Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 27/09/2012
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0004429-52.2008.4.03.6000/MS
2008.60.00.004429-3/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
RECORRENTE : Uniao Federal
ADVOGADO : TÉRCIO ISSAMI TOKANO
RECORRIDO : LUIZ MARCIO DOS SANTOS FELICIANO
ADVOGADO : EVALDO CORREA CHAVES e outro

EMENTA

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DE ORDEM CONCESSIVA DE HABEAS CORPUS. REMESSA OFICIAL TIDA POR OCORRIDA (ART. 574, I, CPP). SENTENÇA CONCESSIVA DE HABEAS CORPUS PARA ANULAR SINDICÂNCIA QUE AINDA TRAMITAVA NA REPARTIÇÃO CASTRENSE. AUSÊNCIA DE CONSTRIÇÃO CONCRETA AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO DE MILITAR DO EXÉRCITO. IMPROPRIEDADE DA VIA JUDICIAL ELEITA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 5°, LXVIII E 142, § 2°, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA 694/STF. REMESSA EX OFFICIO PROVIDA, COM PREJUÍZO DA ANÁLISE DO RECURSO VOLUNTÁRIO DA UNIÃO FEDERAL.
1. Recurso em sentido estrito oposto pela União Federal contra sentença (fls. 134 e seguintes) proferida na 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS, que concedeu ordem de Hábeas Corpus em favor do militar da ativa LUIZ MÁRCIO DOS SANTOS FELICIANO, servindo no 20° Batalhão de Cavalaria Blindada, para o fim de anular em parte sindicância que tramitava na repartição castrense onde se apurava a responsabilidade do sindicado e ora paciente/recorrido na retirada de uma máquina de lavar roupas das dependências do Colégio Militar de Campo Grande/MS sem a necessária alteração; considerou-se violados os princípios do contraditório e da amplitude de defesa.
2. É certo que a jurisprudência vem tolerando o ajuizamento de Hábeas Corpus para contrastar punições militares, mas obviamente isso só pode ocorrer quando a penalidade constrange a liberdade do militar, pois se assim não fosse estaria sendo ofendida a Constituição Federal que assegura o emprego do Hábeas Corpus apenas na defesa do direito de locomoção (art. 5°, LXVIII), solução que tradicionalmente foi sempre aquela adotada no Direito Brasileiro desde que o magnífico instituto - que não merece ser amesquinhado como vem ocorrendo, inclusive com o caso desta impetração - foi pela vez primeira legislado entre nós no Código do Processo Criminal do Império, de 1832. Ainda, o § 2° do art. 142 da Magna Carta afirma que "não caberá "habeas corpus" em relação a punições disciplinares militares", de modo que para não haver desrespeito contra a Constituição o Hábeas Corpus só poderá ser manejado no âmbito das punições castrenses quando se estiver, concretamente, diante de uma penalidade que atinge o direito de locomoção do militar. Aplicação da Súmula 694/STF e de paradigmas da Excelsa Corte e do STJ (RHC 17.422/RN, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 26/09/2006, DJ 23/10/2006, p. 325).
3. Não podem sobreviver nem a sentença que concedeu a ordem e ratificou a liminar, nem mesmo a própria impetração porque a carência de ação mandamental é manifesta diante da impropriedade da via processual eleita.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à remessa oficial tida como ocorrida para anular a sentença e a liminar, julgando o impetrante carecedor da ordem de Habeas Corpus diante da absoluta impropriedade da via processual eleita, restando prejudicado o exame do mérito do recurso em sentido estrito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 18 de setembro de 2012.
Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIZ ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042
Nº de Série do Certificado: 071C0E4C5CCF4CC3
Data e Hora: 19/09/2012 18:28:03



RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0004429-52.2008.4.03.6000/MS
2008.60.00.004429-3/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
RECORRENTE : Uniao Federal
ADVOGADO : TÉRCIO ISSAMI TOKANO
RECORRIDO : LUIZ MARCIO DOS SANTOS FELICIANO
ADVOGADO : EVALDO CORREA CHAVES e outro

RELATÓRIO

Recurso em sentido estrito oposto pela União Federal contra sentença (fls. 134 e seguintes) proferida na 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS, que concedeu ordem de Hábeas Corpus em favor do militar da ativa LUIZ MÁRCIO DOS SANTOS FELICIANO, servindo no 20° Batalhão de Cavalaria Blindada, para o fim de anular em parte sindicância que tramitava na repartição castrense onde se apurava a responsabilidade do sindicado e ora paciente/recorrido na retirada de uma máquina de lavar roupas das dependências do Colégio Militar de Campo Grande/MS sem a necessária alteração.

Considerou-se violados os princípios do contraditório e da amplitude de defesa.

Recorreu a União Federal postulando a reforma da sentença defendendo o trâmite da sindicância porque o militar foi ouvido e teve ensejo de arrolar testemunhas, os prazos previstos na legislação específica (Decreto n° 4.346/2002) foram obedecidos, o recorrido deveria ter avisado seu advogado dos atos vindouros e ainda porque incide no caso a Súmula Vinculante n° 05/STF.

Deu-se oportunidade de resposta e subiram os autos.

Nesta Corte o Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório. Sem revisão.


VOTO

Dou por interposta a remessa oficial (inc. I do art. 574 do CPP).

Consta do próprio parecer da Procuradoria Regional da República que o mandamus se volta contra o trâmite de sindicância apuratória de falta grave perpetrada no âmbito do serviço militar do Exército, sujeitando o paciente/recorrido a sanções de natureza administrativa.

