Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 28/09/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006555-92.2006.4.03.6114/SP
2006.61.14.006555-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : HIDEO KUBA
: SHINSUKE KUBA
ADVOGADO : ROGERIO TOZI e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00065559220064036114 2 Vr SAO BERNARDO DO CAMPO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. ARTS. 1º, I, LEI N. 8.137/90 E 337-A, III, DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR. JUNTADA DE DOCUMENTOS. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. TIPIFICAÇÃO DOS FATOS ANTERIORES A OUTUBRO DE 2000. MATERIALIDADE. AUTORIA. DIFICULDADES FINANCEIRAS. DOLO ESPECÍFICO. DOSIMETRIA.
1. A defesa não estava impossibilitada de apresentar tais documentos, tendo em vista o disposto no art. 231 do Código de Processo Penal, apenas não restou justificado o tenha feito ao término da instrução processual.
2. A Lei n. 9.983/00, que instituiu o art. 337-A do Código Penal, entrou em vigor no dia 25 de outubro de 2000. Entretanto, antes da vigência dessa norma, a conduta de sonegar contribuição previdenciária encontrava-se tipificada no art. 1º da Lei n. 8.137/90, tendo em vista que contribuição previdenciária é espécie de tributo.
3. A materialidade do delito encontra-se satisfatoriamente comprovada por intermédio do Procedimento Administrativo n. 35433.000224/2005-29.
4. O acusado Shinsuke Kuba confessou os fatos narrados na denúncia. É certa também a participação do acusado Hideo Kuba. Embora o acusado Shinsuke tenha admitido a gestão exclusiva da Taurus Eletro Móveis Ltda., a circunstância de o acusado Hideo comparecer com certa regularidade à empresa para assinar papéis é suficiente à comprovação de sua responsabilidade pelos fatos.
5. A mera existência de dificuldades financeiras, as quais, por vezes, perpassam todo o corpo social, não configura ipso facto causa supralegal de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa quanto ao delito de não-repasse de contribuições previdenciárias. O acusado tem o ônus de provar que, concretamente, não havia alternativa ao não-repasse das contribuições. Precedentes do TRF da 3ª Região.
6. O elemento subjetivo do art. 337-A do Código Penal, embora crime material, dependendo para a sua consumação, da efetiva ocorrência do resultado, não necessita, para sua caracterização, da presença de dolo específico , ou seja, o dolo exigível, é, também o dolo genérico, como ocorre com o delito de apropriação indébita previdenciária prevista no art. 168-A do mesmo diploma legal. O tipo não exige nenhum fim especial, bastando a conduta consistente em "suprimir ou reduzir". Portanto, assim como no delito previsto no art. 168-A, não é necessário o animus rem sibi habendi para sua caracterização. Precedentes do STF e do TRF da 4ª Região.
7. Justifica-se a fixação da pena-base 1/6 (um sexto) acima do mínimo legal, em razão do elevado valor do débito tributário, o qual perfaz R$ 5.691.390,89 (cinco milhões, seiscentos e noventa e um mil, trezentos e noventa reais e oitenta e nove centavos) (fls. 545/546), e que considero a título de consequências do delito.
8. Rejeitada a preliminar. Desprovido o recurso de apelação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar e negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 17 de setembro de 2012.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006555-92.2006.4.03.6114/SP
2006.61.14.006555-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : HIDEO KUBA
: SHINSUKE KUBA
ADVOGADO : ROGERIO TOZI e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00065559220064036114 2 Vr SAO BERNARDO DO CAMPO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Hideo Kuba e Shinsuke Kuba contra a sentença que os condenou a 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, regime inicial aberto, e 14 (catorze) dias-multa, no valor unitário de 1/5 (um quinto) do salário mínimo, pela prática do delito previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, por igual período, e na prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos, conforme definido pelo Juízo das Execuções Criminais (fls. 1.285/1.288 e 1.324/1.325).
Apelam os acusados com os seguintes argumentos:
a) a condenação está fundamentada em presunções, contrariando o princípio da busca da verdade real;
b) não devem prevalecer os argumentos do MM. Juízo a quo no sentido de que a juntada de documentos pela defesa deveria ter ocorrido em fase processual anterior à da apresentação dos memoriais;
c) as testemunhas de defesa informaram dificuldades financeiras da empresa Taurus Eletromóveis Ltda., à época dos fatos, sendo que as medidas adotadas pelos acusados, a exemplo da abertura e encerramento de filiais, devem ser consideradas em seu favor, como práticas necessárias ao reequilíbrio do negócio;
d) não foi inequivocadamente comprovado o dolo dos acusados;
e) não há prova nos autos do ganho patrimonial dos acusados;
f) é indevida a pena alternativa de prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos, tendo em vista a precária situação financeira dos acusados;
g) não foi comprovado o dolo específico, característico dos crimes contra a ordem tributária, fundada a sentença apenas na omissão de dados nas GFIPs;
h) devem ser sopesados os argumentos da defesa quanto à presença de elementos culturais na conduta dos réus;
i) a defesa provou que o acusado Hideo não participava da administração da empresa Taurus Eletromóveis Ltda.;
j) as provas produzidas pela defesa foram interpretadas em desfavor dos acusados, quando o objetivo era demonstrar a situação de penúria econômica experimentada;
k) a pena-base dos acusados foi exasperada pela existência de inquéritos policiais e ações penais em andamento, contrariando o princípio da presunção de inocência;
l) deve ser reconhecida a excludente de culpabilidade das dificuldades financeiras enfrentadas pela Taurus Eletromóveis Ltda., no período dos fatos até a falência da empresa;
m) requerem a absolvição e, em caso de manutenção da condenação, a adequação da pena-base fixada à inexistência de antecedentes criminais (fls. 1.380/1.390).
A acusação ofereceu contrarazões (fls. 1.402/1.408).
A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Rose Santa Rosa, manifestou-se no sentido do desprovimento do recurso (fls. 1.414/1.417).
Os autos foram encaminhados à revisão, nos termos regimentais.
É o relatório.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006555-92.2006.4.03.6114/SP
2006.61.14.006555-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : HIDEO KUBA
: SHINSUKE KUBA
ADVOGADO : ROGERIO TOZI e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00065559220064036114 2 Vr SAO BERNARDO DO CAMPO/SP

