D.E. Publicado em 08/11/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares, negar provimento ao apelo ministerial e dar parcial provimento à apelação dos réus para restringir a substituição da pena privativa de liberdade apenas por prestação de serviços, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e por MARCELO DE MAGALHÃES e TAÍS VECINA ABIB MAGALHÃES contra a sentença que os condenou pela prática do delito previsto no artigo 206 do Código Penal.
De acordo com a denúncia os réus, proprietários da empresa Globaltur Agência de Viagens e Turismo, localizada na Rua XV de Novembro, 464, Centro - Sorocaba, durante 2000 e 2001 recrutaram, de forma continuada, vários trabalhadores mediante fraude, com o fim de levá-los para o exterior, como Portugal e Espanha.
Narra a peça acusatória que os acusados prometiam vantagens irreais a trabalhadores dispostos a viajar par ao exterior, com a promessa falsa de emprego bem remunerado, inclusive por anúncios em jornais da cidade, promovendo o efetivo embarque de alguns brasileiros que, no destino, perceberam a inexistência dos prometidos empregos.
Em aditamento (fls.852/854), imputa-se-lhes as sanções do artigo 171, combinado com os artigos 70 e 71, pelo menos por cinco vezes, todos do Código Penal, por terem obtido para si vantagem ilícita, em prejuízo alheio, através da mesma fraude, induzindo as vítimas em erro, ao receberem, em valores não atualizados, R$4.640,65 de Clenio Ribeiro da Rocha, R$1.872,00 de Antonio Alves Ramos, R$1.872,00 de Severino Batista Feitosa, R$2.531,50 mais US$353,00 de Nilson Nunes dos Santos, R$2.531,50 mais US$300,00 de Paulo Rogério Antunes de Oliveira e R$2.531,50 mais US$300,00 de Emerson Luiz de Oliveira.
A denúncia foi recebida em 27/01/2003 (fl.718) e seu aditamento em 05/07/2005 (fl.856).
Após regular instrução, foi proferida sentença (fls.913/922) que julgou parcialmente procedente o pedido formulado pelo Ministério Público Federal para absolver MARCELO DE MAGALHÃES e TAÍS VECINA ABIB MAGALHÃES do crime previsto no artigo 171 do Código Penal e condená-los, cada qual, pelo crime do artigo 206 do diploma repressor a 01 (um) ano de detenção em regime aberto e 10 (dez) dias-multa à razão de um salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, atualizado monetariamente.
Foi concedida a substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços a entidade de assistência social e limitação de fim de semana.
Em suas razões, o Ministério Público Federal (fls.925/933) pleiteia a condenação dos réus também pelo crime de estelionato.
Em contrarrazões (fls.945/951), os réus postulam, preliminarmente, que seja reconhecida a intempestividade da apelação ministerial, indeferindo-se o seu seguimento e o reconhecimento da prescrição; no mérito, que seja negado provimento ao apelo acusatório.
Inconformados, os réus também apelam (fls.953/966).
Em preliminares, pleiteiam o reconhecimento da prescrição, do cerceamento de defesa ante o aditamento da denúncia ocorrido após a proposta de suspensão condicional do processo e indeferimento das diligências requeridas pela defesa na fase do artigo 499 do digesto processual, acarretando a nulidade do feito a partir de fl.888.
Quanto ao mérito, postulam a absolvição por falta de prova da materialidade e da autoria, tendo as pretensas vítimas viajado, por sua conta e risco, na condição de turistas.
Subsidiariamente, requerem a redução do valor do dia-multa ao mínimo legal ou observando-se a diferença de rendimento dos acusados, com a correção monetária incidente não da data do fato, mas do trânsito em julgado; a substituição da pena por apenas uma restritiva de direito ou multa, excluindo-se a limitação de fim de semana.
Em contrarrazões o representante do Parquet Federal pugna pelo desprovimento do recurso (fls.973/980).
Parecer da Procuradoria Regional da República (fls.983/1000) em prol de ser negado provimento ao recurso defensivo, provendo-se o apelo ministerial.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
I. Do apelo ministerial. O Ministério Público Federal requer a condenação dos réus pelo crime de estelionato.
O crime esculpido no artigo 206 do Código Penal prevê:
O crime de aliciamento para o fim de emigração, no qual foram condenados os réus, traz ínsito ao tipo penal a prática de fraude.
