D.E. Publicado em 25/07/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055 |
Nº de Série do Certificado: | 47D97696E22F60E3 |
Data e Hora: | 18/07/2012 17:03:24 |
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RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de Nunzio Alfredo D Angieri, em face do MMº Juízo Federal da 5ª Vara Criminal da Capital/SP, objetivando o arquivamento definitivo de inquéritos policiais em cujo bojo o paciente vem sendo investigado pela prática, em tese, dos crimes de evasão de divisas, sonegação fiscal, falsificação de documento público, uso de documento falso e corrupção ativa, além dos delitos de ameaça e de porte ilegal de armas.
Alega o impetrante que o paciente, à época dos fatos a ele imputados, era Embaixador de Belize no Brasil, e, por tal razão, os autos dos dois inquéritos policiais foram encaminhados ao C. Supremo Tribunal Federal, sendo autuados em duas petições, ambas de relatoria da Excelentíssima Ministra Ellen Gracie.
Informa que em razão da imunidade dos agentes diplomáticos estrangeiros à jurisdição penal brasileira, aquela Colenda Corte decidiu pelo arquivamento das duas investigações com base no artigo 31, inciso I, da Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas, da qual o Brasil é signatário, conforme Decreto nº 56.435, de 08.06.65.
Argumenta que em manifesta desobediência à r. decisão da Corte Suprema, as investigações prosseguiram, e, tendo a defesa buscado novo arquivamento perante aquele Tribunal, houve declínio de competência em razão de o paciente não mais exercer o cargo de chefe de missão diplomática no Brasil, do qual se retirou em 2006.
Argumenta, porém, que, embora os fatos tenham se dado, em tese, exclusivamente quando era o paciente Embaixador de Belize no Brasil, não há justa causa para o prosseguimento das investigações, devendo prevalecer a imunidade penal absoluta, isto é, o paciente não pode ser objeto de qualquer investigação criminal relativamente ao período em que figurou como Embaixador.
De outro vértice, alega também o impetrante que toda a investigação criminal que o persegue está eivada de nulidade.
Isso porque o desarquivamento dos inquéritos em questão, mesmo após a r. decisão da Suprema Corte, ocorreu com base em fato novo, qual seja, a existência de uma fita magnética recebida pelo patrono das empresas noticiantes.
E o conteúdo de tal fita revela inúmeras conversas telefônicas entre o paciente e diversas outras pessoas, entre as quais o então Senador da República Gilberto Miranda.
Assim, além de se tratarem de interceptações telefônicas claramente ilícitas, posto que realizadas sem autorização judicial, no decorrer das conversas foi detectado como um dos interlocutores um Senador da República, circunstância que deveria deslocar a continuidade das investigações ao C. Supremo Tribunal Federal, o que não foi feito, mesmo porque não se sabe como referidas escutas fraudulentas e ilícitas foram realizadas, configurando-se manifesta devassa na vida daquelas autoridades, com ferimento a inúmeros preceitos pétreos de nossa Constituição Federal, entre eles o previsto no artigo 5º, inciso LVI, verbis: "são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos".
Argumenta, por fim, que o próprio "Parquet" Federal tenta lastrear as investigações nas transcrições de áudio supra referidas, ou seja, nas interceptações ilegais, o que é manifestamente inadmissível, sendo certo que todas as demais provas colhidas com base em referidas interceptações telefônicas ilícitas também estão maculadas pela ilicitude, por aplicação da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, acolhida por nosso sistema processual penal.
Requer, outrossim, a concessão da medida liminar, a fim de que os inquéritos em questão sejam imediatamente suspensos até que esta Colenda Corte Regional decida definitivamente a questão, quando deverá a ordem ser concedida, determinando-se o definitivo trancamento de ambas investigações.
Com a inicial vieram documentos.
As informações foram prestadas às fls. 92 e verso.
O pedido de liminar foi deferido pelo MMº Juiz Federal Convocado Rafael Margalho - fls. 94/97.
Foram solicitadas informações complementares, as quais foram prestadas às fls. 100/101.
Em parecer de fls. 107/112, a Procuradoria Regional da República opinou pela concessão da ordem, a fim de que o inquérito policial seja trancado em relação ao paciente, porquanto era ele embaixador de Belize no Brasil à época do fato, detentor, pois, de imunidade diplomática, devendo prosseguir, porém, quanto aos demais investigados.
