Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 21/09/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007290-61.2006.4.03.6103/SP
2006.61.03.007290-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Justica Publica
APELADO : SALETE APARECIDA SILVA
ADVOGADO : FERNANDO RODRIGUES DA SILVA e outro
No. ORIG. : 00072906120064036103 3 Vr SAO JOSE DOS CAMPOS/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO MAJORADO. SEGURO-DESEMPREGO. CONTRATO DE TRABALHO RECONHECIDO EM JUÍZO TRABALHISTA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO ESPECÍFICO. DÚVIDA. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
1.Materialidade e autoria delitivas comprovadas através de sentença trabalhista, reconhecendo que a reclamante, ora acusada, teve contrato de trabalho iniciado em 05.02.2002 e encerrado em 16.03.2004, bem como de ofício expedido pelo Ministério do Trabalho e Emprego, informando que a ré percebeu seguro desemprego durante o período de 07.03.2002 a 27.05.2002.
2.Não restou suficientemente comprovado através das provas produzidas no Juízo penal que a denunciada tinha plena consciência do caráter ilícito da conduta que perpetrou.
3. O depoimento da única testemunha ouvida em Juízo criminal é vago e inconsistente, pois limitou-se a afirmar que conhecia acusada, não tendo corroborado seu depoimento prestado em reclamação trabalhista, nem especificado quais datas a acusada trabalhou na empresa.
4. Necessária para a consumação do crime de estelionato a produção de um dano efetivo, bem como exige o dolo específico consistente na vontade de fraudar com a obtenção de lucro para si ou para outrem, exige-se do agente, conforme ensinamento de Nelson Hungria (in Comentários ao Código Penal, vol. 7, pág. 246), o animus lucri faciendi, uma vez que a consumação do delito realiza-se com a obtenção da vantagem ilícita em prejuízo alheio.
5. O elemento subjetivo, por residir apenas nas mentes dos agentes, não pode ser demonstrado diretamente, devendo ser analisados os elementos colhidos nos autos como um todo, de forma a demonstrar a vontade dos agentes em praticar as condutas descritas nos tipos penais pelos quais são acusados.
6. Há duvida razoável acerca do dolo específico, se a denunciada agiu ou não com a finalidade específica de obter lucro de maneira indevida, sendo que no processo penal a dúvida milita sempre em favor do acusado, em obediência ao princípio penal do in dubio pro reo.
7. Absolvição mantida.
8. Apelação desprovida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 10 de setembro de 2012.
Antonio Cedenho
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007290-61.2006.4.03.6103/SP
2006.61.03.007290-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Justica Publica
APELADO : SALETE APARECIDA SILVA
ADVOGADO : FERNANDO RODRIGUES DA SILVA e outro
No. ORIG. : 00072906120064036103 3 Vr SAO JOSE DOS CAMPOS/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Consigno que as provas constantes nos autos não compõem um conjunto probatório apto a comprovar a presença de todos os elementos configuradores do crime de estelionato.


A materialidade e autoria delitivas restaram comprovadas através de sentença trabalhista (fls. 06/11e 29), proferida no bojo da reclamação trabalhista nº 1570/04-0, tramitada na 4ª Vara do Trabalho de São José dos Campos/SP, reconhecendo que a reclamante Salete Aparecida Silva, ora acusada, teve contrato de trabalho iniciado em 05.02.2002 e encerrado em 16.03.2004 perante a "Lafarge Brasil S/A", bem como de ofício SDT/SD/SJC/Nº 212/07 (fls. 49/50), expedido pelo Ministério do Trabalho e Emprego, informando que a ré percebeu seguro desemprego durante o período de 07.03.2002 a 27.05.2002.


Contudo, não restou suficientemente comprovado através das provas produzidas no Juízo penal que a denunciada tinha plena consciência do caráter ilícito da conduta que perpetrou.


Ainda, verifica-se que ré é pessoa simples, com pouca escolaridade, que exerce serviços como faxineira, às vezes em dupla jornada, para receber baixos salários, sendo notório que tais atividades, na maioria das vezes, são sazonais e informais, sem registros em CTPS.


O depoimento da única testemunha ouvida em Juízo criminal é vago e inconsistente, pois limitou-se a afirmar que conhecia acusada, não tendo corroborado seu depoimento prestado em reclamação trabalhista, nem especificado quais datas a acusada trabalhou na empresa "Lafarge Brasil S/A".