O mero recrutamento de trabalhadores com o escopo de levá-los ao exterior não configura prática delitiva. Prescinde a infração penal da aplicação de engodo a fim de cooptar trabalhadores, em prejuízo de laboradores de boa-fé.
Por sua vez, o crime de estelionato é mais genérico, abrangente, caracterizando-se pela prática de qualquer meio fraudulento para a obtenção de vantagem ilícita ou prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro.
Como se observa, a fraude é inerente a ambos os tipos penais.
A sentença recorrida absolveu os réus de forma bem fundamentada:
Constata-se que a fraude consiste em elementar tanto do crime de estelionato quanto do crime de aliciamento para fins de emigração, não sendo possível a condenação, pelos mesmos fatos, com base na prática do mesmo engodo, em ambos os crimes, sob pena de bis in idem.
Mantenho, por conseguinte, a absolvição quanto ao crime de estelionato.
II. Do apelo defensivo.
1. Da tempestividade do recurso ministerial. Sustenta a defesa a intempestividade do apelo ministerial, o que carece de amparo fático.
Em 09/02/2007 (fl.923-verso) os autos sentenciados foram efetivamente recebidos pela Procuradoria da República para ciência da decisão. Em 13/02/2007 o Parquet manifestou o desejo de recorrer (fl.924) e, ato contínuo, apresentou suas razões de inconformismo. Os autos foram recebidos em Juízo em 14/02/2007 (fl.934).
Nessas condições, atendido o qüinqüídio legal (artigo 593 do Código de Processo Penal), o recurso ministerial preenche todos os requisitos de admissibilidade, inclusive o temporal.
2. Da prescrição. Preliminarmente, cabe afastar a alegação da defesa que sustenta a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.
Houve apelação do Ministério Público Federal, portanto não ocorreu o trânsito em julgado para a acusação. Nesta situação, a prescrição se verifica pela pena máxima em abstrato cominada pelo tipo penal, a saber, 03 (três) anos - artigo 206 do Código Penal.
Nos termos do art. 109, IV do Código Penal, se verifica que não transcorreu o lapso prescricional de 08 (oito) anos entre a data dos fatos (2000 e 2001) e o recebimento da denúncia (27/01/2003, e seu aditamento em 05/07/2005), ou entre este e a publicação da sentença condenatória (06/02/2007). Assim, não se pode declarar a prescrição da pretensão punitiva.
3. Do aditamento da denúncia ocorrido após a proposta de suspensão condicional do processo. Não se vislumbra o aludido prejuízo que teria sido causado à defesa.
Dos autos se depreende que, inicialmente denunciados como incursos no artigo 206 do Código Penal, houve o aditamento da denúncia, recebido à fl.856, para acrescentar à imputação o crime do artigo 171 do Código Penal.
Antes do aditamento, foi oferecida pelo Parquet proposta de suspensão condicional do processo (fls.815).
Embora não realizada audiência, por diversas vezes redesignada, a proposta de ressarcimento aos prejuízos causados às vítimas não foi aceita, em petição apresentada às fls.826/827.
Da recusa em ressarcir os prejuízos causados às vítimas identificadas nos autos depreende-se a rejeição da proposta.
Dessa forma, o aditamento da denúncia (fls.852/854), para fazer incluir o crime de estelionato, em nada prejudica a defesa.
4. Do cerceamento de defesa. Postulam os apelantes o reconhecimento da nulidade do feito a partir de fl.888, diante do indeferimento das diligências requeridas pela defesa na fase do artigo 499 do digesto processual.
Foi requerida a expedição de ofício ao Departamento de Imigração do Aeroporto Internacional de Lisboa, solicitando cópia dos formulários preenchidos pelas testemunhas quando da entrada no país, bem como informações sobre em que condições os passageiros lá adentraram, como turistas ou a trabalho (fl.884).