É o relatório.
Em mesa.
VOTO
A ordem deve ser concedida.
Isso porque, pela análise dos documentos carreados pelo impetrante, bem como diante das informações prestadas pelo MMº Juízo "a quo", há nos autos sólidos elementos de que o paciente, se é que realmente praticou os delitos noticiados na representação criminal, os teria perpetrado enquanto Embaixador de Belize no Brasil, sendo detentor, portanto, de imunidade penal absoluta neste País, conforme consagrado na Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 56.435, de 8 de junho de 1965.
Sobre o tema, colaciono os seguintes artigos da Convenção de Viena:
"Artigo 29
A pessoa do agente diplomático é inviolável. Não poderá ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão. O Estado acreditado trata-lo-á com o devido respeito e adotará tôdas as medidas adequadas para impedir qualquer ofensa à sua pessoa, liberdade ou dignidade.
Artigo 31
1. O agente diplomático gozará de imunidade de jurisdição penal do Estado acreditado.
Artigo 38
1. Tôda pessoa que tenha direito a privilégios e imunidades gozará dos mesmos a partir do momento em que entrar no território do Estado acreditado para assumir o seu pôsto ou, no caso de já se encontrar no referido território, desde que a sua nomeação tenha sido notificada ao Ministério das Relações Exteriores ou ao Ministério em que se tenha convindo.
2. Quando terminarem as funções de uma pessoa que goze de privilégios e imunidades êsses privilégios e imunidades cessarão normalmente no momento em que essa pessoa deixar o país ou quando transcorrido um prazo razoável que lhe tenha sido concedido para tal fim mas perdurarão até êsse momento mesmo em caso de conflito armado. Todavia a imunidade subsiste no que diz respeito aos atos praticados por tal pessoal no exercício de suas funções como Membro da Missão" - grifo nosso.
Pois bem, conforme se verifica da última parte do artigo 38, item 2, da Convenção de Viena, ainda que o agente diplomático não mais esteja no exercício do cargo, subsiste a imunidade penal absoluta sobre os atos por ele praticados quando no exercício de suas funções, continuando, pois, sob a jurisdição penal do Estado acreditante quanto àqueles atos.
Dessa forma, mesmo que o paciente tenha deixado o cargo de Embaixador de Belize no Brasil no ano de 2006, isto é, após a prática dos fatos, no ano de 2003, a Convenção de Viena é expressa no sentido de manter em seu favor a imunidade penal absoluta quanto aos atos por ele praticados à época do exercício de suas funções.
Assim, diante de tais normas convencionais, aderidas e ratificadas pelo Brasil perante a comunidade internacional, concluo não haver justa causa para o prosseguimento das investigações.
Nesse aspecto, importante destacar que, manifestando-se pelo arquivamento dos inquéritos ora em análise, diante da imunidade penal absoluta dos agentes diplomáticos, o então Procurador Geral da República Claudio Fonteles ressaltou (fls. 20/23):
"Com efeito, vale ressaltar que os agentes diplomáticos estrangeiros gozam de imunidade de jurisdição criminal absoluta nos Estados nos quais estejam acreditados, conforme se depreende da análise do art. 31, 1, da Convenção de Viena, Decreto nº 56.435, de 8 de julho de 1965. Portanto, deve ser arquivado o presente feito no que tange à possível apuração de qualquer infração penal contra agente diplomático estrangeiro. [...] Ante o exposto, requer o arquivamento do feito no que tange a possível prática de infrações penais, face a imunidade penal absoluta dos chefes de missões diplomáticas estrangeiros [...]" - grifo nosso.
