Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 21/09/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007835-76.2002.4.03.6102/SP
2002.61.02.007835-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : GUSTAVO ISHIWATARI
ADVOGADO : MARCELO AFONSO CABRERA e outro
APELADO : Justica Publica
EXCLUIDO : JOAO SUEO ISHIWATARI
: CELIA ANTONIO DA CUNHA ISHIWATARI

EMENTA

PENAL - PROCESSUAL PENAL - APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA - ARTIGO 168-A DO CÓDIGO PENAL - PARECER MINISTERIAL ACOLHIDO - RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO - DECRETAÇÃO DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DE PARTE DAS CONDUTAS - AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS - CRIME FORMAL - PROVA DO "ANIMUS REM SIBI HABENDI" - DESNECESSIDADE - INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO COMPROVADA - RECURSO DO RÉU IMPROVIDO.
1. O réu deixou de repassar à Previdência Social as contribuições descontadas de seus empregados nos períodos de 07/95 a 12/98; 07/95 a 12/96; 01/98 a 08/01. A peça acusatória foi recebida em relação ao acusado GUSTAVO ISHIWATARI em 13/07/2005. Consoante preceitua o artigo 110, § 1.º do Código Penal, depois de transitada em julgado a sentença condenatória para a acusação, a prescrição regula-se pela pena aplicada.
2. Fixadas as penas no mínimo legal, e não levando em conta a exacerbação pela continuidade delitiva, como determina a lei penal, há que se decretar a extinção da punibilidade do réu, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, já que a pena de 02 (dois) anos de reclusão prescreve em 04 (quatro) anos, conforme previsto no artigo 109, inciso V do Código Penal, e tal prazo já restou ultrapassado em relação as condutas perpetradas antes de 13/07/2001, não subsistindo, mais, em favor do Estado, o direito de punir. Ressalte-se que, em relação as condutas perpetradas a partir de 13/07/2001 em diante, permanece o direito de punir do Estado.
3. Quanto à alegada inconstitucionalidade da figura contida no artigo 168-A, do Código Penal, em razão de prever prisão civil por dívida, trata-se de matéria já pacificada pela jurisprudência de nossos Tribunais, uníssona em afastar qualquer violação a Lei Maior.
4. Os valores relativos às contribuições previdenciárias descontadas dos empregados e não repassadas ao INSS não constituem dívida do empregador em relação ao órgão previdenciário, até porque tais valores jamais lhe pertenceram, mas, sim, aos empregados, segurados do ente público. Tal conduta, em razão de sua evidente reprovabilidade, merece a punição prevista na lei penal. Jurisprudência : HC 98.03.042733-4 - SP, rel. Des. Suzana Camargo, DJ 17/11/1998, p. 311.
5. Nenhum preceito constitucional deixou de ser observado pelo legislador penal, ao eleger critérios para diferenciar condutas na implementação da política criminal. Assim, a norma é claramente compatível com o devido processo legal, em sua perspectiva material, sendo razoável e proporcional aos fins que almeja. Com efeito, no dispositivo em comento não se pune o não pagamento da contribuição que é devida pelo sujeito ativo, em razão de sua atividade empresarial. O que está em jogo é a contribuição que ele descontou do pagamento efetuado a segurados, seus empregados, a terceiros ou arrecadada ao público. Algo que se descontou do ALHEIO, não algo que é da própria responsabilidade do agente.
6. A materialidade delitiva restou amplamente demonstrada por intermédio da Notificação Fiscal de Lançamento de Débito (NFLD) nº 35.412.439-0 e dos Discriminativos de Débito e demais documentos que a acompanham, além dos documentos constantes da Representação Fiscal para Fins Penais.