VOTO

Imputação. Hideo Kuba e Shinsuke Kuba foram denunciados pela prática dos delitos dos arts. 337-A, III, do Código Penal e 1º, I, da Lei n. 8.137/90, c. c. com os arts. 29 e 71, ambos do Código Penal, pelos seguintes fatos:
Consta dos autos que no período de JUL/2000 a ABR/2001, os denunciados, agindo na qualidade de administradores e representantes legais da empresa "TAURUS ELETRO MÓVEIS LTDA. - MASSA FALIDA", CNPJ nº 47.282.892/0001-24 deixaram de recolher, nas épocas próprias, o valor de R$ 3.055.423,93 (três milhões, cinqüenta e cinco mil, quatrocentos e vinte e três reais e noventa e três centavos), atualizados para 20 de dezembro de 2004, com a omissão, nas Guias de Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP), de remunerações pagas aos segurados empregados.
Com a referida omissão, os denunciados deixaram de recolher a integralidade das contribuições previdenciárias relativas à cota patronal (20%) e ao SAT - Seguro de Acidente de Trabalho (2%).
Além disso, reduziram a contribuição social de interesse das categorias profissionais ou econômicas (5,8% - terceiros), mediante a referida omissão das remunerações pagas aos segurados empregados.
A materialidade dos delitos previstos nos artigos 337-A, inciso III, do Código Penal (redução de contribuições previdenciárias: SAT e cota patronal) e artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 (redução de contribuição social: terceiros), restaram incontestavelmente comprovadas pela Notificação de Lançamento de Débito - NFLD nº 35.787.271-1.
Por outro lado, a autoria exsurge dos termos do contrato social da empresa, que atribui aos denunciados a gerência e administração da sociedade, consoante documentos de fls. 06/17 e 532 e seguintes.
Destarte, verifica-se que os denunciados, na qualidade de representantes legais da empresa investigada, omitiram-se no recolhimento ao INSS das contribuições previdenciárias e das contribuições sociais de interesse das categorias profissionais ou econômicas devidas pela empresa, tendo praticado, portanto, delito de sonegação previdenciária e crime contra a ordem tributária (...) (sic, destaques originais, fls. 3/4)
Preliminar. Juntada de documentos. Sustenta a defesa que não devem prevalecer os argumentos do MM. Juízo a quo no sentido de que a juntada de documentos deveria ter ocorrido em fase processual anterior à da apresentação dos memoriais.
Não procede sua irresignação.
Com o oferecimento de memoriais, a defesa colacionou aos autos cópia da sentença que decretou a falência; relação de processos cíveis e tributários em nome da empresa; relação de dívidas, conforme apuração da contabilidade interna; e, relação de abaixo-assinados dos empregados e fornecedores da Taurus Eletro Móveis Ltda, com o fim de demonstrar a excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa, representada pelas dificuldades financeiras suportadas pela Taurus, na época dos fatos (fls. 998/1.277).
Na sentença, o MM. Magistrado a quo apreciou a matéria nos seguintes termos:

Os documentos juntados aos autos pela defesa, em memoriais, não podem ser considerados novos, uma vez que trazem notícia de andamento processual realizado pelo escritório de defesa e que poderiam ter sido apresentados em momento anterior. Nada se justifica a afirmação de que houve dificuldade na localização desta documentação. São documentos de manuseio interno do escritório de defesa, conforme se pode ver no timbre aposto no canto superior esquerdo e a expressão "auditoria" no canto superior direito. Há cópias que foram repassadas por fax em 2001 como os de fls. 1266, 1267, 1268 e seguintes. Assim, repiso, não são documentos novos e poderiam ter vindo aos autos em momento anterior e ainda em nada podem ajudar na defesa, pois são de conhecimento público, por tratarem de andamento processual anotado pelo interessado, de ações diversas como execuções fiscais, ações trabalhistas, ação de falência (fl. 1.285v.)

O MM. Magistrado a quo acentuou a prescindibilidade de tais documentos à defesa dos acusados, tendo em vista o acesso público às informações ali contidas, consistentes, em maior parte, de andamentos processuais de diversas ações em nome da empresa Taurus Eletro Móveis Ltda.

Como se vê, a defesa não estava impossibilitada de apresentar tais documentos, tendo em vista o disposto no art. 231 do Código de Processo Penal, apenas não restou justificado o tenha feito ao término da instrução processual. Esse é o sentido do art. 402 do Código de Processo Penal, segundo o qual, com o término da audiência, as partes poderão requerer diligências cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.

Não houve, portanto, cerceamento de defesa.

