplinar a responsabilização penal da pessoa jurídica, prevê, para tal, hipótese de coautoria necessária, não se podendo dissociar a responsabilidade da pessoa jurídica da decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sociedade, devendo, assim, a pessoa jurídica ser demandada com a pessoa física que determinou a prática do ato causador da infração (ACR 200541000023968, DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ, TRF1 - QUARTA TURMA, 04/06/2010).
Pela teoria da dupla imputação, encampada pelo Superior Tribunal de Justiça, à qual adiro, a pessoa jurídica não poderá ser responsabilizada sem a presença da pessoa física que atuou em seu nome e em seu benefício, consoante jurisprudência abaixo colacionada:
(...)
Uma vez que se tem notícia do falecimento da pessoa física e da extinção da punibilidade decorrente da morte do agente (fls. 186), imperiosa se faz a absolvição com relação à ré pessoa jurídica, pois não se admite a responsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da pessoa física.
Segundo Rogério Greco, em Curso de Direito Penal Parte Geral, p.179, 'A pessoa jurídica não possuía vontade própria. Quem atua por ela são os seus representantes. Ela, como ente jurídico, sem o auxílio das pessoas físicas que a dirigem, nada faz. Não se pode falar, portanto, em conduta de pessoa jurídica, pois que, na lição de Pierangeli, a vontade de ação ou vontade de conduta é um fenômeno psíquico que inexiste na pessoa jurídica' (...)"

Outro não é o entendimento da Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Maria Iraneide Olinda S. Facchini, in verbis:

"(...) Dessa forma, não se pode ignorar a realidade fática de que a Constituição Federal admite a penalização de empresas, nos termos do art. 225, § 3º. Contudo, considerando-se que a responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes ambientais somente é admitida nas hipóteses de imputação simultânea da pessoa física responsável por sua gerência, declarada extinta a punibilidade do réu Luiz Mauro Moraes, não há como prosseguir o feito apenas em relação à empresa. (...)" (fl. 282vº - os destaques são no original).

Cumpre assinalar, por fim, que referido entendimento é adotado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:


"PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA REJEITADA PELO E. TRIBUNAL A QUO. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO.
Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes).
Recurso especial provido. (RESP 889528/SC RECURSO ESPECIAL2006/0200330-2 - Relator Ministro FELIX FISCHER - Data da Publicação/Fonte DJ 18/06/2007 p. 303)".

Desta feita, extinta a punibilidade da pessoa física desaparece a imputação dirigida à pessoa jurídica, sendo de rigor a manutenção da r. sentença, nos exatos termos em que lançada.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, mantendo integralmente a sentença.


É COMO VOTO.

RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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Data e Hora: 28/06/2012 21:28:41