7. A autoria delitiva também está amplamente demonstrada nos autos, haja vista que GUSTAVO ISHIWATARI tinha o dever legal de proceder aos recolhimentos das contribuições previdenciárias, descontadas das folhas de pagamento de seus funcionários,pois, além de figurar como sócio no contrato social com expressivo percentual do capital social, exercia atos de gerência na empresa Restaurante do Anfiteatro Ltda-ME, conforme restou comprovado durante a instrução processual, evidenciando-se, assim, a inquestionável responsabilidade penal do apelante.
8. Na própria versão dos fatos apresentada pelo apelante, tanto na fase em que foi ouvido como testemunha do Juízo, antes de figurar como réu, como na fase posterior, ele confirma que cuidava da parte contábil da empresa juntamente com seu pai (corréu no feito desmembrado). O depoimento da testemunha do Juízo Palmira dos Santos Nascimento, que trabalhou na empresa, também traz a certeza da responsabilidade do acusado.
9. O apelante tinha o poder de decisão sobre os assuntos pertinentes a pagamentos dos débitos previdenciários, situação suficiente a demonstrar o dolo, ao menos genérico, que imbuiu sua conduta, quando optou pelo desconto das contribuições na folha de pagamento aos empregados e nas notas fiscais, e não as repassou à Previdência Social.
10. A conduta típica prevista no artigo 168-A do Diploma Penal, tem natureza formal e se consuma quando o agente deixa de recolher, na época própria, os valores das contribuições previdenciárias descontados de seus empregados, ou seja, trata-se de crime omissivo próprio. Assim, para a configuração do delito, basta que ele não recolha as importâncias retidas dos empregados, que deveriam ser repassadas ao órgão previdenciário.
11. Não possui nenhuma relevância jurídica o fato de o apelante não ter tomado em proveito próprio o numerário devido à autarquia, eis que mero exaurimento do crime, não sendo exigida a presença do animus rem sibi habendi para a caracterização do delito.
12. Os depoimentos colhidos em interrogatório e na prova testemunhal não têm o condão de justificar, por si só, a retenção dos valores relativos a contribuições dos empregados, que, diga-se de passagem, não pertenciam ao acusado. Precedente: T.R.F. 3ª Região, ACR 1999.61.02.000993-5, Rel. Juíza Marianina Galante, DJU 03/12/2002, p. 588.
13. A comprovação das dificuldades financeiras por que passava a empresa, na época do não recolhimento, era ônus da defesa, que, por sua vez, ao contrário do que ora afirma, não demonstrou a ocorrência da inexigibilidade de conduta diversa. Nos casos de crimes que não envolvam diretamente bens jurídicos relacionados à pessoa natural, faz-se necessária uma maior comprovação da inexigibilidade de conduta diversa, o que deveras não ocorreu nestes autos.
14. Parecer ministerial acolhido para decretar a extinção da punibilidade apenas de parte dos delitos praticados pelo réu GUSTAVO ISHIWATARI, ou seja, em relação as condutas perpetradas antes de 13/07/2001, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, nos termos do artigo 107, inciso IV, c.c. os artigos 109, V, 110, parágrafos 1º e 2º, todos do Código Penal. Recurso do réu desprovido.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes os acima indicados, ACORDAM os Desembargadores da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, nos termos do relatório e voto da Senhora Relatora, constantes dos autos, e na conformidade da ata de julgamento, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, por unanimidade, em acolher o parecer ministerial para decretar a extinção da punibilidade apenas de parte dos delitos praticados pelo réu GUSTAVO ISHIWATARI, ou seja, em relação as condutas perpetradas antes de 13/07/2001, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, nos termos do artigo 107, inciso IV, c.c. os artigos 109, V, 110, parágrafos 1º e 2º, todos do Código Penal, e negar provimento à apelação do réu.