Sonegação de contribuição previdenciária. Tipificação dos fatos anteriores a outubro de 2000. Art. 1º da Lei 8.137/90. A Lei n. 9.983/00, que instituiu o art. 337-A do Código Penal, entrou em vigor no dia 25 de outubro de 2000. Entretanto, antes da vigência dessa norma, a conduta de sonegar contribuição previdenciária encontrava-se tipificada no art. 1º da Lei n. 8.137/90, tendo em vista que contribuição previdenciária é espécie de tributo:


PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PERDA DE OBJETO NÃO CONFIGURADA. DENÚNCIA PARCIALMENTE RECEBIDA. DESCLASSIFICAÇÃO DAS CONDUTAS. ART. 383 E 384 DO CPP. CONDUTA DESCRITA NÃO REVOGADA. TIPIFICAÇÃO CORRETA. INTERESSE DE AGIR DA ACUSAÇÃO. DENÚNCIA APTA. RECURSO PROVIDO.
(...)
2. Denúncia recebida apenas no tocante ao crime do artigo 337-A, I e II, do CP. O I. Juiz desclassificou as condutas referentes ao crime da Lei 8.137/90 para aqueles descritos no art. 95, alíneas "a" e "c", da Lei 8.212/91 e rejeitou a denúncia quanto a esses delitos, com fundamento no art. 43, II, do CPP.
(...)
4. A conduta descrita na denúncia, prevista no art. 1º, da Lei 8.137/90, não se confunde e não foi revogada pelo art. 95, da Lei 8.217/91. Tipificação correta.
(...)
7. Recurso provido, para receber a denúncia contra os recorridos pela prática do delito previsto no art. 1º, I e II, da Lei 8.137/90, quanto aos fatos referentes aos períodos anteriores a outubro de 2000 e, por infração ao artigo 337-A, pelas condutas praticadas nos períodos de 10/00 a 08/01, 10/01 a 04/02 e 08/02, e determinar a remessa dos autos a vara de origem para o regular processamento do feito.
(TRF da 3ª Região, RCCR n. 2004.03.00.015597-7, Rel. Des. Fed. Vesna Kolmar, j. 03.07.07)
PENAL E PROCESSO PENAL. SONEGAÇÃO PREVIDENCIÁRIA FRAUDULENTA. CRIME DO ART. 1º, IV DA LEI Nº 8.137/90 E DO ART. 337-A DO CP. (...)
1. As sonegações fraudulentas de contribuições previdenciárias amoldando-se ao tipo do art. 1ª , inc. IV da Lei 8.137/90 até outubro de 2000, quando entrou em vigor a norma do art. 337-A, do CP, que passa a disciplinar então a mesma situação fática.
2. Tais atos não poderiam ser criminalizados pelo art. 95, alíneas b, c ou i, porque ausente a cominação de sanção penal, vindo a específica conduta a constar expressamente dos incisos I e II do art. 337-A do Código Penal, criado pela Lei nº 9.983/2000.
3. Embora realmente inaplicável a lei previdenciária, por ausência de pena cominada, e a Lei nº 9.983/00, porque posterior e mais gravosa, ainda resta o necessário enquadramento dos fatos como crime contra a ordem tributária, da Lei nº 8.137/90, porque a sonegação previdenciária fraudulenta é espécie da sonegação tributária com igual caracter.
(...).
(TRF da 4ª Região, RSE n. 2004.72.01.004384-6, Rel. Des. Fed. Luiz Carlos Canalli, j. 17.07.07)
PENAL. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. MATERIALIDADE. AUTORIA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA.
1. Resta pacificado no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que o delito tipificado no art. 1o da Lei n. 8.137/90 é de natureza material e apenas se configura com a efetiva lesão aos cofres públicos. O mesmo tratamento jurídico deve ser dado ao delito previsto no art. 337-A do Código Penal, pois disciplina a mesma realidade fática especificamente em relação às contribuições previdenciárias.
(...)
6. A Lei n. 9.983/00, que instituiu o art. 337-A do Código Penal, entrou em vigor no dia 25 de outubro de 2000. Entretanto, antes da vigência dessa norma, a conduta de sonegar contribuição previdenciária encontrava-se tipificada no art. 1º da Lei n. 8.137/90, tendo em vista que contribuição previdenciária é espécie de tributo.
7. Rejeitadas as preliminares. Desprovida a apelação.
(TRF da 3ª Região, ACR n. 2005.61.81.002344-0, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 31.05.10)

Do caso dos autos. Os acusados foram denunciados por terem suprimido/reduzido contribuições previdenciárias, mediante a omissão de informações nas GFIPS - Guias de Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social dos fatos geradores das contribuições previdenciárias incidentes sobre as remunerações pagas relativas à cota patronal, ao Seguro Acidente do Trabalho - SAT e às contribuições sociais de interesse de categorias profissionais e econômicas, no prazo legal, nos períodos de julho de 2000 a abril de 2001.

As condutas delitivas perpetradas de julho a outubro de 2000 subsumem-se ao tipo do art. 1º, I, da Lei 8.137/90 e as praticadas de outubro de 2000 a abril de 2001, ao tipo do art. 337-A do Código Penal.

Materialidade. A materialidade do delito encontra-se satisfatoriamente comprovada por intermédio do Procedimento Administrativo n. 35433.000224/2005-29. Sobressaem os seguintes documentos:
a) Representação Fiscal para Fins Penais (fls. 11/13);
b) Consultas DATAPREV: CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais/ Totais de Vínculos e Massa Salarial - RAIS - GFIP (fls. 28/92);
c) Notificação Fiscal de Lançamento de Débito - NFLD n. 35.787.271-1, no valor de R$ 3.055.423,93 (três milhões, cinquenta e cinco mil, quatrocentos e vinte e três reais e noventa e três centavos), atualizado com juros e multa em 20.12.04 (fls.93/542).

