Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 24/09/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006340-07.2005.4.03.6000/MS
2005.60.00.006340-7/MS
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : DELOIR SOARES DIAS
ADVOGADO : ELIO TONETO BUDEL (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
EXCLUIDO : GIOVANI RIOS

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRANSPORTE DE MERCADORIA ESTRANGEIRA DESACOMPANHADA DE DOCUMENTAÇÃO FISCAL ENTRE ESTADOS DA FEDERAÇÃO. CRIME DE DESCAMINHO: DESCABIMENTO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECURSO PROVIDO.
1. Apelação da Defesa contra sentença que condenou o réu à pena de um ano de reclusão como incurso no artigo 334, "caput" do Código Penal.
2. O acusado foi denunciado e condenado como incurso nas penas do artigo 334, caput, do Código Penal, por transportar cigarros da cidade de Eldorado/MS para Pontes de Lacerda/MT, com ciência de que eram de origem paraguaia.
3. Depreende-se da denúncia que não foi imputado ao acusado o transporte de mercadoria introduzida clandestinamente no país para fins de comércio, não se enquadrando a conduta em nenhuma hipótese prevista nas alíneas do §1º do artigo 334 do Código Penal.
4. De igual forma, não se imputa ao acusado a participação na importação da mercadoria, iludindo o pagamento de tributos, o que se amoldaria no caput do artigo 334 do Código Penal.
5. Embora enquadre a conduta no artigo 334 caput do CP, a denúncia não imputa ao acusado a participação no crime de descaminho, mas apenas a conduta de transportar a mercadoria, desacompanhada da documentação fiscal, de Mato Grosso do Sul para o Mato Grosso.
6. A denúncia, embora mencione que o réu tinha ciência da procedência estrangeira da mercadoria, não imputa ao mesmo nenhuma conduta que possa ser tida como participação na internação da mercadoria no território nacional, desacompanhada de documentação fiscal.
7. O simples transporte de mercadoria estrangeira desacompanhada de documentação fiscal, ainda que originada do crime descaminho, entre Estados da Federação, não configura o crime de descaminho. Precedentes.
8. A conduta praticada pelo acusado poderia, em tese, se enquadrar no crime de favorecimento real, previsto no artigo 349 do Código Penal. No entanto, a denúncia não imputou ao acusado a conduta de prestar auxílio ao criminoso, com a finalidade de tornar seguro o proveito do crime.
9. Nem se caberia cogitar a desclassificação do crime para o delito tipificado no artigo 349 do Código Penal, pois já estaria atingido pela prescrição da pretensão punitiva. Assim, forçoso é se concluir pela atipicidade da conduta.
10. Apelação provida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação para absolver o réu, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 11 de setembro de 2012.
MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006340-07.2005.4.03.6000/MS
2005.60.00.006340-7/MS
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : DELOIR SOARES DIAS
ADVOGADO : ELIO TONETO BUDEL e outro
APELADO : Justica Publica
EXCLUIDO : GIOVANI RIOS

RELATÓRIO

O Ministério Público Federal, em 31.06.2006, denunciou DELOIR SOARES DIAS e GIOVANE RIOS, qualificados nos autos, nascidos em 10.08.1973 e em 03.09.1975, respectivamente, como incursos no artigo 334, "caput", c/c o artigo 29, ambos do Código Penal. Consta da denúncia:


1. No dia 10 de agosto de 2005, por volta de 16:40 horas, policiais rodoviários federais, em fiscalização de rotina na Posto PRF de Coxim/MS, localizado na BR 163, KM 733, abordaram um caminhão Volvo, placas LYR 3794, com o reboque GUERRA, placas ACM 7778, ambos de Pato Branco/PR, e encontraram diversas caixas de cigarro de origem paraguaia, sem as correspondentes notas fiscais, além de sacos de fertilizantes nacionais acompanhados de notas fiscais.
2. De acordo com o testemunho dos policiais responsáveis pela fiscalização, DELOIR SOARES DIAS, que dirigia o veículo acima mencionado, declarou ter recebido ordem de seu patrão GIOVANI RIOS para pegar a carga de cigarros em Eldorado/MS, onde se encontrou com MARCÃO, o qual seria o proprietários dos cigarros e teria dito que a mercadoria deveria ser entregue em Pontes de Lacerda/MT a destinatário que posteriormente revelaria.
O Denunciado confirmou essas declarações ao ser interrogado e acrescentou que estava ciente de transportar cigarros importados do Paraguai e da ilegalidade do ato, mas não sabia de qual crime se tratava.
3. GIOVANI RIOS, por sua vez, disse que, embora fosse proprietário do veículo abordado e patrão do motorista, não sabia do carregamento de cigarros. Alegou que DELOIR o acusou de ter mandado transportar a mercadoria porque sofreu pressão psicológica e achou que poderia se livrar da situação.
...
5. Assim, tem-se que os Denunciados contribuíram com a realização de importação de 293 (duzentas e noventa e três) caixas, cada uma contendo 50 pacotes, com 10 maços cada, de cigarros de origem paraguaia, avaliados em R$ 161.150,00 (cento e sessenta e um mil e cento e cinqüenta reais), que seriam transportadas até Pontes de Lacerda/MT, sem a correspondente documentação fiscal, caracterizando-se, assim, delito tipificado no art. 334 do CP.