Ademais, a argumentação utilizada pelo MM Juiz sentenciante no sentido de que seria no mínimo plausível a alegação da ré de que não teria sido bem compreendida pelo Juízo do Trabalho, ao prestar seu depoimento, mostra-se razoável. Nesse sentido, transcrevo trecho da r. sentença:


"(...) A experiência e o senso comum também mostram que são raras as situações em que as próprias partes (não seus advogados) se sentem à vontade para requerer uma retificação dos termos de audiência, mormente quando não se ateve as conseqüências que podem decorrer de alguma imprecisão ali contida.(...)"
(fl. 266v)

Aliás, a própria sentença trabalhista considerou "bem conturbada a situação dos autos" (fl. 06), sendo que naquela época foram colhidos depoimentos mais recentes acerca dos fatos ocorridos no ano de 2002.


Dessa forma, tratando-se o estelionato de crime material, pois se faz necessária para sua consumação a produção de um dano efetivo, bem como exige o dolo específico consistente na vontade de fraudar com a obtenção de lucro para si ou para outrem, exige-se do agente, conforme ensinamento de Nelson Hungria (in Comentários ao Código Penal, vol. 7, pág. 246), o animus lucri faciendi, uma vez que a consumação do delito realiza-se com a obtenção da vantagem ilícita em prejuízo alheio.


Todavia, é certo que o elemento subjetivo (dolo), por residir apenas nas mentes dos agentes, não pode ser demonstrado diretamente, devendo ser analisados os elementos colhidos nos autos como um todo, de forma a demonstrar a vontade dos agentes em praticar as condutas descritas nos tipos penais pelos quais são acusados.


No caso, há duvida razoável acerca do dolo específico, se a denunciada agiu ou não com a finalidade específica de obter lucro de maneira indevida, sendo que no processo penal a dúvida milita sempre em favor do acusado, em obediência ao princípio penal do in dubio pro reo.


Nesse sentido:


"PROCESSUAL PENAL E PENAL. ESTELIONATO. FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR. PROVAS INSUFICIENTES DA AUTORIA. PROVA TESTEMUNHAL DISSOCIADA DO CONJUNTO PROBATÓRIO. OFICIAL DE JUSTIÇA. FÉ-PÚBLICA. IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I - No presente feito, só há um depoimento que confirma a autoria delitiva, o qual, embora prestado por Oficial de Justiça, não serve como única prova a embasar o édito condenatório, posto que divergente da versão trazida pelas demais testemunhas e pelo réu; II - Insta esclarecer que a prova testemunhal, ainda que produzida por quem tenha fé-pública, não pode ser tida por inquestionável, especialmente quando não se coaduna com os demais elementos probantes; III - Em suma, dos elementos coligidos, não se pode afirmar de forma segura que o acusado permaneceu trabalhando enquanto recebia o seguro-desemprego, o que impede sua condenação pelo delito de estelionato, dado que, para tanto, seria necessária a existência de provas robustas, aptas a dirimir qualquer dúvida no espírito do julgador, não sendo este o caso dos autos. Absolvição mantida; IV - Recurso desprovido."(ACR 11044937119954036109, DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/09/2010 PÁGINA: 72 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
"PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO. SEGURO-DESEMPREGO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. DOLO ESPECÍFICO. NÃO CONFIGURADO. ABSOLVIÇÃO. ART. 386, VI, DO CPP. RECURSO PROVIDO. 1. Apelação criminal interposta contra sentença condenatória proferida em ação penal destinada a apurar a prática do crime descrito no art. 171, par. 3º, do CP. 2. O Ministério do Trabalho, em procedimento fiscalizatório realizado no dia 25/9/2002, no Sítio Paraíso, em Gavião Peixoto/SP, constatou que os apelantes, não obstante serem beneficiários do Seguro-Desemprego, trabalhavam na colheita de laranja desde 7/2002, sem registro. 3. Materialidade e autoria demonstradas. Os réus, em sede policial e em juízo, confirmaram os fatos narrados na inicial. 4. Para a configuração do crime do art. 171, par. 3º, do CP, faz-se necessária a comprovação do dolo específico, consubstanciado na vontade de obter lucro indevido, para si ou para outrem, em prejuízo de entidade de direito público, que, in casu, é o FAT - FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR, custeador do Programa do Seguro-Desemprego. 5. Não comprovado de modo satisfatório que os apelantes tinham plena consciência da ilicitude da conduta que perpetraram. 6. Recurso a que se dá provimento para absolver os apelantes, com fulcro no art. 386, VI, do CPP."(ACR 00013957320034036120, DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/08/2009 PÁGINA: 19 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

Por esses motivos, mantenho a absolvição da acusada Salete Aparecida Silva da imputação da prática do crime previsto no artigo 171, §3º, do Código Penal.


Diante do exposto, nego provimento à apelação.


É o VOTO.








Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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Data e Hora: 14/09/2012 17:34:16