São Paulo, 10 de setembro de 2012.
RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007835-76.2002.4.03.6102/SP
2002.61.02.007835-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : GUSTAVO ISHIWATARI
ADVOGADO : MARCELO AFONSO CABRERA e outro
APELADO : Justica Publica
EXCLUIDO : JOAO SUEO ISHIWATARI
: CELIA ANTONIO DA CUNHA ISHIWATARI

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE:

Trata-se de recurso de apelação interposto por GUSTAVO ISHIWATARI contra sentença proferida pela MM. Juiz Federal da 5ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP, que o condenou como incurso nas penas do artigo 168-A, c/c artigo 71, ambos do Código Penal, a pena de 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto, e a pena pecuniária de 11 (onze) dias-multa, correspondendo, cada dia-multa, a um salário mínimo, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de multa fixada em 10 (dez) salários mínimos a ser revertida para instituição de amparo a idosos carentes.

Constou da denúncia que CÉLIA ANTONIA DA CUNHA ISHIWATARI, na qualidade de sócia gerente da empresa RESTAURANTE DO ANFITEATRO LTDA-ME, deixou de recolher ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados da empresa, conforme os períodos e Notificações Fiscais de Lançamentos de Débitos que seguem : 07/95 a 12/98, no valor de R$2.650,16 (NFLD 35.412.437-4); 07/95 A 12/96, no valor de R$5.630,38 (NFLD 35.412.438-2); 01/99 A 08/01, no valor de R$5.081,59 (NFLD 35.412.439-0).

A denúncia foi recebida em 06/08/2002 (fl. 173).

A ré foi interrogada às fls. 185/186. A defesa prévia apresentada às fls. 192/193.

A testemunha de acusação foi ouvida às fls. 201/202. A defesa desistiu da oitiva de suas testemunhas (fl. 208).

Na fase do artigo 499 do Código de Processo Penal o Ministério Público requereu a oitiva de testemunhas para o fim de apuração da gerência de fato da empresa.

Às fls. 226/227 e 292/293, foram ouvidas testemunhas do Juízo.

A denúncia foi aditada às fls.305/307 nos seguintes termos :

"Ocorre que, durante a instrução processual, restou comprovado que a denunciada não exercia atos de gerência da referida empresa, os quais eram confiados a seu esposo e filho, respectivamente, JOÃO SUEO ISHIWATARI e GUSTAVO ISHIWATARI, os verdadeiros responsáveis, portanto, pelos fatos delituosos objeto desta ação penal. Com efeito, ouvidos na qualidade de testemunhas do juíza nas fis. 226 e 227, JOÃO e GUSTAVO são tanto claros quanto uníssonos em afirmar que os atos de gestão do Restaurante do Anfiteatro Ltda-ME, inclusive no que se refere ao recolhimento de tributos, nunca foram praticados pela denunciada, mas sim por eles próprios. Veja-se, a propósito, as declarações de JOÃO:Era eu quem cuidava da parte contábil do Restaurante do Anfiteatro. Meu filho me ajudava na administração deste restaurante. Minha esposa cuidava da manipulação dos alimentos da cozinha. Minha esposa nunca fez parte da administração da empresa, quanto aos pagamentos diversos, inclusive tributos (cf. fl. 226). Também uma antiga funcionária do estabelecimento comercial administrado por JOÃO e GUSTAVO declina informações nesse mesmo sentido, ou seja, no sentido de que os atos gestores do restaurante nunca eram realizados pela denunciada, mas sim por seu esposo e filho (fis. 292/293), donde se extrai não ter CÉLIA ANTONIA perpetrado a ação típica pela qual foi denunciada. Sendo assim, sujeitos ativos do delito ora apurado são os empreendedores JOÃO e GUSTAVO, que por serem os responsáveis pela gestão do restaurante era quem de fato se encontravam na condição de substituto tributário, com obrigação legal de repassar à Previdência Social as contribuições arrecadas de seus empregados.Posto isso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer pelo recebimento do presente aditamento à denúncia para que conste como denunciados JOÃO SUEO ISHIWATARI e GUSTAVO ISHIWATARI, devidamente qualificados nas fls. 226 e 227, procedendo-se a suas citações para serem interrogados e verem-se processar até final julgamento, ouvindo-se novamente a testemunha abaixo arrolada."

O aditamento à denúncia foi recebido em 13/07/2005 (fl. 309).

Interrogatório do acusado GUSTAVO ISHIWATARI se deu as fls. (320/322). Defesa prévia às fls. 333/334. O réu desistiu da oitiva da única testemunha arrolada (fl. 392).

O réu JOÃO SUEO ISHIWATARI foi citado por edital (fl. 371). Às fls. 392/393, o MM. Juiz decretou a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional relativamente a este acusado, bem como o desmembramento do feito, nos termos do artigo 366 do Código de Processo Penal.

Alegações finais às fls. 403/412, 422/429 (Gustavo).

A sentença proferida às fls. 434/449, publicada em 31/10/2008 (fl. 450).

Em razões de apelação (fls. 456/462), a defesa do apelante GUSTAVO ISHIWATARI pede a absolvição, nos termos que seguem:

1. Alega ausência de prova documental que ateste a existência do crime em todo o período imputado na denúncia; diz que o inadimplemento das contribuições não pode ser considerado como crime, nem ele pode ser penalizado com prisão, consistindo tal pena em novo tipo de prisão por dívida, vedado pelo artigo 5º, LXVI da Constituição Federal.