A denúncia foi recebida em 06.03.2006 (fls. 82/83).

O processo foi suspenso, nos termos do artigo 89 da lei 9.099/95 em relação ao corréu DELOIR SOARES DIAS em 29.11.2006 (fls. 130/132 e 176/178), tendo sido revogado em 24.04.2007, ao ser constatado que responde a outro processo crime (fls. 160/163).

O réu GIOVANE RIOS foi beneficiado pela suspensão condicional do processo (fls. 240/241), sendo o feito desmembrado em relação a ele (fls. 243 e 249).

Após regular instrução, sobreveio sentença, da lavra do MM. Juiz Federal Fernão Pompêo Camargo e publicada em 24.10.2008 (fls. 403/408), que condenou o corréu DELOIR SOARES DIAS à pena de 1 (um) ano de reclusão, em regime aberto, como incurso no artigo 334, "caput" do Código Penal e ao pagamento de 10 (dez) dias - multa no valor de 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente à época dos fatos. A pena privativa de liberdade foi substituída por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação a ser cumprida todos os dias ou em um dia de semana conforme for fixado pelo Juízo da execução penal.

A sentença transitou em julgado para o Ministério Público Federal em 05.11.2008, conforme certificado à fl. 423.

Apela o réu DELOIR postulando sua absolvição (fls. 426/428). Alega que apenas obedeceu às ordens do empregador para transportar a mercadoria, não havendo provas de que seria beneficiado pelo descaminho.

Vieram contrarrazões do Ministério Público Federal pugnando pelo desprovimento do recurso da defesa (fls. 437/440).

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Mônica Nicida Garcia, opinou pelo não provimento do recurso (fls. 445/446).


É o relatório.

Ao MM. Revisor.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006340-07.2005.4.03.6000/MS
2005.60.00.006340-7/MS
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : DELOIR SOARES DIAS
ADVOGADO : ELIO TONETO BUDEL e outro
APELADO : Justica Publica
EXCLUIDO : GIOVANI RIOS

VOTO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):


O recurso comporta provimento.


O acusado DELOIR SOARES DIAS foi denunciado e condenado como incurso nas penas do artigo 334, caput, do Código Penal, por transportar cigarros da cidade de Eldorado/MS para Pontes de Lacerda/MT, com ciência de que eram de origem paraguaia.

O MM. Juiz a quo, ao sentenciar o feito, ponderou pela consumação do crime de descaminho, nos seguintes termos:

É de ser ressaltado que nos autos não se tem prova de quem introduziu os cigarros clandestinamente em solo brasileiro. Contudo, tal fato, por si só, não tem o condão de afastar a imputação feita, pois o transporte da mercadoria resta caracterizado e, no tocante ao delito praticado, pelas circunstâncias nas quais se deram, restou demonstrado que o réu tinha conhecimento da procedência estrangeira da mercadoria e que a mesma teria sido introduzida clandestinamente no país.
Tanto assim o é que a mercadoria estava desacompanhada de documentação legal e a maneira como os cigarros foram acondicionados, cujos detalhes constam do interrogatório do réu (fls. 229/230), possibilitam a conclusão segura de que DELOIR tinha pleno conhecimento da clandestinidade da mercadoria. (fls. 405/406)

O crime tipificado no artigo 334 do Código Penal tem a seguinte redação:


Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
§ 1º - Incorre na mesma pena quem:
a) pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;
b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho;
c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;
d) adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.
§ 2º - Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.
§ 3º - A pena aplica-se em dobro, se o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo

Depreende-se da denúncia que não foi imputado ao acusado Deloir o transporte de mercadoria introduzida clandestinamente no país para fins de comércio, não se enquadrando a conduta em nenhuma hipótese prevista nas alíneas do §1º do artigo 334 do Código Penal.