Ao analisar o pedido, nos autos da Petição nº 3085/SP, o C. Supremo Tribunal Federal assim decidiu, em decisão da lavra da Excelentíssima Ministra Ellen Gracie:
"1. O presente expediente, autuado como Petição, foi instaurado para apurar possíveis atos criminosos supostamente praticados pelo Embaixador de Belize no Brasil, conforme notícias constantes de fac-símile encaminhado à Superintendência da Polícia Federal em São Paulo. Tais atos, em síntese, teriam consistido em ameaças, por parte do referido Embaixador, a comerciantes do ramo de tabaco, estabelecidos na cidade de São Paulo, que se recusam a adquirir charutos importados pela empresa Puro Cigar de Habana Ltda, administrada pelo requerido, que visa monopolizar a comercialização de charutos. O Ministério Público Federal, em promoção acolhida pelo juiz federal, opinou pela remessa dos autos a esta Corte, invocando o art. 102, I, c, da CF (f. 119 e 121). 2. Os agentes diplomáticos estrangeiros estão imunes à jurisdição penal do Estado perante o qual sejam acreditados, nos termos do art. 3l.1 da Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas, conforme Decreto 56.435, de 08.06.65. Cuidando-se de imunidade penal absoluta, não pode o expediente aqui autuado como Petição tramitar por esta Corte. A competência a que alude o art. 102, I, c, da Constituição Federal diz respeito ao processo e julgamento de chefes de missão diplomática brasileiros. Esses respondem nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade perante o Supremo Tribunal Federal (RCL 583, rel. Min. Maurício Corrêa, Plenário, unânime, in DJ 22.06.2001). 3. Não há confundir, nos termos da Convenção de Viena, relações diplomáticas com relações consulares. Nestas últimas, é certo, poder-se-ia cogitar de imunidade relativa, tendo em vista a natureza administrativa do agente consular (HC 81.158, de minha relatoria, Primeira Turma, maioria, in DJ 19.12.2002). Mas, neste caso, a competência para a ação penal não seria do Supremo Tribunal Federal que, no precedente citado, só examinou a questão da imunidade porque ela foi posta no bojo de habeas corpus substitutivo impetrado contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça. Ou seja, a ação penal desenrolava-se em primeiro grau de jurisdição. E se, eventualmente, cuidar-se de hipótese prevista na alínea c do inciso I, do art. 31, da Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas, promulgada pelo Decreto nº 56.435, de 8.06.65, como salientou a Procuradoria-Geral da República a f. 145, a competência não é desta Corte, mas da justiça comum, estadual ou federal. Pontes de Miranda, com a precisão de sempre, examinando a expressão "chefes de missão diplomática de caráter permanente", deixou registrado: "O diplomata estrangeiro ou tem imunidade no Brasil, e então nenhum juiz brasileiro pode julgar crime que se atribua a tal diplomata, ou não a tem, e então o foro, no Brasil, é o comum (Comentários à Constituição de 1967, RT, 2ª edição, p. 23)." Diante do exposto, e com fundamento no art. 21, § 1º do RI/STF, nego seguimento ao presente procedimento, determinando o arquivamento dos autos. Publique-se. Brasília, 27 de setembro de 2004. Ministra Ellen Gracie Relatora" - grifo nosso.
Decidiu, posteriormente, sua Excelência, verbis:
"O Ministério Público Federal, na manifestação de f. 194/197, reconheceu a incompetência desta Corte, tal como salientei na decisão de f. 188/189, porque absoluta a imunidade penal do agente diplomático, e retificou, nesse ponto, seu pronunciamento anterior. Porém, por lhe parecer que a hipótese é de imunidade civil, que é relativa, a teor do disposto no art. 31, inciso I, letra c, da Convenção de Viena, postula que os autos, ao invés de arquivados nesta Corte, sejam devolvidos à origem para as providências eventualmente cabíveis. No particular, salientei na decisão de f. 188/189: "E se, eventualmente, cuidar-se de hipótese prevista na alínea c, do inciso I, do art. 31, da Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas, promulgada pelo Decreto nº 56, de 08.06.65, como salientou a Procuradoria-Geral da República a f. 145, a competência não é desta Corte, mas da justiça comum, estadual ou federal." Eventual procedimento, de natureza civil, que venha a ser deflagrado pelo Ministério Público Federal, independe de inquérito policial. Mantenho, portanto, o arquivamento desta petição e determino, também, o arquivamento da que se encontra apensada (PET 3.231), pelos mesmos fundamentos, tendo em vista que os fatos são os mesmos. Publique-se. Brasília, 26 de outubro de 2004. Ministra Ellen Gracie Relatora" - grifo nosso.