O Termo de Encerramento da Auditoria Fiscal - TEAF data de 20.12.04 (fls. 538/539).

Para melhor elucidação dos fatos, o Relatório Fiscal descreve o seguinte:


1 - Os valores constantes da presente Notificação Fiscal de Lançamento de Débito - NFLD, referem-se a contribuições devidas à Seguridade Social, cujos recolhimentos não foram comprovados pela Empresa, ora em falência, e nem constam do banco de dados do Sistema de Informação de Arrecadação e Débito do INSS - DATAPREV.
2 - Analisando os Autos de Falência até fls. 6.394, e na falta de apresentação de escrituração contábil devidamente formalizada ou outros elementos que caracterizassem uma melhor avaliação, o levantamento tomou como base o confronto entre o conta-corrente fornecido pela DATAPREV e a massa salarial constante do Cadastro Nacional de Informações - CNIS, atendendo aos preceitos contidos no parágrafo 3º, do artigo 33 da Lei No. 8212, de 24 de julho de 1991.
3 - Os valores consolidados nesta NLFD encontram-se relacionados no anexo "Discriminativo Analítico de Débito - DAD", discriminados através de CNPJ, os estabelecimentos matriz e filiais e sob os seguintes códigos de levantamento:
- SC - Salário de Contribuição; SEG - Contribuição dos Segurados e PLB - Pro-Labore.
4 - Os valores dos salários, lançados como base de cálculo no presente lançamento, foram extraídos e ou apurados, através dos documentos RAIS - Relação Anual de Informações Sociais e GFIP - Guia de FGTS de Informações à Previdência Social, utilizando-se para o período de 07/00 a 12/00, os valores de massa salarial informados nas RAIS e ou GFIP, e para o período de 01/01 a 04/01, a média dos seis últimos valores declarados como massa salarial no ano de 2000, em moeda da época, obtidos junto ao CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais, transformados em salários mínimos nas respectivas competências, encontrando-se os referidos valores de salários-de-contribuição no anexo RL - RELATÓRIO DE LANÇAMENTOS.
5 - Período de lançamento do débito: 07/00 a 04/01 (04/01 período proporcional à data da falência - 26/04/01.
6 - Os valores levantados correspondem à parte da empresa; as destinadas ao financiamento da complementação das prestações por acidente de trabalho - SAT; as destinadas aos terceiros; as relativas ao pro-labore, e as referentes às contribuições dos segurados empregados nos meses em que não se caracterizou apropriação indébita (...)
9 - Além desta Notificação, foi também lavrada a NFLD No. 35.787.270-3, relativa à contribuição dos segurados empregados, no período em que houve apropriação indébita das contribuições dos empregados (sic, destaques originais, fls. 540/541)

Constam dos autos extratos do saldo devedor em 05.07.06, atualizado com juros e multa, no montante de R$ 5.691.390,89 (cinco milhões, seiscentos e noventa e um mil e trezentos e noventa reais e oitenta e nove centavos) (fls. 545/546).

A Secretaria da Receita Previdenciária informou a inscrição do débito em dívida ativa (fl. 549).

Sobreveio aos autos a decisão proferida no Processo n. 515/01, de 26.04.01, que indeferiu o pedido de concordata e decretou a falência da Taurus Eletro Móveis Ltda. (fls. 1.005/1.007).

Autoria. Interrogado em Juízo, o acusado Shinsuke Kuba afirmou que, no período dos fatos, a Taurus Eletro Móveis Ltda. enfrentava dificuldades financeiras. Aduziu que essa situação teve início por volta de 1998 e culminou com o encerramento de parte das filiais. Disse que tinha a intenção de parcelar o débito e que deu prioridade ao pagamento de funcionários e fornecedores. Admitiu que era o único responsável pela administração da empresa, inclusive pela autorização de pagamento de tributos, alegando que o acusado Hideo Kuba não tomava decisões, somente constava do contrato social e assinava papéis elaborados em seu nome. Relatou que houve pedido de concordata e que a empresa foi lacrada. Adicionou que o patrimônio social era suficiente à liquidação dos débitos, sendo o ponto comercial o de maior valia, e que sofreu perda de patrimônio pessoal. Informou que atualmente é aposentado e trabalha fazendo "bicos", com corretagem de seguros e de imóveis. Disse que, em seu melhor momento, a empresa, constituída na década de 70, chegou a faturar cerca de $ 3.000.000,00 (três milhões) por loja, por ano, e que chegou a contar com 1.200 (mil e duzentos) funcionários, com salário de R$ 500,00 (quinhentos reais) a 600,00 (seiscentos reais) mensais. Esclareceu que o faturamento e a quantidade de funcionários foram reduzidos pela metade na época dos fatos. Acrescentou que, na época, morava em um apartamento de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) e tinha um Opala, sendo que seus bens pessoais eram todos adquiridos em nome da empresa (fls. 955/956 e mídia à fl. 957).

As provas colhidas no Processo n. 0006557-62.2006.403.6114, em que os acusados Shinsuke e Hideo Kuba estão sendo processados pela prática do delito do art. 168-A do Código Penal, na condição de administradores responsáveis pela Taurus Eletro Móveis Ltda., foram aproveitadas no presente feito, sendo dispensada nova oitiva das testemunhas José Luis da Silva, Florisvaldo Sampaio dos Santos e Vera Lúcia Yamaoka, bem como novo interrogatório de Hideo Kuba (fl. 955/955v.).

A testemunha José Luis da Silva, gerente de marketing da Taurus Eletro Móveis Ltda. de 1996 a 2000, disse que "a administração era feita por ambos os acusados" (fl. 1.282).

