Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0107610-95.2006.4.03.0000/SP
2006.03.00.107610-3/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : JOSEPH ZUZA SOMAAN ABDUL MASSIH
ADVOGADO : ANTONIO CARLOS DE GOES
APELADO : Justica Publica

EMENTA

PENAL - PROCESSUAL PENAL - CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL - ARTIGO. 1º, INCISO I, C.C. ARTIGO 12, AMBOS DA LEI Nº 8.137/90 - PRELIMINARES REJEITADAS - MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS SOBEJAMENTE COMPROVADAS - RECONHECIMENTO DO ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO) - EXISTÊNCIA DE FARTA PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL - PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - PENA-BASE REDUZIDA MANTENDO-SE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - MAJORAÇÃO DA PENA EM RAZÃO DO GRAVE DANO CAUSADO À COLETIVIDADE - RECURSO DO RÉU PARCIALMENTE PROVIDO.
1. No que tange a alegada inépcia da inicial acusatória, deve ser repelida, de plano, vez que a denúncia descreve a conduta do acusado de forma precisa, estando em plena harmonia com o disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal.O fato criminoso imputado ao réu está suficientemente descrito, bem como as circunstâncias em que ele ocorreu, em consonância com o tipo penal previsto no artigo 1º, inciso I, c.c artigo 12, inciso I, ambos da Lei 8.137/90. Nada obstante, ainda que o órgão Ministerial não tivesse indicado na peça inicial a causa de aumento prevista no artigo 12, I da Lei 8.137/90, somente a título de argumentação, sabe-se que o réu se defende dos fatos narrados na denúncia e não de sua tipificação legal. Aliás, preceitua o artigo 383 do Código de Processo Penal que o juiz pode, na sentença, dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da peça acusatória (emendatio libeli).
2. Quanto à alegada ausência de justa causa para a persecução penal, restou bem esclarecido, no julgamento do processo administrativo, que o Primeiro Conselho de Contribuintes reduziu a multa de 150% para 75%, visto que verificou a omissão de rendimentos, ou declaração inexata na Declaração de Ajuste Anual e não "evidente intuito de fraude" como foi considerado em primeira instância daquele órgão. Nesse passo, corretamente, a denúncia enquadrou a conduta do acusado no delito de reduzir tributo devido, prestando declarações falsas.
3. Quanto a nulidade da sentença, por ausência de motivação, não colhe, vez que a sentença atacada foi exaustiva em sua fundamentação, foram suficientemente apreciadas todas as questões de fato e de direito apresentadas pela acusação e pela defesa, analisados e valorados, com clareza, os elementos de prova, e devidamente sopesadas, com fundamento no artigo 59 do Código Penal as circunstâncias que envolveram a prática delituosa, o que afasta a pretendida nulidade.
4. Quanto à alegada contradição que estaria a eivar a sentença, observa-se que o apelante dividiu o texto da decisão atacada, após extrair diversas frases de maneira fragmentada, nela apontando a existência de contradição entre seus excertos. De antemão, frise-se que a prática de desconstrução do texto em diversas frases soltas, emprestando aos trechos separados um sentido diverso daquele que possuía no corpo do texto, não se mostra adequada à argüição de contradição. Por outro lado, o recurso de apelação não é a via adequada para referida discussão.
5. É válido o procedimento administrativo colhido como prova da materialidade do delito, até porque o ato expedido pela Administração Pública no desempenho da função administrativa reveste-se de presunção relativa de acerto, visto que o princípio da legalidade impõe que a Administração aja somente de acordo com a lei. Em assim sendo, não se pode aceitar a pura e simples argumentação de que determinado ato administrativo encontra-se maculado. Cabe ao administrado produzir provas que prestem suporte a essa alegação, para que possa desconstituir tal ato.
6. Quanto à tese de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, à luz do disposto no artigo 222, §§ 1º e 2º do Código de Processo Penal e consoante entendimento doutrinário e jurisprudencial, esgotado o prazo para a oitiva de testemunhas via precatória, ao juiz é conferido o direito de prosseguir no julgamento, juntando-a, posteriormente, aos autos. Precedente : ((HABEAS CORPUS 99834 - Supremo Tribunal Federal - Relator Min. Joaquim Barbosa - DJE 216/03/2011). Não obstante, a defesa do acusado foi intimada para esclarecer a pertinência da oitiva das testemunhas arroladas nas cartas precatórias não devolvidas, tendo se manifestado pela desnecessidade da oitiva, à vista da juntada de documento em que o próprio Fisco reconhece que não houve "evidente intuito de fraude"na conduta do acusado. E, em última análise, havendo expressa previsão legal de que a carta precatória devolvida a posteriori deverá ser juntada aos autos e o recurso de apelação permite que o tribunal superior reveja integralmente a matéria controversa, há que se considerar que a prova não será inutilizada. Doutrina (in Código de Processo Penal Comentado; Nucci, Guilherme de Souza; Editora Revista dos Tribunais; 9.ª Edição; 2009; pág. 501)
7. Quanto à preliminar de atipicidade do fato, sob o fundamento de que não houve a declaração falsa ao Fisco, vez que o contrato social é que estava incorreto e não a declaração de imposto de renda, também não merece guarida vez que cabe ao contribuinte o ônus da prova para a desconstituição do crédito tributário, em face da presunção de legitimidade e veracidade do ato administrativo. Não é demais deixar assentado que é função da declaração de bens, que faz parte integrante da declaração de rendimentos (Lei 4.069/1962, art. 51), possibilitar ao Fisco o controle dos rendimentos do contribuinte por meio da análise da evolução patrimonial, que é um procedimento previsto em lei (artigo 52 da Lei nº 4.069/1962). Portanto, as informações nela contidas são obrigatórias e se presumem verdadeiras, até prova em contrário. Cabe ao Fisco perquirir a origem dos recursos declarados pelo contribuinte.