É por isso que salta aos olhos o despropósito do ajuizamento deste Hábeas Corpus porque não se está diante de qualquer punição privativa ou restritiva do direito de deambulação (ir, ficar, permanecer), eis que a sindicância ainda se encontrava em sede de processamento e a irresignação do impetrante voltava-se contra a suposta falta de intimação pessoal do advogado do paciente para audiências que se realizaram na repartição militar.

É certo que a jurisprudência vem tolerando o ajuizamento de Hábeas Corpus para contrastar punições militares, mas obviamente isso só pode ocorrer quando a penalidade constrange a liberdade do militar, pois se assim não fosse estaria sendo ofendida a Constituição Federal que assegura o emprego do Hábeas Corpus apenas na defesa do direito de locomoção (art. 5°, LXVIII), solução que tradicionalmente foi sempre aquela adotada no Direito Brasileiro desde que o magnífico instituto - que não merece ser amesquinhado como vem ocorrendo, inclusive com o caso desta impetração - foi pela vez primeira legislado entre nós no Código do Processo Criminal do Império, de 1832.

Ainda, o § 2° do art. 142 da Magna Carta afirma que "não caberá "habeas corpus" em relação a punições disciplinares militares", de modo que para não haver desrespeito contra a Constituição o Hábeas Corpus só poderá ser manejado no âmbito das punições castrenses quando se estiver, concretamente, diante de uma penalidade que atinge o direito de locomoção do militar.

É certo que o STF já conheceu de Hábeas Corpus em sede de punição militar, mas isso ocorreu quando a situação envolvia pena privativa de liberdade. Confira-se:


EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INFRAÇÃO DISCIPLINAR. PUNIÇÃO IMPOSTA A MEMBRO DAS FORÇAS ARMADAS. CONSTRIÇÃO DA LIBERDADE. HABEAS CORPUS CONTRA O ATO. JULGAMENTO PELA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. IMPOSSIBILIDADE. INCOMPETÊNCIA. MATÉRIA AFETA À JURISDIÇÃO DA JUSTIÇA FEDERAL COMUM. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 109, VII, e 124, § 2º. I -.... II - A legalidade da imposição de punição constritiva da liberdade, em procedimento administrativo castrense, pode ser discutida por meio de habeas corpus. Precedentes. III -... IV - Reprimenda, todavia, já cumprida na integralidade. V - HC prejudicado.(RHC 88.543, Relator:  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 03/04/2007, DJe-004 DIVULG 26-04-2007 PUBLIC 27-04-2007 DJ 27-04-2007 PP-00070 EMENT VOL-02273-02 PP-00241)

Nesse paradigma o voto do relator, Min. Ricardo Lewandowski, refere expressamente que o paciente ficou sujeito a pena de dois dias de prisão sem qualquer cautela procedimental da parte de quem a impôs; teve Sua Excelência o cuidado de destacar que o mandamus era cabível "...para o exame da legalidade das punições impostas pela prática de infrações disciplinares, que possam redundar na constrição da liberdade".

É correta a assertiva do voto do relator, posto que o Habeas Corpus não merece ser vulgarizado como sendo ocorrendo - tratado como substitutivo de outros institutos processuais, inclusive do mandado de segurança que seria o remédio cabível na espécie dos autos - valendo aqui colacionar a lição de JOSÉ FREDERICO MARQUES no sentido de que "...objeto mediato do pedido de habeas corpus é o direito de ir e vir. O impetrante pede ao órgão jurisdicional, ou a restauração do ius libertatis, ou que desapareça, prontamente, a ameaça que o põe em perigo. O pedido pode revestir-se na natureza de pretensão processual declaratória, constitutiva ou cautelar: em todas as hipóteses, porem, seu objeto último será o direito de locomoção, posto em perigo ou lesado por coação, ilegal  ou abuso de poder."

Deveras, é nesse rumo que segue a Súmula 694 do STF: "Não cabe habeas corpus contra a imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública" (aprovada na Sessão Plenária de 29/9/2003). Num dos precedentes que originaram a Súmula, o HC n° 71.631/MG, restou anotado pelo relator, Min. Celso de Melo, o cabimento apenas parcial do mandamus porque a impetração não podia se voltar contra a "pena acessória" de exclusão das Forças Armadas, matéria que deveria ser discutida noutra seara.

Deve-se concluir, por acertado, que não cabe Habeas Corpus para combater punição castrense que não se reveste de caráter constritivo da liberdade do militar.

Nessa trilha segue a jurisprudência do STJ, como segue:


CRIMINAL. RHC. PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR. LIBERDADE DE IR E VIR. INDÍCIOS DE CRIME MILITAR. INSTAURAÇÃO DE SINDICÂNCIA. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INQUÉRITO POLICIAL MILITAR. VIA ADEQUADA. RECURSO PROVIDO.
A jurisprudência desta Corte orienta-se no sentido de que, em se tratando de punição disciplinar por transgressão militar, só se pode admitir a análise da legalidade do ato, via habeas corpus, quando se encontrar em jogo a liberdade de ir e vir do cidadão, que é a hipótese dos autos.
(...).
Recurso provido, nos termos do voto do Relator.
(RHC 17.422/RN, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 26/09/2006, DJ 23/10/2006, p. 325)

Diante desse quadro, não podem sobreviver nem a sentença que concedeu a ordem e ratificou a liminar, nem mesmo a própria impetração porque a carência de ação mandamental é manifesta diante da impropriedade da via processual eleita.

Pelo exposto, meu voto é no sentido de dar provimento à remessa oficial tida como ocorrida para anular a sentença e a liminar, julgando o impetrante carecedor da ordem de Habeas Corpus diante da absoluta impropriedade da via processual eleita, restando prejudicado o exame do mérito do recurso em sentido estrito.

É como voto.



Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIZ ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042
Nº de Série do Certificado: 071C0E4C5CCF4CC3
Data e Hora: 30/07/2012 17:51:41