A testemunha Vera Lúcia Yamaoka declarou que trabalhava na Taurus Eletro Móveis Ltda. desde 1981 e, no período dos fatos, atuava no departamento fiscal, efetuando a escrituração de livros e preenchimento de guias. Disse que não trabalhava com débitos previdenciários, não se recordando do(s) responsável (eis) pela contabilidade de tais débitos. Afirmou que o sócio Hideo Kuba não participava ativamente da empresa. Relatou que a empresa enfrentou dificuldades financeiras e que, não obstante, os funcionários sempre foram pagos em dia. Não soube precisar o número de funcionários da empresa, que contava com muitas filiais. Aduziu que as decisões finais da sociedade competiam ao acusado Shinsuke Kuba, uma vez que o acusado Hideo Kuba encontrava-se ligado a outra empresa, do ramo de confecções, localizada no mesmo endereço. Afirmou que Hideo estava sempre nas dependências da Taurus Eletro Móveis Ltda. (mídia à fl. 1.283).

A testemunha Florisvaldo Sampaio dos Santos declarou que desde 1995 trabalhava em empresa que prestava serviços de contabilidade para a Taurus Eletro Móveis Ltda., especificamente na área de abertura e fechamento de filiais. Disse que não tinha contato com a administração da sociedade. Afirmou que o acusado Hideo Kuba não administrava a Taurus Eletro Móveis Ltda., mas outras empresas do ramo de confecções. Relatou que abriu cerca de 30 (trinta) filiais e fechou aproximadamente 15 (quinze), atribuindo tais encerramentos às dificuldades financeiras enfrentadas pela Taurus. Relatou que a empresa onde trabalhava recebia contatos da Taurus pela gerente Maria de Lourdes ou pelo acusado Shinsuke Kuba (mídia à fl. 1.283).

O acusado Hideo Kuba ratificou as declarações prestadas em interrogatório judicial, nos autos do Processo n. 0006557-62.2006.403.6114. Disse que estava afastado da administração da Taurus Eletro Móveis Ltda. há 15 (quinze) anos, quando foi decretada a falência da empresa, em razão de divergências ligadas à gestão exercida pelo acusado Shinsuke. Declarou que foi fiador em alguns negócios da Taurus e que acompanhava, de longe, as dificuldades financeiras que atravessava, uma vez que apenas ao acusado Shinsuke Kuba competia sua administração. Adicionou que as dificuldades financeiras decorriam, em parte, dos elevados juros cobrados nos negócios firmados pela Taurus, e, em parte, da expansão temerária da empresa. Alegou que suspeitava de desvio de mercadorias pelos funcionários. Informou que a Taurus contava com aproximadamente 100 (cem) lojas. Acrescentou que houve prejuízo do seu patrimônio pessoal, bem como o fechamento de outras empresas suas, do ramo de confecções, em razão da falência da Taurus. Nada soube explicar sobre a adesão da Taurus a algum plano de parcelamento do débito previdenciário. Afirmou que estava esporadicamente presente na Taurus. Afirmou plena ciência de sua responsabilidade pelos fatos por constar do contrato social da empresa (mídia à fl. 1.283).

O acusado Shinsuke Kuba confessou os fatos narrados na denúncia.

É certa também a participação do acusado Hideo Kuba. Embora o acusado Shinsuke tenha admitido a gestão exclusiva da Taurus Eletro Móveis Ltda., a circunstância de o acusado Hideo comparecer com certa regularidade à empresa para assinar papéis é suficiente à comprovação de sua responsabilidade pelos fatos.

Note-se que o próprio acusado Hideo, em interrogatório judicial, negou participação direta na administração da empresa, mas se declarou responsável pelos fatos, na condição de sócio.

Ademais, a testemunha José Luis da Silva afirmou que a administração da Taurus cabia aos 2 (dois) acusados.

Não os favorecem os argumentos defensivos quanto à presença de elementos culturais na conduta dos réus. Como ponderou o MM. Magistrado a quo, "muito embora sensível a alusão feita pela defesa de que os réus, por serem japoneses, são fiéis a uma cultura e tradição onde o mais novo submete-se às determinações do mais velho (...) estamos em uma civilização ocidental onde a lei não faz exclusão alguma de natureza cultural e os réus escolheram viver e trabalhar no Brasil há quase 30 anos, considerando que a empresa foi constituída em agosto de 1975 (fls. 554)." (fl. 1.286v.).

De acordo com a ficha cadastral da JUCESP, os acusados permaneceram sócios da Taurus Eletro Móveis Ltda. durante todo o período dos fatos (fls. 562/597).

Dificuldades financeiras. Improcedência. A mera existência de dificuldades financeiras, as quais, por vezes, perpassam todo o corpo social, não configura ipso facto causa supralegal de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa quanto ao delito de não-repasse de contribuições previdenciárias. O acusado tem o ônus de provar que, concretamente, não havia alternativa ao não-repasse das contribuições:


PENAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DESCONTADA DOS SALÁRIOS DOS EMPREGADOS. OMISSÃO DOS RECOLHIMENTOS. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. (...).
IMPOSSIBILIDADE FINANCEIRA NÃO COMPROVADA. APELAÇÃO PROVIDA.
(...)
4. A ocorrência de meras dificuldades financeiras não escusa a apropriação indébita de contribuições previdenciárias; para configurar-se o estado de necessidade ou a inexigibilidade de conduta diversa, é mister a efetiva comprovação, pela defesa, da absoluta impossibilidade de efetuarem-se os recolhimentos nas épocas próprias.
5. Apelação provida.
(TRF da 3ª Região, ACr n. 98030965085, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, j. 14.09.04)
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA - (...) - INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA RECHAÇADA (...).
(...)
3. Alegações genéricas de dificuldades financeiras não são capazes de acoimar o tipo penal contido na denúncia.
(...)
5. Negado provimento à apelação.
(TRF da 3ª Região, ACr n. 200203990354034, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, j. 26.06.07)
PENAL. APROPRIAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS.(...) DIFICULDADES FINANCEIRAS DO AGENTE.(...).
(...)
3. A mera existência de dificuldades financeiras, as quais, por vezes, perpassam todo o corpo social, não configura ipso facto causa supralegal de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa quanto ao delito de não-repasse de contribuições previdenciárias. O acusado tem o ônus de provar que, concretamente, não havia alternativa ao não-repasse das contribuições.
(...)
6. Recurso da defesa parcialmente provido.
(TRF da 3ª Região, ACr n. 20056118007918, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 15.09.08)

Anote-se que a concordata favorece a empresa devedora quanto ao pagamento de seus credores, os quais, porém, não fazem jus a receber seus créditos mediante o desvio de recursos destinados à Previdência Social. Nesse sentido, a isolada circunstância de a empresa ter-se beneficiado com a concordata não oblitera a caracterização do delito:


APELAÇÃO CRIMINAL. ART.95, ALÍNEA 'D', DA LEI Nº 8.212/91, C.C. O ART. 71 DO CP. (...) NÃO DEMONSTRADA A EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE POR DIFICULDADES FINANCEIRAS.(...) APELAÇÃO DESPROVIDA.
(...)
- Não restou provada relação entre a crise econômica que ensejou a falência da empresa e o cometimento do crime. O período delitivo iniciou-se em janeiro de 1993 e estendeu-se mesmo após a alegada decretação de concordata em novembro de 1996, até julho de 1998. Não foi demonstrado nos autos o pedido de concordata. Ainda que admitida, o réu não poderia ter dela se beneficiado, uma vez que não podem ocorrer os impedimentos do art. 140 da Lei de Falências e devem estar presentes as condições do seu art. 158 e os requisitos do art. 191 do CTN. Não conseguiu a defesa esgrimir nos autos a comprovação de que a situação comercial da empresa estaria a impedir o adimplemento da obrigação tributária.
(...)
- Preliminares de anistia e cerceamento do direito de defesa rejeitadas. Apelação desprovida. Reconhecida, de ofício, a prescrição em concreto de parte das condutas praticadas.
(TRF da 3ª Região, ACr n. 199961810073570, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, j. 25.07.05)

Por sua vez, a falência nada mais é do que uma execução coletiva que se instaura em razão de uma crise de liqüidez ou desequilíbrio patrimonial. Embora ela usualmente ocorra num quadro de dificuldades financeiras, não exclui a culpabilidade do agente que se apropria das contribuições previdenciárias dos empregados, em especial no período anterior à quebra:

PROCESSUAL PENAL E PENAL: APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A DO CP. (...). DIFICULDADES FINANCEIRAS. NÃO-COMPROVAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OUTRAS PROVAS. ESTADO DE NECESSIDADE. ART. 24, DO CP. PERIGO ATUAL.(...) RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. NÃO PROVIMENTO.
(...)
VIII - Mesmo no que diz respeito a eventual decreto de falência da empresa no período final da reiterada prática dos atos delituosos, considerando que o apelante deixou de recolher as contribuições descontadas dos salários de seus empregados desde a constituição da empresa trata-se de conduta pelo mesmo sempre adotada, que não é afastada pela quebra, ao contrário, a sua forma de administração poderá até mesmo ter contribuído sobremaneira para tal desfecho. Precedentes do STJ.
(...)
XXII - Recurso do réu improvido. De ofício, reconhecida a prescrição da pretensão punitiva retroativa dos fatos referentes aos períodos de julho/1988 a setembro de 1988; novembro de 1988 a janeiro de 1989 e março de 1989.
(TRF da 3ª Região, ACr n. 200203990386734, Rel. Des. Fed. Cecília Mello, j. 06.11.07)

Do caso dos autos. A defesa pleiteia o reconhecimento da excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa, representada pelas dificuldades financeiras enfrentadas pela Taurus Eletromóveis Ltda., à época dos fatos. Afirma que os depoimentos das testemunhas de defesa e as medidas adotadas pelos acusados, quanto à abertura e ao encerramento de filiais, fundamentam esse entendimento.

Não lhe assiste razão.

A testemunha Florisvaldo Sampaio dos Santos relatou que desde 1995 procedeu à abertura de aproximadamente 30 (trinta) filiais para a Taurus.

Infere-se da ficha cadastral da JUCESP que no ano de 2000, a empresa encerrou 34 (trinta e quatro) filiais. No entanto, os acusados não se abstiveram de abrir 2 (duas) filiais no mesmo ano, quando as contribuições previdenciárias não foram recolhidas, tampouco informadas na GFIP.

A abertura de filiais é incompatível com a situação de penúria financeira alegada pela defesa. Consta da ficha cadastral da JUCESP, a abertura de 134 (cento e trinta e quatro) filiais, do ano de 1996 em diante.

No presente caso, evidencia-se a expansão temerária da empresa, advinda da má administração dos 2 (dois) acusados, o que é corroborado pelas declarações do acusado Hideo Kuba.

A defesa quer fazer prevalecer alegações genéricas da crise financeira da Taurus. Não foram colacionadas aos autos as Declarações de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e da Pessoa Física (dos acusados) relativas à época dos fatos, a demonstrar a ausência de distribuição de lucros aos sócios, o decréscimo patrimonial da empresa e o desfazimento de patrimônio pessoal dos apelantes para quitar as dívidas.