2. Para a caracterização do tipo penal, não basta a falta de recolhimento da contribuição, havendo também a necessidade de se demonstrar a sua retenção e apropriação.

3. Restou comprovado que se a contribuição é devida, jamais fora retida, até porque havia grandes dificuldades para o pagamento dos salários, conforme se depreende do depoimento de testemunha, e não houve dolo, já que a falta de recolhimento se deu em face de dificuldades financeiras intransponíveis.

Com as contra-razões (fls. 465/468), vieram os autos a esta E. Corte Regional, onde o parecer ministerial foi no sentido de se declarar a prescrição retroativa da pretensão punitiva relativamente aos fatos ocorridos anteriormente a 13 de julho de 2001. No mais, opinou pelo desprovimento do recurso.

O feito foi submetido à revisão, na forma regimental.


É O RELATÓRIO.



RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007835-76.2002.4.03.6102/SP
2002.61.02.007835-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : GUSTAVO ISHIWATARI
ADVOGADO : MARCELO AFONSO CABRERA e outro
APELADO : Justica Publica
EXCLUIDO : JOAO SUEO ISHIWATARI
: CELIA ANTONIO DA CUNHA ISHIWATARI

VOTO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE:

Antes de adentrar na análise do mérito do recurso impõe-se investigar a alegação do Parquet Regional acerca da ocorrência da prescrição parcial da pretensão punitiva estatal.

O réu deixou de repassar à Previdência Social as contribuições descontadas de seus empregados nos períodos de 07/95 a 12/98; 07/95 a 12/96; 01/98 a 08/01 (fls. 02/05). A peça acusatória foi recebida em relação ao acusado GUSTAVO ISHIWATARI em 13/07/2005 (fl. 309).

Consoante preceitua o artigo 110, § 1.º do Código Penal, depois de transitada em julgado a sentença condenatória para a acusação, a prescrição regula-se pela pena aplicada.

No presente caso, o apelante foi condenado pela prática da conduta criminosa do artigo 168-A, do Código Penal, na forma continuada.

Fixadas as penas, e não levando em conta a exacerbação pela continuidade delitiva, como determina a lei penal, há que se decretar a extinção da punibilidade do réu, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal em relação a parte das condutas praticadas, já que a pena de 02 (dois) anos de reclusão prescreve em 04 (quatro) anos, conforme previsto no artigo 109, inciso V do Código Penal, e tal prazo já restou ultrapassado em relação às condutas perpetradas antes de 13/07/2001, não subsistindo, mais, em favor do Estado, o direito de punir.

Ressalte-se que, em relação às condutas perpetradas a partir de 13/07/2001 em diante, permanece o direito de punir do Estado.

Quanto à alegada inconstitucionalidade da figura contida no artigo 168-A, do Código Penal, em razão de prever prisão civil por dívida, trata-se de matéria já pacificada pela jurisprudência de nossos Tribunais, uníssona em afastar qualquer violação a Lei Maior.

Com efeito, os valores relativos às contribuições previdenciárias descontadas dos empregados e não repassadas ao INSS não constituem dívida do empregador em relação ao órgão previdenciário, até porque tais valores jamais lhe pertenceram, mas, sim, aos empregados, segurados do ente público. Tal conduta, em razão de sua evidente reprovabilidade, merece a punição prevista na lei penal.

Este é o entendimento desta Egrégia Turma, conforme julgado de relatoria da Eminente Desembargadora Federal Suzana Camargo:

"HABEAS CORPUS - AÇÃO PENAL - ARTIGO 95, ALÍNEA "D", DA LEI N. 8.212/91, C.C. ARTIGO 71 DO CÓDIGO PENAL - FALTA DE JUSTA CAUSA - TRANCAMENTO - ALEGADA AUSÊNCIA DE ÂNIMO NA SUBTRAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS - CRIMINALIZAÇÃO DA CONDUTA - PREVENÇÃO GERAL E ESPECIAL - PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA - ARTIGO 5, INCISO LXVII DA MAGNA CARTA - ARTIGO 2, INCISO II DA LEI N. 8.137/90 - INOCORRÊNCIA - SANÇÕES JURÍDICAS DISTINTAS - INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO TEXTO CONSTITUCIONAL - AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL - ORDEM DENEGADA.
(...)
6. A inconstitucionalidade da figura típica prevista no artigo 95, letra "d", da lei n.º 8.212/91, não está caracterizada, dado que, nesse dispositivo não foi criada uma nova hipótese de prisão civil, o que seria vedado face o disposto no artigo 5, inciso LXVII, da Constituição Federal. Está alçado, isto sim, à categoria ilícito penal, a conduta consubstanciada no não recolhimento de contribuições ou outras importâncias devidas à seguridade social que tenham sido descontadas ou cobradas dos contribuintes de fato. Portanto, para a caracterização, em tese, do crime, não basta o não pagamento da exação de responsabilidade do agente, é necessário na realidade, estar evidenciado que as importâncias não recolhidas aos cofres públicos tenham sido cobradas dos contribuintes e não repassadas ao erário nas épocas próprias. De sorte que o desvalor da conduta está no ardil de, mesmo a despeito de ter havido o desconto ou a cobrança da exação, não ter ocorrido o respectivo repasse, daí ter sido tal comportamento considerado delituoso.
(HC 98.03.042733-4 - SP, rel. Des. Suzana Camargo, DJ 17/11/1998, p. 311).

De outro lado, tem-se que nenhum preceito constitucional deixou de ser observado pelo legislador penal, ao eleger critérios para diferenciar condutas na implementação da política criminal. Assim, a norma é claramente compatível com o devido processo legal, em sua perspectiva material, sendo razoável e proporcional aos fins que almeja.

É certo, ainda, que poderia o legislador penal aplicar pena mais gravosa àquele que desconta de terceiro e não repassa ao órgão público, se comparado àquele que não recolhe sua própria contribuição no prazo legal. E não se pode admitir que alguém aumente seu patrimônio, em detrimento da coletividade.

Com efeito, no dispositivo em comento não se pune, como se vê, o não pagamento da contribuição que é devida pelo sujeito ativo, em razão de sua atividade empresarial. Não se incriminou o não pagamento da contribuição que é devida pelo empresário. O que está em jogo é a contribuição que ele descontou do pagamento efetuado a segurados, seus empregados, a terceiros ou arrecadada ao público. Algo que se descontou do ALHEIO, não algo que é da própria responsabilidade do agente.

Superada as questões preambulares, passo a análise do mérito recursal.

A materialidade delitiva restou amplamente demonstrada por intermédio da Notificação Fiscal de Lançamento de Débito (NFLD) nº 35.412.439-0 e dos Discriminativos de Débito e demais documentos que a acompanham (fls. 43/70), além dos documentos constantes da Representação Fiscal para Fins Penais (fls. 71/130).

Por sua vez, a autoria delitiva também está amplamente demonstrada nos autos, haja vista que GUSTAVO ISHIWATARI tinha o dever legal de proceder aos recolhimentos das contribuições previdenciárias, descontadas das folhas de pagamento de seus funcionários, pois, além de figurar como sócio no contrato social com expressivo percentual do capital social (fl. 76), exercia atos de gerência na empresa Restaurante do Anfiteatro Ltda-ME, conforme restou comprovado durante a instrução processual, evidenciando-se, assim, a inquestionável responsabilidade penal do apelante.

Na própria versão dos fatos apresentada pelo apelante, tanto na fase em que foi ouvido como testemunha do Juízo, antes de figurar como réu, como na fase posterior, ele confirma que cuidava da parte contábil da empresa juntamente com seu pai (corréu no feito desmembrado), in verbis (fl. 227):

"Meu pai abriu a empresa Restaurante do Anfiteatro Ltda. ME, que ficava no Campus da USP, em Ribeirão Preto, por volta de 1995. Na época eu era menor de idade. Eu ajudava meu pai no caixa. Minha mãe cuidava da produção. Quem cuidava da parte contábil era o meu pai e eu o ajudava. A empresa passou por dificuldades financeiras e teve a sua falência requerida, tendo o processo tramitado na 3ª Vara Cível de Ribeirão Preto, mas nós conseguimos evitar a falência". (g.n.)