De igual forma, não se imputa ao acusado a participação na importação da mercadoria, iludindo o pagamento de tributos, o que se amoldaria no caput do artigo 334 do Código Penal.

Com efeito, embora enquadre a conduta no artigo 334 caput do CP, a denúncia não imputa ao acusado a participação no crime de descaminho, mas apenas a conduta de transportar a mercadoria, desacompanhada da documentação fiscal, de Mato Grosso do Sul para o Mato Grosso.

Note-se que a denúncia, embora mencione que o réu tinha ciência da procedência estrangeira da mercadoria, não imputa ao mesmo nenhuma conduta que possa ser tida como participação na internação da mercadoria no território nacional, desacompanhada de documentação fiscal.

Assim, o simples transporte de mercadoria estrangeira desacompanhada de documentação fiscal, ainda que originada do crime descaminho, entre Estados da Federação, não configura o crime de descaminho.

Nesse sentido situa-se a orientação deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

HABEAS CORPUS. CONTRABANDO. DESCAMINHO. LIBERDADE PROVISÓRIA. ANTECEDENTES. DENÚNCIA. MERO TRANSPORTE. FAVORECIMENTO REAL. INÉPCIA. POSSIBILIDADE. PRISÃO PREVENTIVA. PRISÃO EM FLAGRANTE. ART. 331 CPP. LIMINAR RATIFICADA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Habeas Corpus, com pedido de liminar, destinado a tornar insubsistente a prisão preventiva do paciente em ação penal que apura a prática dos delitos do art. 334, § 1º, "b", do CP, c/c o art. 3º do Decreto-Lei 399/68. 2. Indeferimento do pedido de liberdade provisória pelo Juízo a quo baseado em elementos concretos, na medida que Aparecido da Silva responde a outra ação penal, pela prática do mesmo crime, onde recebeu o benefício mediante fiança. Todavia, a detenção cautelar do paciente não se sustenta. 3. A denúncia não minudencia a identificação, a quantidade e o valor dos bens contrabandeados/descaminhados, limitando-se a dizer que o paciente transportava um grande carregamento de cigarros e outras mercadorias provenientes do Paraguai. 4. O art. 334 do CP, não criminaliza a mera ação de transportar a coisa anteriormente introduzida no território brasileiro, que, no máximo, se enquadraria no art. 349 do mesmo diploma legal. 5. Possibilidade de inépcia da inicial. 6. Admitindo-se que tenha ocorrido o delito do art. 349 do CP, punido com detenção, não seria caso de prisão preventiva, consoante art. 313 do CPP, e nem de prisão em flagrante, em se tratando de pessoa que tem a seu favor condições pessoais abonadoras. 7. Ratificação da liminar e concessão da ordem, a fim de que o paciente permaneça em liberdade provisória sem fiança, mediante compromisso de comparecer em Juízo a cada dois meses para comprovar domicílio e ocupação, bem como aos atos processuais, sempre que para isso seja intimado.
TRF da 3ª Região, 1ª Turma, HC 0024464-88.2008.4.03.0000/MS, Rel. Des. Fed. Johonsom di Salvo, j. 20.10.2008, DJU 10.11.2008


No caso, a conduta praticada pelo acusado poderia, em tese, se enquadrar no crime de favorecimento real, previsto no artigo 349 do Código Penal. No entanto, a denúncia não imputou ao acusado a conduta de prestar auxílio ao criminoso, com a finalidade de tornar seguro o proveito do crime.

Ainda que assim não se entenda, nem se caberia cogitar a desclassificação do crime para o delito tipificado no artigo 349 do Código Penal, pois já estaria atingido pela prescrição da pretensão punitiva.

Assim, com a devida vênia, forçoso é concluir pela atipicidade da conduta.


Por estas razões, dou provimento à apelação para absolver o réu, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.

É como voto.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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Signatário (a): MARCIO SATALINO MESQUITA:125
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Data e Hora: 04/07/2012 20:52:09