8. Quanto à alegação de que teria ocorrido a prescrição da pretensão punitiva, tratando-se de crime material consuma-se com a constituição definitiva do crédito tributário, ou seja, na data do encerramento do procedimento administrativo (14/04/2005). A pena aplicada, no caso em tela, de 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, acarreta que o lapso prescricional se consuma em 12 anos, a teor do que dispõe o artigo 109, III do Código Penal, interregno de tempo que não se verificou entre a data do fato (14/04/2005), e a do recebimento da denúncia (18/09/2007), nem entre esse evento e a data da publicação da sentença condenatória (12/09/2008).
9. A materialidade e a autoria delitivas restaram comprovadas, por meio do procedimento administrativo investigatório fiscal instaurado pela Secretaria da Receita Federal - Delegacia em Marília-SP, e pela farta prova documental que o acompanha (autos em apenso), em especial pelo auto de infração lavrado pela Receita Federal (apenso), pelos contratos sociais e suas alterações (apenso), bem como pelos depoimentos prestados pelas testemunhas, no bojo dos autos.
10. O tipo penal descrito no dispositivo em comento exige apenas o dolo genérico, não se exigindo para sua consumação o dolo específico ou especial fim de agir. O crime de sonegação fiscal consiste em suprimir ou reduzir tributo por meio de uma das condutas arroladas em seus incisos, e não em adotar uma daquelas condutas com o fim de suprimir ou reduzir tributo. A prova testemunhal e as informações apuradas no procedimento administrativo dão conta de que vultoso montante do capital foi devidamente integralizado e a defesa alega que se destinava a apresentação junto aos bancos para obtenção de crédito bancário, não restando dúvida de que o apelante tinha consciência da declaração falsa que prestava ao Fisco, tendo agido com vontade e consciência (dolo) de praticar o crime pelo qual foi condenado.
11. No procedimento administrativo (anexo) a autoridade fiscal consignou, em seu relatório, que não consta dos autos documentos demonstrando que as empresas tenham, no tempo correto, providenciado a correção e respectivo registro do instrumento de retificação, que conforme alertado pela fiscalização, as empresas mantiveram as informações registradas na Junta Comercial plenamente válidas, desfrutando de maior acesso a crédito e podendo participar de concorrências públicas que exigissem um capital social integralizado de maior valor. (g.n.)
12. Frise-se que o Diploma Processual Penal, nos termos de seu artigo 156, é categórico quando determina que "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer" e, in casu, o apelante nada trouxe aos autos além de meras alegações, não havendo qualquer outra prova a confirmá-las.
13. Por fim, acerca do inconformismo com a pena de reclusão imposta pelo artigo 1º da Lei 8.137/90, a nossa Constituição, no rol dos "Direitos e Garantias Fundamentais" do cidadão elencado no artigo 5º, reforçado pelo Pacto de São José da Costa Rica (que é um tratado internacional ratificado pelo Brasil, e que se incorporou no nosso ordenamento jurídico pátrio com o status de norma constitucional - art. 5º, §§ 2º e 3º da CF), prevêem ambos os diplomas a vedação categórica da prisão civil por dívidas (art. 5º, inc. LXVII da CF e art. 7º, item 7, do Pacto de São José da Costa Rica).Em se tratando de crime contra a ordem tributária, como no caso dos presentes autos, não há que se falar em afronta a dispositivos constitucionais e ao tratado internacional ratificado pelo nosso país, pois a norma reprime condutas praticadas contra o Sistema Tributário Nacional, cuja prisão constitui sanção imposta à prática de fato típico, antijurídico e culpável ali previsto. Trata-se de matéria já pacificada pela jurisprudência de nossos Tribunais, uníssona em afastar qualquer violação a Lei Maior (TRF1 - ACR - APELAÇÃO CRIMINAL 2003380200113224, Rel. Juiz Federal Convocado César Cintra Fonseca, Órgão Julgador: Terceira Turma, DJF1 15/02/2008, p. 185).
14. Dosimetria a pena base estabelecida em patamar acima do mínimo legal, mas em montante inferior ao fixado em primeiro grau, levando em conta a culpabilidade do réu, considerada no grau máximo, tendo em vista a exacerbada reprovabilidade de sua conduta, além dos motivos e circunstâncias do crime, como consignado na sentença. Ausência de agravantes e de atenuantes. Presente a causa de aumento prevista no artigo 12, inciso I, da Lei 8.137/90. Pena corporal definitiva estabelecida em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão, no regime inicial semi-aberto, mais 18 (dezoito) dias-multa, no valor fixado em primeiro grau. Insuficiência, para a reparação do injusto, da substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos.
15. Preliminares rejeitadas. Recurso da defesa parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes os acima indicados, ACORDAM os Desembargadores da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, nos termos do relatório e voto da Senhora Relatora, constantes dos autos, e na conformidade da ata de julgamento, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, por unanimidade, em rejeitar as preliminares argüidas e, no mérito, dar parcial provimento ao recurso interposto por JOSEPH ZUZA SOMAAN ABDUL MASSIH, para reduzir suas penas para 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão, mais 18 (dezoito) dias-multa, mantendo os demais termos da sentença.


São Paulo, 03 de setembro de 2012.
RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RAMZA TARTUCE GOMES DA SILVA:10027
Nº de Série do Certificado: 3B67D3BD5A079F50
Data e Hora: 06/09/2012 10:53:53