O depoimento da testemunha do Juízo, Palmira dos Santos Nascimento, que trabalhou na empresa, também traz a certeza da responsabilidade do acusado, in verbis (fls. 292/293):

" trabalhou na empresa Restaurante do Anfiteatro por cerca de um ano e meio em meados de 1997 ou 1998; que naquela época a empresa se localizava em frente à Unaerp, na Av. Costábile Romano; que além da depoente também trabalhavam mais duas funcionárias, a Rose, que era saladeira, e a Maria, que era cozinheira; que a função da depoente era a de garçonete, mas também auxiliava com serviços gerais; que a ré Célia também trabalhava na cozinha e se encarregava da compra dos ingrediente para a elaboração das refeições, mas não exercia a gerência do restaurante, que ficava à cargo do Sr. João, seu marido, e do filho Gustavo; que a depoente foi regularmente registrada na empresa e recebeu corretamente seus direitos trabalhistas; que o pagamento dos salários era feito pelo Sr. João ou pelo Sr. Gustavo; que a depoente resolveu deixar a empresa, uma vez que essa estava passando por dificuldades financeiras, inclusive atrasando o pagamento de salários; que era comum a presença de oficiais de justiça na empresa, mas não sabe dizer qual a razão disso; que a empresa aparentemente estava para encerrar as suas atividades devido à situação difícil, motivo pelo qual a depoente resolveu procurar outro emprego; que a depoente não sabe dizer se a empresa chegou realmente a encerrar suas atividades." (...) "que o pagamento dos salários era feito em dinheiro; que a partir de um certo momento o pagamento vinha em um envelope fechado com o holerith; que o envelope era entregue em mãos, no próprio restaurante; que o pagamento era quase sempre feito pelo Sr. João, sendo que, às vezes, era feito pelo Sr. Gustavo; que a depoente nunca recebeu o pagamento das mãos do acusado; que, ao que se recorda, a sua carteira profissional foi assinada pelo Sr. Gustavo; que a depoente foi contratada após entrevista com o Sr. João, que era quem definia o seu horário de trabalho; que o filho da Sra. Célia, ou seja, o Sr. Gustavo, inicialmente possuía outro restaurante, que teria ido à falência, embora não tenha certeza da quebra; que, após isso, o Sr. Gustavo passou a trabalhar apenas no restaurante do anfiteatro; que a acusada Célia costumava trabalhar três ou quatro vezes por semana em média, sempre na cozinha, tendo ensinado o preparo de alguns pratos para a própria depoente." (g.n.)

O apelante tinha poder de decisão sobre os assuntos pertinentes a pagamentos dos débitos previdenciários, situação suficiente a demonstrar o dolo, ao menos genérico, que imbuiu sua conduta, quando optou pelo desconto das contribuições na folha de pagamento aos empregados e nas notas fiscais, e não as repassou à Previdência Social.

Sobre o tema, colaciono os ensinamentos de José Paulo Baltazar Júnior, in verbis:

"É preciso determinar quem efetivamente detinha o poder de mando na empresa, decidindo pelo recolhimento ou não das contribuições descontadas dos empregados. Em outras palavras, deve ser responsabilizado o réu ou réus que detinham o domínio do fato, com poderes para fazer com que a omissão ocorresse ou não" (in, Direito Previdenciário - aspectos materiais, processuais e penais, 2º edição, Editora Livraria do Advogado, PoA, 1998, p. 287).

Com efeito, a conduta típica prevista no artigo 168-A do Diploma Penal, tem natureza formal e se consuma quando o agente deixa de recolher, na época própria, os valores das contribuições previdenciárias descontados de seus empregados, ou seja, trata-se de crime omissivo próprio. Assim, para a configuração do delito, basta que ele não recolha as importâncias retidas dos empregados, que deveriam ser repassadas ao órgão previdenciário.

Além disso, não possui nenhuma relevância jurídica o fato de o apelante não ter tomado em proveito próprio o numerário devido à autarquia, eis que mero exaurimento do crime, não sendo exigida a presença do animus rem sibi habendi para a caracterização do delito.

Com efeito, não pode prosperar a argumentação sustentada pela defesa no sentido de que o apelante conseguiu comprovar que agiu acobertado pela causa dirimente da inexigibilidade de conduta diversa, em face das eventuais dificuldades financeiras pelas quais passava a empresa.

Os depoimentos colhidos em interrogatório e na prova testemunhal não têm o condão de justificar, por si só, a retenção dos valores relativos a contribuições dos empregados, que, diga-se de passagem, não pertenciam ao acusado.