Destaco, por fim, sobre a questão, doutrina que assim conceitua imunidade diplomática:
"Trata-se de restrição ao princípio da territorialidade temperada, consagrado pela legislação penal brasileira, a teor do art. 5º do CP, uma vez que, sendo reconhecida a imunidade diplomática, o agente não responderá no Brasil pelo delito cometido em território nacional, mas em seu país de origem.
Assim, ao diplomata (e imunes por extensão) que comete um crime no Brasil não serão aplicadas a lei penal nem a jurisdição brasileiras, mas sim a lei penal e processual penal estrangeira, pois subordinado à jurisdição do país ao qual representa, sendo lá processado e julgado.
Destaque-se, ainda, que só haverá condenação no exterior se a conduta praticada no Brasil, tida pela lei brasileira como ilícito penal, também assim for considerada no exterior. Caso o sujeito não seja condenado no exterior, pois a lei estrangeira não tipifica tal ilícito penal, ele não poderá ser punido no Brasil, uma vez que não se sujeita à nossa jurisdição.
4. ESPÉCIES
A sistemática da prerrogativa diplomática induz ao reconhecimento das seguintes dimensões ou espécies:
a) Imunidade Material ou Inviolabilidade. Significa que o diplomata e sua família, bem como os imunes por extensão, não estão sujeitos a qualquer forma de prisão no Brasil.
Nesse sentido, dispõe o art. 29 da Convenção de Viena de 1961: "A pessoa do agente diplomático é inviolável. Não poderá ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão. O Estado acreditado tratá-lo-á com o devido respeito e adotará todas as medidas adequadas para impedir qualquer ofensa à sua pessoa, liberdade ou dignidade".
Dessa forma, a imunidade diplomática material apresenta-se como causa excludente da punibilidade, isto é, da ameaça de pena no Brasil.
b) Imunidade Processual ou Imunidade Formal ou Imunidade de Jurisdição. Todas as pessoas revestidas de imunidade diplomática não estão subordinadas à jurisdição penal brasileira (jurisdição do Estado acreditador), mas sim à jurisdição penal do Estado ao qual pertencem (jurisdição do Estado acreditante).
Desse modo, reza o art. 31 da Convenção de Viena de 1961: "O agente goza de imunidade de jurisdição penal do Estado acreditador. (...) 2. O agente diplomático não é obrigado a prestar depoimento como testemunha. (...) 4. A imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditador não o isenta da jurisdição do Estado acreditante".
Portanto, a imunidade diplomática processual apresenta-se como causa excludente da jurisdição brasileira.
5. FUNDAMENTO
Luiz Regis Prado explica a razão de ser da imunidade diplomática, afirmando que 'sua existência se fundamenta não para dar vantagens aos indivíduos, mas para assegurar a realização eficaz de suas funções em nome dos seus Estados'" (MACHADO, Leonardo Marcondes. Imunidade diplomática. Disponível em http://www.lfg.com.br. 03 setembro. 2008) - grifo nosso.
Diante todas essas razões, tenho que o caso é realmente de trancamento das investigações em relação ao paciente, pois, conforme já destacado, trata-se de fatos, em tese, criminosos praticados por Chefe de Missão Diplomática Estrangeira, detentor de imunidade penal absoluta, mesmo após deixar o cargo, conforme expressamente previsto no artigo 38, item 2, da Convenção de Viena.
No tocante à alegação de provas ilícitas e ilícitas por derivação, em face das interceptações telefônicas realizadas sem autorização judicial, tal questão resta prejudicada, porquanto a imunidade penal absoluta, como causa legal de impedimento à persecução criminal estatal e à jurisdição brasileira, revela-se como prejudicial ao enfrentamento de referida matéria.
Por fim, como bem ressaltado pelo "Parquet" Federal, o fato de o procedimento investigativo estar sendo trancado em relação ao paciente, não impede o seu prosseguimento quanto aos demais investigados, uma vez que estes não são detentores de imunidade diplomática, tampouco faz jus a prerrogativa de foro.
Ante todo o exposto, concedo a ordem, ratificando-se a liminar deferida.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055 |
Nº de Série do Certificado: | 47D97696E22F60E3 |
Data e Hora: | 03/07/2012 16:31:08 |