A prova da excludente da culpabilidade deve ser documental e robusta, inclusive com a realização de perícia nos livros contábeis, notas fiscais, registros de movimentação bancária e financeira, dentre outros documentos pertencentes à pessoa jurídica.

O Ilustre Procurador Regional da República manifestou-se nos seguintes termos:


Muito embora não nos permita afirmar que a empresa não passou por difícil situação financeira, a documentação acostada aos autos não é hábil e nem suficiente para demonstrar a extensão do problema, bem como sua potencialidade para levar os apelantes à descumprirem, mediante fraude, a obrigação de recolher as contribuições devidas ao INSS. Com efeito, além da decisão acostada às fls. 1005/1006 nenhum outro documento sobre o processo de falência foi apresentado. No que diz respeito às ações de execução propostas contra a empresa (fls. 1008 e seguintes) observa-se que embora algumas sejam contemporâneas aos fatos, muitas outras foram propostas em datas bem anteriores ou bem posteriores a eles. Tratam-se, ademais, de meras fichas de controle do escritório de advocacia e não de documentos oficiais. Por fim, não foram acostadas aos autos as declarações de IR quer da empresa, quer dos sócios, ora apelantes, bem como o balanço patrimonial da pessoa jurídica, o que impossibilita a verificação da das respectivas variações patrimoniais no período em que se deram os fatos. Enfim, não há suporte probatório suficiente ao reconhecimento de que os réus não tinham outra possibilidade de agir, senão praticando os ilícitos penais narrados na denúncia (fls. 1.415v./1.416)

Não restou demonstrado, portanto, que as contribuições previdenciárias descritas na NFLD n. 35.787.271-1 não foram repassadas à Previdência Social em virtude de dificuldades financeiras, o que impede o reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa.

Sonegação de Contribuição Previdenciária. Dolo específico. Prescindibilidade. O elemento subjetivo do art. 337-A do Código Penal, embora crime material, dependendo para a sua consumação, da efetiva ocorrência do resultado, não necessita, para sua caracterização, da presença de dolo específico, ou seja, o dolo exigível, é, também o dolo genérico, como ocorre com o delito de apropriação indébita previdenciária prevista no art. 168-A do mesmo diploma legal.

O tipo não exige nenhum fim especial, bastando a conduta consistente em "suprimir ou reduzir". Portanto, assim como no delito previsto no art. 168-A, não é necessário o animus rem sibi habendi para sua caracterização:

AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (INCISO I DO § 1º DO ART. 168-A E INCISO III DO ART. 337-A, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). (...) DOLO ESPECÍFICO. NÃO-EXIGÊNCIA PARA AMBAS AS FIGURAS TÍPICAS. (...)
(...)
3. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, para a configuração do crime de apropriação indébita previdenciária, basta a demonstração do dolo genérico, sendo dispensável um especial fim de agir, conhecido como animus rem sibi habendi (a intenção de ter a coisa para si). Assim como ocorre quanto ao delito de apropriação indébita previdenciária, o elemento subjetivo animador da conduta típica do crime de sonegação de contribuição previdenciária é o dolo genérico, consistente na intenção de concretizar a evasão tributária.
(STF, AP 516, Rel. Min. Ayres Britto, j. 27.09.10)
PENAL. CRIMES DE NÃO-RECOLHIMENTO E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ART. 168-A, § 1º, INC. I E 337-A, INC. III, AMBOS DO CP. LEI 8.866/94. ABOLITIO CRIMINIS. INÉPCIA DA INICIAL. JUSTA CAUSA. PERÍCIA PRÉVIA. DESNECESSIDADE. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO DIFICULDADES FINANCEIRAS. AUSÊNCIA DE PROVA. PENA. CRIME CONTINUADO. SUBSTITUIÇÃO.
(...)
4. Nos crimes previstos nos arts. 168-A e 337-A do CP, o tipo subjetivo é o dolo genérico, não havendo exigência comprobatória do especial fim de agir (animus rem sibi habendi).
(...)
(TRF da 4ª Região, ACr nº 20027.07002264-2, Rel. Juiz Élcio Pinheiro de Castro, j. 15/09/2004)

A materialidade, a autoria delitiva e o dolo na prática da conduta prevista no art. 1º, I, da Lei n. 8.137 /90 estão plenamente demonstrados pelo conjunto probatório dos autos, de maneira que a manutenção do decreto condenatório é medida que se impõe.

Dosimetria. Na sentença, o MM. Magistrado a quo procedeu à dosimetria das penas dos acusados nos seguintes termos:
Considerando que os Réus são primários e apresentam bons antecedentes, fixo a pena-base no mínimo legal, ou seja, 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.
Como os réus respondem a outras ações penais como estelionato, crime contra relações de consumo, não recolhimento de contribuições previdenciárias, sonegação previdenciária, contra o patrimônio entendo por necessário o agravamento da pena em 1/6, majorando a pena para em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses e 11 (dez) dias-multa.
Havendo causa de aumento da Parte Geral do Código Penal, a título de concurso formal capitulada no art. 70, CP, aumento a pena em 1/6 e, ainda, nesta fase, considerando que a prática omissiva das informações dos valores em GFIP deu-se por 9 (nove) meses, aumento a pena em mais 1/6, nesta parte de fixação da pena, fixando-a, definitivamente, em 3 (três) anos e 1 (um) mês de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, para cada um dos réus.
Atendo-me à primariedade dos Réus, fixo o regime inicial aberto, para o cumprimento da pena restritiva de liberdade, nos termos do art. 33 do Código Penal.
Os Réus atendem aos requisitos do art. 44 do Código Penal tendo direito subjetivo a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, razão pela qual SUBSTITUO as pena privativas de liberdade, de ambos, por prestação de serviços à comunidade pelo prazo de 3 (três) anos e 1 (um) mês e pagamento de multa no valor de 10 salários mínimos, para cada um dos réus. O valor da multa fixada para os dois réus restou baseada na condição patrimonial dos réus (...) (sic, destaque original, fl. 1.288/1.288v.)