No entanto, tal providência foi adequadamente indeferida pelo Juízo a quo (fl.888), que adotou a manifestação ministerial a respeito (fls.886/887) como razão de decidir. Com propriedade, a acusação ponderou que o fato que a defesa pretendia fazer prova, que as testemunhas teriam viajado na condição de turistas (embora com a ilusão de que lá teriam emprego garantido), já se encontrava sobejamente comprovado nos autos, consistindo em medida meramente procrastinatória.
Preliminares rejeitadas.
5. Da materialidade. O crime de aliciamento para o fim de emigração encontra-se devidamente comprovado pelo vasto conjunto probatório.
Foram apreendidos na Globaltur vários currícula vitae e fichas cadastrais de candidatos a emprego (fls.181/245 e 151/178); outros recibos fornecidos pelos acusados, passagens aéreas apreendidas com as vítimas, confissão dos réus quanto à venda de pacotes de viagem e efetiva venda de passagens e embarque das vítimas.
O anúncio de jornal de fl.47, como pondera a defesa, realmente não se presta a comprovar a materialidade, já que não indica o nome do periódico, a data em que publicado e a que empresa se refere o anúncio veiculado.
De igual forma, as ligações telefônicas de fls.384-verso, 389, 394-verso, 409-verso, 415-verso, 423-verso, 447-verso e 453, dirigidas a Portugal, isoladamente não têm o condão de atestar a materialidade, até porque se ignora o teor das conversas. Tratando-se de uma agência de viagens, seria normal à sua atividade fim manter contato telefônico com o exterior.
Mas os demais elementos são contundentes.
Embora alegue a defesa que o local era cedido a outra empresa do ramo de construção civil, pretendendo com isso justificar a existência dos curricula vitae, não se desfez a defesa do ônus de comprovar o alegado, nos termos do artigo 156, segunda parte, do Código de Processo Penal. Esses e os demais documentos apreendidos atestam que a agência de turismo cooptava mão de obra para trabalho no exterior.
6. Da autoria. Os depoimentos testemunhais colhidos em Juízo são uníssonos em apontar a autoria delitiva.
A testemunha Nilson Nunes dos Santos narra (fl.781):
A testemunha Paulo Rogério Antunes de Oliveira relata (fl.782):
De acordo com os dizeres de Emerson Luiz de Oliveira (fl.783):
Severino Batista Feitosa (fl.791) complementa:
Clênio Ribeiro da Rocha (fl.793) conta, em síntese, que foi levado aos denunciados por meio de um contato na igreja que freqüentava, sendo que ao chegar em Portugal não havia o esperado emprego.
Os fatos restaram devidamente comprovados durante a instrução criminal, na qual os elementos de convicção compuseram conjunto probatório harmônico e apto ao desate condenatório dos réus.
7. Da dosimetria. Passo à análise das penas aplicadas.
Aos réus foi aplicada a pena-base no mínimo legal, em 01 (um) ano de detenção em regime aberto e 10 (dez) dias-multa, tornada definitiva.
Em suas razões requerem a redução do valor do dia-multa ao mínimo legal ou observando-se a diferença de rendimento dos acusados.
A sentença recorrida corretamente fixou o valor unitário do dia-multa em um salário mínimo, considerando a situação econômica dos réus: renda mensal de R$3.000,00 em relação a Marcelo - fl.727 e de R$1.500,00 em relação a Taís - fl.730.
A estipulação atende aos ditames do artigo 60 do Código Penal, que prevê os critérios para a pena de multa, que deve atender, principalmente, a situação econômica do réu.
Não se justifica o pedido de redução do valor do dia-multa por conta da diferença de rendimentos, tendo em vista que ambos administravam a mesma empresa e, na condição de cônjuges, dividiam ainda a economia familiar.
A forma da correção monetária compete ao Juízo da Execução analisar.
Prospera o pleito de substituição da pena por apenas uma restritiva de direito ou multa, pois se coaduna com a pena fixada e o disposto no artigo 44, §2º do Código Penal.
Dessa forma, excluindo a limitação de fim de semana, mantenho a substituição da pena privativa de liberdade apenas por prestação de serviços a entidade de assistência social.
Com tais considerações, rejeito as preliminares, nego provimento ao apelo ministerial e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação dos réus para restringir a substituição da pena privativa de liberdade apenas por prestação de serviços.
É o voto.
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Data e Hora: | 31/10/2012 16:37:39 |