A jurisprudência, inclusive, vem admitindo que tão só a prova testemunhal é insuficiente para a comprovação das dificuldades financeiras da empresa. Assim, confira-se o seguinte julgado, in verbis:

"PENAL. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. DELITO DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA. PRELIMINARES: CERCEAMENTO DE DEFESA E SOBRESTAMENTO DO FEITO. REFIS. LEI 9.964/00. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. ALEGAÇÃO DE QUE A EMPRESA PASSAVA POR GRAVES DIFICULDADES FINANCEIRAS. ÔNUS DA PROVA. DOLO ESPECÍFICO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO.
I - A preliminar de cerceamento de defesa suscitada em razão do indeferimento do pedido de perícia contábil, merece ser rejeitada pelos mesmos fundamentos da decisão de fls. 284.
(...)
VI - A mera referência a dificuldades financeiras não é suficiente para ilidir a responsabilidade penal do agente. A exclusão da culpabilidade requer a existência de elementos seguros, aptos a comprovar a impossibilidade do recolhimento das contribuições devidas à Previdência, sendo insuficiente a produção de prova exclusivamente testemunhal.
VII - A prova de alegação incumbe a quem fizer, sob pena de não ser considerada pelo julgador (artigo 156 do CPP).
(...)
X - Apelação do réu improvida."
(T.R.F. 3ª Região, ACR 1999.61.02.000993-5, Rel. Juíza Marianina Galante, DJU 03/12/2002, p. 588).

Frise-se que a comprovação das dificuldades financeiras por que passava a empresa, na época do não recolhimento, era ônus da defesa, que, por sua vez, ao contrário do que ora afirma, não demonstrou a ocorrência da inexigibilidade de conduta diversa.

Nesse sentido é a lição do insigne Professor Fernando da Costa Tourinho Filho, in verbis:

"A regra concernente ao onus probandi, ao encargo de provar, é regida pelo princípio actori incumbit probatio ou onus probandi incumbit ei qui asserit, isto é deve incumbir-se da prova o autor da tese levantada. Se o Promotor denuncia B por haver praticado lesão corporal em L, cumpre ao órgão da acusação carrear para os autos os elementos de prova necessários para convencer o julgador de que B produziu a lesão corporal em L. Se a defesa alegar qualquer causa que vise exculpar a conduta de B, inverte-se o "onus probandi" : cumprirá à defesa a prova da tese levantada. (...)
Se o réu goza de presunção de inocência, é evidente que a prova do crime, quer a parte objecti, quer a parte subjecti, deve ficar a cargo da Acusação.
Se, por acaso, a Defesa argüir em seu prol uma causa excludente de antijuridicidade ou de culpabilidade, é claro que, nessa hipótese, as posições se invertem. (...)
(in, Processo Penal, 3.º volume, 21.ª edição, Editora Saraiva, 1999, p. 235/237)

A aludida dificuldade financeira poderia ter sido demonstrada pela defesa, bastando, para tanto, que juntasse aos autos balanços patrimoniais relativos aos exercícios financeiros aludidos na inicial acusatória, ou seja, da época em que ocorreu a conduta criminosa. Também, poderiam ter sido juntadas as Declarações de Imposto de Renda do período, a fim de comprovar que houve repercussão na situação econômica do sócio administrador advinda da crise financeira vivenciada pela empresa.

E, por fim, ressalte-se que, nos casos de crimes que não envolvam diretamente bens jurídicos relacionados à pessoa natural, faz-se necessária uma maior comprovação da inexigibilidade de conduta diversa, o que deveras não ocorreu nestes autos.

Conclui-se, portanto, que as alegadas dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa não foram provadas, de modo a excluir a ilicitude do fato ou a culpabilidade do agente.

Anoto, por fim, que, mesmo com a decretação da extinção da punibilidade de parte das condutas, ficam mantidas as penas como fixadas em primeiro grau, considerando que sua fixação se deu no mínimo legal.

Assim sendo, acolho o parecer ministerial para decretar a extinção da punibilidade apenas de parte das condutas delituosas praticadas pelo réu GUSTAVO ISHIWATARI, ou seja, em relação às condutas perpetradas antes de 13/07/2001, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, nos termos do artigo 107, inciso IV, c.c. os artigos 109, V, 110, parágrafos 1º e 2º, todos do Código Penal, e nego provimento à apelação da defesa, mantendo a decisão de primeiro grau.

É COMO VOTO.



RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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