Na decisão dos embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Federal, com o fim de se esclarecer se o aumento da pena-base em 1/6 (um sexto), decorria das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, ou do reconhecimento de agravante genérica (fl. 1.308), o MM. Juiz a quo esclareceu o seguinte:

A dosimetria da pena em nosso sistema penal é realizada em três fases. Por não ter ficado claro, acolho os embargos do MPF para fazer constar na sentença que a pena base fixada em 2 (dois) anos e 10 dias multa foi majorada em 1/6 em razão de circunstâncias judiciais, refletidas nas ações judiciais a que respondem os réus, perfazendo 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias multa.
Após as devidas comunicações encontro a pena definitiva em 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e não em 3 (três) anos e 2 (dois) meses, como consta dos Embargos, razão pela qual deixo de acolher neste aspecto.
Com razão também o Embargante ao alertar quanto a substituição da pena, devendo alterar a expressão multa por prestação pecuniária de 10 salários mínimos.
Restou omisso, de fato, e agora corrijo a sentença, fazendo constar o parágrafo quanto ao valor do dia multa.
Após essas alterações e para que não reste dúvidas quanto a fixação da pena para os réus, substituo, 'in toten' a parte da sentença intitulada dosimetria da pena:
(...) "Passo à dosimetria da pena.
Considerando que os réus são primários e apresentam bons antecedentes, fixo a pena base no mínimo legal, ou seja, 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias multa.
Como os réus respondem a outras ações penais como estelionato, crime contra relações de consumo, não recolhimentos de contribuições previdenciárias, sonegação previdenciária, contra o patrimônio entendo que estão presentes circunstâncias judiciais que levam ao agravamento da pena em 1/6, majorando a pena para em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses e 11 (onze) dias-multa.
Havendo causa de aumento da Parte Geral do Código Penal, a título de concurso formal capitulada no art. 70, CP, aumento a pena em 1/6, restando fixada aqui a pena em 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 12 dias multa. Por fim e, ainda, nesta fase, considerando que a prática omissiva das informações dos valores em GFIP deu-se por 9 (nove) meses, aumento a pena em mais 1/6, nesta parte de fixação da pena, fixando-a, definitivamente, em 3 (três) anos e 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, para cada um dos réus. Em razão da atual condição econômica e remuneração mensal dos réus, a considerar a baixa capacidade financeira, fixo o valor do dia-multa em um quinto do valor do salário mínimo, nos termos do art. 49, do CP.
Atendo-me à primariedade dos Réus, fixo o regime inicial aberto, para o cumprimento da pena restritiva de liberdade, nos termos do art. 33 do Código Penal.
Os Réus atendem aos requisitos do art. 44 do Código Penal tendo direito subjetivo a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, razão pela qual SUBSTITUO as penas privativas de liberdade, de ambos, por prestação de serviços à comunidade pelo prazo de 3 (três) anos e 1 (um) mês e 10 (dez) dias e ao pagamento de prestação pecuniária no valor de 10 salários mínimos, para cada um dos réus. O valor da multa fixada para os dois réus restou baseada na condição patrimonial dos réus (...)"
No mais, permanece na íntegra a sentença proferida (sic, destaques originais, fls. 1.324/1.325)
A defesa recorre, argumentando que a pena-base dos acusados foi exasperada pela existência de inquéritos policiais e ações penais em andamento, contrariando o princípio da presunção de inocência e requer a adequação da pena-base fixada à inexistência de antecedentes criminais.
A dosimetria das penas cominadas aos acusados não merece reparo.
Conforme sustentou a Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Rose Santa Rosa, embora os apontamentos existentes em nome dos acusados (fls. 622/627, 648/651 e 688/689) não possam servir à exasperação das penas-base, como maus antecedentes, justifica-se tenham sido fixadas 1/6 (um sexto) acima do mínimo legal, em razão do elevado valor do débito tributário:

4. Por fim, as penas-base fixadas na r. sentença não comportam redução.
Embora a MM. Juíza sentenciante tenha reconhecido como circunstâncias judiciais desfavoráveis ações penais e inquéritos policiais em curso, o que é vedado pela Súmula nº 444 do STJ, não considerou, na mesma fase da dosimetria da pena, as consequências do crime para fins de majoração da pena, não obstante a prova de que o dano decorrente da conduta exorbitou o que comumente se vê, alcançando o montante de R$ 3.055.423,93 (três milhões, cinquenta e cinco mil, quatrocentos e vinte e três reais e noventa e três centavos), já em dezembro de 2004.
Pelo valor sonegado e, notadamente, pela qualidade da vítima - a já combalida Previdência Social - cremos que não seria razoável a fixação da pena-base no mínimo legal, hipótese que deve ser deixada a casos que envolvem quantias menos expressivas.
Nesse sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
(...)
IV - Conclusão
Pelo exposto, opina o Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso (destaques originais, fls. 1.416v./1.417)

Ante o exposto, REJEITO a preliminar e NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação.
É o voto.

Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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